Discurso durante a 171ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem de pesar pelo falecimento do Senador Romeu Tuma.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem de pesar pelo falecimento do Senador Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 27/10/2010 - Página 48236
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ROMEU TUMA, SENADOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ELOGIO, VIDA PUBLICA, AREA, SEGURANÇA PUBLICA, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, COMPROMISSO, NATUREZA SOCIAL, PEDIDO, ORADOR, VOLUNTARIO, REPRESENTAÇÃO, SENADO, FUNERAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Para encaminhar. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Parlamentares, ontem, nesta tribuna, eu anunciava que haveria uma reunião no Supremo e uma decisão que faria uma grande festa neste nosso final de Legislatura. Veja como a vida é rápida, como mudam, de uma hora para outra, os sentimentos e as razões de ser da existência de uma pessoa! Hoje, nós estamos aqui para lamentar profundamente a morte de um homem que não apenas honrou esta Casa, mas que dignificou a vida brasileira.

            Eu vi muitas vezes o Tuma chorar. Aliás, como ele chorava com facilidade! Um homem profundamente emotivo, um homem que tinha a sensibilidade permanentemente voltada para tudo que o cercava.

            Eu lhe dizia: “Tuma, não consigo entender como tu foste escolher a profissão de delegado de polícia. Tu não tens nada para ser policial, com relação à tua alma, a teu sentimento, à tua maneira de ser e à tua maneira de pensar. Tu tens tudo para ser um grande advogado, um grande jurista, mas delegado?”. Ele ria.

            Na verdade, o Tuma mostrava que o homem não é escravo do seu meio ambiente ou da sua sociedade. O homem pode viver nas circunstâncias em que viver, mas pode ser ele.

            O Tuma tinha tudo para ser sacerdote, bispo, pastor... do bem. Tinha tudo para ser um homem voltado para a atividade social... do bem. E era um policial. E é bom dizer: um policial do bem. E conseguia.

            Conseguia manter... Lula, nas horas mais difíceis, nas horas mais dramáticas... Não é agora! Lá, na época da ditadura, na época do terror, em que ele exerceu os cargos mais importantes e mais difíceis da polícia, da área militar policial, e foi o mesmo Tuma. O mesmo Tuma que, tarde da noite, quando vieram lhe falar, meio num comentário, “Olha, tem um preso aí, um tal de Lula, que está morrendo de dor de dente, está gemendo”, fez a polícia tirá-lo da cadeia, levá-lo ao dentista e resolver o problema de canal que o estava infernizando. Quando morreu a mãe de Lula, “deixa, não deixa; deixa, não deixa”, ele estava lá. No ABC, quando estava a praça cercada de forças do Exército, os trabalhadores do outro lado, ia ser um massacre. E Teotônio interveio: “Vamos encontrar uma solução para isto aqui”. Teotônio - eu estava lá -, falando com o Coronel, falou também com Tuma, que pediu para botar o Coronel no telefone. E Tuma disse que assumia a responsabilidade, que Teotônio tinha razão. Que se retirassem os militares e se desse um prazo “x” para que todo aquele povo, mulheres e crianças, fosse imediatamente para casa. E foram para casa.

            Era o Tuma. O Tuma que, ao longo de todo aquele período na chefia dos maiores cargos da Polícia, lá em São Paulo, e aqui, em Brasília, no Comando-Geral, exerceu a sua atividade, sim. Foi enérgico, sim. Mas todas as notícias que se têm são no sentido daquilo que ele evitou que acontecesse. Ele agiu no sentido de evitar o mal maior. Esse era o Tuma!

            Ele ria quando eu dizia para ele: “Mas, Tuma, pior do que tu para ser Corregedor do Senado, só eu! A tua índole não é para isso. Corregedor tem que ser pelo menos alguém mais duro. Mas você!?” E ele ria. Mas era Corregedor; e atuava. Fazia o levantamento, ia ver os fatos que aconteciam, mas sempre com uma palavra de carinho e de afeto em torno de si.

            Interessante, o Tuma se eleger duas vezes Senador. E sempre por um pequeno partido, inexpressivo. Ele, Tuma, foi eleito. Ele fazia os votos, que era o voto de respeito e de admiração.

            Reparem que a primeira vez que ele foi eleito foi exatamente no auge da abertura. Ele, que tinha sido o chefão numa hora difícil e que tinha tudo para não ter voto, se elegeu; ele, pessoalmente, sem partido, e se reelegeu sem partido. E seria reeleito de novo, agora, se não estivesse no hospital, por quatro meses, durante toda a campanha. 

            Como eu, Tuma era descendente de pai e mãe libaneses. Ele também gostava muito da terra dos seus ascendentes. Tuma, um homem de coragem! Quando tomei conhecimento das minúcias dessa última cirurgia, eu disse: “Meu Deus, será que vale a pena?” Mas, ele concordou. Um homem com um coração como o dele, parte paralisado, e na cintura o outro pedaço do coração, que funcionava com uma bateria que durava quatro horas e que a cada quatro horas tinha que ser mudada. E ele aceitou, e durou alguns dias.

            Eu tenho certeza de que o Presidente Sarney e V. Exª haverão de tomar as providências para que esta Casa se represente em São Paulo.

            E eu, com humildade, me apresento como voluntário. Gostaria de fazer isso. Gostaria de ir a São Paulo. Gostaria muito de abraçar a Dona Zilda, a sua esposa, mulher de coragem, mulher de garra, uma mulher de grande valor, descendente de libanês, como ele. É bonito ver o carinho e o afeto que tinham.

            Tuma fazia parte do Parlamento do Mercosul e nos encontrávamos em Montevidéu. Eu, proibido de viajar de avião sozinho, nos meus 80 anos, levava a minha mulher. Ele, cuja esposa também não podia viajar, levava o seu filho. Mas fazia questão de ir. E falava do Mercosul como se fosse durar a vida inteira.

            Eu olho para esta Casa e acho difícil encontrar uma figura que a mim tenha influenciado, para o bem, como o Tuma. O Tuma tinha gestos singelos. O meu filho Pedrinho se lembra do Tuma porque, em toda Páscoa e todo Natal, ele, assim como nós, Senadores, recebíamos uma homenagem, um presentinho do Tuma. Para mim era um doce árabe ou alguma coisa para Pedrinho, mas, sempre, na Páscoa e Natal, nós recebíamos uma lembrança do Tuma.

            Não me lembro de aniversário, não me lembro de doença, não me lembro de cirurgia, de nenhum fato que tenha acontecido comigo e com os colegas com quem falo, não me lembro de hora difícil em que o Tuma não estivesse lá, não estivesse lá para abraçar. E, como era enorme o número de Senadores que, como eu, foram operados em São Paulo. O Tuma estava sempre lá. A mim, visitando todos os dias, indo conversar com o meu médico, trazendo comida árabe para mim quando eu já estava melhor. E isso era com todos os colegas nossos. Esse era o Tuma. Esse era o Tuma.

            Durante os 16 anos em que convivemos nesta Casa, o Tuma sempre foi o homem do entendimento. Nas horas mais difíceis, nas horas mais complicadas, o Tuma estava tentando acertar, acertar a questão do Sarney, acertar todas as questões que aconteceram. O Tuma vinha para ajudar, para resolver, para colaborar. Personalidade profunda essa do Tuma! Polícia.

            Fico aqui até chateado e estou machucado por várias razões, uma delas é a que eu dizia.

            Tenho um projeto de lei para o qual venho lutando, que pretende terminar com o inquérito policial. Acho que o inquérito policial é profundamente negativo na vida institucional brasileira. Ele atrapalha. Nos Estados Unidos, na Europa, não há inquérito policial. Há um fato, entra um juiz e começa logo o processo. Há muito tempo luto por isso. Mas, o Tuma, delegado apaixonado, era intransigentemente a favor do inquérito policial. Ele, delegado de polícia, defende, como todos hoje defendem, que é importante a autoridade policial iniciar o processo antes de chegar às mãos do promotor, que já fica mais ou menos com a intenção de denunciar.

            Lembro que, ainda agora, quando discutíamos o Código de Processo Penal: “Senador, o senhor não vai entrar na questão, não vai debater?”. Eu disse que não. Por quê? Porque - Deus me perdoe - enquanto o Tuma estiver aqui não adianta; o projeto não passa. Só poderemos pensar em discutir essa matéria quando ele não estiver aqui.

            E ele agora não está aqui.

            E eu juro por Deus que não vou tocar mais nessa matéria, em homenagem a ele.

            Olha, não podia ser um final de legislatura mais triste do que este. 

            No livro que estou publicando agora, eu faço uma homenagem ao nosso amigo, querido Senador lá do Amazonas, baixinho brilhante e fantástico; eu faço uma homenagem ao nosso querido Senador, que foi Presidente desta Casa, de Mato Grosso do Sul, um nome extraordinário. E agora o Tuma.

            Eu fico perguntando a Deus por que ele não gosta tanto da nossa Casa? Há 81, e Ele precisa pinçar os melhores? O que é bom Ele leva para Ele? Por quê? Eu tenho 80 anos, o Tuma, mais moço que eu, tinha 79. Por quê? Por que o Tuma? Por que o Tebet? Por que o nosso querido baixinho lá do Amazonas?

            Olha, eu juro por Deus que, se eu tivesse que apontar nessa minha legislatura os três que considero os excepcionais, eram esses três. E os três foram embora. E eu fico aqui. Deus não está sendo justo com este Senado levando os melhores.

            Tuma era uma figura fantástica. Delegado de Polícia, ocupou por mérito cargos mais altos da história da Polícia. Foi o chefão da Polícia nacional na hora da ditadura. Quanta coisa ele deve ter evitado! Quanta coisa aquele seu estilo conciliador e pacificador deve ter contornado!

            As suas autoridades superiores sempre reconheceram que ele cumpriu o seu dever. Mas os réus que estiveram sob seu jugo dizem que ele o cumpriu da melhor maneira: do carinho, da bondade e do respeito.

            Havendo uma CPI, veio depor, sob mil cuidados, um réu perigoso, e realmente um homem brutal. Veio com mil seguranças, improvisaram uma sala que fez a parte de cela. E, na hora de buscá-lo para depor, me indicaram para ir com o Tuma para buscá-lo. Quando Tuma entrou ali dentro para falar com ele, a tranquilidade, o carinho, o respeito com que ele tratou aquele cidadão foi uma aula para mim.

            Eu nunca esqueci na minha vida. Na minha vida eu nunca esqueci! O Tuma, todo-poderoso, relator, dono do processo. O homem tinha uma condenação pelo resto da vida, depondo, tremendo de medo. A imprensa, dezenas de fotógrafos querendo filmar o “monstro”, e o Tuma dizendo a ele: “Acalma-te meu filho; aqui não tem problema nenhum. Acalma-te. Tem que ficar calmo. E esse negócio dessa fotografia é sempre assim: quando vem alguém importante depor, é fotógrafo para tudo que é lado, mas não vai te acontecer nada. Vá devagar; procura dizer a verdade...”.

            A maneira como ele falava! Eu dizia: meu Deus, fui advogado a vida inteira e nem meus clientes eu tratava com o respeito que ele está tratando - não é um réu - um condenado já condenado.

            Esse era o Tuma.

            O Brasil ficou menor. Este Senado não merecia isso.

            Meu amigo Tuma. O Tuma era um homem de fé; ele não tinha dúvidas, ele não tinha angústias, ele acreditava. Ele acreditava no seu Deus, da mesma forma que eu, e nos identificávamos nisso - ele muito mais do que eu.

            Não tenho dúvida da sua crença e da nossa crença de que ele está numa vida melhor. Ele fez tudo por merecer onde está. Como adivinhar como é ou como não é lá em cima? Às vezes, eu me pergunto se Tancredo, Teotônio, Ulysses e Covas não estão brigando lá como brigavam aqui, não estão discutindo como é ou como deixou de ser? Lá vai chegar o Tuma, que vai fazer o que sempre soube fazer aqui: “Calma, não é bem assim! Tu tens razão. E tu também tens razão. Vamos por esse caminho”.

            Esse era e é o Tuma. Que Deus o tenha! Que Deus conforte sua família, seus filhos e seus netos! Nós vamos ter de conviver com o profundo vazio da sua falta.

            Obrigado, Srª Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/10/2010 - Página 48236