Discurso durante a 130ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre a remoção de índios de várias etnias acampados na Esplanada dos Ministérios, analisando o procedimento adotado pelo Governo Federal em relação aos indígenas e os motivos que os levaram a realizar esse protesto.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. POLITICA INDIGENISTA. MANIFESTAÇÃO COLETIVA.:
  • Comentários sobre a remoção de índios de várias etnias acampados na Esplanada dos Ministérios, analisando o procedimento adotado pelo Governo Federal em relação aos indígenas e os motivos que os levaram a realizar esse protesto.
Publicação
Publicação no DSF de 16/07/2010 - Página 36386
Assunto
Outros > SENADO. POLITICA INDIGENISTA. MANIFESTAÇÃO COLETIVA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, SENADO, SUPLENTE, ORADOR.
  • SOLIDARIEDADE, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, INDIO, OPOSIÇÃO, DECRETO LEI FEDERAL, ALTERAÇÃO, QUADRO DEMONSTRATIVO, CARGO EM COMISSÃO, FUNÇÃO GRATIFICADA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), CRITICA, ARBITRARIEDADE, DECISÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ACUSAÇÃO, SUJEIÇÃO, ENTIDADE, INTERESSE, PARTE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), NEGLIGENCIA, REPRESENTAÇÃO, GRUPO INDIGENA.
  • REPUDIO, UTILIZAÇÃO, POLICIA FEDERAL, POLICIA MILITAR, POLICIA CIVIL, DISTRITO FEDERAL (DF), EXPULSÃO, GRUPO INDIGENA, AREA, MINISTERIOS, DENUNCIA, VIOLENCIA, DESOCUPAÇÃO, DIFERENÇA, TRATAMENTO, PROTEÇÃO, INVASÃO, SEM-TERRA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DIVERSIDADE, DOCUMENTO, REPRESENTANTE, GRUPO ETNICO, REGISTRO, SITUAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, COMPROVAÇÃO, PREPARO, INDIO, POSSE, PRESIDENCIA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), LEITURA, CURRICULO, ADVOGADO, MEMBROS, TRIBO.
  • CRITICA, FALTA, CONSULTA, INDIO, DECISÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), DENUNCIA, AUSENCIA, ASSISTENCIA MEDICO-ODONTOLOGICA, ESPECIFICAÇÃO, PERIODO, GRAVIDEZ, PARTO, RISCOS, MORTE.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Geraldo Mesquita, que preside a sessão neste momento, antes de começar meu pronunciamento, gostaria de fazer uma saudação especial ao meu 1º Suplente, que se encontra no plenário, Dr. Luiz Fernando Santoro, e a um conterrâneo meu que está na galeria, o Renato, que estava aqui em tratamento, junto com sua esposa, e de dizer, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, senhores telespectadores e senhoras telespectadoras da TV Senado, senhores ouvintes da Rádio Senado, que muitas vezes vim a esta tribuna, para abordar um tema que diz muito de perto ao meu Estado, mas também ao Brasil todo, especialmente à Amazônia, que é a questão da assistência aos índios.

            Sempre fui, de maneira maldosa, taxado de inimigo dos índios. Ora, eu, como médico, passei 14 anos, exercendo a minha profissão em Roraima, atendendo nas aldeias, levado, inclusive, pela Diocese de Roraima.

            Portanto, não conheço o índio só na televisão; não conheço o índio de ouvir dizer. Conheço o índio como médico, ao lidar com o ser humano índio. Para mim, o índio não é uma “historinha” de ONGs, que usam o nome ou a figura do índio, para faturar, para roubar, como, aliás, ficou comprovado na CPI das ONGs que presidi. E, também, agora, já o Tribunal de Contas da União, a Coordenadoria-Geral da União já comprovaram que essas ONGs, na sua grande maioria, são, na verdade, antros de malandragem, para roubar o dinheiro público.

            Uma coisa que chamou a atenção, nesse período, de todos que passavam na frente dos Ministérios, em frente ao Congresso Nacional, portanto, era a quantidade de índios acampados, por vários e vários dias.

            O jornal Correio Braziliense diz: “Depois de 159 dias, os quase 100 representantes de 12 comunidades indígenas acampados na Esplanada dos Ministérios receberão reforços.” Viriam outros 200 para fazer o revezamento daqueles que já estavam, digamos assim, saudosos das suas aldeias.

            Durante, portanto, 159 dias, mais do que isso, os índios ficaram aí. Acho que pouca gente se perguntou: “O que eles estão fazendo aí?. Por que os índios não estão lá nas suas comunidades e estão aqui acampados, na frente dos Ministérios e do Congresso Nacional?” Eu procurei informar-me. Depois a imprensa publicou largamente que eles estavam protestando contra um decreto do Presidente da República que alterou até mesmo lei; que aprovou o Estatuto e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas da Fundação Nacional do Índio e deu outras providências. Na verdade, legisla-se sobre uma série de coisas que interessam aos índios sem consultá-los, como sempre.

            A Funai tem uma “parceria” - palavra que prefiro colocar entre aspas - com algumas ONGs que ela elege como prioritárias e sacrossantas, mas isola as outras ONGs indígenas que não rezam a mesma cartilha de um grupinho que vem comandando a Funai há muito tempo.

            Aliás, os índios já me disseram várias vezes que a Funai deveria ter outro nome no lugar de Fundação Nacional do Índio, porque ela nunca foi presidida por um índio, meu caro Senador. Nunca foi presidida por um índio! A Fundação Nacional do Índio nunca foi presidida por um índio! Você já ouviu falar, por exemplo, numa associação de mulheres presidida por um homem? Alguém ouviu falar nisso? Ou alguém ouviu falar numa associação de idosos presidida por um adolescente? É mais ou menos isso que acontece na Funai. Nomeiam antropólogos; mais para trás, militares ou advogados, mas até hoje os índios são tidos por esses que se dizem defensores como seres inferiores, que não são capazes.

            Há anos, defendi isso dizendo uma coisa só: se é por falta de diploma superior, isso não existe! Só no meu Estado existem mais de trinta índios com curso superior. Professores, advogados, antropólogos. Só no meu Estado. Mas no Brasil todo são inúmeros.

            E por que não se escolhe um índio? Por que esse estatuto não diz que a Funai tem que ser presidida por um índio? E se é para exigir curso superior, exija. Mas será que é preciso? O Presidente da República tem curso superior? Ele se gaba de dizer que não tem curso superior, o Presidente da República! Então, se para presidir o País não precisa ter curso superior, e não precisa mesmo, por que precisaria ter curso superior para presidir a Funai? Mas eu acho que para dirigir um órgão complexo como é a Funai é interessante que se tenha curso superior, como é interessante, embora não necessariamente obrigatório, que o Presidente da República tenha curso superior.

            Mas nunca deram bola para isso. E esses índios ficaram aí, portanto, mais de cento e sessenta dias e, finalmente, foram expulsos pela Polícia. E aí eu fiquei admirado de novo. Porque eu nunca vi a Polícia ser usada para mexer com índio. Pelo contrário. Agora, a Polícia Federal, a Polícia do Distrito Federal, tanto a militar quanto a civil, foram chamados para evacuar os índios da Esplanada.

            Aí eu digo: alguma equívoco existe. Por exemplo, não vejo expulsarem sem-terra de invasões, não vejo expulsarem outros acampamentos que se fazem aqui. Por que se expulsam esses índios? Logo os índios, que são um xodó para essas ONGs?

            Aí fui descobrir. É porque essas etnias que estavam aí representadas, que, segundo os jornais, são mais de 12, e cujo grupo ontem eu tive a oportunidade de receber, na verdade, estavam protestando contra esse decreto. É porque eles estavam, portanto, contrariando o Sr. Presidente da Funai, o Sr. Ministro da Justiça e o Presidente da República. Então, neste caso, como o Presidente é meio professor de Deus, aí tem que tirar os índios, nem que seja na marra como foi feito agora: na marra! Tiraram os índios na marra daqui! E não foi de algum lugar escondido, não. Não foi, como costumam dizer, lá nos grotões da Amazônia, não! Foi aqui, na Capital da República, na frente do Congresso Nacional.

            Eles me trouxeram ontem, Senador Geraldo, alguns documentos que eu vou pedir a V. Exª que depois sejam transcritos, na íntegra, como parte do meu pronunciamento. Quero frisar que tem inclusive um documento das mulheres indígenas que denunciam a brutalidade policial na desocupação aqui do acampamento que eles fizeram. Eu espero, portanto, que isso seja levado em conta. Se não foi levado em conta porque os índios falaram, que seja levado em conta porque um Senador está denunciando.

            Quero aproveitar, mais uma vez, já que para alguns “ongueiros” índio não pode ser Presidente da Funai, eu quero aqui trazer o currículo de um índio.

            O nome dele é Arão da Providencia Araujo Filho. Ele nasceu no Maranhão; é solteiro; embora solteiro, tem três filhos, porque necessariamente não precisa ser casado para ter filhos, principalmente eles, os índios. Tem formação superior, é formado em Direito pela Universidade Estácio de Sá do Rio de Janeiro, em 1988. Especialização: Pós-Graduação pela Universidade Federal Fluminense em Políticas Públicas Indígenas; pós-graduado em Direito Administrativo e Constitucional pela Universidade Estácio de Sá; pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá. É membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil desde 2008, está em atividade; membro também da CUT, como participante da Assessoria Jurídica; membro do Sindsprev, Rio de Janeiro, desde 1990. Conhecimentos adicionais: informática básica em ambiente Windows; Excel Básico e Avançado; OpenOffice Texto. Sabe mais do que eu em termos de informática e do que muito Senador aqui. Fala inglês e é indígena da etnia waizaizar teneteharo. Se eu não pronunciei direito, que os índios me perdoem.

            Mas o certo é que, portanto, falta de currículo não é. Conversei com ele, um advogado - V. Exª também é - realmente bem por dentro não só da realidade indígena, porque ele é um índio, mas dos direitos dos índios. Conhecedor da Constituição e, portanto, condena com veemência essa arbitrariedade de um decreto do Presidente da República. Aqui, Senador Geraldo, não foi medida provisória foi. É um decreto.

            “Ah, mas poderia ser por decreto”. Poderia, até poderia; não sei. Digo de saída que não sei. Mas, já que para tudo que este Governo faz, faz depois de audiência pública, consulta, por que não consultaram os índios? Porque, neste caso, como essas etnias discordam das ONGs que comandam a Funai, elas não servem. Como foi o caso da Raposa Serra do Sol. Lá existem cinco etnias diferentes, com quatro organizações indígenas diferentes, e só uma foi levada em conta pela Funai, que foi o Conselho Indígena de Roraima. E o Conselho Indígena de Roraima é uma ONG; mas lá também tinha a Sociedade dos Índios Unidos do Norte de Roraima, tinha a Arecon, tinha a Alidici... Essas não prestavam para a Funai porque não rezavam a cartilha das ONGs que comandam esse sistema.

            Então, trago esta denúncia aqui, Senador Geraldo Mesquita, porque, ao contrário do que alguns “ongueiros” pensam, como médico, eu menos me importo com índio ter terra e mais me importo com índio ter dignidade; menos me importo que índio tenha, por exemplo, hoje, 13% do território nacional demarcado para reservas indígenas sendo menos de 1% da população brasileira, menos me importo com isso e mais me importo em ver mulheres índias morrendo porque não têm assistência na gravidez, não têm assistência no parto; ver jovens índios desdentados porque não têm assistência odontológica. Isso é o que me importa e não terras indígenas, que nem indígenas são; são terras da União cedidas para usufruto dos índios. Está na Constituição. Mas os “ongueiros” blefam e vendem outra imagem.

            Agora, quanto a mim - até já me intitularam de inimigo dos índios, já me intitularam de inimigo da Amazônia -, podem ter certeza de uma coisa: não tenho medo de dizer a verdade. Aprendi, como médico também, a só dizer a verdade. Aprendi também, como médico, que o médico só está autorizado a mentir, quando se trata da chamada mentira piedosa, isto é, quando o médico está com um paciente que ele sabe que vai morrer a qualquer momento, ele não vai dizer isso ao doente, senão ele o mata na hora; ele vai dizer isso ao parente do doente. Ele vai alertar a família.

            Fora disso, não acontece aprendermos a mentir. Eu não aprendi na minha profissão, não aprendi na minha casa, não aprendi na minha família. Portanto, aqui eu enfrento essas ONGS de peito aberto, sem medo, porque, em vez de fazerem um diagnóstico indígena realmente correto, eles fabricam diagnósticos falsos. Em vez de fazerem laudos antropológicos verdadeiros, fazem laudos antropológicos falsos, como aquele em que se baseou a demarcação da reserva indígena da Raposa Serra do Sol. Quando os índios vêm aqui protestar por algo que diz respeito a eles, aí esse Governo que é, segundo o slogan dele, um Governo de todos, passa a ser apenas o Governo de alguns - e geralmente de alguns companheiros.

            O SR. PRESIDENTE (Geraldo Mesquita Júnior. PMDB - AC) - Senador Mozarildo, V. Exª não entendeu, é o governo de todos que concordam.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - De todos que concordam. Aí, está bem complementado. Na verdade, tem muito a ver com o livrinho que li, algum tempo atrás, ofertado pelo meu suplente, que é A Revolução dos Bichos. Quem ler esse livro vai ver quanta semelhança tem.

            Então, na verdade, esse protesto que faço aqui eu o faço é a pedido dos índios, já que não têm a tribuna para fazê-lo, já que não têm a Funai para defendê-los. E como eles mesmos dizem, a Funai já não é a Fundação Nacional do Índio, mas a “Funerária” Nacional do Índio, porque não cuida da vida do índio, não cuida da saúde do índio, não cuida, de fato, de proteger o índio; cuida, sim, de usar a imagem do índio para fazer charme. Aqui, no Brasil, há algumas pessoas de boa fé que moram em Copacabana, em Ipanema ou na Avenida Paulista, mas nunca foram à Amazônia para ver a realidade de uma comunidade indígena, ou mesmo alguns antropólogos que nunca saíram da academia para botar o pé numa comunidade indígena. Então, é realmente necessário que este Governo, como diz V. Exª, que é de todos aqueles que concordam com ele, pense um pouco e bote em prática de maneira sincera... Aliás, o Senador Alvaro Dias colocou aqui muito claro, quando falou da questão de Cuba, dos presos cubanos, dos presos políticos do regime cubano, quer dizer, quando o Presidente Lula queria defender o regime do seu companheiro Castro, ele disse que aqueles prisioneiros políticos eram como bandidos aqui no Brasil. Agora que a Igreja Católica, intermediando, junto com a Espanha, consegue a libertação de alguns presos políticos, ele diz que aplaude... É preciso ter mais seriedade na condução das coisas. E aqui, quero falar, portanto, por essa minoria indígena e pedir, ao final, novamente a V. Exª, que sejam transcritos os documentos a que me referi.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

- “Índios esperam mais de 200 pessoas para apoiar movimento.”

- “Índios permanecem na Esplanada dos Ministérios e dormem embaixo de árvores”.

- “Vigiados pela polícia, índios continuam na Esplanada, mesmo sem estrutura.”

- “Jornais de Brasília e Estado de São Paulo relatam persistência do AIR”.

- “Currículo de Arão da Providência Araújo Filho”.

- “Polícia expulsa índios Esplanada”.

-“Mulheres indígenas denunciam brutalidade policial na destruição do AIR”.

-“Decreto nº 7.056, de 28 de dezembro de 2009”.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/07/2010 - Página 36386