Discurso durante a 154ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Denúncia de que circula em Rondônia panfleto, assinado por uma autoridade religiosa, que interpretaria de maneira absurda, manipulada e desrespeitosa o terceiro Plano Nacional dos Direitos Humanos, conclamando seus fiéis à intolerância religiosa, à agressão moral e física aos homossexuais, índios e negros. Esclarecimentos acerca de projeto de lei, do qual S.Exa. é relatora e defensora, a fim de enfatizar que este não trata de casamento gay, mas do combate à discriminação e ao preconceito de que são vítimas milhões de pessoas neste País.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • Denúncia de que circula em Rondônia panfleto, assinado por uma autoridade religiosa, que interpretaria de maneira absurda, manipulada e desrespeitosa o terceiro Plano Nacional dos Direitos Humanos, conclamando seus fiéis à intolerância religiosa, à agressão moral e física aos homossexuais, índios e negros. Esclarecimentos acerca de projeto de lei, do qual S.Exa. é relatora e defensora, a fim de enfatizar que este não trata de casamento gay, mas do combate à discriminação e ao preconceito de que são vítimas milhões de pessoas neste País.
Publicação
Publicação no DSF de 03/09/2010 - Página 44629
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • CRITICA, PASTOR, ESTADO DE RONDONIA (RO), MANIPULAÇÃO, DIRETRIZ, DIVULGAÇÃO, FALSIDADE, INFORMAÇÃO, PLANO NACIONAL, DIREITOS HUMANOS, TENTATIVA, INDUÇÃO, POPULAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, NEGRO, INDIO, DISCRIMINAÇÃO, HOMOSSEXUAL, DIVERGENCIA, RELIGIÃO, COMENTARIO, EXISTENCIA, INTERESSE, NATUREZA POLITICA.
  • ELOGIO, PLANO NACIONAL, DIREITOS HUMANOS, RESULTADO, DEMOCRACIA, DEBATE, INCLUSÃO, EVOLUÇÃO, DIREITO INTERNACIONAL.
  • DEFESA, PROJETO DE LEI, RELATOR, ORADOR, TRANSFORMAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, HOMOSSEXUAL, CRIME, ESCLARECIMENTOS, AUSENCIA, REGULARIZAÇÃO, CASAMENTO CIVIL.
  • REITERAÇÃO, COMPROMISSO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, LUTA, INTERESSE, ESTADO DE RONDONIA (RO), GARANTIA, DIREITOS HUMANOS, ESPECIFICAÇÃO, DEFESA, DESTINAÇÃO, EDUCAÇÃO, PERCENTAGEM, RECURSOS, ROYALTIES, EXPLORAÇÃO, PETROLEO, PERFURAÇÃO, SAL, EMPENHO, OBTENÇÃO, VERBA, INVESTIMENTO, OBRAS, INFRAESTRUTURA, APRESENTAÇÃO, DADOS, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, NEGRO, MULHER, INDIO, IMPORTANCIA, IGUALDADE, OPORTUNIDADE, ACESSO, DIREITOS SOCIAIS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT- RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, também no cumprimento do meu dever, venho nesta tarde fazer um pronunciamento sobre uma situação que ocorre durante esta campanha de 2010 no meu Estado, Rondônia.

            Sr. Presidente, a luta em defesa dos direitos humanos é por si só a demonstração de que a humanidade toma consciência de sua condição e coloca o ser humano como elemento principal do estado e da sociedade.

            São muitos os que caíram nessa luta ao enfrentarem os interesses que se colocam acima da humanidade. E eu estou ao lado daqueles que não temeram a luta em defesa dos direitos humanos. E cito Martin Luther King, Gandhi, Madre Teresa de Calcutá, entre outros.

            Vimos por todo o mundo, Sr. Presidente, o grito dos oprimidos que, independentemente de raça, cultura ou nação, anseiam pelo respeito a seus direitos fundamentais previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

            Um exemplo é o caso de Sakineh Ashtiani, de 42 anos, que pela aplicação da lei islâmica pode ser, a qualquer momento, enterrada até o pescoço e apedrejada até a morte, em razão de ter sido condenada por adultério. O caso de Sakineh nos aterroriza e nos faz reafirmar a importância, Sr. Presidente, de um Estado laico. O fundamentalismo religioso é uma das piores formas de intolerância, por traduzir a visão de que os conceitos são absolutos e atemporais.

            Sou católica - poderia dizer, apostólica romana -, mas busco separar minha atuação política da minha ética pessoal religiosa, construída pelos ensinamentos da Igreja, embora a luta pelos direitos humanos tenha como base aquilo que aprendi na minha prática religiosa.

            Entendo com clareza que a garantia da liberdade religiosa e da liberdade de expressão em um país rico em diversidade, composto de pessoas de várias origens e de crenças e práticas religiosas diferentes, só é possível com o Estado laico.

            Pois o pensamento fundamentalista que hoje estabelece as leis de alguns países islâmicos, infelizmente, é utilizado como discurso político em nosso País. Circula no meu Estado, em Rondônia, um panfleto que, de forma capciosa, utiliza o brasão da República e se identifica, dessa forma, como oriundo da Casa Civil. O referido panfleto apresenta o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, interpretando cada um de seus pontos de maneira absurdamente manipulada e desrespeitosa com qualquer princípio de direitos humanos.

            Seria cômico, se não fosse trágico, espalharem-se pela população, ainda mais como se fosse um documento oficial, comentários tão disparatados assinado por uma autoridade religiosa, um certo pastor.

            Trata-se, Sr. Presidente, de um atentado aos direitos humanos perpetrado de forma sórdida, com interesses meramente eleitoreiros. O autor presta um desserviço à população ao interpretar o Programa Nacional de Diretos Humanos e outras leis e projetos de leis, usando argumentos direcionados para induzir ao erro. Usa a sua autoridade religiosa para conclamar seus fiéis à intolerância religiosa e à agressão moral e física aos homossexuais, índios e negros.

            Em sua ânsia por pregar o preconceito e a intolerância, ele fere vários dispositivos legais que vão desde usar indevidamente o brasão da República e o timbre da Presidência da República, até pregar o preconceito, a discriminação e a intolerância religiosa.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a construção do Plano Nacional dos Direitos Humanos e das leis que tratam do tema é decorrente de um avanço histórico de toda a humanidade, não apenas do Brasil. São princípios que constam de documentos como a Carta das Nações Unidas, assinada pelo Brasil em 22 de outubro de 1945; a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e assinada pelo Brasil na mesma data; o Pacto Internacional dos Direitos Civis e políticos, de 1966, ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992; o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966; a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, adotada pela Assembleia das Nações Unidas em 1979 e ratificada pelo Brasil em 1984; a Declaração e a Plataforma de Ação da III Conferência Mundial sobre Direitos Humanos em 1993; a Declaração e Plataforma de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada no Cairo, em 1994; a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial da Mulher, em 1995; a Declaração do Milênio das Nações Unidas, em 2000; a Declaração e o Programa de Ação da III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em Durban em 2001, entre tantos outros.

            Sr. Presidente, como esse panfleto eu encontrei outro no domingo passado, outro que tinha também grampeado um santinho, um santinho de alguém que não é nada santinho e que prega contra os direitos humanos. O problema, Sr. Presidente, é que, ao entregar o santinho com o panfletinho, essas pessoas usam da boa-fé daqueles que creem para macular a minha imagem.

            Sr. Presidente, eu quero dizer, em primeiro lugar, que sou relatora do PLC nº 122, nesta Casa, desde o ano de 2007. Eu nunca fugi a um compromisso. Eu nunca fugi a uma responsabilidade. O que andam dizendo no meu Estado a respeito da minha pessoa por conta da minha relatoria neste projeto, V. Exª nem imagina! V. Exª sabe do esforço que fiz para construir consenso, inclusive apresentando um substitutivo na CAS, que já está aprovado na Comissão de Assuntos Sociais e que aguarda aprovação na Comissão de Direitos Humanos, Sr. Presidente, limpando tudo aquilo que era polêmico e colocando para além da polêmica o direito dos homossexuais neste País: direito à vida.

            Nós estendemos - o senhor também votou naquele dia na CAS - o direito da proteção contra a discriminação e o preconceito - porque é disso que trata a criminalização da homofobia - também para pessoas idosas, para pessoas com deficiência, para mulheres. É disso que nós estamos tratando no PLC 122, Sr. Presidente. No entanto, essas pessoas usam da boa-fé dos outros e se aproveitam do fato de que o meu Estado é um dos Estados mais evangélicos do Brasil. Para macular minha imagem, elas dizem que este projeto trata de casamento gay.

            Sr. Presidente, essa discussão não está no PLC nº122. Aliás, quero dizer ao povo de Rondônia, ao povo do Brasil, que não existe no Congresso Nacional brasileiro, nós ainda não avançamos para isto. A exemplo da Argentina recentemente, não existe em nenhuma das duas Casas do Congresso Nacional projeto que se relacione a casamento gay. O PLC nº 122, contra o qual há tanta gente - e tanta gente boa se omite de expressar-se com relação a esse projeto -, trata apenas da discriminação e do preconceito que sofrem milhões de pessoas neste País.

            Portanto, Sr. Presidente, quero dizer para aqueles que ainda não me conhecem: sou uma mulher trabalhadora; venho da classe trabalhadora. Portanto, não enriqueci no Senado Federal. Sou trabalhadora em educação, beradeira do Rio Madeira. Não fujo à luta, e não fujo à luta principalmente quando ela diz respeito às questões de direitos humanos. Foi assim nesta Casa com relação à criança infratora; foi assim nesta Casa defendendo sempre creche para todas as crianças deste País - e fiz isso inclusive quando defendi, contra a vontade de muitos do Governo, a emenda dos 50% do fundo social do pré-sal para a educação. Meu olhar está voltado para as crianças que ainda não nasceram e que vão precisar de creche. Foi assim, Sr. Presidente, quando, inúmeras vezes, defendi índios deste País. Foi assim, Sr. Presidente, nesta Casa e em toda a minha vida quando defendo os direitos da população negra, quando defendo os direitos da mulher brasileira, esteja ela onde estiver, seja no campo ou na cidade.

            E quero dizer, Sr. Presidente, àqueles que pregam que a Senadora Fátima é o demônio em pessoa, quero dizer a eles e à população do meu Estado que não fujo da minha história, eu não nego a minha história. Pelo contrário, eu acredito que a minha história dará orgulho aos meus descendentes. E eu já os tenho: tenho três filhos, sou casada e tenho dois netos, Sr. Presidente. Tenho, graças a Deus, uma família estruturada e feliz. Mas não preciso ficar expondo a minha família para justificar que tenho família. Mas, assim como aqueles que defendo, eu não nasci de chocadeira, eu tenho família”

            Estou, Sr. Presidente, nessas eleições, sofrendo na pele, mas muito feliz porque estou sofrendo na pele por aquilo que eu tenho combatido nesta Casa: o preconceito e a discriminação. Sofro o preconceito por ser mulher; sofro o preconceito por ser trabalhadora, mas me orgulho da minha história, porque eles não podem falar que eu tenha fugido da minha responsabilidade, que eu não tenha lutado pelo meu Estado. Pelo contrário, fui a Parlamentar que mais mobilizou recursos para o Estado de Rondônia. Em sete anos, foram mais de R$900 milhões mobilizados pelo meu mandato, seja em emenda individual, seja em emenda de bancada, seja em projeto extraordinário, seja em obras estruturantes como as obras do PAC, que foram viabilizadas pela ação do meu mandato. São obras como os viadutos de Porto Velho, a construção das marginais da BR-364, as pontes da BR-319, da BR-364. Há pouco, eu estava no TCU, conversando com o Ministro José Múcio a respeito da ponte da BR-319.

            Portanto, Sr. Presidente, eu me orgulho da minha história, porque na minha história, não há nenhuma investigação de CPI. Não me envolvi - muito pelo contrário, como o senhor, eu estava era investigando - em nenhum escândalo que eles possam dizer: “Ela fez isso, ou fez aquilo outro”. Como não têm isso para dizer, eles pegam justamente aquilo que para mim é uma virtude: lutar em defesa do direito humano de todas as pessoas, independente de que condição elas estejam, para macular minha imagem.

            Agora, a única coisa que lamento e que me entristece é que infelizmente esse discurso reacionário, atrasado, que se utiliza da boa-fé das pessoas encontra, infelizmente, respaldo daqueles que não têm coragem de vir a público fazer a discussão comigo.

            Sr. Presidente, por fim, eu queria dizer que procedimentos como esse, de distribuir panfletos atacando o Plano Nacional de Direitos Humanos e vinculando a minha defesa dos direitos humanos como se isso fosse uma coisa criminosa, são frutos da desinformação. Por isso, eu luto tanto, Sr. Presidente, pela melhoria da qualidade da educação oferecida no nosso País. Eu luto tanto para que todas as pessoas tenham acesso e a oportunidade de acessar a educação em meu País. Os esforços institucionais promovidos pelo Governo Federal, pela Secretaria de Defesa dos Direitos Humanos, pelo Ministério da Justiça e por tantos outros Ministérios neste País, não conseguem atingir, Sr. Presidente, todos e todas para divulgar seus direitos, os princípios culturais e sociais de uma nova sociedade, uma nova sociedade baseada na igualdade de direitos e oportunidades, na tolerância religiosa, no respeito aos direitos civis.

            Como já disse, sou católica apostólica romana, e quero deixar para reflexão de todos e todas um texto sagrado, que me parece falar exatamente sobre o que é fundamental para além de todos os fundamentalismos. Trata-se do Evangelho segundo São Mateus, capítulo 22, versículo 34 ao 40, que diz:

E os fariseus, ouvindo que Ele fizera emudecer os saduceus, reuniram-se no mesmo lugar.

E um deles, doutor da lei, interrogou-o para o experimentar, dizendo: “Mestre, qual é o grande Mandamento na Lei?”

E Jesus disse-lhe: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande Mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois Mandamentos dependem toda a Lei e os profetas”.

            Era isso o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente, ressaltando apenas que a minha prática na defesa dos direitos humanos se baseia nesses dois grandes e sagrados mandamentos.

            Muito obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/09/2010 - Página 44629