Discurso durante a 130ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Satisfação com a receptividade que recebeu projeto de autoria de S.Exa. que trata de doações, em dinheiro, para campanhas eleitorais. Leitura e solicitação de transcrição de trecho da matéria publicada no jornal O Globo, de 13 do corrente, de autoria de Marco Antonio Villa.

Autor
Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Geraldo Gurgel de Mesquita Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL. ELEIÇÕES. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Satisfação com a receptividade que recebeu projeto de autoria de S.Exa. que trata de doações, em dinheiro, para campanhas eleitorais. Leitura e solicitação de transcrição de trecho da matéria publicada no jornal O Globo, de 13 do corrente, de autoria de Marco Antonio Villa.
Aparteantes
Alvaro Dias, Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 16/07/2010 - Página 36412
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL. ELEIÇÕES. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, FUNDOS, DESTINAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, PARTIDO POLITICO, OBEDIENCIA, PROPORCIONALIDADE, REPRESENTAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, COMEMORAÇÃO, RESULTADO, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA, APOIO, PROPOSIÇÃO.
  • CRITICA, CORRUPÇÃO, CANDIDATO, PERIODO, ELEIÇÕES, OBJETIVO, OBTENÇÃO, VOTO, COMENTARIO, NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, REFORMA POLITICA.
  • EXPLICAÇÃO PESSOAL, DESISTENCIA, DISPUTA, REELEIÇÃO, SENADO, FRUSTRAÇÃO, ATIVIDADE POLITICA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REGISTRO, HISTORIA, FUNDAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), INICIO, VIDA PUBLICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONTRADIÇÃO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, DESEQUILIBRIO, PODERES CONSTITUCIONAIS.

            O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Senador Mozarildo, que preside esta sessão; Senador Alvaro Dias, aqui presente; ilustre suplente do Senador Mozarildo, aqui presente, recentemente, eu protocolei nesta Casa um projeto de lei - vou tentar resumir a proposta dele - o qual determina que as doações em dinheiro feitas por pessoas físicas e pessoas jurídicas para qualquer campanha eleitoral sejam depositadas em contas especiais abertas pelos Tribunais Regionais Eleitorais dos Estados e do Distrito Federal e distribuídas aos partidos e coligações partidárias na mesma proporção do Fundo Partidário. Determina ainda o projeto de lei que o Tribunal Superior Eleitoral regulamente a lei no prazo de noventa dias após, logicamente, sua aprovação e publicação.

            Por que propus essa alteração na forma de financiamento do processo eleitoral? Porque, ao longo dos anos, tive a oportunidade, e diria também a infelicidade, de testemunhar que a grana tomou conta da política. A verdade é essa. A gente, para ser mais suave, pode dizer: a economia, que ontem era um instrumento da política, hoje tem a política como seu instrumento. É uma inversão total das coisas, Senador Mozarildo.

            Eu digo que espero que lá no final dessa campanha eleitoral as pessoas se lembrem do que estou dizendo: poucos são aqueles que no Brasil, hoje, se elegem e se elegerão sem que tenham enorme capacidade de reunir elevados recursos para custear suas campanhas.

            No meu Estado, por exemplo, no meu Partido, ocorreu um fato que ilustra isso, Senador Alvaro Dias. Nós alimentávamos a possibilidade de lançar um candidato ao Governo do Estado, um menino novo, Rodrigo Pinto, vereador da Capital, dois mandatos - o pai dele havia sido Governador do Estado, Edmundo Pinto, aquele que foi assassinado em São Paulo, no início da década de 90 -, e, dramaticamente, a candidatura do Rodrigo Pinto foi retirada do partido porque ele, digamos, não demonstrou ao partido a possibilidade de reunir R$3,5 milhões, R$4 milhões para custear a campanha.

            É um fato, é o retrato do que estou dizendo. Isso doeu. E por isso propus esse projeto. O que o projeto objetiva? Mais uma vez eu trago outras informações. Dissociar aqueles que são detentores da grana, do capital. Dissociá-los desse vínculo direto, que se torna cada vez mais promíscuo no nosso País, com partidos e candidatos. O empresário, a pessoa física ou jurídica de qualquer natureza passaria então, de forma até patriótica, eu diria, a financiar não o candidato, não o partido político diretamente, mas o próprio processo eleitoral. Isso liberaria, de um lado, empresários que, por vezes, se vêem na obrigação de contribuir. No meu Estado, por exemplo, a situação é complexa. Há empresário que recebe a planilha onde consta com quanto tem que contribuir e, se não contribuir, a retaliação às vezes é pesada, é cruel. Esse é um aspecto da questão. O outro aspecto é que, muitas das vezes, a contribuição vem, mas a cobrança se faz, às vezes, até no mesmo momento. O troco. O que é que eu vou levar com isso?

            Enfim, eu acho que, particularmente aqui no Congresso Nacional, há homens e mulheres de caráter sólido, que têm tido uma atuação de resistência a isso tudo, e faço votos que continuem resistindo; e que aqui, definitivamente, a política, como eu disse, deixe de ter a economia como um instrumento seu e passe a ser instrumento da economia neste País.

            Quando eu apresentei o projeto, houve um colega nosso - não vou citar nomes, pois seria deselegante de minha parte - que chegou a me apartear dizendo que o projeto era romântico. “Ah, isso não prospera, porque é uma iniciativa muito romântica”. Pois olhem, ele foi desmentido por um bocado de gente. E aqui quero louvar a iniciativa do Portal de Notícias do Senado Federal que, em boa hora, houve por bem oferecer àqueles que acessam o portal - e é muita gente que acessa o Portal de Notícias do Senado Federal, a página eletrônica - a possibilidade de participar de enquetes sobre determinados assuntos, sobre determinados projetos que tramitam na Casa. E, para minha agradável surpresa, Senador Alvaro Dias, esse projeto que apresentei foi alvo de uma enquete, que está em curso. A pergunta que se faz no portal de notícias é: “Você é a favor ou contra a proposta que proíbe doações eleitorais aos candidatos e cria um fundo para distribuição entre os partidos segundo sua representação na Câmara Federal?” Até antes de ontem, Senador Alvaro, e a enquete foi colocada recentemente no portal, 60,25% das pessoas que acessaram se disseram a favor do projeto. Interessante! Contra 39,75%.

            Então, ele não é tão romântico assim. Se cerca de 61% daqueles que acessam o Portal de Notícias do Senado Federal, respondendo a uma enquete como essa, acham que esse é um projeto que pode contribuir com a moralização do processo eleitoral brasileiro, acho que ele não terá nada de romântico.

            Antes de continuar meu raciocínio, gostaria de conceder um aparte ao Senador Alvaro Dias, que já o pede há algum tempo.

            O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Senador Geraldo Mesquita Júnior, eu também estou assustado. Eu nunca vi nada igual. Eu imaginava que, com as medidas legislativas adotadas, aprimorando o que há de legislação eleitoral, nós teríamos uma redução dos gastos. Mas, ao observar o que os candidatos majoritários estão registrando nos TERs, para a disputa dos governos estaduais, nós verificamos que há um retrocesso imperdoável. Nunca se gastou tanto quanto se gasta agora. Nós eliminamos, por exemplo, showmícios, brindes, outdoors; eliminamos uma série de despesas da campanha eleitoral e, ao contrário, não há redução no orçamento das campanhas. Há, o que é contraditório, infelizmente, um crescimento exorbitante dos valores declarados para gastos na campanha eleitoral. E todos nós sabemos que a corrupção na administração pública quase sempre começa na campanha eleitoral. São aqueles compromissos, implícitos ou explícitos, que acabam sendo depois respeitados ou não, mas que, certamente em boa parte, são consequência da corrupção na administração pública, obras superfaturadas, obras desnecessárias, desperdício do dinheiro público. V. Exª traz uma ideia. Que se debata sua idéia, confrontando-a com outras idéias, como o financiamento público da campanha, já aprovado no Senado e paralisado na Câmara. Nós temos que fazer a reforma política. Este é um debate para a reforma política. Mas não pode continuar como está. A campanha virou um balcão. Aí um partido pequeno se organiza. Ele não existe. É um partido cartorial, mas ele é legalmente constituído. E aí, quando chega a campanha, ele coloca sua proposta sobre o balcão e ele é comprado para oferecer lá na televisão o seu tempo. É aquele tempo de televisão que está sendo adquirido. Não é nenhum apoio eleitoral, porque ele é pífio. O que se adquire aí - e se adquire desonestamente - é o horário de televisão, que é um horário do povo brasileiro, que é sustentado com o dinheiro do imposto que o povo paga e, portanto, não deveria ser comercializado como é comercializado nas campanhas eleitorais. Isso é uma vergonha! Há um retrocesso enorme, e nós temos que debater essa reforma política. E, para concluir este aparte, que já se tornou longo, penso que só um presidente moderno, mudancista, capaz de produzir reformas e liderar um projeto de reforma política nos levará a um novo modelo compatível com a realidade e com as aspirações da sociedade brasileira. Parabéns a V. Exª pelo tema e pelo projeto, pela iniciativa de propor este debate no Congresso Nacional.

            O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC) - V. Exª foi muito preciso quando traduziu a minha iniciativa. De fato, eu quis introduzir mais um elemento para discussão desta questão entre nós, no Congresso Nacional, e na sociedade brasileira, porque, como V. Exª diz, da forma como está, não pode continuar, Senador Mozarildo. Se continuar, eu não sei onde nós vamos parar, não sei o que será de nós, da política, da sociedade brasileira e do próprio País.

            Concedo a V. Exª, com muito prazer, um aparte.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Geraldo Mesquita, V. Exª aborda um tema que nós temos abordado esses dias aqui e até temos dito, com muita propriedade, que não poderia ser diferente. Numa época em que vamos viver uma eleição geral no País, eleger o Presidente da República, Governadores, Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais, seria melhor que nós não estivéssemos aqui discutindo a política. É pena que discutamos, por exemplo, o aprimoramento do processo eleitoral e político geralmente muito próximo das eleições. Seria interessante que a gente pudesse discutir isso logo após as eleições, quando o Deputado teria quatro anos de mandato pela frente, o Senador, oito anos, e o Presidente da República e os Governadores os seus respectivos mandatos. E há uma coisa que eu também repito muito: nós podemos ter uma boa legislação eleitoral, mas enquanto, por exemplo, não houver a conscientização do cidadão, da cidadã de que votar não é só um dever, é, acima de tudo, um compromisso com a Nação, com o seu Estado, com o seu Município, fica difícil realmente mudar. Até um dia desses, conversando com um sociólogo, eu dizia: “É uma questão de cultura”. Mas, por outro lado, fico pasmado quando entidades importantes como, por exemplo, a Confederação Nacional dos Bispos, a Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação dos Magistrados do Brasil, que foram capazes de mobilizar milhões de assinaturas para apresentar o tal projeto chamado Ficha Limpa, não façam essa mobilização permanente de conscientização das bases. A Igreja Católica não tem as comunidades eclesiais de bases? Então, era importante haver isso para que o cidadão pudesse ter a consciência de que realmente, quando ele troca o voto por alguma coisa, ele de fato está simplesmente se descomprometendo com qualquer coisa que vá acontecer depois, porque o que interessa é o que vai acontecer depois. E eu sempre digo que não há nenhum Vereador, Deputado Estadual, Prefeito, Governador, Deputado Federal, Senador, Presidente da República corrupto que não tenha sido eleito pelo povo. Então, é preciso realmente que haja esse trabalho profundo nas famílias, nas escolas, para que o cidadão possa agir conforme um fato publicado em um jornal, que li aqui há poucos dias, ocorrido no Nordeste. Uma instituição distribuiu para as famílias uns adesivos para colocar na porta de suas casas: “Esta família não vende voto.” Ora, uma pessoa que está disposta a gastar milhões e milhões de reais - R$ 50 milhões, por exemplo, para se eleger governador -, com certeza já está roubando e vai roubar mais depois de reeleita. Então, quero cumprimentar V. Exª, mas não é por isso que não temos de ter iniciativas legislativas que possam aprimorar o processo. Estou plenamente de acordo.

            O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC) - Temos, sim, Senador Mozarildo. V. Exª tem razão. Precisamos trabalhar - e celeremente - para fortalecer a democracia brasileira.

            Eu, até provocado por V. Exª ontem, acabei aqui falando publicamente - em meu Estado, eu já disse, em entrevistas e tal - que eu não seria candidato. Eu não sou candidato à reeleição por uma série de razões. Este fato, Senador Mozarildo, é uma das razões mais significativas: o meu desconforto com a constatação de que a política está virando um grande negócio em nosso País. É uma promiscuidade já: política, dinheiro, tal. É uma coisa que está me deixando muito desconfortável. Essa é uma das razões.

            A outra razão, que tem muito que ver com isso também, é a questão do Legislativo Federal brasileiro. Nos últimos anos, a sensação que tenho é a de que estamos abrindo mão da nossa condição de poder e nos conformando em ser apenas um órgão auxiliar do Poder Executivo. Isso também está crescendo e está se tornando uma realidade cada vez mais forte em nosso País, em que pese a resistência de poucos aqui no Congresso Nacional, que, corajosamente, continuam resistindo a essa soberba, a essa coisa perigosa que está crescendo no nosso País, um autoritarismo disfarçado de sei lá o quê, submetendo uma instituição como o Congresso Nacional a seus caprichos, a seus desejos. E há muitos que se submetem a isso.

            Querem um exemplo claro e preciso do que isso significa? Está em um artigo que colhi do historiador Marco Antonio Villa e que inclusive vou ler da tribuna daqui a pouco, porque acho que ele faz uma das análises, eu diria, curta e grossa do que acontece com o Governo Lula e a trajetória desse homem público. Ele resume tudo numa seguinte frase, Senador Mozarildo Cavalcanti: “Quem não se submete a Lula, aceitando o papel subalterno, fica sem espaço”.

            Trata-se de uma afirmação muito forte, mas está longe de representar a realidade no nosso País? Não está, não. Talvez ela retrate exatamente o que está acontecendo. A gente sente na carne o peso disso. Vou traduzir para quem está me ouvindo: aqueles que não se submetem, por exemplo, neste Congresso Nacional, como Parlamentar, não tem suas emendas liberadas, emendas parlamentares. As minhas emendas, por exemplo, desde o início do meu mandato, se eu for somar o que foi liberado - e, assim mesmo, não sei por que razão -, não chegam a somar 25% do montante de todas as emendas que eu aloquei no Orçamento da União. Isso é a tradução cabal do que estou dizendo: quem não se submete a esse Governo, como diz o Marco Antonio Villa, aceitando o papel subalterno, fica sem espaço.

            Vou dar outro exemplo. Como a gente não consegue liberar as emendas, os prefeitos - e isso é natural - se afastam do Parlamentar. Os prefeitos se afastam. Para um Estado pequeno como o meu, o Acre, uma emenda de R$200 mil, de R$500 mil vocês não sabem a importância que tem para um pequeno Município na compra de um aparelho para detectar o câncer de mama, na compra de um equipamento agrícola, na construção de uma pequena escola. É de uma importância vital a emenda de um Parlamentar para esses prefeitos de pequenos Municípios. E, como a emenda do Parlamentar não é liberada, é natural que ele se afaste. Esse é mais um exemplo concreto.

            Vocês querem ver outro exemplo?

            Por discordarmos, por divergirmos, por criticarmos - que acho que é nosso papel também neste Congresso Nacional -, aqueles aos quais fazemos oposição, inclusive no Estado, e que estão no poder orientam a imprensa. Não digo toda, porque ainda há alguns profissionais que não se deixam vergar, e há alguns órgãos de imprensa que, aos trancos e barrancos, ainda resistem, mas grande parte da imprensa é orientada para nos marginalizar.

            Então, são três situações aqui que acabam, como diz o Marco Antonio Villa, deixando alguns Parlamentares, alguns políticos, algumas pessoas sem espaço. E foi o que aconteceu comigo, Senador Mozarildo.

            Além do desencanto que aqui confessei com o rumo das coisas, esses fatos existindo e coexistindo ao mesmo tempo levam determinados políticos, determinados parlamentares a repensar o papel que eles devem ter ou que têm no Congresso Nacional.

            Não sou candidato. Vou cuidar da minha vida. Isso não significa dizer que deixarei de ser político. Político eu acho que já nasci sendo, filho de quem sou, de um homem que, durante toda sua vida, militou na política e até hoje, graças a Deus, tem o respeito dos seus conterrâneos e de todos aqueles que o conheceram e com quem travaram contato, meu querido e amado pai, já falecido, Geraldo Mesquita, que foi, como dizemos, tudo na sua terra: Prefeito da Capital, Deputado Federal, Secretário-Geral do Governo, na época do território, Senador, Governador. E Deus já o levou.

            Mas eu queria me adiantar. Vou ler, talvez até canse alguém, mas eu acho que, se alguém tiver oportunidade de atentar para o que diz o historiador Marco Antonio Villa, não perderá tanto tempo assim da vida, não. Acho que vale a pena.

            Ele começa dizendo o seguinte - o artigo foi publicado no jornal O Globo do dia 13 último agora:

Como é sabido, o Partido dos Trabalhadores nasceu em 1980. Contudo, muito antes da sua fundação, foi precedido de um amplo processo de crítica das diversas correntes de esquerda realizada na universidade e no calor dos debates políticos. A ação partidária, os sindicatos e as estratégias políticas adotadas durante o populismo (1945-1964) foram duramente atacados. Sem que houvesse um contraponto eficaz, fez-se tábula rasa do passado. A história da esquerda brasileira estaria começando com a fundação do PT. O ocorrido antes de 1980 não teria passado de uma pré-história eivada de conciliações com a burguesia e marcada pelo descompromisso em relação ao destino histórico da classe trabalhadora.

O processo de desconstrução do passado permaneceu durante vinte anos, até o final do século XX. As pesquisas universitárias continuaram dando o sustentáculo “científico” de que o PT era um marco na história política brasileira, o primeiro partido de trabalhadores. O estilo stalinista de fazer história se estendeu para o movimento operário. Tudo teria começado no ABC. Mas não só: a história do sindicalismo “independente” teve um momento de partida, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo, em 1975 (na posse [aliás] estava presente o governador Paulo Egydio, fato único naquela época). Toda história anterior, desde os anarquistas, tinha sido somente uma preparação para o surgimento do maior líder operário da história do Brasil.

A repetição sistemática de que em São Bernardo foi gestada uma ruptura acabou ganhando foro de verdade científica, indiscutível. Lula tinha de negar e desqualificar a história para surgir como uma espécie de “esperado”, o “ungido”. Não podia por si só realizar essa tarefa. Para isso contou com o apoio entusiástico dos intelectuais, ironicamente, ele que sempre desdenhou do conhecimento, da leitura e da reflexão. E muitos desses intelectuais que construíram o mito acabaram rompendo com o PT depois de 2003, quando a criatura adquiriu vida própria e se revoltou contra os criadores.

Mas não bastou apagar o passado. Foi necessário eliminar as lideranças que surgiram, tanto no sindicato como no PT. E Lula foi um mestre. Os que não se submeteram, aceitando um papel subalterno, acabaram não tendo mais espaço político. Esse processo foi se desenvolvendo sem que os embates e as rupturas desgastassem a figura de líder inconteste do partido. Ao dissidente era reservado o opróbrio eterno.

A permanência na liderança, sem contestação, não se deu por um choque de ideias. Pelo contrário. Lula sempre desprezou o debate político. Sabia que nesse terreno seria derrotado. Optou sempre pela despolitização. Como nada tinha escrito, a divergência não podia percorrer o caminho tradicional da luta política, o enfrentamento de textos e ideias, seguindo a clássica tradição dos partidos de esquerda desde o final do século XIX. Dessa forma, ele transformou a discordância em uma questão pessoal. E, como a sua figura era intocável, tudo acabava sem ter começado.

A vontade pessoal, fortalecida pelo culto da personalidade, fomentado desde os anos 70 pelos intelectuais, se transformou em obsessão.O processo se agravou ainda mais após a vitória de 2002, [Senador Mozarildo]. Afinal, não só o Brasil, mas o mundo se curvou frente ao presidente operário. Seus defeitos foram ainda mais transformados em qualidades. Qualquer crítica virou um crime de lesa-majestade. O desejo de eliminar as vozes discordantes acabou como política de Estado. Quem não louvava o Presidente era considerado um inimigo.

Os conservadores brasileiros - conservadores não no sentido político, mas como defensores da manutenção de privilégios antirrepublicanos - logo entenderam o funcionamento da personalidade do presidente. Começaram a louvar suas realizações, suas palavras, seus mínimos gestos. Enfim, o que o presidente falava ou agia passou a ser considerado algo genial. Não é preciso dizer que Lula transformou os antigos “picaretas” em aliados incondicionais. Afinal, eles reconheciam publicamente seus feitos, suas qualidades. E mereceram benesses como nunca tiveram em outros governos.

É só esta a obsessão pelo poder e pelo mando sem qualquer questionamento que pode ser uma das chaves explicativas da escolha [e aqui é o jornalista que fala, não sou eu] de Dilma Rousseff como sua candidata.

            Esse aqui é o retrato. O jornalista foi muito feliz em analisar essa trajetória toda e tecer esse quadro no qual nós estamos e, às vezes, não percebemos.

            Comungo, em gênero, número e grau, com o que diz o jornalista. Resisto a isso. Por isso, estou sendo alijado. Mas alijado com a consciência tranquila, Senador Mozarildo, de que, durante todo o tempo em que aqui estive, mantive a dignidade de ser fiel à minha consciência e ter a coragem de desagradar àqueles que realmente têm uma mão muito pesada no exercício do poder, o que se torna, de forma muito preocupante no nosso País, uma obsessão.

            Espero que o povo brasileiro tenha a felicidade, Senador Mozarildo, de superar isso tudo, apesar de hoje aplaudir com entusiasmo um governo que se mostra - de forma a não me enganar - bonzinho com aqueles menos favorecidos, mas se alia com o que há de pior na política e na sociedade brasileira.

            Essa é uma contradição que uma hora o povo brasileiro vai ter que elucidar e resolver, sob pena de ser tragado por essa obsessão ao poder.

            Senador Mozarildo, para concluir.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Geraldo, não resisti e pedi outro aparte a V. Exª, porque é triste essa parte final em que V. Exª confirma que não vai mais militar na vida pública - portanto, não vai mais disputar eleição. É triste quando uma pessoa de bem, de bons costumes, ficha limpa como V. Exª se desencanta da política e sai. Razões não lhe faltam, mas isso, evidentemente, só favorece os maus, porque é evidente que esses maus não têm nem esses escrúpulos e muito mais fazem da política um meio de servir, mas um meio de se servir. Então, quero deixar aqui a minha solidariedade e dizer que lamento muito que pessoas de bem tenham de tomar essa atitude de não participar mais porque ou não conseguem exercer o seu mandato dentro, vamos dizer assim, do que está na lei, porque tem de se submeter, como dizia a ex-Senadora Heloisa Helena, a um certo balcão de negócios, ou, então, não tem recurso sequer para disputar eleição. Então, quero manifestar minha solidariedade a V. Exª, ao mesmo tempo em que manifesto tristeza pelo Senado por ser privado de um Senador do porte de V. Exª.

            O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC) - Senador Mozarildo, muito obrigado.

            Para encerrar, Sr. Presidente, peço a transcrição do texto que foi objeto da minha leitura nesta tribuna.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR GERALDO MESQUITA JÚNIOR EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

- “Obsessão pelo poder.” O Globo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/07/2010 - Página 36412