Discurso durante a 153ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Destaque para as homenagens e eventos realizados para lembrar a importância da obra de Joaquim Nabuco.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Destaque para as homenagens e eventos realizados para lembrar a importância da obra de Joaquim Nabuco.
Aparteantes
Alvaro Dias, Kátia Abreu, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 02/09/2010 - Página 44271
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ENCERRAMENTO, ANO NACIONAL, JOAQUIM NABUCO (PE), HISTORIADOR, DIPLOMATA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, EMBAIXADOR, CONTINENTE, EUROPA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CONTRIBUIÇÃO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, DEBATE, FRONTEIRA, INTEGRAÇÃO, AMERICA.
  • LEITURA, TRECHO, LIVRO, AUTORIA, JOAQUIM NABUCO (PE), HISTORIADOR, ANALISE, HISTORIA, CRISE, NATUREZA POLITICA, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, COMPARAÇÃO, CONTEXTO, INICIO, REPUBLICA, BRASIL, COMENTARIO, RISCOS, PRESIDENCIALISMO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador José Bezerra...

            A Srª Kátia Abreu (DEM - TO) - Senador Marco Maciel, por gentileza; Sr. Presidente, um segundo, por favor.

            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Pois não.

            A Srª Kátia Abreu (DEM - TO) - Antes de V. Exª iniciar as suas palavras, eu quero aqui trazer a minha solidariedade e, mais uma vez, a minha admiração e dizer do que o senhor significa como exemplo para este País.

            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Muito obrigado.

            A Srª Kátia Abreu (DEM - TO) - Eu soube do constrangimento terrível que ocorreu em Recife, sexta-feira passada, no Estado de Pernambuco - não tenho certeza se foi na capital. O Presidente da República, em campanha eleitoral para os seus, lhe fez acusações, lhe fez agressões gratuitas - gratuitas, infelizes - que não podem vir da boca de um Presidente da República. Ele precisa conhecer o seu lugar. Ele precisa dar valor ao seu status. Ele precisa conhecer a grandeza do que significa ser Presidente da República. V. Exª foi Vice-Presidente deste País. E se ele, quando for ex-Presidente, quiser o mesmo respeito, que ele respeite as pessoas. V. Exª tem a admiração do País, porque o senhor, sim, é um ficha limpa, mãos limpas, vida limpa. E, quando foi Vice-Presidente da República, conseguiu, nos oito anos de Governo Fernando Henrique Cardoso, liberar 46% do Orçamento do seu Estado. Ao contrário dele, que se diz do Nordeste, que afaga o Nordeste, e liberou em torno de 15% do Orçamento para o seu Estado. Quem é que fez a diferença? Foi Marco Maciel com toda a dignidade e sabedoria. Parabéns pelo seu trabalho, Senador, o senhor merece ser reeleito pelo seu Estado. Muito obrigada.

            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Muito obrigado, Senadora Kátia Abreu.

            O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - V. Exª me concede um aparte, nobre Senador Marco Maciel?

            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Nobre Senador Pedro Simon, concedo o aparte a V. Exª.

            O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Eu tenho que trazer a V. Exª o meu abraço, a minha admiração e meu profundo respeito por V. Exª. Acompanho-lhe a vida e sei da importância de V. Exª na transição democrática, exatamente quando nós fizemos a aliança e conseguimos o que parecia impossível. Derrotada a Emenda das Diretas Já, mudamos todo um conceito que existia na Oposição: fomos ao Colégio Eleitoral e, no Colégio Eleitoral, Tancredo ganhou as eleições. V. Exª era um candidato de Tancredo a Vice-Presidência da República. Eu sou testemunha de quanto ele insistiu para que V. Exª aceitasse a candidatura. Por uma questão de elegância, de ética, de respeito, achou que, tomando a posição que tomaria, não lhe ficaria muito bem aceitar uma candidatura, já que V. Exª ia assumir uma posição, uma posição de luta, inclusive contrária ao seu partido, mas aceitar uma candidatura não era o seu estilo. V. Exª não aceitou. Poderia ter aceito e poderia ter sido oito anos Presidente... cinco anos Presidente deste País. Eu respeito muito V. Exª.

            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Muito obrigado a V. Exª. É recíproca.

            O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Eu tenho grandes amigos em Pernambuco. O maior deles que eu tive foi Miguel Arraes. Tenho um carinho muito grande, muito respeito pelo que ele foi e pelo que ele representou. Não nego que tenho muito respeito pelo seu neto, hoje Governador, e um grande Governador, de Pernambuco. Tenho muito respeito por Jarbas Vasconcelos, que é, para mim, um dos membros do meu Partido que tentamos fazer aquilo que gostaríamos de fazer. Infelizmente nosso Partido está muito longe daquilo que nós desejaríamos. Mas eu não posso deixar de reconhecer que, ao longo do meu tempo nesta Casa, em todos os momentos, os mais difíceis, os mais duros, os mais importantes, a linha de V. Exª foi uma linha da dignidade, foi uma linha de coerência, foi uma linha de respeito. Eu me lembro, por ocasião da questão do Presidente Collor, quando iniciamos as acusações que terminaram na Comissão para o impeachment do Presidente Collor. V. Exª foi para a tribuna e disse: “Eu fui ao Presidente Collor e pedi a ele que me entregasse todos os elementos que ele tem na sua defesa, e eu farei com muita honra a sua defesa”. E V. Exª ficou esperando, esta Casa ficou esperando. Não vieram, nem para cá, nem para a Comissão, nem para lugar nenhum. E V. Exª ficou firme com seus princípios, intransigente com seus princípios. E todos nós naquela época tivemos que respeitar sua independência, autoridade, seriedade. V. Exª viu as coisas acontecerem e, em nenhum momento, tentou boicotar, dificultar - como hoje acontece na Comissão -; não buscar o resultado ou botar o resultado debaixo do tapete. Não agiu V. Exª no sentido da Presidência, porque V. Exª estava em uma posição que isso impedia, mas também não agiu em sentido contrário. Manteve a sua seriedade, a sua dignidade e saiu com o respeito da Casa inteira. Não acho justo chegar a Pernambuco e ouvir a afirmativa que foi feita por parte de quem fez querendo se referir, ainda que não citando o seu nome, a V. Exª. Duvido que na história de Pernambuco não se reconheça o seu trabalho, a sua ação, a sua luta, a sua dignidade como Deputado Federal, como Presidente da Câmara, como Governador, como Senador, como Ministro e como Vice-Presidente da República, a favor do Brasil, a favor do Nordeste e a favor de Pernambuco. Acho normal, muito normal que se defenda a candidatura das pessoas que se quer, que se use o Governo, que se use o cargo a favor das pessoas que lhe são simpáticas. Mas acho que manter o equilíbrio, manter o respeito é muito importante. Acho que o Presidente Lula está atravessando um grande momento. É um Presidente que está quase no ápice da liderança do prestígio popular. Eu acho que hoje o maior perigo que existe com relação ao Presidente Lula é a sua soberba. Cuidado! A soberba é um pecado capital, a soberba pode levar-nos a pensar em chegar a um plano em que se é superior a Deus e cometermos equivoco do qual nos arrependeremos. Meu carinho a V. Exª, meu respeito a V. Exª. Tenho obrigação de fazer isso, porque é o mínimo que posso fazer para alguém que tudo fez numa hora tão difícil para manter a dignidade e a seriedade desta Casa.

            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PB) - Muito obrigado, nobre Senador Pedro Simon pelo depoimento que acaba de oferecer a respeito da minha atuação na vida pública brasileira e de modo especial no Senado Federal. Devo dizer que acolho desvanecido e sensibilizado as generosas palavras que V. Exª produziu e aproveito a ocasião para retribuir o apreço e a admiração que tenho pela sua vida pública e pela forma séria e competente com que exerce o mandato.

            O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - V. Exª me concede um aparte?

            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Concedo o aparte ao nobre Senador Alvaro Dias.

            O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Para não tomar o tempo de V. Exª, Senador Marco Maciel, eu subscrevo, em número, gênero e grau, o aparte do Senador Pedro Simon. As minhas homenagens a V. Exª.

            O SR. MARCO MACIEL (DEM - RN) - Muito obrigado Senador Alvaro Dias. Quero agradecer também a V. Exª a demonstração de apreço e de estima que muito me sensibilizou, posto que o conheço há muito tempo sua vida pública no Paraná e fora daquele Estado. Também reconheço o trabalho que V. Exª realiza no Senado Federal, como, aliás, podemos dizer o mesmo com relação ao ilustre Senador Pedro Simon, que honra as tradições gaúchas aqui no Senado da República.

            Sr. Presidente, Senador José Bezerra, hoje estamos concluindo o Ano Nacional Joaquim Nabuco, instituído através da Lei nº 11.946, de 15 de junho de 2009. O projeto foi de minha autoria, mas tem outros subscritores no Senado que muito colaboraram para o êxito das celebrações do Ano Nacional Joaquim Nabuco.

            Gostaria de acrescentar que as celebrações que ocorreram ao longo do ano de 2009 até hoje muito concorreram para aviventar a memória de Joaquim Nabuco e a sua pregação em diferentes campos da atividade humana, porque Joaquim Nabuco foi não somente o autor de três grandes clássicos da literatura brasileira - Minha Formação, O Abolicionismo e, finalmente, O Estadista do Império. Este último é realmente uma obra-prima que deve ser inserida entre os clássicos e bem demonstra quanto Joaquim Nabuco fora capaz de apreender as ideias de seu pai, o Conselheiro Nabuco de Araújo, e converter muitas delas em realidade.

            Ao encerrarmos o Ano Joaquim Nabuco, podemos dizer com toda convicção que Nabuco continua com uma agenda extremamente atual, posto que os temas que versou ainda constam da agenda brasileira.

            Em primeiro lugar, o abolicionismo, depois a questão de solução dos problemas das nossas fronteiras, o pan-americanismo, o destaque que ele conseguiu para o Brasil a exemplo de funções no exterior, inclusive não somente como embaixador na Europa, mas também nos Estados Unidos, sobressaindo a multiplicidade da obra de Joaquim Nabuco.

            Por isso estamos aqui para celebrar o encerramento do Ano Joaquim Nabuco, constatando que certamente a sua contribuição não será esquecida para o melhor conhecimento do País e de suas instituições.

            Devo, Sr. Presidente, Senador José Bezerra, dizer que, na realidade, Joaquim Nabuco se preocupou também com a questão institucional brasileira. Se vivo fosse, Nabuco estaria lutando pela reforma política, pela reforma das instituições. Vou fazer um breve comentário sobre uma das suas obras, Balmaceda, talvez menos conhecida, menos celebrada, mas nem por isso menos importante, mesmo porque guarda uma sinonímia muito grande das questões brasileiras com as que ocorriam no Chile.

            Embora Balmaceda seja uma de suas obras menos celebradas, mais do que um relato histórico, muito além de um simples ensaio, mais expressiva do que uma arguta análise política, Balmaceda é, na bibliografia de Joaquim Nabuco, uma síntese extraordinária de suas preocupações, quase uma antevisão sobre o destino e os riscos que poderiam ocorrer no Brasil sobre a República então recém-proclamada.

            O livro é produto dos artigos que Nabuco publicou no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro ao comentar a obra do escritor chileno Julio Bañados Espinosa, intitulada Balmaceda: seu Governo e a Revolução de 1891.

            A obra do autor chileno foi elaborada em defesa do Presidente José Manuel Balmaceda, que, em seu conflito com o Parlamento, levou o país à guerra civil e o então Presidente, depois de deposto e exilado na Embaixada da Argentina em Santiago, ao suicídio praticado no último dia do seu mandato.

         O gesto extremo evoca necessariamente o mesmo ato praticado pelo Presidente Getúlio Vargas no fatídico 24 de agosto de 1954, a despeito da diferença e das circunstâncias entre ambos. Getúlio estava no pleno exercício das suas funções. Balmaceda, ao contrário, já afastado do cargo por força da revolução que o seu conflito com o Parlamento provocou, já não mais governava o país. Aguardou o que seria o último dia do seu mandato para o gesto extremo.

            As derrubadas de governos, de fato ou legítimos, não são raras na conturbada história da América Latina, mas os dois exemplos lembram, no caso do Chile, o de Salvador Allende, no ato heróico de resistência inútil ao golpe militar que o levou igualmente à morte depois do bombardeio do Palácio de La Moneda.

            Menos na particularidade de gestos extremos do que nas circunstâncias que os provocaram, reside a genialidade de Nabuco no emblemático livro ao escrever sobre os riscos do presidencialismo latino-americano: “Nos chamados governos presidenciais, o Presidente está muito mais adstrito ao jugo partidário do que nas repúblicas parlamentares, onde ele representa o papel de um soberano constitucional, cingindo-se à vontade das maiorias”.

            A descrição do que ele denominou de “política silogística” viria a ser, mais tarde, a prática que ninguém melhor do que ele definiu para significar a distância que tem separado, na vida política, as promessas da realidade. A política silogística a que se referia Nabuco “é uma pura arte de construção no vácuo. A base são teses e não fatos; o material, ideias, e não homens; a situação, o mundo, e não o país; os habitantes, as gerações futuras, e não as atuais”.

            A primeira indagação de quem lê Balmaceda é instintivamente indagar a razão do interesse de Nabuco, monarquista, por um episódio da que era até então uma das mais estáveis repúblicas parlamentaristas sul-americanas, comentando o livro escrito por um ex-ministro, um dos mais próximos auxiliares do ex-presidente chileno, sabendo-se que foi por ele encomendado antes de sua morte, quando já asilado na Embaixada Argentina, em Santiago.

            O motivo é, sem dúvida, o que a propósito da análise da recém-lançada antologia do historiador Evaldo Cabral de Mello, intitulada Essencial Joaquim Nabuco, registra seu colega também historiador Jean Marcel Carvalho França. É que a obra de Nabuco, diz ele, “foi escrita com os olhos voltados para a então recente Proclamação da República no Brasil”.

            O drama do Presidente José Manuel Balmaceda teve início quando a lei orçamentária do País, aprovada por 18 meses, vigorou até janeiro de 1886. A votação de uma lei foi frustrada pela obstrução da minoria. O Parlamento chileno viu-se ante uma situação que tantas vezes ocorreu no Brasil. Segundo Nabuco “a minoria protelando e a maioria deixando protelar”. Balmaceda assumiu a presidência no dia 18 de setembro de 1886 e enfrentou as dissidências tão comuns num regime de proliferação partidária em que nem as maiorias nem as minorias são estáveis. As observações de Nabuco mostram a progressiva desagregação político-parlamentar do Chile naquela quadra. Seu registro é preciso, objetivo e direto: “a sessão de 1889 foi muito agitada. A maioria liberal-radical defendia com ardor Balmaceda, tratando de afastar da luta o nome do presidente. Os mesmos homens que veremos dentro de um ano assinando a ata de sua deposição estão ainda unidos em torno dele”.

            Aludindo ao paralelo entre o Chile e o Brasil, ele fez um cotejo com o Brasil Monárquico, quando enfrentamos a fase crucial da abolição: “Quando a monarquia se sentiu obrigada a tocar nesse ponto delicado da economia social, o partido ultraconservador, os antigos saquaremas do Rio de Janeiro, (José Joaquim Rodrigues) Torres, Paulino de Sousa e Euzébio de Queirós, passaram todos estrepitosamente para a República”. E arremata: “No Chile, quem sabe se a sociedade não entrou como a nossa em uma dessas fases em que tudo se separa para unir-se diferentemente. É a crise do crescimento, mas, em todo caso, é um período de profundo desequilíbrio, do qual o organismo pode sair preparado para maiores coisas, mas em que também pode faltar a nova coesão de que precisa para não se dissolver”.

            No Chile de Balmaceda, há outras comparações com o Brasil republicano. Ele, que foi um liberal na maior parte de sua vida política, viu-se na crista de uma crise, em que, apelando para o conflito com o Parlamento, terminou solapando o alicerce da popularidade que tem alimentado a sua carreira política e parlamentar. O resultado foi a guerra civil de 1891, quando o Parlamento não aprovou a lei do orçamento para aquele ano, e o Presidente, ignorando o poder do Congresso, validou o do ano anterior. Quando o Congresso votou e aprovou sua destituição, o Presidente respondeu dissolvendo-o. Da solução pacífica dos votos, passou-se ao prélio terrível das armas. Decorridos oito meses de combates, o triunfo do Congresso tornou-se inevitável, e a Balmaceda não restou outra alternativa senão entregar-se e asilar-se na Embaixada argentina, onde, no dia em que deveria findar-se o seu mandato, recorreu ao gesto extremo do suicídio.

            Sr. Presidente, neste caso, não há paralelo com a jovem República brasileira, muito embora a renúncia de Deodoro como chefe do primeiro Governo republicano se justifique pelo agravo que sofreu, quando, na primeira eleição indireta para a Presidência pelo Congresso, teve menor número de votos que seu vice-Presidente, o também marechal, Floriano Peixoto.

            Mas as observações de Nabuco, no curso de sua análise sobre os infortúnios do Presidente Balmaceda, não se cingem, Sr. Presidente, aos aspectos circunstanciais de sua vida. Como em tantas outras oportunidades no livro, seus olhos veem o Chile e ele pensa no Brasil quando afirma: “Em nossos países, onde a nação se mantém em menoridade permanente, as liberdades, o direito de cada um, o patrimônio de todos vivem resguardados apenas por alguns princípios, por algumas tradições ou costumes que não passam de barreiras morais sem resistência, e o menor abalo deita por terra”.

            Sr. Presidente, com a insuperável elegância do seu texto, que é uma das marcas de seu espírito de escritor, ele conclui: ”A esses países onde a liberdade carece de amparo do poder, onde a lei é frágil, não se adaptam instituições que só pode tolerar uma nação como a norte-americana, cuja opinião é uma força que levaria de vencida qualquer governo, cujos partidos são exércitos que, dentro de horas, se levantariam armados sob o comando dos seus chefes e que, por isso mesmo, se respeitam como duas grandes potências”.

            Não teria propósito e nem essa seria a oportunidade adequada para uma análise mais profunda do sentido educativo de todo o livro, que algumas vezes não tem desfrutado do prestígio que merece, quando se considera o conjunto da obra monumental de Joaquim Nabuco.

            Todo o texto, porém, é uma elegia ao saber, à percuciência do observador arguto de nossa gente e do nosso meio. Mas no Brasil, em que a reforma é a palavra mais utilizada, mais reclamada e, ao mesmo tempo, tão mal compreendida e tão inadequadamente aplicada, ele não deixa de chamar a atenção para algo sobre o que raramente ponderamos: “A tradição toda da palavra reforma, tomada primeiro a mais tranquila de todas as histórias, as dos mosteiros, é conservadora e encerra em si dois grandes sentimentos: o da veneração e o da perfeição. Perguntaram a Pausânias por que, entre os lacedônios não era permitido a ninguém tocar nas leis antigas: ‘Porque as leis’, respondeu ele, ‘devem ser as senhoras dos homens, e não os homens senhores das leis’”.

            A grandeza dos textos de Nabuco, sua perenidade e o alcance moral dos seus ensinamentos fazem dele, mais que um autor, um mestre, vocacionado não para ensinar, mas para educar.

            O texto seguinte, mais que ilustrativo, é esclarecedor de sua maneira de pensar e da precisão em exprimir o que pensa: “O direito das Câmaras de negar os meios a um Gabinete que ela supunha fatal às instituições, é um direito perfeito. As Câmaras são a Representação Nacional; a ficção é que elas são o país, ao passo que o Presidente não é senão um magistrado. Entre a Representação Nacional, de um lado, e o presidente, do outro, presume-se, havendo conflito, que a nação está com seus representantes e não com seu delegado, e tanto assim que a Representação Nacional tem, em certos casos, deixado exclusivamente a seu critério o direito até de suspender e o de depor. É o Poder mais alto de todos. No caso de ruptura, não se compreenderia na Inglaterra um Parlamento, nem nos Estados Unidos um Congresso rebelde. (...) Nada mais prepóstero do que, em um país onde esse modus vivendi estava, desde tantos anos, profundamente radicado, surgir, de repente, um Gabinete pretendendo governar sem as câmaras e invocando para isso fragmentos arqueológicos ou postulados da ciência moderna”.

            A crise política provocada por Balmaceda tem pontos em comum com os eventos que, no Brasil, marcaram o trágico 24 de agosto de 1954 e, no ano seguinte, os episódios de 11 de novembro, com a destituição e a consequente renúncia do Vice-Presidente da República e de seu substituto legal, o Presidente da Câmara dos Deputados.

            Mas, caracterizava-se também por diferenças marcantes, significativas. Nabuco registra: “Apenas se declara, a 7 de janeiro (de 1891), a revolta da esquadra, Balmaceda, no mesmo dia, constitui a si mesmo Ditador”. ‘Desde essa data, diz o decreto, assumo o exercício de todo o poder público necessário para a administração e o governo do Estado e a manutenção da ordem interna’. Imediatamente ordena a prisão dos principais indivíduos da oposição, a saber, dos chefes dos antigos partidos, dos antigos ministros, dos líderes da sociedade. O prefeito de Polícia de Santiago recebe, na manhã do dia 7, uma lista de cerca de 60 pessoas que deviam ser presas; nesta lista figuravam quase todos os homens da primeira classe do Chile (...) No mesmo dia se expede um decreto declarando que nenhuma pessoa poderá sair de Santiago, Valparaiso, Viña del Mar, Quillota, Talca, Concepción, Talcahuano sem o correspondente passaporte, isto é, sem salvo-conduto militar. O Chile todo é posto em estado de sítio; o Exército declarado em campanha; o soldo aumentado de cincoenta por cento, grandes prêmios merecidos por todos os atos de coragem, pensões decretadas para famílias dos que morressem a serviço do Governo”.

            No Brasil, o suicídio do ex-Presidente Vargas e a inquietação decorrente do movimento militar de 11 de novembro marcam a mais significativa diferença com o caso chileno. A saída pacífica fez-se pela eleição do Presidente Juscelino Kubitschek, no pleito de 1955, significando a restauração da normalidade democrática e o desestímulo às tentativas de intervenção militar que não se concretizaram, sanadas com o remédio altruísta da anistia.

            No Chile, o drama e a tragédia se consumavam à medida que a proclamação da ditadura pelo Presidente fechara as portas a qualquer entendimento e, consequentemente, à solução pacífica do confronto que dividira o país, obtendo como resposta o caminho à violência de ambos os lados. “Foram cruéis os vinte dias que Balmaceda passou oculto na Legação Argentina (...) A escolha parece ter sido em mais de um sentido infeliz. A Legação não oferecia segurança contra um ataque súbito de exaltados que adivinhassem que Balmaceda estava refugiado nela. (...) Foi no interesse de seu hóspede que o Sr. Uriburu (chefe da Legação) tomou extraordinárias precauções de segredo, mas essas precauções mesmas não podiam deixar de abater o ânimo de Balmaceda. Ele não era de fato um asilado do Direito Internacional, era um acoitado, um escondido; para um Chefe de Estado da véspera que ainda não tinha concluído o seu período, tal posição era cruel e lancinante”.

            “Uma vez assentada a solução da morte, escreveu Nabuco, é preciso justificá-la, depois utilizá-la politicamente, por último escolher o momento. (...) A data de 19 de setembro é escolhida porque expira na véspera o prazo de sua presidência. Não é um Presidente do Chile que se mata, é um simples particular”. “Junto com a terminação constitucional do mando que recebi em 1886 [justifica-se Balmaceda] tive que estudar a situação que me rodeia”. “A justificação, esclarece Nabuco, é a impossibilidade de fugir sem se expor e ser despedaçado pelos inimigos, se fosse reconhecido; é a impossibilidade de prolongar o asilo sem comprometer seus generosos amparadores; por último, é a impossibilidade de entregar-se aos adversários, ‘um ato de insânia política’ [escreveu em carta a Cláudio Vicuña e Julio Bañados]”.

            Alega mais: “Com meu sacrifício os amigos acharão em pouco tempo modo de reparar o seu infortúnio”, argumenta em carta aos irmãos. Tentando amenizar as críticas que fatalmente viria a sofrer por parte de seus correligionários e seguidores, abandonados à própria sorte, antecipa Getúlio, na sua Carta-testamento: “Só lhes posso oferecer o sacrifício de minha pessoa”.

            Sua última mensagem como Vargas mais de meio século depois, deixou-a também numa carta: “Escrevi uma carta a Vicuña e a Bañados... É um documento histórico que se deve reproduzir íntegro na América e na Europa, para que se compreenda a minha situação e a minha conduta. Façam-no reproduzir. Não o deixem de publicar”.

            No livro em que perpetuou o drama e a tragédia que tisnaram o caminho da democracia na América Latina, por pelo menos dois séculos, Joaquim Nabuco sintetiza, o roteiro de uma peça que contaminou a política de virtualmente toda a América Latina, depois da epopeia da Independência: “Na carta aos amigos, chamada hoje o Testamento de Balmaceda, há três partes: uma, é a revista dos procedimentos da Junta revolucionária, para mostrar que não lhe era permitido esperar justiça de seus inimigos e que por isso não realizava a sua primeira ideia de entregar-se a eles; outra, é a sua defesa dos pontos de acusação que lhe ficaram mais sensíveis; a última é um brado de esperança na vitória ulterior de sua carta” Nesta está o fulcro das contradições dos sistemas políticos que sempre cercaram o exercício do poder pessoal em nosso continente: “O regime parlamentar triunfou nos campos de batalha, mas esta vitória não prevalecerá. Ou o estudo, a convicção e o patriotismo abrem caminho razoável e tranquilo à reforma e à organização do governo representativo, ou novos distúrbios e dolorosas perturbações terão que reproduzir-se entre os mesmos que fizeram a revolução unidos e que mantêm a união para garantia do triunfo, mas que por fim acabarão por se dividirem e se chocarem.”

            “Ele não queria entrar na História sem uma legenda; esta seria a do governo presidencial contra o parlamentar. Estava aí a sua justificação aos olhos de um numeroso partido e, um dia, esperava, aos olhos do país. Quando o Chile mudasse o eixo de suas instituições, seria ele proclamado o fundador da Segunda República. Nesse dia, ninguém perguntaria se ele estivera no seu papel, servindo-se da Presidência para torná-la onipotente. Se não era preferível deixar a reforma amadurecer na opinião a arrostar por causa dela uma guerra civil”.

            A busca da onipotência do poder sempre ameaçou o futuro da democracia na América Latina. A lição que Balmaceda escreveu com seu próprio sangue e assinou com sua própria vida precisa ser aprendida por todos que exercem ou venham a exercer o poder em nosso País e, em especial, em nosso Continente.

            Concluo, Sr. Presidente, as minhas palavras, mais uma vez exaltando a contribuição que Joaquim Nabuco trouxe à solução dos grandes problemas do País, mas também para que possamos estar atentos à necessidade de aperfeiçoarmos as nossas instituições a fim de que o Brasil tenha a sua democracia consolidada, com suas instituições devidamente vertebradas e, por esse caminho, ao final possa, efetivamente, reagir às suas dificuldades e enfrentar os problemas institucionais que venham a turvar o caminho de consolidação das instituições federativas e, mais do que isso, do nosso sistema democrático de governo.

            Muito obrigado a V. Exª.


Modelo1 5/15/2410:42



Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/09/2010 - Página 44271