Discurso durante a 162ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o elevado número de abstenções, de votos nulos e de votos em branco na última eleição, e sobre a expressiva votação obtida pela Senadora Marina Silva, candidata do Partido Verde à Presidência da República. Registro de entrevista de S.Exa. à rádio de Teerã, no Irã, a respeito de recente implantação, naquele país, de um programa social semelhante ao Renda Básica de Cidadania.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. POLITICA SOCIAL.:
  • Considerações sobre o elevado número de abstenções, de votos nulos e de votos em branco na última eleição, e sobre a expressiva votação obtida pela Senadora Marina Silva, candidata do Partido Verde à Presidência da República. Registro de entrevista de S.Exa. à rádio de Teerã, no Irã, a respeito de recente implantação, naquele país, de um programa social semelhante ao Renda Básica de Cidadania.
Publicação
Publicação no DSF de 07/10/2010 - Página 46536
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, MOTIVO, SUPERIORIDADE, NUMERO, ABSTENÇÃO, ELEITOR, VOTO NULO, LEITURA, TEXTO, AUTORIA, CIDADÃO, MUNICIPIO, SÃO PAULO (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REPUDIO, ATUAÇÃO, CLASSE POLITICA, CANDIDATO, ELEIÇÕES, CRITICA, REPETIÇÃO, FALSIDADE, PROMESSA, APREENSÃO, INFLUENCIA, MANIPULAÇÃO, IMPRENSA.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO VERDE (PV), MUNICIPIO, RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), IMPORTANCIA, NUMERO, VOTO, PRIMEIRO TURNO, MARINA SILVA, EX SENADOR, CANDIDATO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONTRIBUIÇÃO, QUALIDADE, DEBATE, AMPLIAÇÃO, DISCUSSÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
  • ELOGIO, MARINA SILVA, EX SENADOR, DEBATE, TRADIÇÃO, POVO, FLORESTA, CULTURA, INDIO, SERINGUEIRO, IMPORTANCIA, DEFESA, DIREITOS, CIDADANIA, NECESSIDADE, GARANTIA, QUALIDADE DE VIDA, REGIÃO AMAZONICA.
  • COMENTARIO, PRIORIDADE, PROPOSTA, CANDIDATO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), ERRADICAÇÃO, MISERIA, ELOGIO, RESULTADO, INICIATIVA, BOLSA FAMILIA, CONFIRMAÇÃO, INDICE, APROVAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, REGISTRO, PREVISÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), PERCENTAGEM, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, BRASIL, MELHORIA, COEFICIENTE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • JUSTIFICAÇÃO, NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, RENDA MINIMA, CIDADANIA, LEITURA, TEXTO, POETA, ESTADO DO CEARA (CE), IMPORTANCIA, ATENÇÃO, ESTADO, CRIANÇA, ESTADO DE POBREZA, COMENTARIO, IMPLANTAÇÃO, INICIATIVA, PAIS ESTRANGEIRO, IRÃ, EXPECTATIVA, AMPLIAÇÃO, MATERIA, CANDIDATO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • APRESENTAÇÃO, SOLIDARIEDADE, SERYS SLHESSARENKO, SENADOR, ELOGIO, ATUAÇÃO, SENADO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Querida Presidente Senadora Serys Slhessarenko, quero, em primeiro lugar, transmitir que, se fosse eu cidadão e eleitor de Mato Grosso, eu certamente teria colocado o meu voto para sua eleição, seja para o Senado, seja para a Câmara dos Deputados, conforme nessas eleições V. Exª se candidatou, porque seu trabalho aqui no Senado Federal foi de modo a fazer com que o povo do Mato Grosso pudesse elegê-la novamente para que pudesse continuar o seu trabalho no Congresso Nacional.

            E quero dizer que, onde V. Exª estiver, continuaremos a batalhar muito, juntos, pelos ideais comuns, pelos anseios que inclusive são os anseios maiores de nosso povo, do nosso Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da nossa candidata Dilma Rousseff.

            V. Exª, sou testemunha, tantas vezes aqui se pronunciou, mas também por quase todos os Municípios do Mato Grosso levou seu apoio e voz em defesa da nossa querida Dilma Rousseff.

            Gostaria de também trazer aqui uma reflexão a respeito da importante decisão que o povo brasileiro está por tomar para o segundo turno. Feliz é o Brasil por estar vivendo um processo democrático, em que algumas pessoas se sentem sem muita vontade de votar em virtude dos procedimentos que, por vezes, acontecem tanto aqui no Congresso Nacional quanto na campanha política, o que leva algumas pessoas a terem uma forma negativa.

            Precisamos considerar que, embora houvesse um número extraordinário, de mais de 135 milhões de eleitores inscritos, apenas aproximadamente 100 milhões compareceram, o que significa que foi muito alto o número de abstenções, de votos nulos e de votos em branco.

            É importante nós sabermos um pouco do sentimento daqueles que preferiram não votar, que preferiram anular o seu voto. Para que possamos bem compreender esse sentimento é que eu gostaria, primeiro, de registrar por que uma pessoa que assim decidiu anulou o seu voto.

            Leio aqui um texto do escritor Ferréz, um escritor de Capão Redondo, um bairro da periferia de São Paulo, onde ele diz assim em Os mesmos:

Chegaram, em cartazes, folhetos, banners, TV, rádio, boca-a-boca.

A eleição da canalhocracia tem seu início, meio e fim.

Temos que escolher, optar, garimpar, pesquisar, enquanto a mídia fica a todo o tempo tocando a mesma música, editada pelo sistema democrático.

Temos que votar.

Você escolhe o seu futuro.

É sua chance de mudar as coisas.

Entre frases fáceis, sorrisos falsos, maquiagens fortes, discursos vazios e apoios hipócritas, o povo que está tão longe tem que escolher.

A culpa pega forte, votar em nulo, é desperdício? Vai para outro candidato?

A resposta é não, voto nulo é nulo, não pode ir para ninguém, não é computado em nenhum candidato, é uma escolha.

Escolher, temos que escolher entre velhos decrépitos à beira da morte, ou promessas de mudanças de rostos iguais, de filhos, netos, sobrinhos, irmãos, que no fim são os mesmos com suas promessas sempre cheirando a mofo. Os artistas em massa se candidataram esse ano, vendem sua carreira às vezes conquistada com tanta luta, talvez por motivos financeiros, ou simplesmente pela vaidade, vai saber no fim o que motiva a alguém estabilizado na vida artística a querer ser deputado, talvez vontade de mudar algo?

Você também sente ânsia ao ouvir o discurso empolado, difícil, não direto e abrangente, mas resumido.

- A família, justiça, Saúde!

O vômito é inevitável para quem sabe o mínimo do que acontece na vida real.

Postos de saúde sem ao menos um curativo.

Hospitais com senhas de atendimento que demoram 6 meses.

Falam, esbravejam, latem que vão fazer mudanças.

Sim, na vida deles haverá mudança, ao manipular um cargo tão vantajoso.

Dentro disso o menos mal é o palhaço que faz seu papel, que desde a origem do mundo é isso, ridicularizar.

Só que agora a piada não tem tanta graça.

Greve de professores, aposentadoria sendo ameaçada, transporte público em colapso, juventude afundando nas drogas, debate racial, cotas, crise na universidade pública, favelas sendo queimadas, polícia exterminando.

O riso não sai, os olhos enchem de água, você digita o voto, não aguentou tanta propaganda para fazer isso.

Seu direito.

Seu dever.

Agora não precisa sequer tirar o título eleitoral.

Não tem direito a não ir, não tem o dever de saber a verdade e é sua responsabilidade se o palhaço errar.

Vou votar com nariz de palhaço pois é o que sou se der meu voto para algum deles.

Tentamos enxergar alguém transparente nessa festa suja de slogans fáceis como o diálogo de novela.

É eleição, digite Kaos, fome e ignorância, escolha o palhaço, mas veja sua face triste, morfética, suja, veja sem a maquiagem, ele está no camarim contando o lucro da risada.

Mas os nossos motivos ainda são os mesmos, tentar alertar, não deixar tantos cair no buraco da facilidade do sorriso vazio, da promessa falsa.

Conferi todo o texto e mantive a pontuação do autor, embora não concorde com ela.

Porcolíticos, ratocessores, trouxeleitores.

O homem que não é de todo de natureza má deixa os veículos de comunicação por ele julgar.

Esquece o ônibus lotado, o posto de saúde inútil, a falta de polícia realmente comunitária, as filas imensas quando é para receber e o pronto atendimento quando é para pagar.

Olhando, não vejo nada, caminho sem estrada, mágoa, alienação, discursos sem alma, ternos sem pó, sapatos com solado sempre limpos.

Tudo é espetáculo, você corre, não para você, mas para todo mundo.

Onde está o amor do pai que usa a foto do filho assassinado na campanha? Onde está o amor do artista que expõe os filhos adotados para ganhar os votos? Onde está o carinho do artista que pede seu voto para o marido que nunca sequer discutiu política na vida? Da minha parte, fica uma certeza, não vou contribuir com vagabundo nenhum. Meu voto é nulo. Conscientemente nulo.

            Ferréz é datilógrafo.

            Aqui está, portanto, o texto de uma pessoa que corresponde, possivelmente, ao sentimento de mais 35 milhões de brasileiros que preferiram não votar, que preferiram não escolher candidatos ou deixaram de ir ao posto de votação ou lá estiveram e se abstiveram, ou votaram nulo, mesmo que cumprindo com a responsabilidade de comparecer à urna eleitoral.

            É importante que nós venhamos a compreender esse sentimento dos que ou não votaram ou votaram em branco ou votaram nulo. Eis por que eu avaliei como adequado e justo que aqui registrássemos esse sentimento tão importante e significativo, que precisa ser objeto da reflexão por parte de todos nós, inclusive daqueles que, como eu, estão recomendando o voto na candidata Dilma Rousseff.

            Eu gostaria também de retomar o tema da votação expressiva que teve a nossa querida Senadora Marina Silva, candidata do Partido Verde à Presidência da República.

            Ainda hoje, Alfredo Sirkis, Presidente do Partido Verde no Rio de Janeiro, onde é Vereador, Vice-Presidente Nacional do Partido, autor de “Os Carbonários” e Deputado Federal eleito nessas eleições pelo Partido Verde do Rio de Janeiro, escreveu um artigo muito interessante, em Tendências/Debates, de A Folha, na página 3, em que ressalta que “Marina tornou-se instrumento para elevação de um debate que tende a virar briga de torcida organizada, na busca da vitória a qualquer preço”. É importante a reflexão de Alfredo Sirkis para todos nós, em especial para os 20 milhões de eleitores de Marina Silva.

É de praxe na política brasileira que os candidatos derrotados no primeiro turno operem rápida adesão a um dos remanescentes em gabinetes fechados, almoços ou telefonemas onde são barganhados ministérios, fatias de Orçamento, secretarias, diretorias, superintendências e cargos comissionados. No jargão corrente são os tais ‘espaços políticos’. Esse não será o caminho dos verdes. Nossa primeira responsabilidade agora é fazer jus aos 20 milhões de votos (quase 20%) obtidos por Marina Silva. Fique claro: não são votos verdes e nem mesmo Marina pretende que sejam ‘seus’. Conforme ela própria vem colocando insistentemente, são votos dos eleitores.

De qualquer maneira pairam sobre nós como uma enorme responsabilidade. Exigem que deles sejamos dignos. Não foram tanto votos ‘de protesto’ como de diferenciação e de esperança. Votaram em Marina a classe média iluminista, os jovens e as mulheres pobres, em grande parte cristãs. O voto verde veio incluído nos dois primeiros segmentos. O terceiro representa um poderoso vinculo de identificação pessoal com Marina. Um laço de amor.

O segundo turno, de fato, exige uma definição. Dilma, Serra ou o não envolvimento eleitoral. Isso será deliberado em aproximadamente 15 dias, por convenção nacional do Partido Verde, prevista desde o ano passado, na qual se garantirá à posição minoritária o direito de se expressar individualmente. Nossa responsabilidade imediata é criar canais de participação para os que atuaram intensamente na campanha, mas que não pertencem aos verdes (grupos de programa, movimento Marina Silva e apoios religiosos), e, sobretudo, condensar um programa mínimo a ser apresentado e discutido de forma séria, transparente e responsável com Dilma e Serra.

Vamos colocar a sustentabilidade socioambiental no cardápio das discussões com ambos, empedernidos desenvolvimentistas clássicos.

Mas [e aqui vem um aspecto importante da palavra de Alfredo Sirkis, quando ele diz] abordaremos também outros aspectos: garantias de conduta republicana e respeito às instituições (traduzidas em providências práticas), educação, segurança, saúde etc. Será abordagem realista.

Sem faca no pescoço, com direito à discussão aprofundada, checagem de números e fatos. Mas que poderá demandar eventuais mudanças de rota e colidir com outros compromissos por eles já assumidos. Marina, no segundo turno, torna-se uma referência para os questionamentos da sociedade e um instrumento para a elevação de um debate que tende a virar briga de torcida organizada, na busca da vitória a qualquer preço.

Queremos ajudá-los a evitar esse destino. Até porque Marina disse que, caso vencesse, tentaria realinhamento histórico que juntasse o melhor desses dois partidos social-democratas, que disputam entre si a ‘liderança do atraso’.

            Quero aqui aproveitar a oportunidade para agradecer à Senadora Marina Silva, à candidata Marina Silva, que, na sua entrevista, no diálogo com o jornal O Globo, publicado no dia 19 de setembro, salvo engano, disse que queria, se fosse eleita, que os melhores de todos os partidos colaborassem com seu governo. Ao lado do Senador Cristovam Buarque, ela também mencionou meu nome. Quero agradecer e dizer-lhe o quão honrado fiquei com essa menção.

O Brasil não pode deixar de discutir como direcionar seus investimentos e seu sistema tributário para a sustentabilidade.

Precisa discutir também o que seria uma nova economia ‘verde’ de baixo carbono; as ameaças à legislação ambiental; como a esfera federal poderia contribuir melhor para a segurança nos Estados; e como os terríveis gargalos na educação podem ser vencidos.

Deve ser discutido como o saneamento básico e a prevenção de acidentes podem reduzir dramaticamente a pressão sobre nosso sistema público de saúde; como podemos robustecer as boas práticas republicanas e as garantias individuais dos cidadãos; e como, enfim, reformar um sistema político gravemente enfermo.

A ausência de Marina no segundo turno, por força da decisão soberana dos eleitores, transforma-se, assim, em uma presença ética e programática.

            Nesses últimos dias e horas tenho refletido sobre o papel que Marina Silva e os quase vinte milhões de eleitores que votaram nela terão de agora até o dia 31 de outubro e, em especial, no dia 31 de outubro. Fico pensando: quem sabe possa Marina Silva, inclusive tendo em conta essa reflexão de Alfredo Sirkis, colocar ainda com maior clareza os pontos do seu programa de governo, aquilo que ela considera o mais importante para o Brasil e, daí, transmitir a todos aqueles que nela votaram.

            Eis aqui as propostas que tenho para assegurarmos o desenvolvimento sustentável do nosso País e para conhecermos como poderemos levar em consideração as lições extraordinárias que todos aprendemos com Chico Mendes, quando ele observou que era perfeitamente possível compatibilizar a preservação das florestas com o desenvolvimento e o aproveitamento das suas riquezas; e como ela, ao longo desse tempo aqui, ensinou-nos a respeito da tradição dos povos da floresta, dos indígenas, dos seringueiros, dos companheiros de Chico Mendes. Ela também aprendeu e nos ensinou os conceitos de florestania e de cidadania, como seria importante assegurar os direitos plenos à cidadania para todos os brasileiros, assim como os direitos plenos à florestania; como ela definia os direitos à civilização, os direitos à educação, à saúde, à garantia de condições de vida digna para todos que estivessem vivendo em áreas como florestas e em todo o Brasil.

            Tive, aqui, oportunidade, ao longo deste ano também, de dialogar com a Senadora Marina Silva sobre a questão da inclusão social, tema tão importante para a candidata Dilma Rousseff, que colocou como um dos seus maiores objetivos a erradicação da miséria e da pobreza absoluta. Conversamos sobre como asseguraríamos isso de fato, da maneira mais eficiente, e que isso poderia ser realizado com a transição do Programa Bolsa Família, que tão bons resultados tem alcançado e que, inclusive, propiciou bons resultados de avaliação para o Governo Lula, cujo índice de aprovação foi de mais de 80%. É claro que essa aprovação se deu pelo conjunto de políticas que tem assegurado a estabilidade de preços e o desenvolvimento, que, neste ano, foi previsto para 7,5% até mesmo pelo Fundo Monetário Internacional, na revisão que fez, hoje, da estimativa de crescimento do Brasil para 2010, combinado com a melhoria do coeficiente de maior igualdade, o Coeficiente de Gini, que foi abaixando, ano a ano, desde 2002 até 2009, bem como o progresso havido na erradicação da pobreza absoluta.

            Para que possamos ter ainda maior eficiência, seria interessante caminharmos, efetivamente, na direção da Renda Básica de Cidadania.

            Quero, aqui, transmitir que, ainda hoje, fui entrevistado pela rádio de Teerã, no Irã, e ali pude confirmar, no diálogo que mantive com a Srª Sesini, que me entrevistou, que, de fato, a partir de 21 de setembro, em seis províncias do Irã e, a partir de 23 de outubro, em todo o Irã, será instituído aquilo que é semelhante à Renda Básica de Cidadania, pois o programa foi aprovado, recentemente, pelo Congresso Nacional, pela Assembléia Nacional do Irã. Trata-se de uma lei referente aos subsídios às diversas formas de energia - combustível, energia elétrica, água e assim por diante - que eram subsidiadas pelo governo iraniano. Então, o governo iraniano resolveu retirar esses subsídios, que davam vantagem muito maior aos mais ricos, e, em compensação, resolveu pagar a todos os cidadãos iranianos uma renda modesta - mas é um começo - que será de US$15 por pessoa para seus 70 milhões de iranianos.

            Portanto, o Irã passou à nossa frente, Srª Presidente, Senadora Serys Slhessarenko. Já temos o projeto de Renda Básica de Cidadania para ser instituído por etapas, a critério do Poder Executivo, mas ainda não o foi. Espero que seja, porque, até está no programa que o Partido dos Trabalhadores aprovou, no IV Encontro Nacional do PT, em fevereiro último, que será realizada, durante o Governo Dilma Rousseff, a transição do Programa Bolsa Família para o Renda Básica de Cidadania, mas, até agora, nos debates e nas entrevistas, esse tema não foi abordado. Espero que isso possa acontecer nos próximos debates e entrevistas.

            Se há uma defesa tão bem realizada do Renda Básica de Cidadania, eu, hoje, graças inclusive à sugestão que me foi encaminhada pela professora Nana Machado, encontrei, aqui, um belo texto, nada mais nada menos que da querida escritora Rachel de Queiroz, provavelmente escrito nos anos 1950, porque do seu livro 100 Crônicas Escolhidas, publicado em 1958.

            Raquel de Queiroz nasceu em Fortaleza, em 17 de novembro de 1910, e faleceu em 4 de novembro de 2003 - acho que também em Fortaleza. Escreveu uma crônica denominada Menino Pequeno, que vou ler, querida Presidente Serys Slhessarenko, porque me parece uma defesa extraordinária do Renda Básica de Cidadania. V. Exª vai perceber o porquê da leitura desse tão belo texto.

            De Raquel de Queiroz, “Menino Pequeno”.

            Senador Augusto Botelho, vou pedir a atenção dos Senadores Neuto de Conto e Belini Meurer às belas palavras que Rachel de Queiroz escreveu sobre o “Menino Pequeno”, para que vejam o porquê de aqui estar uma defesa formidável de uma Renda Básica de Cidadania para todos.

Ele descia a ladeira e vinha só. De cor era branco, de tez era pálido - dessa brancura descorada de criança que não come vitamina, filho de emigrante pobre que não herdou as cores rosadas da gente da terra velha e não adquiriu ainda o moreno igualitário da terra nova. Num pé só, calçava um acalcanhado sapato de lona. No outro, uma tira negra encordoada, que há tempos fora uma atadura. Vestia uma jardineira azul, que na certa pertencera a um menino mais velho, pois a barra das calças arrastava atrás; os bracinhos nus, ao frio da manhã sem sol, de tão arrepiados eram ásperos, azulados.

É de notar que o pequeno, ao descer assim a ladeira empedrada, não ia à toa, tinha um propósito, embora singular. Porque na mãozinha suja como ele todo, carregava - calculem! - carregava uma rosa. Uma grande rosa cor-de-rosa propriamente dita, tão bela, tão preciosa, dessas que só medram em jardim de governo ou em jardim de rico, pétalas de porcelana, mal desabrochada, formosa, frágil como uma bolha de sabão. E o pequeno, evidentemente, tinha consciência daquela beleza e daquela fragilidade. Pois caminhava de leve, a mão direita que segurava a rosa era mantida rígida, embora um pouco trêmula, e a mão esquerda de vez em quando se erguia à frente para afastar da flor uma rajada de ar, ou qualquer perigo invisível - assim como a gente levanta a mão a fim de proteger a luz de uma vela.

Para onde iria aquele menino com tais cuidados, carregando aquela rosa? Para dar, para entregar, ou para ficar com ela, embriagado pela enamorada alegria de ser dono do que é belo? Eram oito da manhã. Ele teria no máximo uns seis anos, levando-se em conta a desnutrição, o seu possível raquitismo de garoto pobre. Pois, se não fosse a carinha viva, pelo tamanho a gente diria que não passava dos quatro.

Cruzou comigo, que comprava os jornais na banca, e não levantou os olhos, embebido na flor. Virou a esquina. Depois se sumiu no meio dos transeuntes que iam em busca da feira da Glória.

Quem seria mais frágil, o menino ou a rosa? Ah, quem pode dizer neste país quanto durará um menino? Aquele, aquele, azulado pelo frio na sua velha jardineira sem mangas, será que escapa da pneumonia, será que escapa da septicemia com o pé infeccionado dentro da atadura negra, será que escapa do atropelamento, sozinho no meio da rua, absorto na sua rosa, sem ver o lotação matador que o aguarda no atravessar do asfalto, será que escapa da tuberculose assim tão mal comido e mal vestido, será que escapa da vida, menino sem dono, anão perdido na cidade grande?

Vi uma vez uma fita americana chamada They were expendable [diz Raquel de Queiroz]. Tratava de soldados na guerra e o título quer dizer mais ou menos - ‘eles são para gastar’ ou ‘eles são para jogar fora’. Assim também é menino neste país. Não nasce para nada - nasce para se perder, para morrer, para ser jogado fora.

Tanto trabalho, tanta agonia custa um menino. E mesmo que não custe nada, mesmo que nasça de parto sem dor e se crie sozinho pelas estradas sertanejas, pelos pés de serra, pelas calçadas do Rio; quanto custa a ele viver, quanto vale aquele pequeno milagre de vida que um dia pode chegar a ser homem!

        Senador Jefferson Praia, aqui está o trecho em que avalio ser a defesa clara da renda básica de cidadania universal, por Rachel de Queiroz; ela prossegue:

Sim, sei que a gente nasce para morrer. Mas não tão cedo. Não tão depressa que não dê nem para sentir o gosto da vida. Quem se dá ao trabalho de vir ao mundo deveria ter pelo menos um direito garantido - o de sobreviver. Para que, afinal, a gente se organiza em sociedade, para que obedece às leis, para que aceita essa porção de contratos com a civilização - casamento, serviço militar, impostos, moral, semana inglesa, ministério do trabalho, eleição, justiça, polícia - se em troca nem ao menos se garante a chance de viver a um menino que nasce debaixo dessas leis? Ele nasceu perfeito, tinha pernas e tinha braços, tinha coração e fígado, tinha alma e tinha amor dentro do peito, e tinha ternura com a sua rosa. E então por que ninguém lhe assegura, como todos os bichos da natureza aos seus filhotes, o sustento e a proteção enquanto deles carece?

‘“Rose, elle a vécu ce que vivent les roses...'’. Ah, a eterna verdade cantada pela

boca inocente dos poetas. Quem teria vivido mais, meu Nosso Senhor, aquele

menino ou aquela rosa?

            Assim conclui Rachel de Queiroz.

            Encontrei, por sugestão da professora Ana Machado, esse texto tão belo que, avalio, constitui excelente defesa da renda básica de cidadania. Queira Deus possam, Dilma Rousseff, José Serra, Marina Silva e Plínio de Arruda Sampaio dizer aos brasileiros e brasileiras, aquele candidato que efetivamente abraçar e defender com toda a força a proposta e o compromisso já firmado pelo Partido dos Trabalhadores, ao longo dos próximos quatro anos, ao instituir a renda básica de cidadania, que, diz a lei, será instituída por etapas, a critério do Poder Executivo, começando pelos mais necessitados. Então, isso está em aberto para os candidatos à Presidência realizarem.

            Quero dizer que, ainda há pouco, encontrei o Deputado Chico Alencar, que acaba de fazer um discurso pelo PSOL - quero cumprimentá-lo, também, por sua eleição -, e ele disse-me que acha importante, sim, a instituição da renda básica de cidadania, que está de acordo. Aliás, havia dialogado com o candidato Plínio de Arruda Sampaio, que me disse e declarou considerar a renda básica de cidadania, por ser universal, é muito mais democrática do que o próprio Programa Bolsa Família, por isso, ele é a favor.

            Então, possa o Brasil, ainda mais agora com Irã realizando, na prática, essa proposição, não ficar atrás. Sejamos nós o primeiro país no mundo, cujo Congresso Nacional aprovou a renda básica de cidadania, por lei, possa, efetivamente, colocá-la em prática. Que isto esteja no centro das preocupações, inclusive daqueles que estão ajudando Dilma Rousseff a coordenar sua campanha, o seu programa, pessoas como Antonio Palocci, como José Eduardo Martins Cardoso, como o Giles e como o próprio Coordenador Nacional, ontem designado por Dilma Rousseff, o Deputado Ciro Gomes - que também teve uma aceitação muito forte, poderia ter sido candidato à Presidência, mas, agora, é o coordenador Nacional da campanha de Dilma Rousseff - possa ele, que conhece essa proposta, estimular Dilma a colocá-la no seu programa, com maior nitidez, com maior assertividade. E aí, então, eu redobrarei os meus esforços para levá-la ao Palácio do Planalto.

            Muito obrigado, Senadora Serys Slhessarenko.

            O povo de Mato Grosso, certamente irá ainda reconhecer o seu extraordinário trabalho. Quero lhe dizer que onde V. Exª estiver, conte comigo, porque eu espero continuar a colaborar com V. Exª para os propósitos comuns que aqui temos defendido nesta tribuna.

            Muito obrigado.

            A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Obrigada, nosso querido e grande Senador Suplicy, que, com a sua luta, está dando um exemplo não apenas ao Brasil, da importância deste programa da renda mínima, como ao mundo.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - E da renda básica, inclusive com direito a cidadania para todos.

            A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Exatamente.

            Temos exemplos aí que já estão acontecendo. E, aqui no Brasil, já está mais do que na hora, depois de tanta luta, de tanta determinação de sua parte, que realmente seja implantado em nosso País. Não tenho dúvida disso. 

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado.

            A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - E o menino pequeno, realmente, se não mexe com a competência técnica de muitas pessoas, deve mexer com o compromisso do coração e da alma, da necessidade, da importância de realmente fazermos com que esse programa aconteça.

            Obrigado, Senador pelo senhor existir.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senadora Serys.


Modelo1 4/25/249:28



Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/10/2010 - Página 46536