Discurso durante a 163ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Voto de pleno restabelecimento aos Senadores José Sarney e Romeu Tuma, assim como ao Presidente do Palmeiras, Sr. Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, que se encontram hospitalizados. Cumprimentos ao candidato ao Governo de São Paulo, Senador Aloizio Mercadante, e aos deputados federais e estaduais eleitos no Estado pela coligação PT. Registro do transcurso de 433 dias de censura ao jornal O Estado de S. Paulo. Decisão do referido jornal em afastar de seus quadros a psicanalista Maria Rita Kehl, em razão de ter escrito o artigo intitulado "Dois Pesos".

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. IMPRENSA.:
  • Voto de pleno restabelecimento aos Senadores José Sarney e Romeu Tuma, assim como ao Presidente do Palmeiras, Sr. Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, que se encontram hospitalizados. Cumprimentos ao candidato ao Governo de São Paulo, Senador Aloizio Mercadante, e aos deputados federais e estaduais eleitos no Estado pela coligação PT. Registro do transcurso de 433 dias de censura ao jornal O Estado de S. Paulo. Decisão do referido jornal em afastar de seus quadros a psicanalista Maria Rita Kehl, em razão de ter escrito o artigo intitulado "Dois Pesos".
Publicação
Publicação no DSF de 08/10/2010 - Página 46619
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. IMPRENSA.
Indexação
  • MANIFESTAÇÃO, SOLIDARIEDADE, JOSE SARNEY, ROMEU TUMA, SENADOR, PRESIDENTE, TIME, FUTEBOL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), RECUPERAÇÃO, SAUDE.
  • CUMPRIMENTO, ALOIZIO MERCADANTE, CANDIDATO, GOVERNO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PERCENTAGEM, VOTO, ELEIÇÕES, DIVERSIDADE, POLITICO, VITORIA, CARGO ELETIVO, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, CAMARA DOS DEPUTADOS, SENADO.
  • REGISTRO, CONTINUAÇÃO, CENSURA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PROIBIÇÃO, PUBLICAÇÃO, INFORMAÇÃO, OPERAÇÃO, POLICIA FEDERAL, INVESTIGAÇÃO, FILHO, JOSE SARNEY, SENADOR.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, PSICANALISTA, ESCRITOR, CRITICA, DESVALORIZAÇÃO, VOTO, POPULAÇÃO CARENTE, RELEVANCIA, PROGRAMA ASSISTENCIAL, GOVERNO FEDERAL, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, COMENTARIO, ORADOR, DECISÃO, DIRETOR, PUBLICAÇÃO, DEMISSÃO, AUTOR, MATERIA.
  • LEITURA, ENTREVISTA, PSICANALISTA, PUBLICAÇÃO, INTERNET, CRITICA, CONDUTA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), OCORRENCIA, CONTRADIÇÃO, DESRESPEITO, LIBERDADE DE EXPRESSÃO.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, PROFESSOR, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), IMPORTANCIA, DIVERSIDADE, OPINIÃO, IMPRENSA.
  • SOLICITAÇÃO, DIRETOR, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), READMISSÃO, PSICANALISTA, ESCRITOR.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, permita-me cumprimentar o Senador Acyr Gurgacz, que me chamou, e também a Srª Presidenta Serys Slhessarenko, que aqui preside a sessão e que hoje é Presidente em exercício, uma vez que o nosso Presidente José Sarney se encontra hospitalizado. Quero aqui expressar o sentimento e estimas de melhora para o Presidente José Sarney, que se encontra hospitalizado.

            Também ali está hospitalizado o nosso Senador por São Paulo, Romeu Tuma, que foi submetido a uma cirurgia de transplante de coração. Desejo também ao Senador Romeu Tuma plena recuperação e que logo possa estar aqui novamente conosco.

            Também está no Hospital Sírio-Libanês o Presidente do Palmeiras, que já foi Presidente do BNDES, Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, um extraordinário economista e esportista, que tem o Palmeiras como um clube tão querido dos brasileiros, de todos os que torcem pelo Palmeiras em São Paulo e o respeito de nós, por exemplo, que torcemos pelo Santos e as demais torcidas. Expresso aqui o sentimento e desejo melhoras e recuperação plena ao professor Beluzzo.

            Gostaria de iniciar o meu pronunciamento hoje cumprimentando o Senador Aloizio Mercadante, que teve uma votação muito expressiva e por muito pouco - teve 35,23% dos votos, 8.016.868 votos - não chegou ao segundo turno, pois o Governador eleito Geraldo Alckmin alcançou 50,63% dos votos, 11.519.314 votos.

            Eu o cumprimento por ter conseguido tão expressiva votação. Celso Russomano teve 5,42% - 1.233.897 votos.

            Certamente, foi uma batalha bastante renhida, e eu gostaria de ter visto o segundo turno em São Paulo, mas não aconteceu.

            Aproveito a oportunidade, também, para cumprimentar os Senadores eleitos Aloysio Nunes, com 30,42%, e Marta Suplicy, com 22,61% dos votos. Também cumprimento Netinho, que teve expressiva votação: 21,14% dos votos.

            Quero aqui cumprimentar a todos os nossos Deputados Federais e Deputados Estaduais eleitos, sobretudo os do meu partido e da coligação do PT. Mas, em especial, o presidente Edinho Silva, que foi, do Partido dos Trabalhadores, o mais votado. Ele foi Prefeito de Araraquara e responsável, juntamente com o Prefeito de Osasco, Emidio de Souza, pela condução da nossa campanha do Partido dos Trabalhadores em São Paulo.

            Mas hoje, Srª Presidente, quero de início fazer o registro de que o jornal O Estado de S. Paulo assinala que está há 433 dias sob censura, uma vez que está impedido de publicar os assuntos referentes a uma operação da Polícia Federal que tem como um dos objetivos averiguar ações do filho do Presidente José Sarney, o Sr. Fernando Sarney.

            Em que pese este ter até aberto mão de qualquer vedação à publicação de matérias a respeito, o jornal O Estado de S. Paulo, através de seu advogado, aguarda do Tribunal de Justiça do Distrito Federal uma decisão a respeito, uma decisão que é importante para o exercício da liberdade de imprensa no Brasil.

            Mas eu gostaria, além de assinalar isso, de trazer um outro assunto de grande importância a respeito do que ocorre com o jornal O Estado de S. Paulo e, em especial, a partir da publicação, no último dia 2 de outubro, sábado, véspera das eleições, do artigo de Maria Rita Kehl, psicanalista de grande respeito e consideração por todos nós, paulistas e brasileiros. O artigo dela, “Dois pesos...”, ensejou a decisão do jornal O Estado de S. Paulo de afastá-la de seu quadro de colaboradores, especialmente no Caderno 2.

            Maria Rita Kehl escreveu um artigo de muito boa qualidade, em que inicia cumprimentando a atitude digna do jornal O Estado de S. Paulo.

            Começa assim:

Este jornal teve uma atitude que considero digna: explicitou aos leitores que apoia o candidato Serra na presente eleição. Fica assim mais honesta a discussão que se faz em suas páginas. O debate eleitoral que nos conduzirá às urnas amanhã está acirrado. Eleitores se declaram exaustos e desiludidos com o vale-tudo que marcou a disputa pela Presidência da República. As campanhas, transformadas em espetáculo televisivo, não convencem mais ninguém. Apesar disso, alguma coisa importante está em jogo este ano. Parece até que temos luta de classes no Brasil: esta que muitos acreditam ter sido soterrada pelos últimos tijolos do Muro de Berlim. Na TV a briga é maquiada, mas na internet o jogo é duro.

Se o povão das chamadas classes D e E - os que vivem nos grotões perdidos do interior do Brasil - tivesse acesso à internet, talvez se revoltasse contra as inúmeras correntes de mensagens que desqualificam seus votos. O argumento já é familiar ao leitor: os votos dos pobres a favor da continuidade das políticas sociais implantadas durante oito anos de governo Lula não valem tanto quanto os nossos. Não são expressão consciente de vontade política. Teriam sido comprados ao preço do que parte da oposição chama de bolsa-esmola.

Uma dessas correntes chegou à minha caixa postal vinda de diversos destinatários. Reproduzia a denúncia feita por "uma prima" do autor, residente em Fortaleza. A denunciante, indignada com a indolência dos trabalhadores não qualificados de sua cidade, queixava-se de que ninguém mais queria ocupar a vaga de porteiro do prédio onde mora. Os candidatos naturais ao emprego preferiam viver na moleza, com o dinheiro da Bolsa-Família. Ora, essa. A que ponto chegamos. Não se fazem mais pés de chinelo como antigamente. Onde foram parar os verdadeiros humildes de quem o patronato cordial tanto gostava, capazes de trabalhar bem mais que as oito horas regulamentares por uma miséria?

Sim, porque é curioso que ninguém tenha questionado o valor do salário oferecido pelo condomínio da capital cearense. A troca do emprego pela Bolsa-Família só seria vantajosa para os supostos espertalhões, preguiçosos e aproveitadores se o salário oferecido fosse inconstitucional: mais baixo do que metade do mínimo. R$ 200 é o valor máximo a que chega a soma de todos os benefícios do governo para quem tem mais de três filhos, com a condição de mantê-los na escola.

Outra denúncia indignada que corre pela internet é a de que na cidade do interior do Piauí onde vivem os parentes da empregada de algum paulistano, todos os moradores vivem do dinheiro dos programas do governo. Se for verdade, é estarrecedor imaginar do que viviam antes disso. Passava-se fome, na certa, como no assustador Garapa, filme de José Padilha. Passava-se fome todos os dias. Continuam pobres as famílias abaixo da classe C que hoje recebem a bolsa, somada ao dinheirinho de alguma aposentadoria. Só que agora comem. Alguns já conseguem até produzir e vender para outros que também começaram a comprar o que comer. O economista Paul Singer informa que, nas cidades pequenas, essa pouca entrada de dinheiro tem um efeito surpreendente sobre a economia local. A Bolsa-Família, acreditem se quiserem, proporciona as condições de consumo capazes de gerar empregos. O voto da turma da "esmolinha" é político e revela consciência de classe recém-adquirida.

O Brasil mudou nesse ponto. Mas ao contrário do que pensam os indignados da internet, mudou para melhor. Se até pouco tempo alguns empregadores costumavam contratar, por menos de um salário mínimo, pessoas sem alternativa de trabalho e sem consciência de seus direitos, hoje não é tão fácil encontrar quem aceite trabalhar nessas condições. Vale mais tentar a vida a partir da Bolsa-Família, que apesar de modesta, reduziu de 12% para 4,8% a faixa de população em estado de pobreza extrema. Será que o leitor paulistano tem ideia de quanto é preciso ser pobre, para sair dessa faixa por uma diferença de R$200? Quando o Estado começa a garantir alguns direitos mínimos à população, esta se politiza e passa a exigir que eles sejam cumpridos. Um amigo chamou esse efeito de “acumulação primitiva de democracia”.

Mas parece que o voto dessa gente ainda desperta o argumento de que os brasileiros, como na inesquecível observação de Pelé, não estão preparados para votar. Nem todos, é claro. Depois do segundo turno de 2006, o sociólogo Hélio Jaguaribe escreveu que os 60% de brasileiros que votaram em Lula teriam levado em conta apenas seus próprios interesses, enquanto os outros 40% de supostos eleitores instruídos pensavam nos interesses do País. Jaguaribe só não explicou como foi possível que o Brasil, dirigido pela elite instruída que se preocupava com os interesses de todos, tenha chegado ao terceiro milênio contando com 60% de sua população tão inculta a ponto de seu voto ser desqualificado como pouco republicano.

Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade dos seus votos.

            Considero esse artigo uma análise de uma psicanalista que compreende muito bem aspectos da vida. O que é a política senão a busca de uma vida justa para todos? Psicanálise trata das coisas da vida, inclusive da vida política, das eleições. E é mais do que legítimo, portanto, que O Estado de S. Paulo tivesse publicado esse artigo de Maria Rita. Entretanto, surpreendente é que, após a sua publicação, a direção de O Estado de S. Paulo - digo isso com todo o carinho e respeito para com o Diretor de Redação, Ruy Mesquita, por quem tenho muito respeito, tenha despedido Maria Rita Kehl.

            Ora, Presidente Serys Slhessarenko, veja a entrevista que hoje foi publicada no Portal Terra Magazine, por Bob Fernandes.

            Ele pergunta:

Maria Rita, você escreveu um artigo no jornal O Estado de S. Paulo que levou a uma grande polêmica, em especial na internet, nas mídias sociais nos últimos dias. Em resumo, sobre a desqualificação dos votos dos pobres. Ao que se diz, o artigo teria provocado consequências para você...

Maria Rita Kehl [respondeu] - E provocou sim...

- Quais?

- Fui demitida pelo jornal O Estado de S. Paulo pelo que consideraram um delito de opinião.

- Quando?

- Fui comunicada ontem (quarta-feira, 6).

- E por qual motivo?

- O argumento é que eles estavam examinando o comportamento, as reações ao que escrevi e escrevia, e que, por causa da repercussão (na internet), a situação se tornou intolerável, insustentável, não me lembro bem que expressão usaram.

- Você chegou a comentar algo?

- Eu disse que a repercussão mostrava, revelava que, se tinha quem não gostasse do que escrevo, tinha também quem goste. [Eu, por exemplo, achei muito positivo esse artigo.] Se tem leitores que são desfavoráveis, tem leitores que são a favor, o que é bom, saudável...

- Que sentimento fica para você?

- É tudo tão absurdo... A imprensa que reclama, que alega ter o Governo intenções de censura, de autoritarismo...

- Você concorda com essa tese?

- Não. Acho que o presidente Lula e seus Ministros cometem um erro estratégico quando criticam, quando se queixam da imprensa, da mídia, um erro porque isso, nesse ambiente eleitoral, pode soar autoritário, mas eu não conheço nenhuma medida, nenhuma ação concreta, nunca ouvi falar de nenhuma ação concreta para cercear a imprensa. Não me refiro a debates, frases soltas; falo em ação concreta, concretizada. Não conheço nenhuma e, por outro lado...

- ...Por outro lado...?

- Por outro lado, a imprensa, que tem seus interesses econômicos, partidários, demite alguém, demite a mim, pelo que considera um "delito" de opinião. Acho absurdo, não concordo que o dono do Maranhão (senador José Sarney) [aqui, nas palavras de Maria Rita Kehl] consiga impor a medida que impôs ao jornal O Estado de S. Paulo, mas como pode esse mesmo jornal demitir alguém apenas porque expôs uma opinião? Como é que um jornal que está, que anuncia estar sob censura, pode demitir alguém só porque a opinião da pessoa é diferente da sua?

- Você imagina que isso tenha algo a ver com as eleições?

- Acho que sim. Isso se agravou com a eleição, pois, pelo que eles me alegaram agora, já havia descontentamento com minhas análises, minhas opiniões políticas.

            Bem, como é importante que nós aqui tenhamos a atitude mais democrática possível, vou também ler a entrevista que Bob Fernandes fez com o Diretor do Estadão, Ricardo Gandour sobre o assunto.

            Eis a entrevista:

- O que aconteceu entre o jornal O Estado de S.Paulo e a colunista Maria Rita Kehl?

Ricardo Gandour - O projeto original no caderno C2 + Música é de ter ali, aos sábados, um espaço em torno da psicanálise. Um divã para os leitores. Mas esse não era o enfoque que ela vinha praticando e frequentemente conversávamos sobre isso.

            Ora, um divã para os leitores na véspera da eleição do fato mais importante para os destinos do País? Não seria próprio que a psicanalista Maria Rita Kehl fizesse uma consideração, inclusive com todo o seu conhecimento psicanalítico de Sigmund Freud e de todos os demais grandes conhecedores da psicanálise? Seria mais do que justo que ela, sim, pudesse falar das eleições, desse fenômeno fantástico que vai ser importante para a vida de todos nós, brasileiros. E pergunta mais:

- Com você?

- Não comigo diretamente, mas com a editora do caderno. Assim iniciou-se com a autora uma discussão em torno de novos rumos para a coluna. Inclusive com o contrapropor da colunista.

- Quando começou essa conversa?

- Essa última conversa começou na última terça-feira, pela manhã. Ela chegou a contrapropor alguma coisa, tinha um diálogo rolando... Horas depois, houve um vazamento na internet que precipitou a decisão...

- Mas vocês atribuem isso a ela?

- Eu não sei, não posso afirmar. E estão dizendo na internet que houve censura...

- Na verdade, o que há na internet é uma entrevista com Maria Rita Kehl, onde ela diz: "Como é que um jornal que está, que anuncia estar sob censura, pode demitir alguém só porque a opinião da pessoa é diferente da sua?

- Não houve censura, a coluna saiu integralmente, sem mexer em uma vírgula.

- Mas houve consequências...

- Tinha uma conversa em torno dos rumos daquele espaço. Estão dizendo que foi a coluna de sábado que causou isso, mas não foi, não. Era o foco daquele espaço que era outro. Claro que a coluna de sábado foi uma coluna forte...

- Forte...

- Dentro da questão de que não era esse o foco.

- Então, a demissão não se deu pela opinião da Maria Rita e por posterior censura a ela?

- Não é demissão... colunistas se revezam, cumprem ciclos. A Chris Mello saiu do jornal em agosto, o Mark Margolis entrou em outra seção. O jornal tem 92 colunistas, e esse ano saíram três e entraram três ou quatro. O que estava havendo aí era a simples gestão de uma coluna específica.

- Desde...

- Tinha um diálogo rolando e esse diálogo vazou e eu lamento que esteja havendo uma leitura histérica disso.

- Talvez porque é um momento...

- O momento é delicado, crítico, de eleições, mas abriu-se um diálogo que vazou, e nós mantivemos a linha. O fenômeno da rede social é que uma conversa entre três pessoas passou a acontecer entre 3 mil pessoas, mas a verdade sobre esse fato é esta.

            Ora, veja só: é um fato de tamanha relevância, porque, obviamente, de três mil pessoas agora passa para dezenas de milhares de pessoas. telespectadores do Brasil inteiro ouvem a TV Senado e obviamente têm interesse em discutir esse assunto, porque o jornal O Estado de S. Paulo, que ainda hoje coloca na sua manchete que o Ministro Franklin Martins vai viajar à Europa para verificar quais são as formas de possível interação entre a opinião pública e a imprensa, possível controle à imprensa. Ele, que sempre foi um defensor da democracia, quer estudar meios para eventualmente trazer ideias ao Brasil e ao Estado de São Paulo. E eu sou inteiramente a favor da liberdade de imprensa e defendo toda a luta pela liberdade de imprensa do jornal O Estado de S. Paulo, sobretudo durante os anos em que foi levado a colocar receitas de cozinha e poemas nas suas páginas durante o regime militar. Então, que bom que O Estado de S. Paulo pode publicar, inclusive, de quando em quando - e eu me sinto honrado de ali oferecer e ser publicado - um artigo meu, mesmo que sem tanta frequência, mas eu gosto muito de ter a minha opinião ali publicada.

            Mas o jornal O Estado de S. Paulo hoje mesmo publica um artigo que é de extremo bom senso. E eu aqui gostaria de concluir a minha análise sobre esse tema, lendo o artigo do jornalista Eugênio Bucci, que é professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, e que foi, inclusive, Presidente da Radiobrás e é um jornalista especializado, sobretudo, na questão da ética, da liberdade de imprensa.

            Diz Eugênio Bucci sobre o valor do pluralismo no Estadão de hoje:

Os recentes ataques contra os jornais disparados dos mais altos gabinetes da República - ataques devidamente rechaçados por jornalistas e empresas de comunicação - talvez nos façam perder de vista que há, sim, problemas graves na imprensa brasileira. É natural que, sob agressão de autoridades, editores e repórteres se unam para se defender e reafirmar sua liberdade. É natural, compreensível e até mesmo necessário. Isso não significa, porém, que os órgãos de imprensa não estejam, permanentemente, sob exame implacável - não do poder, mas do público. E que não tenham defeitos. Todos os dias o trabalho dos jornalistas passa pelo crivo da sociedade, que os julga sem coleguismo nem condescendência. Todos os dias surgem sinais de desconfiança, aqui e ali. Prestemos atenção a isso. Muito se diz que sem imprensa livre não há democracia, mas será que a nossa imprensa, hoje, está à altura dos desafios que pesam sobre a nossa democracia?

Jornalistas deveriam fazer-se essa pergunta diariamente. Principalmente agora, quando caminhamos para o segundo turno. Aliás, essa pergunta deveria ser afixada, em letras de mármore, em néon, em reluzentes letras garrafais, nas paredes de todas as redações. Em corpo menor, logo abaixo, poderiam vir outras indagações.

A imprensa tem sido capaz de esclarecer os pontos que interessam no debate eleitoral? Ela investiga, escuta, apura e checa as propostas de cada candidato com independência e honestidade? Ela compara? Ela ajuda o eleitor a comparar? Ela está a serviço de que o cidadão forme livremente o seu ponto de vista ou se move apenas com o propósito de doutriná-lo a favor de um ou outro lado? Quando assumem uma posição, as publicações deixam claras as razões que as levaram a isso? Ou apenas disfarçam de informação objetiva as suas opiniões subjetivas? Lendo o noticiário, os artigos de opinião e os editoriais, o cidadão percebe que há boa-fé ou pressente agendas ocultas, não declaradas, que o deixam inseguro e desconfortável?

O diagnóstico da qualidade editorial de cada órgão de imprensa depende, entre outras, das respostas que se seguem a cada uma dessas interrogações. E aqui chegamos ao ponto. Essas respostas serão mais (ou menos) positivas quanto mais ou menos cada redação cultivar o pluralismo.

A palavra anda em desuso, é verdade, mas sem pluralismo não há democracia, e muito menos imprensa. Por certo, nenhum jornal pode assumir o dever de publicar igualmente todas opiniões e todos os pontos de vista de todas as pessoas. Isso seria loucura - ou hipocrisia. Uma fórmula editorial é sempre um corte, uma escolha arbitrária e não há nada de errado nisso. Porém, mesmo dentro do seu corte, da sua escolha editorial um órgão de imprensa há de saber que sua credibilidade decorre justamente do respeito que reserva às opiniões divergentes. Uma opinião que precisa silenciar a outra para se afirmar corrói a si mesma. [Destaco esse pensamento de Eugênio Bucci: uma opinião que precisa silenciar outra para se afirmar corrói a si mesma]. Já temos história suficiente para saber que o vício da intolerância não consegue apagar o intolerado - apenas desacredita o intolerante. É ele, não sua vítima, que perde autoridade.

Enquanto o poder autoritário se fortalece à medida que suprime a discordância, a imprensa livre se fortalece apenas quando alimenta o dissenso, a diversidade. Se no totalitarismo as discordâncias não têm lugar, na imprensa livre o que não cai bem são os ideários monolíticos inflexíveis. Não por acaso o discurso jornalístico tem um gosto natural pelo contraditório, ganha brilho, vigor, quanto mais dialoga, ainda que em termos duros, com a pluralidade dos pontos de vista

Respeitosamente, por certo. jornais e revistas que não sabem disso morrem. Às vezes, começam a morrer sem perceber, sem aprender que ter uma opinião não implica fazer de conta que outras opiniões não existem, ou sem fazer de conta que elas são ridículas. Quem faz de conta nesse jogo, é bom repetir, morre.

É por isso que a liberdade de imprensa é sinônimo de imprensa com liberdade. Ou não é liberdade de imprensa. Instalada no poder, a intolerância põe em risco a democracia. Instalada na imprensa, põe em risco a própria imprensa. É suicídio. Em poucas palavras - aqui onde já há muitas -, o jornalismo só prospera se souber desenvolver uma escuta sincera, interessada e aberta às vozes e aos pensamentos abertos e divergentes - sobretudo se não concorda com eles - ganha pontos no placar da credibilidade e na condição legítima de mediar o debate público. Uma publicação em que o contraditório não se acomoda bem é uma publicação que não se acomoda bem na sociedade pluralista.

É claro que cada diário, cada revista e cada site terão um modo particular de responder a esses desafios. A receita não é universal, ainda bem. Mas, de todo modo, hoje boa parte dos problemas graves da imprensa brasileira tem que ver com esta palavra em desuso: pluralismo. Tem que ver não exatamente com tolerar, mas com prestigiar as posições divergentes, pois não basta publicá-las, é preciso realçar nelas o que há de bom e de positivo.

A frase mais que famosa de Voltaire - "não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-las" - vem agora em nosso socorro. Não que haja necessidade, aqui, de uma fala trágica, retumbante. Só precisamos de serenidade.

Se me for permitida uma breve confidência, estritamente pessoal, digo que nunca fui chamado a sacrificar heroicamente a vida em prol da liberdade de alguém com quem eu não concordasse. Tive apenas de sacrificar um ou dois empregos, que nem eram grande coisa. Outros jornalistas, melhores do que eu, sacrificaram mais. É da regra do jogo. É e será.

            Quero cumprimentar Eugênio Bucci por esse artigo.

            Gostaria, na minha conclusão, de fazer uma reflexão ao prezado, tão digno e respeitado Ruy Mesquita, Diretor de Redação do jornal O Estado de S. Paulo. Eu, como leitor diário de O Estado de S. Paulo desde menino, desde minha adolescência - tive no Estadão, assim como na Folha de S.Paulo, os principais meios de comunicação de minha cidade, de meu Estado -, quero transmitir aqui a sugestão: quem sabe possa o Estado de S .Paulo melhor refletir e trazer de volta Maria Rita Kehl. Gostaria também que pudesse voltar à lista de colunistas regulares da Folha um economista, por exemplo, como Paulo Nogueira Batista Júnior, que deixou de escrever todas as quintas-feiras, e eu lia sempre o que ele escrevia.

            Pois bem, quero transmitir aqui ao jornal O Estado de S .Paulo, ao prezado Ruy Mesquita: eu, por exemplo, era e sou um leitor de Maria Rita Kehl, que normalmente publicava aos sábados, no Caderno 2, apreciava e aprecio muito seus artigos. Sentirei falta se ela não voltar. Democraticamente, proponho - quem sabe? -, em benefício da pluralidade de opiniões... E cumprimento o Estadão por ter publicado hoje esse artigo de Eugênio Bucci, que, na verdade, é uma reflexão. Proponho que - quem sabe? - talvez deveria o próprio Ricardo Gandour refletir melhor e dizer claramente: “Olha, a Maria Rita Kehl é uma pessoa de tamanha qualidade que, mesmo convidada para escrever sobre psicanálise, escreveu sobre psicanálise do ponto de vista do evento mais importante que aconteceria no dia seguinte, as eleições, e sobre as suas consequências para o povo brasileiro”.

            Acho que ela escreveu de uma maneira muito interessante, e convido todos a ler o seu artigo, porque continua a valer para as decisões que vamos tomar no dia 31 de outubro próximo.

            Muito obrigado, Srª Presidenta.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/10/2010 - Página 46619