Discurso durante a 168ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Anúncio do lançamento, no próximo dia 4 de novembro, na Feira do Livro de Porto Alegre, do livro "A impunidade veste colarinho branco", de autoria de S.Exa. Síntese dos principais tópicos tratados no referido livro. Preocupação com o impasse que se tornou público, no STF, para o julgamento da "Lei Ficha Limpa".

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. ELEIÇÕES. SENADO. JUDICIARIO.:
  • Anúncio do lançamento, no próximo dia 4 de novembro, na Feira do Livro de Porto Alegre, do livro "A impunidade veste colarinho branco", de autoria de S.Exa. Síntese dos principais tópicos tratados no referido livro. Preocupação com o impasse que se tornou público, no STF, para o julgamento da "Lei Ficha Limpa".
Aparteantes
Cristovam Buarque, Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 21/10/2010 - Página 48069
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. ELEIÇÕES. SENADO. JUDICIARIO.
Indexação
  • ANUNCIO, LANÇAMENTO, LIVRO, AUTORIA, ORADOR, ANALISE, SITUAÇÃO, IMPUNIDADE, BRASIL, DESVIO, FUNDOS PUBLICOS, CRITICA, DIFERENÇA, TRATAMENTO, JUSTIÇA, CIDADÃO, BAIXA RENDA, CRIME DO COLARINHO BRANCO, INCENTIVO, DESRESPEITO, LEGISLAÇÃO.
  • OPINIÃO, ORADOR, VINCULAÇÃO, SUPERIORIDADE, IMPUNIDADE, BRASIL, EXPERIENCIA, DITADURA, IMPORTANCIA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CONTRIBUIÇÃO, DEMOCRACIA, NECESSIDADE, MOBILIZAÇÃO, SOCIEDADE, CONGRESSO NACIONAL, TRANSFORMAÇÃO, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, ESPECIFICAÇÃO, EFETIVAÇÃO, REFORMA POLITICA, COMBATE, CORRUPÇÃO.
  • CUMPRIMENTO, MARINA SILVA, SENADOR, ELOGIO, ENTREVISTA, TELEVISÃO, DECLARAÇÃO DE VOTO, ORADOR, CANDIDATO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRIMEIRO TURNO.
  • CRITICA, REDUÇÃO, QUALIDADE, ATUAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INFLUENCIA, NATUREZA POLITICA, EFEITO, MANIPULAÇÃO, INVESTIGAÇÃO.
  • CRITICA, SISTEMA PENITENCIARIO, EXCESSO, PRESO, INEFICACIA, REABILITAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, REINCIDENCIA, CRIME, QUESTIONAMENTO, FALTA, PRIORIDADE, ALTERNATIVA, PUNIÇÃO.
  • NECESSIDADE, URGENCIA, AMPLIAÇÃO, DEBATE, DEFINIÇÃO, DIRETRIZ, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, IMPORTANCIA, REDUÇÃO, DIFERENÇA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, VALORIZAÇÃO, RECURSOS NATURAIS, BRASIL, INDEPENDENCIA, INFLUENCIA, AMBITO INTERNACIONAL.
  • DEFESA, DESCENTRALIZAÇÃO, PODER, FAVORECIMENTO, MUNICIPIOS, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, RESPONSABILIDADE, PODER PUBLICO, PREVENÇÃO, CALAMIDADE PUBLICA, CONCLAMAÇÃO, DEBATE, ETICA.
  • SUGESTÃO, GESTÃO, JUDICIARIO, APROXIMAÇÃO, CIDADÃO, CRITICA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), FORMA, DEBATE, DECISÃO, VIGENCIA, LEGISLAÇÃO, INELEGIBILIDADE, REU, CORRUPÇÃO, PROTESTO, OMISSÃO, COBRANÇA, MEMBROS, PARECER, MATERIA, ANTERIORIDADE, SEGUNDO TURNO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Ele falaria meia hora. Quando ele viu que eu não estava aqui... O Senador Jucá está muito tenso. É que ninguém sabe o resultado da eleição. Está muito parelho. Todo mundo sabe é que, seja quem for o eleito, o Líder do Governo vai ser ele. É a única garantia que a gente tem: que o MDB estará no Governo com quem ganhar e que o Senador Jucá será o Líder do Governo de quem ganhar.

            Srª Presidente, Srs. Parlamentares, no próximo dia 4 de novembro, estarei na Feira do Livro de Porto Alegre, no lançamento de uma publicação baseada nas reflexões que fiz nesta tribuna. Uma vez que reuni os principais textos sobre a questão na impunidade, o nome do livro é exatamente este: A impunidade veste colarinho branco.

            Primeiramente, por que um livro sobre impunidade no Brasil? Porque o Brasil é o país da impunidade. Mais do que isso, a impunidade é a causa maior de uma série de outros problemas, como a violência, o analfabetismo, a falta de medicamentos. Muitos vezes nos debruçamos tão somente sobre as consequências das nossas maiores mazelas e damos pouca atenção às verdadeiras causas. E, como essas não são atacadas como devido, acabam alimentando e incentivando esse conjunto de sequelas que forma o que eu chamo de barbárie humana.

            O que inspirou o título do livro?

            Eu tenho dito e tenho repetido que o pobre não conhece a Justiça. O pobre conhece a polícia. Eu não digo que aquele que rouba, não importa o valor, tenha que ficar impune. Fosse assim, teria que mudar o tema central e o enfoque do meu livro. Mas, por que tão somente o pobre vai para cadeia? Por que só ele tem que pagar à sociedade pelo respectivo delito?

            Mas o crucial e que realmente me motivou a escolha do tema é que a impunidade nas chamadas camadas superiores, expressão pela qual eu também não alimento nenhuma simpatia, tem um efeito corrosivo sobre a sociedade de um modo geral. A impunidade para os que têm poder dá a todos a sensação de que não é preciso respeitar as leis. De que tudo pode, sem ser alcançado por elas. Daí, a sonegação, a pirataria, a inadimplência, nem sempre motivada. E a corrupção, obviamente. Só que, quando praticada por aquela mesma camada de cima, tem a proteção da justiça, intermediada por advogados de renome.

            Se pobre, aí não importa o delito, nem mesmo se o praticou. Se é pobre, basta ser suspeito, muitas vezes exatamente pelo fato de ele ser pobre e/ou pobre e negro, a polícia o alcança. Alcança e, muitas vezes, alcança, julga, condena e mata. Como no caso do motobói Eduardo, em São Paulo, e de tantos outros que não mereceram nem mesmo os olhos e a audiência da mídia, que por eles não se interessaram.

            Tem gente que associa tamanha impunidade no Brasil ao nosso passado colonial, enquanto berço de um patrimonialismo que sobrevive e que se renova.

            Ora, já se vão quase 200 anos de República, tempo suficiente para termos mudado as eventuais deformações de nosso passado colonial. O que acontece, querida Presidente, é o que eu chamei, no livro, de “déficit de cultura democrática”, porque, durante todo esse tempo, o País viveu longos períodos de ditadura, incluída a mais recente, a militar, que durou mais de 20 anos.

            Se olharmos com mais atenção, veremos que período mais duradouro e seguro de ares democráticos é o de agora, com a chamada Constituição Cidadã do Dr. Ulysses, que também já ultrapassou duas décadas.

            Acho, entretanto, que estamos demorando em demasia para algumas mudanças necessárias no sentido de modificarmos uma realidade que periga minar, novamente, a nossa estrutura institucional. A reforma política, por exemplo. O Congresso Nacional tem que ser mais representativo do povo brasileiro, e não um estoque de produtos vendidos pelos melhores marqueteiros. A instituição pilar da democracia não pode permanecer no rodapé da legitimidade popular. A história mostra o que acontece às nações onde ruem essas mesmas instituições pilares.

            Presidente, a corrupção é o braço financeiro da impunidade. O caminho de passagem para a barbárie humana. A corrupção só existe porque se sente protegida pela impunidade. Tanto o corruptor quanto o corrupto agem livremente porque sabem que o fazem na mais absoluta impunidade.

            Acontece que, lá fora, a impunidade nem tangencia o que se passa por aqui. Acontecimentos recentes nos Estados Unidos, como o da pirâmide financeira, agora, há pouco tempo, que dilapidou recursos de muitos, dão uma ideia de como lá a corrupção é alcançada pela polícia, pela Justiça e pela política. O mentor da tal pirâmide lá nos Estados Unidos já não usa mais os seus ternos bem talhados ou seus aviões particulares. Trocou-os pelo uniforme vistoso de uma penitenciária.

            Lá no Japão, não são raros os casos de suicídios, inclusive de ex-ministros, de quem é pego cometendo atos de corrupção. No Brasil, ao contrário, o corruptor e o corrupto desfilam tranquilamente pelas colunas sociais.

            As grandes mudanças políticas que aconteceram no País, nos últimos anos, podem ser creditadas, notadamente, à pressão popular. A anistia política, depois de um amplo movimento da sociedade organizada. As eleições diretas, após um dos mais importantes movimentos de rua já vistos na nossa história.

            O chamado Diretas-Já, como prova de que não há cheiro de pólvora que resista a um povo que quer mudanças no rumo da sua história.

            O Congresso teimou em não permitir eleições diretas. Mas, mesmo que indiretamente, a eleição de Tancredo, um civil, foi um sinal evidente naquele momento de que nós estamos vivendo uma mudança de rumos. Não adiantava, naquele momento, que se fechassem novamente as portas, porque a população as forçaria e ocuparia e o espaço democrático haveria de voltar.

            Outro movimentos de rua que mudou os rumos da política deste País foi quando do impeachment do então Presidente Collor. Aí, entraram em cena os chamados caras pintadas. Os estudantes puxaram as fileiras de uma marcha que fez do luto uma bandeira pela ética na política.

            A mídia, a mesma que havia construído um personagem fictício para ocupar a cadeira mais importante da República, ajudou a catapultá-lo, pressionada pela força das ruas.

            Em tempo mais recente, não há dúvida de que teria sido outra a história do Governador de Brasília, não fosse o movimento que tomou conta dos estudantes, que voltaram a enfrentar a força bruta. Foram para a frente dos tribunais e ele foi afastado.

            A impunidade no Brasil só vai acabar, ou, sendo mais realista, só vai diminuir para valer quando o povo se der conta da sua força, quando a sociedade organizada entender o seu papel e continuar percebendo que as ruas são o seu espaço mais democrático.

            O Congresso Nacional perdeu um dos mais belos e importantes instrumentos de combate à corrupção: as Comissões Parlamentares de Inquérito, as célebres CPIs, que ainda estão vivas na memória as lembranças de algumas delas que fizeram história: a do impeachment, a dos Anões do Orçamento, por exemplo.

            Ali investigava-se à luz dos fatos. Hoje, o que mais importa numa CPI são as luzes dos holofotes.

            Minha candidata! Votei com muita alegria na Marina, que chega agora. Fiquei impressionado com a atuação da Marina no programa do Jô Soares. Ocupou todo o espaço e, além do espaço que ela ocupou, foi prorrogado.

            As informações que eu tenho é de que o Jô nunca recebeu tantas manifestações de carinho como na sua manifestação.

            E eu gostei muito quando ele se despediu de ti: Tchau, Marina! Daqui a quatro anos, tu venhas mais uma vez no meu programa, mas naquela vez como Presidente da República. Uma grande mulher, uma grande mulher!

            Agora eu estou até nervoso para falar na frente da Marina. Não estava preparado, ninguém me avisou. Mas eu peço para a assessoria aqui: vou dar o meu primeiro volume exatamente para a Marina. (Pausa.)

            A Srª Marina Silva (PV - AC) - Muito obrigada.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - As CPIs viraram instrumentos de barganha. E pior: de chantagem! Foram desmoralizadas pelo cheiro de pizza. Ninguém mais acredita nos propósitos ditos com pompa e circunstância diante das câmeras e dos microfones.

            Pior: é mais lesivo ao País uma investigação mal conduzida ou premeditadamente para levar a nada do que a não investigação. O pior dos mundos é o atestado de idoneidade indevida que a CPI termina mostrando.

            As CPIs foram banalizadas. Cada integrante cuida de buscar elementos que busquem minar o adversário político, no âmbito nacional, ou do respectivo grotão, para eliminá-lo nas eleições.

            Como no Congresso, embora haja tantos governistas, tantos partidos políticos dividem-se entre governistas e não governistas, sendo que esses, os não-governistas, também já foram governo, as tais chantagens tornam-se um acordo de bastidores do tipo: “Eu não investigo os teus, e tu não investigas os meus”. Daí a tal pizza. Daí a impunidade. Daí a falta de legitimidade do Congresso. Daí os riscos institucionais.

            Parece não haver dúvida de que a impunidade no Brasil não se alimenta na falta de leis. Ao contrário: em alguns segmentos, temos um aparato legal invejável, como em outros países. A nova legislação, que trama de crimes de lavagem de dinheiro, da qual fui Relator no Senado, por exemplo. Então, apareceu uma questão lógica e óbvia: se existem leis e se o mal permanece, é porque elas não estão sendo cumpridas a contento.

            Desvios cometidos por políticos, por exemplo, chegaram a ser enfadonhos no noticiário, principalmente nos últimos tempos. Existem alguns personagens que povoam a mídia, quando o assunto é corrupção, desde o século passado, para não dizer desde o milênio passado. Foram presos? Devolveram o dinheiro roubado? Nunca foram presos, nunca devolveram dinheiro algum.

            A imprensa monta verdadeiros estúdios de transmissão no Congresso Nacional. Não precisa nem mesmo marcar audiência. Ao contrário: acende o holofote, e vê-se cercada por Parlamentares ávidos pela ribalta.

            No Executivo, menos. Mas a maior transparência na divulgação de informações faz com que haja também um controle maior na mídia da chamada Esplanada.

            Com o Judiciário tem sido diferente, pelo menos até tempos recentes. A toga parece ter criado uma aura de respeitabilidade, reverência, que parece ter chegado aos limites da intimidação. Alguns fatores têm sido cruciais, uma mudança recente, ainda que tímida. A TV Justiça, assim como a TV Senado, abriu o processo legislativo ao conhecimento público. A TV do Judiciário trouxe para as nossas salas o linguajar sofisticado dos juristas e, finalmente, está conseguindo torná-lo um pouco mais inteligível. O Supremo, por exemplo, para quem já acha sofisticado o significado do verbete - que está acima de tudo, súpero, referente a Deus, derradeiro, último, extremo, superior, sumo -, tudo ainda soa simples comparado com o tal “pretório excelso”. Mas o que é mais importante dessa maior transparência: levou o Judiciário para fora dos tribunais.

            Eu acho também que determinados Ministros, eu diria mais midiáticos, acabaram por abrir as portas do Judiciário para a mídia nesses tempos recentes. Mesmo que a grande maioria não concorde com determinadas justificativas, como no caso de um sofisticado plantão para atender na noite do mesmo dia um banqueiro suspeito de lesar o erário, como dizem muitos: o sistema prisional brasileiro tem sido muito mais uma universidade do crime. O preso não é reabilitado para viver novamente em sociedade. Ao contrário, tende a seguir o caminho perverso entre o leve e o hediondo.

            Há carceragens no Brasil chamadas institucionalmente de depósitos de presos. Triste, mas com o que mais se parece na realidade as nossas casas de detenção: um amontoado de pessoas trocando experiências nefastas e submetidas ao único tipo de lei: a do mais forte. Não raramente um emaranhado de chantagens e de corrupção cometidas exatamente pelos chamados agentes da lei. Que lei? A que prega ressocialização ou a da sobrevivência? Há no Brasil uma cultura “detencionista”, que estabelece um contraditório. Existem milhares de mandados de prisão que deixam de ser cumpridos por falta de lugares, ao mesmo tempo de uma forte pressão popular no sentido de que essas mesmas prisões sejam concretizadas.

            A violência urbana conspira nesse sentido. O indivíduo pratica um crime considerado comum e é preso. Na prisão, torna-se um perito em criminalidade. Ao mesmo tempo, a sociedade, pressionada pelo medo da violência, exige uma solução imediata do Estado.

            Então, por que não priorizar, como já previsto nas nossas leis, as chamadas penas alternativas? Aí não haverá impunidade, porque quem praticou tal delito será punido e pagará à sociedade pelo mal que cometeu. Mas através de uma ação produtiva que visa o interesse público. Desde, é claro, que os crimes não sejam hediondos, a pena alternativa recupera o preso, sem maiores custos, e ganha a sociedade.

            Eu procurei, nesse livro, levantar algumas questões que podem servir de moldura ou de ambiente para a nossa situação de corrupção e de impunidade, enfim, de como o dinheiro público é desviado de suas finalidades mais nobres.

            Nesses últimos tempos, o que mais se ouviu falar foi sobre o Estado mínimo, leis de mercado, privatizações, Consenso de Washington; que o mercado seria capaz de se autorregular, voltando ao equilíbrio depois de uma crise econômica; que o Estado deveria permanecer tão somente com as afinidades ditas sociais; que o Estado, na verdade, atrapalha a iniciativa privada; que uma tal mão invisível seria capaz de resolver qualquer risco sistêmico, para utilizar também uma expressão muito em voga.

            De repente, uma crise profunda, a sanha do lucro fez engasgar o sistema. Onde estava a chamada mão invisível? Como invocá-la? Risco sistêmico! Chama o Estado! Mais de 1 trilhão de dólares à disposição de quem? Do mercado e dos banqueiros. Mais de 1 trilhão de dólares! Então, a tal mão invisível tornou-se visível e previsível, mas essa mão continua invisível no risco sistêmico da fome. Mas de um bilhão de pessoas sem comida, dentre as quais 130 milhões de crianças chorando de fome. Chama o mercado? Nem o mercado, nem o Estado, porque o mercado não se move pelo pudor, e o Estado já foi privatizado e se move pelos interesses do mercado.

            Para se legitimar, o mercado criou uma espécie de religião chamada consumismo. Quem não adere aos seus preceitos é excluído. Então, vale qualquer artifício para se incluir, mesmo que os adeptos não se pautem necessariamente por princípios éticos. Vale inclusive a violência. O grande instrumento de conversão é a mídia. Ela é, na verdade, o profeta do consumismo. Uma religião que cultua o ter, mesmo que seja em detrimento do ser.

            Há um discurso - surrado, diga-se de passagem - sobre descentralização do poder. Louvável, aliás. O Município é a instância mais próxima do cidadão. Aliás, é onde mais ele se sente dentro. Acontece que essa tão propalada descentralização das atividades nunca foi acompanhada de uma necessária desconcentração dos recursos públicos.

            Os prefeitos, que antes ocupavam o tempo na administração dos Municípios, passaram a desfilar pelos corredores das capitais do Estado e da capital Brasília em busca dos recursos financeiros que lhes faltam para sanar os problemas que absolutamente sobram.

            Acontece que essa concorrência não é das mais fáceis e nem sempre das mais éticas. Quem tem o poder de fazer Orçamento e de liberar recursos tem também o poder da barganha, nem sempre municiado das melhores intenções. Os sucessivos escândalos com as emendas orçamentárias, principalmente as individuais, são o melhor exemplo dessa má prática. Evidentemente, não se podem generalizar esses atos lesivos aos cofres públicos, mas os casos têm se multiplicado cada vez mais, sem que se possa também atribuir culpa aos prefeitos. Também generalizadamente. Muitas vezes é a única maneira de eles alcançarem recursos para finalidades que não podem esperar.

            Lembre-se, por exemplo, o caso das ambulâncias com preços superfaturados que foram objetos de uma CPI. Ou os prefeitos se submetiam às planilhas elaboradas pelos corruptores ou ficavam sem um instrumento que para muitos é a única alternativa para a questão da saúde nos seus locais. Aliás, foram provas mais do que concretas, e eu também não ouvi dizer que algum corruptor ou algum corrupto tenha devolvido algum recurso subtraído nessas tenebrosas transações.

            A impunidade também é a causa das nossas tragédias! Quem ainda se lembra das tragédias das enchentes de Santa Catarina? Dos furacões? E que o ano de 2010 iniciou-se com um enorme deslizamento de terra em Angra dos Reis? E Niterói? Uma comunidade inteira sob escombros.

            Pois é! São comoções que duraram o tempo dos índices de audiência na televisão. Tão pouco tempo e acontecimentos engolidos pela memória ou pela falta de memória. Até que outras tragédias sejam estampadas na nossa sala, pelo noticiário. Cenas de novela da vida real. Com começo, meio e fim e que não valeira a pena ver de novo, mas que desgraçadamente veremos porque, no Brasil, a comoção e a indignação não são acompanhadas pela devida ação.

            Em Niterói, por exemplo, aquelas famílias construíram suas casas sobre um lixão. Chorume que se transformou em lágrimas. O Poder Público sabia que, poucos anos antes, ali se depositavam os restos da cidade. E não se tomou qualquer providência, não se tomou nenhuma iniciativa; a não ser a coragem e o trabalho dos bombeiros, nada parece ter acontecido, nem antes, nem depois da tragédia. Outras virão. Enchentes como em Santa Catarina, secas como no Nordeste e no meu Estado, o Rio Grande do Sul. Ou - nisso quase ninguém acreditaria - a falta d’água nos rios do Pantanal e da Amazônia.

            A tragédia de Niterói foi alertada quatro anos antes, e ninguém tomou providências, ninguém foi responsabilizado. Aqueles mesmos que laconicamente minimizaram a nossa desgraça, comparando-a com tsunâmis e terremotos em outros países. Até quando? Até a próxima tragédia transformada em campeã de audiência. Ou até a vindoura comoção transformada em dignidade? Mas, mais uma vez, não em ação.

            Na questão das nossas perdas em termos de valores e referências, eu procurei fugir de um discurso que parecesse saudosista. Sei que não há como voltar aos meus tempos de guri ou às mesmas preocupações, aos mesmos métodos da minha convivência com os alunos de cinco décadas atrás na Universidade de Caxias do Sul. Teria que eliminar Banda Larga, GSM, ABS, GPS, orkut, twitter e tantas outras modernidades.

            Os avanços tecnológicos são inevitáveis e saudáveis, diga-se de passagem. Não se imagina viver sem eles nestes nossos tempos. Embora a maior facilidade seja dos mais jovens, não pode haver idade limite para utilizá-los. Mas não há dúvida de que os novos tempos vieram com a perda de alguns valores que deveriam ser perenes. Não pode ser considerado jurássico quem, por mais avançada idade, ainda defenda o respeito ao próximo, a solidariedade, a fraternidade, a compaixão e a ética. Não pode ser saudosista, no seu sentido pejorativo, quem rememore princípios da humanidade em tempos de barbárie humana.

            É por isso que eu procuro reiterar nos meus discursos e nas minhas publicações valores como os escolhidos nos temas e lemas atuais da Campanha da Fraternidade, e referências como os personagens que não podem ser lembrados apenas em cerimônias especiais. Nessa minha publicação, eu trago exemplos de vida: Dona Zilda Arns, Dom Hélder, Nelson Mandela e o nosso Senador Jefferson Péres. Todos eles dispensariam maiores comentários, mas os seus exemplos, como valores de referência, não podem ser jamais esquecidos.

            Fico imaginando, por exemplo, o Senador Jefferson, nesses tempos de descoberta de atos secretos sob tapetes azuis no Senado Federal. Ele pessoalmente faz muita falta, mas mais falta ainda faz o seu exemplo de vida.

            Procurei também lembrar algumas experiências bem sucedidas do combate à corrupção e à impunidade. Como Líder do Governo Itamar no Senado Federal, sugeri aqui a ação de uma comissão permanente para investigar possíveis casos de corrupção praticados em todos os escalões da Administração Pública, bem como medidas que coibissem esses tipos de desvios de conduta. De pronto, o Presidente Itamar, nosso novo colega eleito e que logo estará aqui para mais uma vez representar Minas Gerais, criou a CEI (Comissão Especial de Investigação), constituída por cidadãos representativos da sociedade civil.

            A mera existência da Comissão já se transformou em mecanismo de inibição para potenciais ações lesivas ao Erário. Contra a corrupção e principalmente contra a impunidade. Foi, sem dúvida, uma experiência das mais significativas. Tivesse ela continuado, certamente, muitos dos exemplos dos desvios que se sucederam depois não teriam sido abordados; ou, mais ainda, nem mesmo teriam sido concebidos. Infelizmente, embora uma ideia cultivada como o melhor dos propósitos, ela foi podada em um dos primeiros atos do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso. Continua podada, aliás. Quem sabe aguardando melhor viço no próximo governo?

            Outra ideia igualmente exitosa foi a ação conjunta dos três Poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - contra a impunidade, um sonho que se realizou pelo menos por um período, também no Governo Itamar. Os três Poderes juntos na mesma mesa falando, debatendo e discutindo o combate à impunidade. O Presidente da República, o Presidente do Supremo, o Presidente do Senado, o Presidente da Câmara, o Ministro da Justiça e o Procurador-Geral da República para debater e discutir ações conjuntas. Bons tempos aqueles!

            Defendo também a tese de que devemos, com urgência, nos debruçar sobre a construção de novos paradigmas de desenvolvimento. A questão central é: que País queremos? Batemos muito na tecla sobre o País que temos, mas não tenho assistido, há muito tempo, a uma discussão mais aprofundada sobre o projeto de desenvolvimento verdadeiramente nacional.

            Temos todos os principais recursos do planeta, o maior rio, a maior floresta, todos os microclimas, e ainda ficamos no máximo tentando nos equilibrar na adaptação a um modelo que nem sempre nos diz respeito. Fazemos um jogo com regras ditadas de fora para dentro e nos regozijamos de, apesar de tantas crises, termos dado certo.

            É preciso, portanto, que acrescentemos uma questão: deu certo? Mas para quem? Não vamos nos esquecer que, apesar de estarmos entre os países mais ricos economicamente no planeta, ainda permanecemos com uma das piores disparidades de distribuição de renda entre todas as nações. Quando se diz que diminuiu a diferença entre ricos e pobres, é preciso lembrar que muito se deve a esta verdadeira dádiva que é a distribuição de alimentos e bolsas. Ter tanta gente vivendo de migalhas no Brasil, um País tão rico em potenciais, continua sendo uma verdadeira vergonha.

            O que fazer, então, se a impunidade é um dos nossos maiores males e uma das nossas maiores desgraças?

            Eu não tenho dúvida de que a chave mestra de combate à impunidade no Brasil está no último item do que, até pouco tempo atrás, se colocava como derradeiro dispositivo em todas as leis, inclusive as de combate à corrupção: “Cumpra-se; revogam-se as disposições em contrário”.

            O fim da impunidade significará uma ferida de morte à corrupção, não só nas questões relativas aos recursos públicos: o cidadão saberá que, cometido o erro, independentemente de qual seja, ele será punido nos termos da lei.

            Eu busquei um conceito que melhor explicasse essa situação: anomia social. Um ambiente de certeza de impunidade, as pessoas não se sentem mais impelidas a cumprir a lei, não respeitam mais as instituições. Daí o Estado paralelo, a milícia, a corrupção renovada, a impunidade realimentada. O tal “jeitinho” brasileiro talvez seja produto disso tudo.

            Há pouco tempo, o professor da Universidade Federal Fluminense Alberto Carlos Almeida publicou um livro muito importante. Nome: A Cabeça do Brasileiro. Trata-se de um estudo de recomendável leitura para que possamos entender bem quem e por que o brasileiro recorre frequentemente a certos artifícios, mesmo que sejam contrários à boa ética. Recorrer a dádivas para se posicionar à frente de alguém que, por direito, lhe antecede, pode ser um exemplo.

            Segundo a pesquisa, dois terços de todos os brasileiros já utilizaram o “jeitinho”. Diz o autor: “O jeitinho brasileiro é importante na nossa sociedade não apenas por ser muito difundido, mas principalmente pelo fato de nos permitir entender por que o Brasil tem tanta dificuldade em combater a corrupção. Ele já foi objeto de estudo de antropologia; faltava abordá-lo com dados quantitativos, o que foi feito pela Pesquisa Social Brasileira. Desse modo, pela primeira vez, o Brasil tem a chance de entender o Brasil, os brasileiros têm a chance de saber por que a cultura da corrupção é tão enraizada entre nós. A pesquisa mostra que isso acontece porque a corrupção não é simplesmente a obra perversa de nossos políticos e governantes. Sob a simpática expressão ‘jeitinho brasileiro’, ela é socialmente aceita, conta com o apoio de muita gente que a encara como tolerável”.

            Por exemplo, a pesquisa também mostra que, quando perguntados sobre o fato de uma pessoa que conhece um médico passar na frente na fila do posto de saúde, os brasileiros acham, em termos percentuais maiores, que se trata de um jeitinho, mais do que a prática de uma corrupção.

            Difícil de imaginar que se possa mudar alguma coisa por meio de novas leis, primeiro se elas não forem cumpridas, segundo se continuar a vigorar a tal cultura da corrupção ou do ‘jeitinho brasileiro’. Então que todos os esforços sejam carreados no sentido de que as leis sejam cumpridas, independentemente de quem e para quem. Para todos, indistintamente.

            Repito, para ser, como sempre, enfático, não haverá nenhuma mudança de comportamento institucional de dentro para fora. Há que se ter uma pressão de fora para dentro, uma espécie de controle social da ação pública em todos os Poderes: no Executivo, no Legislativo e, agora, no Judiciário. Daí a proposta, no meu livro, de uma gestão democrática do Judiciário, com a criação dos Conselhos Regionais de Justiça.

            Por que, por exemplo, todas as partes de um processo - autor, réu - têm prazos legais a serem observados, a serem cumpridos, e essa mesma obrigatoriedade não se aplica aos magistrados? Não estaria aí uma das razões para a tamanha e reclamada morosidade da Justiça e consequente prescrição de processos?

            Há que se avaliar, portanto, por que tantos processos passam uma vida sem serem julgados. A alegação principal, de dentro para fora, é a de que faltam magistrados. O ilustre Ministro Cezar Peluso, Presidente do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, argumenta que países como Espanha, Itália, França e Portugal chegam a ter dezoito magistrados para cada cem mil habitantes. Essa média, no Brasil, é de oito magistrados para cada cem mil habitantes.

            Seria essa, exatamente, a principal razão da nossa morosidade judiciária, que chega a acumular 80 milhões de processos sem julgamento?

            A minha proposta de gestão democrática do Judiciário vem, portanto, no sentido de responder a essa e a outras questões de forma mais legitimada.

            O Judiciário tem também de estar mais próximo do cidadão, para o bom cidadão. Será ótimo para o Judiciário e, melhor ainda, para o País, muito bom.

            Tenho certeza de que as minhas reflexões vêm em boa hora, exatamente quando o Congresso aprovou uma lei que mudará, por certo, os rumos da política em nosso País, uma lei cujo projeto veio exatamente, como eu acho salutar, de fora para dentro.

            Foi a sociedade organizada que forçou o Congresso a votá-la, a aprová-la. Não fosse assim, nada teria acontecido.

            É bem verdade que as últimas eleições ainda transcorreram em clima de muita incerteza quanto à aplicação da Lei da Ficha Limpa.

            A minha maior preocupação não é o impasse que se tornou público na sessão do Supremo Tribunal Federal, depois de onze horas de discussão, na qual nada se decidiu de concreto sobre a validade da Lei da Ficha Limpa ainda para as eleições de 2010, a partir da discussão do recurso extraordinário apresentado pelo então candidato ao Governo do Distrito Federal. Afinal, o debate sobre o tema já se constituiu em avanço significativo, tendo em vista que ele não vinha merecendo a devida ênfase nas coisas políticas há muito tempo. As avaliações que se sucederam, estampadas nos jornais do dia seguinte, seguiram o mesmo caminho: lamentou-se o conteúdo, o resultado da sessão ou a falta deles. Mas as maiores críticas voltaram-se na direção da forma como foram conduzidas as discussões, deixando transparecer algo assim como se a “seleção brasileira de constitucionalistas” houvesse entrado em campo sem preocupação com algumas regras do jogo, para cujo desempate, se empatado, teria de haver uma regra clara.

            Não houve. Ficou um impasse.

            Apesar de ter dito, no decorrer do livro, que a linguagem dos magistrados tornou-se mais compreensível para os mortais, principalmente depois da TV Justiça, o que se viu ali foi um festival de terminologias rebuscadas, parecendo que cada um dos magistrados desejava seduzir pela palavra, mais do que pelo próprio conteúdo.

            O diretor executivo da Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, deu o tom daquela sessão, em artigo publicado na Folha de S.Paulo, de 25 de setembro. Abro aspas: “Se, a partir daí, o eventual eleitor deduzir que tudo não passa de teatro, acertará. O Supremo Tribunal Federal continua, como todo o Judiciário brasileiro, navegando num dilúvio de palavras ociosas”.

            Tudo isso sem que, ao final, no caso do Supremo Tribunal Federal, o eleitor ficasse sabendo se os candidatos ficha suja teriam ou não seus votos confirmados na eleição de 2010.

            O ex-candidato substituiu o nome na chapa pelo da própria mulher. Nas urnas, permaneceu-lhe a foto, por falta de tempo para substituí-la. Esse fato, por si só, já justifica as minhas preocupações, que desfilaram reiteradamente ao longo desse livro. O que aconteceu em Brasília, emblemático em tantos outros lugares, foi na verdade o exemplo, mais do que fiel, do ‘jeitinho brasileiro’.

            A minha tese se reforça, portanto, no sentido de que a palavra, se desejamos realmente debelar a impunidade, está hoje com o Judiciário. Ora, essa palavra tem de ser, necessariamente, inteligível, decisiva e cumprida, sem jeitinhos de qualquer espécie. E que se faça cumprir a lei, Senhor Judiciário, principalmente se ela for concebida pelo desejo inconteste da população! E que se ganhe o jogo contra a corrupção, usando como melhor tática o combate à impunidade!

            Eu não tenho dúvida de que, apesar de tantos percalços, fez-se luz com a aprovação daquele projeto. E esse facho, como eu disse, veio de fora para dentro, como eu sempre imaginei. De repente, um novo grande movimento pela ética na política. A voz rouca das ruas abriu os ouvidos moucos do Congresso.

            Agora é lei o que deveria ser um princípio básico, independentemente de qualquer dispositivo legal: não pode representar o povo, e em seu nome decidir sobre seus destinos, quem tenha algo a ressarcir a esse mesmo povo, por delitos praticados. Só pode fazê-lo quem tiver ficha limpa.

            Para tomar posse em qualquer cargo público, mesmo depois de aprovado em concurso, no mais rígido concurso, o cidadão comum tem de apresentar atestado de idoneidade, provar que está quite com as obrigações fiscais e outras exigências. Entretanto, até aqui, para ser Presidente da República, Governador, Prefeito, Senador, Deputado Federal, Estadual ou Vereador, nada disso era exigido. Pior: muitas vezes, o candidato buscava esses cargos exatamente para fugir dos delitos por ele praticados e se proteger sob os mantos odiosos do foro privilegiado e da imunidade parlamentar.

            Tenho certeza de que, se nada ou pouco acontecer, a população voltará às ruas, Srs. membros do Supremo, e voltará pelo que tem sido a luta incessante nesse mais de meio século de vida pública.

            Repito, para finalizar: se a impunidade for ceifada nos maiores escalões, certamente terá efeitos mais que benéficos na sociedade como um todo.

            Esse é o motivo principal do meu livro. Quem sabe ele se torne obsoleto, se Deus quiser, obsoleto logo ali, a partir de agora, e permita, enfim, uma decisão positiva do Supremo; dormite porque já não tem razão, pois as coisas aconteceram para as novas gerações, para os historiadores do amanhã, para o País. Quem sabe o meu livro, lá no dia 5, quando for lançado, já chegue um fato mais dedicado à história e não à verdade?

            Hoje é quarta, amanhã, quinta, e o Supremo não disse nada. Olha, os senhores me desculpem, mas eu estranho muito.

            É interessante a nossa Justiça brasileira, a nossa imprensa brasileira: de repente, não mais do que de repente, ela não diz uma palavra. A OAB lançou uma nota importantíssima, cobrando do Judiciário uma decisão sobre ficha limpa, um cantinho de página. A Folha, ontem, fez uma entrevista comigo, e nenhuma palavra. O Estadão, o Globo, a Veja, a IstoÉ, o Jornal Nacional vinham insistentemente, quando a gurizada estava na rua, quando havia movimento nesse sentido, foram os grandes responsáveis pela aprovação da lei pelo Congresso.

           Agora, é que o Supremo é diferente; é o ultimo Poder. Não tem uma palavra, não tem um editorial, não tem uma notícia, não tem uma pergunta para se saber se os senhores membros do Supremo vão decidir ou não vão decidir. Silêncio absoluto. E não tem censura nenhuma. Ao que sei, ninguém foi proibido; ao que sei, ninguém fez qualquer ato no sentido de que as coisas não acontecessem. Nenhuma palavra, nenhuma vírgula sobre essa matéria. Está todo mundo tranquilo no sentido de esperar que passe o sábado, o Supremo não faça nada, e vamos ver como é que fica. 

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Mas seja...

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Pois não.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Mas V. Exª pode ser justo com Heródoto Barbeiro e com a CBN, que, no início da semana... Eu, pelo menos, ao sair de casa cedo, ouvia sua entrevista exatamente sobre esse tema. Uma entrevista em que colocou, com muita clareza, perguntado por Heródoto Barbeiro, o seu ponto de vista, cobrando - e acho que o fez bem - que o Supremo Tribunal Federal logo decida a questão sobre a ficha limpa, que é tão importante. E espero isso também, de acordo com a vontade consensual do Senado Federal. V. Exª deu uma boa entrevista na Rádio CBN para todo o Brasil. E eu ouvi.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço a V. Exª. Não sei se me esqueci ou se fico com vergonha de dizer: eu falei. Mas, na realidade, esse jornalista Heródoto, na minha opinião, é o que tem de melhor no Brasil. E a coisa mais impressionante é que você fala na CBN, e em qualquer lugar que se esteja e quando se sai à rua parece que todo mundo está vendo a CBN. Um noticiário daquele da CBN parece que todo mundo está vendo.

            Fui entrevistado. Tem razão V. Exª, e peço aqui desculpa. O jornalista Heródoto, da CBN, entrevistou-me, perguntou e fez a interpretação dele no sentido da importância.

            V. Exª fiscaliza de perto, mas eu lhe agradeço. V. Exª me fez um grande favor, porque eu estava fazendo uma grande injustiça nesse sentido.

            Pois não

            O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador Simon, à medida que o senhor fala...

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Em primeiro lugar, meus cumprimentos pela sua eleição.

            O Sr. Cristovam Buarque (PDT-DF) - Muito obrigado, Senador.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - O tempo ia passando, e nas minhas preocupações estava o nome de V. Exª.

            O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Muito obrigado. Fico muito feliz.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Estava havendo uma confusão tão grande aqui em Brasília, que ninguém conhecia ninguém. Pensei: o que vai acontecer? Eu me lembro, durante uma longa discussão que tive com os companheiros, que eu disse: Ele se elege por qualquer partido, aconteça o que acontecer, porque o nome dele já é uma referencia nacional, principalmente aqui, em Brasília.

            O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador. 

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Meus cumprimentos a V. Exª.

            O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Muito obrigado. Essas palavras seriam boas, vindas de qualquer pessoa, muito especialmente do senhor. Senador, eu estava pensando: como este País é contraditório! O senhor falou, há pouco, que temos uma das maiores rendas e, ao mesmo tempo, pobreza; a educação é uma das piores. Mas eu estava pensando: este País conseguiu um milagre, em termos nacionais. Em duas, três horas, foram contados oitocentos milhões de votos. Cento e trinta eleitores vezes seis eleições diferentes - deputado federal, distrital, governador, presidente, dois senadores. Oitocentos milhões, Senador, foram contados em duas, três horas. E a gente ainda não sabe quais foram os eleitos quase um mês depois da eleição. Porque a Justiça foi capaz de montar, do ponto de vista técnico, essa maravilha da urna eletrônica, mas, do ponto de vista legislativo - e a culpa é nossa também, do Parlamento - e do ponto de vista dos procedimentos judiciais, fomos tão lentos que a gente vai concluir o segundo turno sem saber quais são os eleitos de fato. A gente sabe quem é que teve mais voto, mas não sabe quem é eleito, porque não consegue resolver qual fere ou não fere a lei da ficha limpa. Além disso, aqui, no Distrito Federal, fizemos essa lei, que, a meu ver, dá um grande impulso. Alguns vão pagar um preço, claro, como a gente sabe. Cometeram erros, e não crimes, mas vão entrar na lei como ficha suja até, mas, de qualquer maneira, é uma lei que avança muito. Agora, aqui, para se ter uma ideia...

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Perdão, quando votamos, sabíamos que havia equívocos. Votamos correndo, já com a responsabilidade de mudar. Mas, ou a gente votava daquela maneira, não precisando voltar para Câmara, ou, então, não era aprovado.

            O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - É verdade, mas por que a Justiça não resolve isso? Agora, aqui, por exemplo: faltando três semanas para a eleição do segundo turno, um candidato retira a candidatura e coloca a esposa como candidata. E o senhor sabe que vamos votar com o retrato dele e com o nome dele na urna.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - O nome também?

            O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Também, porque, se mudasse o nome, mudaria a foto. Creio que não tem dificuldade. Ou pode mudar os dois, ou não pode mudar nenhum. Então, estou imaginando que o nome também. Ninguém tem falado isso. O fato é que, como é possível que a gente seja capaz de contar os oitocentos milhões e não seja capaz de dar uns comandozinhos para a urna e substituir o nome e o retrato? Aliás, eu lembrei agora que o nome não aparece; o que aparece é o número, e o número é o mesmo, porque é o mesmo partido. Se fosse outro partido, eu não sei nem como isso seria resolvido. Então, é essa incongruência entre o País ultramoderno dos oitocentos milhões contados em três horas e esse atraso de votar sem saber se vai valer ou não o voto, se o que teve mais número de votos vai ou não tomar posse, que deixa a gente meio maluco neste País. Está na hora de casar as duas coisas: o funcionamento técnico e o funcionamento legislativo e jurídico. Eu apenas estava refletindo sobre isso enquanto escutava o senhor com a sua preocupação. E quero reafirmar a importância que o senhor teve na realização, na aprovação da ficha limpa no Congresso. O senhor teve um papel fundamental. E dizer que essa lei - seja quais forem os preços que alguns vão ter que pagar sem dever, porque são pessoas que têm a ficha limpa no comportamento, mas, por razões jurídicas, por razões legais, ficaram contaminados - ajudará. Mas, para isso, é preciso que o processo judicial também ajude, que tenha não tanta competência quanto na parte eletrônica, mas que tenha pelo menos um pouquinho da rapidez que a eletrônica nos deu para contar os votos.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço o aparte de V. Exª e repito para V. Exª: quando votamos a lei aqui, essas dúvidas que V. Exª está levantando foram debatidas. Fui o primeiro que disse: quero que fique claro que essa lei que vou votar e para a qual estou fazendo um apelo que se vote, deixando de lado as emendas, sei que está cheia de erros. Vamos ter que aperfeiçoá-la no futuro. Acontece que já foi um milagre a Câmara ter aprovado. Mandou para nós. Se emendarmos e voltar para a Câmara, morreu. Não acontece mais nada. Então, vamos aprovar como veio da Câmara. E houve um compromisso unânime do Senado: no ano que vem, vamos mudar. Aí vamos fazer esses aperfeiçoamentos.

            V. Exª tem toda razão. Quer dizer, a lei não pode ser uma caça aberta e franca. De repente, o cidadão que tem alguma uma prestação irregular não pode ser mais candidato a nada! Não, o objetivo quando a gente fala ficha limpa é ficha limpa; ficha suja é ficha suja. São os crimes da corrupção. Vamos ter que fazer essa limpeza da área. E vamos fazer.

            Mas, agora, se eu pudesse e se eu não caísse no ridículo, nos meus 80 anos... Tenho inveja do Paim. Não tenho a coragem do Paim, que teve uma vitória espetacular no Rio Grande do Sul. Sei que se fosse o Paim, ou se pelo menos ele estivesse aqui - ele não está aqui -, ele ia acampar lá na frente do Supremo e fazer greve de fome; três dias lá na frente do Supremo, e dizer: “Enquanto vocês não votarem o Ficha Limpa.” O Paim faria isso. Mas confesso, com humildade, que não tenho coragem e isso não faz meu estilo.

            Mas faço um último e derradeiro apelo aos Srs. Membros do Supremo. A imprensa já tem publicado isto: este Supremo tem um lugar na história do Judiciário. Está marcado. Se eles aprovarem, vai ser quem vai marcar: foi aquele Supremo que teve a coragem de decidir, e decidiu, e iniciou o fim da impunidade no Brasil. Se deixar passar, também, entrará para a História. Triste Supremo. Quando a sociedade se movimentou, o Executivo se movimentou e o Congresso se movimentou, todo mundo está lá de um lado e os príncipes, donos da verdade, cinco - porque cinco votaram a favor - se julgam com o direito de ficar contra todo o Brasil.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/10/2010 - Página 48069