Discurso durante a 169ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre a regulamentação do exercício da profissão de analistas de sistemas e suas correlatas.

Autor
Roberto Cavalcanti (PRB - REPUBLICANOS/PB)
Nome completo: Roberto Cavalcanti Ribeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EXERCICIO PROFISSIONAL.:
  • Reflexões sobre a regulamentação do exercício da profissão de analistas de sistemas e suas correlatas.
Aparteantes
Níura Demarchi.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/2010 - Página 48140
Assunto
Outros > EXERCICIO PROFISSIONAL.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, OPOSIÇÃO, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, PROFISSÃO, ANALISTA DE SISTEMAS, TECNICO, INFORMATICA, CRITICA, RESTRIÇÃO, MERCADO DE TRABALHO, AUSENCIA, RISCOS, ATIVIDADE PROFISSIONAL, COMPARAÇÃO, CARREIRA, MEDICO, ADVOGADO, ENGENHEIRO, PREVISÃO, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, OBSTACULO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO.
  • ELOGIO, ENTIDADE, SETOR, DEFESA, LIBERDADE, EXERCICIO PROFISSIONAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ROBERTO CAVALCANTI (Bloco/PRB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu tenho uma sorte muito grande na vida. Eu estava projetando fazer este pronunciamento e, por sorte, por iluminação divina, tenho aqui no plenário a presença da nobre Senadora Níura Demarchi, que é uma das grandes representantes que temos de Santa Catarina, este nosso Estado, e que está aqui há pouco tempo e tem demonstrado extrema competência. A ela, na verdade, de forma indireta, dedico esse nosso pronunciamento, porque a mesma é Relatora do Projeto de Lei nº 607, de 2007, que é o tema exatamente deste pronunciamento que farei em seguida.

            A Constituição brasileira determina, em seu art. 5º, inciso XIII, que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

            A bem da verdade, esse princípio, que poderíamos chamar de livre exercício profissional, esteve presente, com pequenas variações de forma, em todos os textos constitucionais vigentes no Brasil, iniciando-se já na Constituição Política do Império, em 1824, norma que aboliu as corporações de ofício e consagrou, em definitivo, a liberdade como regra básica do exercício da atividade profissional.

            O legislador, entretanto, em vista das peculiaridades que caracterizam algumas profissões e das exigências que tem a coletividade, vez por outra constata a necessidade de regulamentá-las, levando em conta fatores, tais como: o tipo de atividade que desenvolvem, o desgaste laboral por elas produzido e, principalmente, os eventuais riscos comunitários decorrentes de seu exercício.

            Assim, pode, excepcionalmente, vir a ser conferido a essas profissões um tratamento diferenciado, desde que assim o exija, direta, explícita e objetivamente, o interesse social.

            Observa-se, entretanto, que as demandas por regulamentação atendem, muitas vezes, a um propósito outro, ao qual não se dá muita luz pública, mas que resta muito bem definido, ao fim e ao cabo: o de criar, por via legislativa, uma espécie de nicho, de reserva restritiva de mercado para os especialistas de determinados setores, impedindo ou dificultando indevidamente o livre exercício de profissional.

            Entretanto, as restrições que o Estado venha a estabelecer sobre o direito de acesso e de exercício de uma determinada profissão não podem decorrer desse tipo de circunstância.

            Ao contrário, essas eventuais restrições precisam apresentar, em primeiro lugar, um caráter marcadamente excepcional e devem ser marcadas, além disso, pela preocupação objetiva com a proteção à vida, à saúde, à segurança e à liberdade das pessoas.

            Fora desse contexto, a norma deve ser a da liberdade, não a das restrições.

            Ressalte-se, portanto, que uma excessiva regulamentação das profissões atenta fortemente contra a universalidade do direito ao trabalho, contra a eficiência na alocação dos recursos humanos e, consequentemente, contra o interesse público.

            Com muita perspicácia, o jurista Celso Ribeiro Bastos observa que “uma forma muito sutil pela qual o Estado por vezes acaba com a liberdade de opção profissional é a excessiva regulamentação”.

            Entende ele, e com muita razão, que, para esses casos, “a lei há de satisfazer requisitos de cunho substancial, sob pena de incidir em abuso de direito e, consequentemente, tornar-se inconstitucional”.

            O mais importante desses requisitos extraordinários é justamente o de que a profissão, para ser regulamentada, tenha de trazer, em seu exercício, um sério potencial de risco social.

            Daí decorre que determinadas atividades ligadas à Medicina, à Engenharia e ao Direito, por seu potencial gerador de dano venham a exigir, como garantia social, a acumulação de conhecimentos técnicos específicos, a serem conquistados no âmbito de uma formulação profissional especializada.

            E conclui o mesmo Celso Bastos, dizendo que “nos casos (...) em que inexistam grandes riscos para a sociedade”, ou seja, riscos ligados à vida, à saúde, à educação, à liberdade ou à segurança das pessoas, “é preferível manter a atividade livre, em nome precisamente do direito à livre opção profissional”.

            É por esse motivo, aliás, que o Executivo tem sistematicamente vetado muitos projetos relativos à regulamentação de profissão.

            Nesses vetos, a justificativa tem sido bastante clara, argumentando aquele Poder que a Constituição Federal procurou restringir a liberdade de exercício profissional às situações extremas, ou seja, àquelas intimamente relacionados à vida, à saúde, à liberdade, à educação, à honra e à segurança do cidadão.

            Essas características essenciais estavam, de fato, absolutamente ausentes em diversos casos avaliados, a exemplo dos de motorista autônomo, de locador de táxi e de cabeleireiro profissional, entre outras.

            Mas trago esse tema à tribuna, Srª Presidente, em função da tramitação, na Comissão de Assuntos Sociais, na qual a nobre Senadora Níura Demarchi é Relatora, do Projeto de Lei do Senado nº 607, de 2007, que dispõe sobre a regulamentação do exercício da profissão de Analistas de Sistemas e suas correlatas, e cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Informática, matéria originária desta Casa.

            Concedo, com muita honra, um aparte à nobre Senadora, Relatora deste projeto, Níura Demarchi.

            A Srª Níura Demarchi (PSDB - SC) - Senador Roberto Cavalcanti, obrigada pelo aparte de V. Exª. Quero aqui fazer uma justificativa importante diante do seu pronunciamento. Quando assumi aqui a titularidade, nesses 120 dias no Senado Federal, eu tive a grata satisfação de receber 14 projetos para fazer a relatoria. É exatamente sobre isso que quero aqui me congratular com V. Exª por suas palavras. Ao fazer um estudo sobre esta matéria, cujos autores foram o Senador Expedito Júnior e a Senadora Lúcia Vânia e que continha também duas emendas, em turno suplementar, de S. Exª, e das demais matérias que me foram incumbidas de relatar pela Senadora, Presidente da Comissão de Assuntos Sociais, e agora Governadora do Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini, eu não me senti totalmente preparada e também totalmente imbuída dos instrumentos para avaliar e relatar este projeto, que é de suma importância. Então, digo a V. Exª que pedi à Senadora Presidente para fazer a redistribuição da relatoria deste projeto. Tive outros tantos projetos nos quais me debrucei com bastante ênfase - inclusive, com a Presidente desta Casa, Senadora Serys Slhessarenko, em votação de requerimento, tivemos a aprovação de um deles, que vai para a terminativa na Câmara Federal também, que é o projeto dos genéricos veterinários, no qual me debrucei com mais conhecimento também de causa, pelo acompanhamento do Senador Casildo Maldaner, de Santa Catarina, e também de Deputados, inclusive o Deputado Federal Fernando Coruja, que já tinha feito a relatoria na Câmara Federal. Por ser esse um projeto no qual tive mais conhecimento e pelos outros em que já faço parte da relatoria, eu me senti mais preparado para relatá-los. Eu pedi, já desde o dia 17 de agosto, Senador, a redistribuição, que certamente a Senadora Rosalba fará em momento oportuno, para que venha um novo relator para tão importante e abrangente matéria. Quero aqui fazer parte de praticamente 100% de seu pronunciamento, partindo do principio das livres iniciativas, da livre negociação - muitas vezes, em que se trata das relações de trabalho - e também da regulamentação das profissões em nosso País. Muito obrigada pela sua dimensão à minha pessoa, mas coloco-lhe o tema como redistribuição, para que outro Senador tenha oportunidade de se debruçar sobre a matéria com mais tempo e com mais conhecimento que eu, neste momento. Obrigada.

            O SR. ROBERTO CAVALCANTI (Bloco/PRB - PB) - Agradeço o aparte de V. Exª, mas protesto no sentido da efetiva competência e aptidão para relatá-lo.

            V. Exª, neste pouco tempo que está aqui conosco, tem demonstrado extrema competência, tem demonstrado sensibilidade, até feminina. É muito importante termos a presença, Senadora Serys Slhessarenko, feminina no Senado Federal. Tenho certeza de que a Senadora Rosalba Ciarlini, também por sua sensibilidade e como uma grande Presidente e futura Governadora do Rio Grande do Norte, saberá indicar um Parlamentar que tenha a competência e sensibilidade de fazer com que este projeto tenha uma análise efetiva.

            Peço o apoiamento dos Senadores Pedro Simon, Jefferson Praia no sentido de se preocuparem com esse tema, porque, na verdade, será por demais oneroso ao País se, lá na frente, tivermos determinadas profissões extremamente bitoladas e limitadas em função de instrumentos legais.

            Parabenizo V. Exª pelo gesto. Penso que, na vida, as pessoas têm que ter atitude. V. Exª teve a atitude de pedir a redistribuição e, com certeza, esse é um projeto que deverá levar mais algum tempo e poderia, efetivamente, não acompanhar o prazo que V. Exª estará honrando este Senado Federal, com sua presença. De qualquer forma, lamento e parabenizo. Lamento por não ser V. Exª e parabenizo pelo gesto, que é de extrema humildade e muita sensibilidade no tocante à área técnica.

            Muito obrigado por seu aparte.

            Srª Presidente, registre-se, liminarmente, que as atividades exercidas pelos analistas de sistemas e pelos técnicos de informática são da maior relevância e, sem o menor favor, indiscutivelmente essenciais para o desenvolvimento econômico e social do nosso País.

            Isso, porém, não as torna elegíveis à regulamentação restritiva do acesso profissional, uma vez que não envolvem, em seu exercício, os riscos definidos em nossa Carta Constitucional. Ao contrário, é sua própria regulamentação - que tomo apenas em seu sentido objetivamente restritivo - que traz riscos sociais, nesse caso.

            Estabelecer competências exclusivas nessas áreas, desconhecendo-se a dinâmica da área tecnológica da informação, poderá ainda trazer outros efeitos negativos!

            De fato, a reserva de mercado provocará, como sempre acontece, a elevação dos custos de mão de obra e, mais ainda, com grande probabilidade de acarretar a falta de profissionais habilitados, justamente num setor caracterizado pela demanda exponencialmente crescente de serviços.

            Além disso, a reserva também ensejará o surgimento de diversos tipos de conflitos jurídicos, de controvérsias judiciais e, em consequência, de situações que praticamente obrigarão à postergação ou ao cancelamento de importantes decisões de investimentos no setor.

            A perda da competitividade daí decorrente é clara: estaríamos dando uma inimaginável vantagem comercial aos nossos competidores internacionais, em especial na área de produção de softwares, em que norte-americanos, chineses e indianos - por diferentes motivos que vão do dumping à verdadeira e correta competitividade - já possuem grande vantagem comparativa.

            Como representante da Paraíba, sobretudo, muito me penaliza imaginar que, aprovado o PLS, estaremos - mesmo que equivocadamente amparados nas melhores intenções - negando melhores oportunidades e perspectivas mais otimistas àqueles que constroem, em Campina Grande, um grande polo de brasileiros de excelência na tecnologia da informática.

            Tudo isso - vejam bem, Srªs e Srs. Senadores - em prejuízo da nossa economia, do setor de tecnologia e dos próprios trabalhadores da área de informática.

            É preciso ressaltar, ao fim, a grande velocidade com que se processam substanciais inovações na área profissional tecnológica, em vista da extrema dinâmica do setor, o que, mais uma vez, não recomenda a existência de lei regulamentadora das profissões.

            Em lugar de proteger o mercado de trabalho desses profissionais, a lei pode transformar-se em verdadeiro obstáculo ao aprimoramento profissional das diferentes categorias de trabalhadores, engessando-as em definições inadequadas, que passarão a exigir reformulações legais a pequenos intervalos de tempo.

            Por isso organismos setoriais importantes, a exemplo da Sociedade Brasileira de Computação - SBC, têm discutido, nos diversos encontros da comunidade científica, aspectos relacionados às vantagens e às desvantagens de uma regulamentação da profissão de informática, concluindo, segundo informação divulgada pela própria SBC, pela observância de determinados princípios básicos na organização setorial, entre eles o de livre exercício das atividades relativas à informática.

            Não vejo, por fim, obstáculos à regulação dessas atividades, desde que num contexto não-restritivo, podendo ser adotado, por exemplo, o regramento ético com base na auto-regulamentação - como hoje praticado na área de publicidade, pelo Conar - ou a regulamentação genérica dos profissionais de informática com diploma de nível técnico ou superior, estabelecendo-se parâmetros mínimos de valorização profissional e de responsabilidade técnica.

            É necessário, contudo, Srª. Presidente, muita atenção e cuidado com o discurso fácil de apoio às pretensões corporativas que frequentemente batem à porta do Congresso Nacional.

            Fazê-lo de modo inadvertido, e até mesmo inconstitucional como vimos, pode ser um prejuízo de caráter geral. Um prejuízo que, mesmo atingindo toda a sociedade, se abaterá principalmente sobre os setores que, hoje, eventualmente possam sentir-se por ele privilegiados.

            É tudo ilusão, sonho, delírio cartorial à moda nacional, destituído de fundamento na realidade presente, ou numa adequada visão de futuro.

            Era isso, Srª Presidente! Eu gostaria que houvesse a reflexão de todos nós Senadores para que não corramos o risco de engessar uma profissão que é merecedora de toda a proteção e por demais, extremamente, competitiva neste mundo globalizado, que V. Exª constata e admira. Porque, na verdade, nós, o Brasil, que pretendemos ser a 5ª potência do mundo, temos que ser modernos, temos que ser atuantes, temos que ser competitivos.

            Muito obrigado, Srª Presidente!


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/2010 - Página 48140