Pronunciamento de Pedro Simon em 29/10/2010
Discurso durante a 173ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Reflexão sobre a evolução dos direitos políticos no Brasil com a apresentação de propostas para a moralização do processo político e consolidação da democracia. Destaque para a importância do Judiciário no combate à impunidade.
- Autor
- Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
- Nome completo: Pedro Jorge Simon
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA NACIONAL.
REFORMA POLITICA.
JUDICIARIO.:
- Reflexão sobre a evolução dos direitos políticos no Brasil com a apresentação de propostas para a moralização do processo político e consolidação da democracia. Destaque para a importância do Judiciário no combate à impunidade.
- Publicação
- Publicação no DSF de 30/10/2010 - Página 48620
- Assunto
- Outros > POLITICA NACIONAL. REFORMA POLITICA. JUDICIARIO.
- Indexação
-
- ANALISE, EVOLUÇÃO, DIREITOS POLITICOS, HISTORIA, BRASIL, IMPORTANCIA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CONTRIBUIÇÃO, CIDADANIA, DEMOCRACIA, AMPLIAÇÃO, LIBERDADE, ORGANIZAÇÃO, PARTIDO POLITICO.
- JUSTIFICAÇÃO, URGENCIA, REFORMA POLITICA, NECESSIDADE, APERFEIÇOAMENTO, PROCESSO ELEITORAL, REDUÇÃO, CUSTO, CAMPANHA ELEITORAL, MELHORIA, REPRESENTAÇÃO, MANDATO, CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESRESPEITO, LEGISLATIVO, ABUSO, UTILIZAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), EFEITO, PREJUIZO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, DEFESA, FIDELIDADE PARTIDARIA, REVISÃO, FORMA, FINANCIAMENTO, CAMPANHA, PREVENÇÃO, MANIPULAÇÃO, ESCOLHA, POPULAÇÃO.
- ANALISE, ATUAÇÃO, JUDICIARIO, ELOGIO, IMPLEMENTAÇÃO, REFORMA JUDICIARIA, NECESSIDADE, AVALIAÇÃO, SOCIEDADE, QUALIDADE, SETOR, APROXIMAÇÃO, CIDADÃO, IMPORTANCIA, CONSELHO NACIONAL, JUSTIÇA, SUPERVISÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, SUGESTÃO, ORADOR, CRIAÇÃO, CONSELHO REGIONAL, ACOMPANHAMENTO, DESEMPENHO FUNCIONAL.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao refletirmos sobre a evolução dos direitos políticos no Brasil ao longo de nossa história - e, particularmente, nestes vinte anos de vigência da Constituição Cidadã -, ressurge inquestionável a dimensão dos avanços conquistados, não obstante o reconhecimento de que há, ainda, um caminho a percorrer, para alcançarmos os verdadeiros horizontes da democracia.
No curso de quase toda nossa trajetória como Nação independente, a amplitude dos direitos políticos assegurados aos cidadãos brasileiros esteve limitada a patamares muitíssimo aquém daqueles característicos das sociedades verdadeiramente democráticas.
Já vivemos tempos em que a quase totalidade da nossa população era excluída de qualquer participação política, por meio do sistema do voto censitário. Passamos por longo período de domínio incontrastável das oligarquias. Pela época da famigerada “comissão de degola”. Pelo império dos resultados eleitorais “ajustados” a bico de pena. Pela era da clandestinidade forçada de determinadas correntes ideológicas. Por quadras de nossa história em que o Executivo podia - a seu livre arbítrio - decretar recessos legislativos, cassar mandatos parlamentares, lançar ao exílio as mais representativas lideranças, aposentar magistrados e professores universitários, censurar as manifestações culturais e a expressão de ideias.
Um mero olhar no nosso retrovisor histórico é suficiente para que possamos reconhecer o muito que já avançamos. No momento em que a Carta Política de 1988 acaba de completar 20 anos de vigência, vale, portanto, tecer algumas considerações acerca da noção do que sejam direitos políticos, da história da sua institucionalização e do seu exercício, e dos rumos a serem perseguidos no sentido de sua plena afirmação e do aperfeiçoamento das condições para a sua prática.
Os direitos políticos dizem respeito, sobretudo, à participação do indivíduo na vida social e, especialmente, na gestão do Estado. São direitos, portanto, relacionados ao espaço que cada Ordem Política e Jurídica determinada concede a uma pessoa, para que ela participe da composição dos organismos de poder estatal e da formação da opinião pública.
O primeiro e fundamental direito político diz respeito, evidentemente, ao voto: consubstancia-se na capacidade que os cidadãos e as cidadãs têm, em cada contexto histórico, de votarem e de serem votados nos diversos processos eleitorais.
O direito de votar constitui a capacidade eleitoral ativa, ao passo que o de ser votado expressa a capacidade eleitoral passiva. É em torno do sufrágio, haja vista sua característica de direito político basilar, que se articulam os direitos políticos mais importantes, inclusive as variadas formas de participação no processo político.
Durante quase todo o período em que esteve em vigor a Constituição do Império, outorgada em 1824, era muito restrito o exercício do direito ao voto no Brasil.
Estavam, nessa época, privados do direito de votar as mulheres e os escravos - estes últimos, aliás, destituídos de quaisquer direitos. Além disso, o processo de composição das Casas Legislativas - Câmara e Senado - era indireto, existindo, portanto, o eleitor de primeiro e de segundo níveis. Como se não fosse bastante, o voto era censitário, significando que o corpo eleitoral era definido em recenseamento para efeito tributário. Por esse critério, só podia votar aquele que dispusesse de determinados rendimentos, e somente podia ser eleito quem auferisse renda ainda maior. O resultado era que, em todo esse período, o eleitorado brasileiro não alcançava mísero 1% da população.
Embora o analfabeto tivesse, durante a maior parte do período imperial, direito ao voto, os outros meios de exclusão então vigentes eram folgadamente suficientes para eliminar a vasta maioria das pessoas do processo decisório. Somente no final do Império foram revogados o voto indireto e o voto censitário. Entretanto, foi instituída, na mesma oportunidade, a proibição de voto ao analfabeto.
A queda do regime monárquico e o advento da primeira Constituição republicana, ao final do Século XIX, não tiveram o condão de garantir o direito de voto às mulheres e aos analfabetos. Desse modo, persistiu, sob um regime que se pretendia democrático e republicano, a exclusão da ampla maioria das pessoas do processo eleitoral. Ademais, o sistema político, viciado, reproduzia sistematicamente o pacto de poder entre oligarquias regionais. Nas raras oportunidades em que algum candidato estranho aos esquemas oligárquicos conseguia passar pelo estreito funil desse sistema político, tinha ele de enfrentar a Comissão de Verificação de Mandatos, existente nos parlamentos e que, por sua natureza, era denominada “comissão de degola”.
Progresso digno de nota foi trazido pela Revolução de 1930 e pelo cumprimento de uma de suas promessas: a edição do primeiro Código Eleitoral brasileiro, em vigor a partir de 1932. Entre outras conquistas, foi admitido o voto feminino, o que, evidentemente, ampliou, de modo considerável, a massa das pessoas aptas a votar. As vicissitudes da política brasileira, contudo, em especial o Regime do Estado Novo, no poder entre 1937 e 1945, impediram a continuidade do avanço das franquias democráticas.
A já tardia consagração do regime democrático-liberal no Brasil, a partir de 1946, com a nova Constituição, conduz à oportunidade de um novo e vigoroso processo de democratização da vida política nacional, com crescente participação popular. Contudo, mesmo no que se refere ao período 1946/1964, deve-se assinalar que, ainda que houvesse liberdades políticas e um contexto de tolerância democrática, sobretudo durante o Governo e a liderança de Juscelino Kubitscheck, não havia completa liberdade de organização partidária, além de ser mantida a proibição do voto ao analfabeto.
O processo de democratização da vida política nacional viria a ser interrompido mais uma vez, em 31 de março de 1964, agora pelo Golpe Militar, instaurador de um regime francamente autoritário, inimigo, portanto, do exercício dos direitos políticos.
Com o regime autoritário, vieram as cassações de direitos políticos, a extinção dos partidos, o exílio das lideranças, a repressão aos sindicatos, partidos e outras organizações sociais, o cerceamento, enfim, do exercício dos direitos políticos em todos os seus aspectos. Nesse período, tivemos instituído um bipartidarismo artificial, o qual, quando se voltou contra os interesses do regime, foi eliminado e substituído por um pluralismo partidário ainda sem democracia.
O turbulento processo de transição democrática foi iniciado ainda em fins dos anos 1970 e se estendeu por cerca de dez anos, completando-se com a promulgação da Constituição de 1988. Essa é, sem dúvida alguma, a mais democrática e liberal Carta Magna de toda a história brasileira e, certamente por isso, base jurídico-legal do mais rico processo de transformações políticas por que tem passado o povo brasileiro.
A ordem constitucional inaugurada em 5 de outubro de 1988 estabeleceu um patamar de direitos políticos até então absolutamente inédito. Hoje, os brasileiros dispõem não apenas do direito a votar nos seus dirigentes, como lhes é também assegurada a participação política em mecanismos decisórios típicos da democracia direta, como o plebiscito e o referendo. Além disso, a Carta democrática contempla a possibilidade de iniciativa popular de proposição legislativa, pela qual os cidadãos podem propor ao Congresso Nacional projeto de lei sobre diversos temas, inclusive quanto ao processo político.
No Brasil atual, somente não dispõem de capacidade eleitoral ativa, em princípio, os estrangeiros e os conscritos, aqueles que se encontram em período de serviço militar obrigatório. Por outra parte, enquanto a cassação de mandatos eletivos e de direitos políticos marcou o regime de 1964, na nova Constituição democrática tal cassação é vedada, admitida a suspensão dos direitos políticos apenas em poucos casos, como em face de condenação criminal e de improbidade administrativa.
Já a capacidade eleitoral passiva, ou o direito de ser votado, é sujeita a outros critérios, com o objetivo de proteger a lisura do processo eleitoral e a incolumidade do erário. A aprovação, pelo Congresso, da necessidade de “ficha limpa” para excluir das eleições pessoas cuja vida pregressa não recomenda à direção dos negócios públicos, foi, com certeza, um passo significativo no sentido da moralidade nas eleições. Até aqui, preocupou-se muito em se conhecer o eleitor e na lisura no ato de votar. As urnas eletrônicas vieram neste compasso. Mas, muito pouco tinha-se caminhado no conhecimento do eleito, ou do que se propunha se eleger. Não havia informação suficiente sobre o candidato. A decepção, obviamente, vinha depois. Pior, após o eleito adquirir todos os subterfúgios do mandato, como imunidade e foro privilegiado. Isso, sem contar que passava a utilizar do próprio dinheiro desviado através da corrupção, para se defender, pagando os “melhores” advogados.
No atual regime constitucional, estabeleceu-se, pela primeira oportunidade em toda a história brasileira, ampla liberdade de organização partidária. Existem, hoje, no Brasil, cerca de trinta organizações partidárias, abrangendo todo o espectro político e ideológico da nossa sociedade.
Conquistada e significativamente ampliada a democracia política, retornam à tona velhos problemas da sociedade brasileira. Especialmente o alto custo das campanhas eleitorais, e todas as implicações daí decorrentes, impõem a necessidade de uma reforma política. Afinal, são evidentes as profundas e perversas distorções acarretadas ao processo democrático pela influência do poder econômico nas eleições.
Encarada a questão a partir de uma perspectiva democrática, a reforma política a ser realizada deve atingir três objetivos fundamentais: 1º) a redução dos custos das campanhas eleitorais - a fim de tornar os mandatos, tanto quanto possível, independentes do poder econômico; 2º) a simplificação do processo eleitoral - para torná-lo mais compreensível ao cidadão; e 3º) o fortalecimento da representatividade do mandato.
De forma mais específica, venho defendendo, há tempos, uma série de medidas imprescindíveis ao aperfeiçoamento da democracia brasileira.
Após mais de cinco décadas de ininterrupta atividade política, permaneço fiel ao meu credo parlamentarista. Tudo que vivi e testemunhei ao longo de todos esses anos só fez reforçar minha convicção nas virtudes e excelências desse sistema político. E essa crença mais ainda se tem cristalizado em face da dinâmica recente, pós-Carta de 88.
Continuamos, ainda hoje, a viver sob um sistema em que o Poder Executivo usurpa as prerrogativas constitucionais do Parlamento, mediante o uso abusivo e lesivo do instituto da Medida Provisória. Sem qualquer consideração aos pressupostos constitucionais de urgência e relevância, todos aqueles que ocuparam a Chefia do Executivo, desde a promulgação da nova Carta, têm feito uso indiscriminado dessa espécie legislativa. Desse modo, obstruem, com preocupante frequência, o regular andamento dos trabalhos congressuais, minando, quase que por completo, a possibilidade de Deputados e Senadores exercerem a iniciativa no processo de elaboração das leis.
A fidelidade partidária e o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais são medidas necessárias no sentido da moralização do processo político. A desfaçatez, o despudor com que dezenas de ocupantes de cargos eletivos entram e saem, sucessivamente, dos partidos contribuem para o descrédito da atividade política e das instituições. A opinião pública, não sem motivos, tem a nítida percepção de que esse movimento frenético é impulsionado pelos mais espúrios interesses.
A lógica democrática conduz à inequívoca conclusão de que o mandato pertence ao partido. Afinal, é imprescindível estar filiado a uma legenda para poder concorrer, e é a soma dos votos partidários que determina o número de cadeiras parlamentares conquistadas. Assim, não é concebível deixar impune o titular de cargo eletivo que trai o partido que lhe deu abrigo. É incoerente que a agremiação tenha sua bancada reduzida quando seus integrantes aderem a outra legenda, não raramente em busca de vantagens pessoais. É inadmissível que o eleitor veja o seu voto depositado em um programa partidário ser transferido, à sua revelia, para outra agremiação, muitas vezes de ideologia totalmente diversa.
O financiamento público exclusivo das campanhas, por seu turno, é a chave para impedir a perniciosa influência do poder econômico no processo eleitoral. Ao equiparar as condições da disputa, o financiamento público contribui, em muito, para aproximar as eleições do ideal democrático de igualdade entre todos os cidadãos. Assim, o mandato eletivo conquistado após uma disputa realizada em igualdade de condições estará, evidentemente, revestido de muito maior legitimidade.
Além disso, o financiamento público representa o freio mais eficaz à vergonhosa corrupção que vem dominando as eleições no Brasil. A população já está desencantada de tanto ler e ouvir a respeito de “Caixa 2”, de “sobras de campanha” ou de “recursos não contabilizados”. Nem o mais ingênuo dos brasileiros acreditaria na inexistência de uma expectativa de retribuição com relação às colossais somas despejadas nas campanhas eleitorais.
A contrapartida a essas contribuições financeiras aos candidatos acaba sendo feita, após a vitória eleitoral, na forma de direcionamento de licitações, de superfaturamento de obras públicas, de concessão de subsídios, de aprovação de normas legais que favoreçam os “amigos do Poder”. Dessa forma, o custo do financiamento privado acaba recaindo sobre o erário, e numa medida muito mais onerosa do que aquela do financiamento público. Com efeito, o custo da corrupção eleitoral para os cofres públicos é incalculável. Já o financiamento público exclusivo das campanhas, uma vez adotado, terá parâmetros claramente definidos em lei.
O financiamento público está intimamente ligado ao efetivo poder de decisão do eleitor, ao seu direito legítimo de escolher livremente em quem votar. No sistema atual, os resultados eleitorais estão condicionados, em enorme medida, pelo desempenho dos chamados “marqueteiros”. Aquilo que deveria ser um confronto de ideias, de propostas, de capacidades de liderança, de perfis de administradores, vem sendo artificialmente reduzido a uma competição tipicamente mercadológica. A disputa dá-se em torno da maior ou menor capacidade de construir uma imagem “vendável” do candidato, não importando quão falsa ou verdadeira essa imagem seja.
No Brasil de hoje, as chances de um candidato dependem, fundamentalmente, do volume de recursos de que ele dispõe para contratar o melhor “marqueteiro”. Com o financiamento público, poderemos superar essa distorção. E isso é essencial para o processo democrático, pois o eleitor tem o direito de saber em quem, realmente, ele está votando. O candidato não pode ser escolhido da mesma forma que se elege um produto qualquer, como, por exemplo, um sabonete ou um desodorante. Não é justo para com o eleitor e não é conveniente para o País que sejamos induzidos a definir nosso voto em função da “embalagem”, da “aparência”, do “design” do candidato, tal como uma mercadoria.
Tenho defendido, também, a instituição da cláusula de barreira, como forma de depurar o quadro partidário brasileiro, acabando, de uma vez por todas, com as nefastas legendas de aluguel, que se transformam em verdadeiros balcões de negócios. A cláusula de barreira haverá de conduzir, por certo, à redução do número de partidos com representação no Parlamento, sem que isso signifique qualquer cerceamento à representação partidária, o que contribuirá para o fortalecimento da governabilidade. Ninguém haverá de discordar que a formação de governos com base parlamentar mais sólida e confiável - governos, portanto, com melhores condições para exercer uma ação administrativa mais eficaz - constitui outro dos propósitos a serem perseguidos no escopo de uma reforma política que atenda às conveniências do País.
Além dessas, outras propostas que advogo também objetivam a moralização do processo político e a consolidação da democracia. Tenho insistido na necessidade de que o Poder Judiciário conceda prioridade ao julgamento das ações envolvendo autoridades públicas. Parece-me racional e conveniente que os ocupantes de cargos públicos sejam julgados com a maior brevidade possível. Longe de constituir um privilégio, essa prioridade a ser concedida ao seu julgamento deve derivar da consciência de que o dinheiro público é sagrado.
Nessa medida, não é tolerável que os encarregados da sua gestão permaneçam sob suspeita. Ou a Justiça conclui, celeremente, por sua inocência, devolvendo a tranquilidade aos eleitores/contribuintes, que arcam com o pesado ônus da manutenção da máquina estatal; ou declara sua culpabilidade, aplicando as justas e exemplares sanções civis, penais e administrativas, determinando o devido ressarcimento ao erário e o seu afastamento dos cargos ocupados.
No sentido da total transparência na condução da coisa pública, entendo ser imperativo o fim dos sigilos fiscal e bancário de todos os agentes políticos, em todos os níveis. Minha convicção é que não pode pairar qualquer dúvida quanto à honestidade de todos aqueles que são responsáveis por todas as etapas do gasto público e aqueles que comandam os destinos da Nação.
Por esse mesmo motivo, entendo que a presunção de inocência, regra de ouro do Direito Penal de todos os povos civilizados, deve ter uma interpretação diferenciada no que tange ao processo político.
O inciso LVII, do art. 5º da Constituição Federal, reza que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Esse preceito constitui, inquestionavelmente, direito e garantia fundamental da pessoa humana. No entanto, mesmo mantida a presunção de inocência para aqueles que não foram ainda condenados por sentença irrecorrível, deve ser considerada inadmissível sua participação na condução dos negócios públicos.
Não se trata de condenação prévia ou de prévia imposição de pena. Trata-se, simplesmente, de resguardar o interesse da coletividade e a moralidade pública. Trata-se de compreender que o exercício de responsabilidades para com o bem comum exige o mais alto nível de confiabilidade. Trata-se, enfim, de dar cumprimento ao § 9º do art. 14 da Carta Magna, que dispõe:
Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
O político precisa ter, necessariamente, uma história de vida ilibada. Ao ser eleito, ele não é um; ele é todos. Ele representa a comunidade, que nele depositou sua confiança.
Esse extenso rol de medidas ainda a serem implementadas evidencia que resta ainda muito a fazer no sentido do aperfeiçoamento do regime democrático em nosso País. Ao mesmo tempo, são notórias a qualidade e a extensão dos avanços que já conquistamos, no campo do exercício dos direitos políticos. Estamos, nessa medida, numa situação qualitativamente muito distinta daquela vivida durante os anos em que a democracia foi maculada. Mas, conscientes de que estamos, ainda, numa travessia política, felizmente, agora, com caminhos melhor sedimentados.
Desde o início da minha atividade pública, na virada da década de 1950 - quando militava nas trincheiras do movimento estudantil, então importante sustentáculo das lutas populares - sinto verdadeiro fascínio pelo tema do avanço democrático ou, definindo com mais rigor, pelos processos que levam ao aprofundamento da participação verdadeiramente popular nos mecanismos por meio dos quais o poder real é exercido.
A história, por diversas vezes, pretendeu registrar esse evento, mas em nenhuma pôde efetivamente demonstrar que ele tivesse se desdobrado de modo completo, ou que seus efeitos houvessem perdurado para além dos primeiros momentos de ruptura que, em geral, caracterizam os grandes movimentos de mudança na vida política das nações.
Na Revolução Francesa, por exemplo, o ímpeto da Convenção, louvável a despeito de todos os seus excessos, logo cedeu lugar à indefinição ideológica do período conhecido como Diretório, e às contradições do bonapartismo - “popularesco”, sem dúvida, mas bem longe de verdadeiramente popular.
Cento e poucos anos depois, foi a vez do movimento de massas que caracterizou o 1917 russo refluir para um dos regimes mais burocráticos, truculentos e fechados que a história recente registrou. De novo, o mesmo: apesar de todo o avanço social que produziu, o poder soviético, que pretendeu orientar-se para o povo, foi na prática exercido a despeito dele!
Avaliação próxima pode ser feita em relação a Cuba, caso também matizado, tal como os anteriores, por um extenso rol de conquistas de fundo para o conjunto da sociedade e, ao mesmo tempo, pelo padrão de “democracia revolucionária” comum aos regimes do assim chamado socialismo real.
Não se saem melhor os governos que pretendem perpetuar-se apelando ao mecanismo de consulta direta à população; os exemplos estão bem aí, ao nosso redor. Como é fácil de constatar, a imensa assimetria de informação que separa o formulador da consulta e a esmagadora maioria dos consultados caracteriza, na verdade, um fenômeno político com nome e sobrenome: manipulação da vontade popular.
No outro lado do espectro ideológico, a democracia representativa vive repetidos ciclos de descrença, abalada que é por constantes escândalos de corrupção, manipulação eleitoral, desrespeito ao interesse comum e falta de legitimidade dos governantes. A descrença nas instituições, aliás, é a fratura pela qual os golpes de Estado - incluindo os pronunciamientos tão conhecidos do povo latino-americano - inserem sua cunha ditatorial, muitas vezes com o apoio explícito de fatias significativas das classes formadoras de opinião.
Essa mesma descrença, lastreada no mesmo tipo de apoio, também se manifesta sob a capa dessas manipulações oportunistas, mais ou menos sofisticadas, que vão equilibrando-se no limite do Direito, e bem além do território da decência. Ao que parece, portanto, é assim que opera o movimento de ascensão do povo ao poder: com marchas e contramarchas; com avanços e retrocessos; e, sempre, com muita lentidão, demora e atraso.
Mas, tudo somado, esse movimento também exibe, para surpresa de muitos, uma resultante geral positiva, desde que observado de uma lente de mais longo prazo, pela qual a acumulação de pequenos avanços demonstra, no correr do tempo, produzir mudanças realmente significativas.
Por isso, penso que, embora não se deva desistir dos amplos projetos de mudança, é possível e desejável - como a história demonstra - aproveitar todas as oportunidades que as circunstâncias, mais dia, menos dia, venham a nos oferecer para avançar, mesmo que em ritmo apenas incremental.
É imprescindível não perder de vista, nunca, que a essência da legitimidade do poder é a capacidade de responder ao cidadão a questão: “por que obedecer?” ou, de que outro modo evitar a anomia, o desrespeito generalizado à norma que já se instala fortemente - há algum tempo - em diversos extratos sociais. Acaso alguém imagina que é possível convencer a sociedade do primado da Lei, enquanto nossa multifacetada “elite” política, econômica, burocrática, sindical e, até mesmo “religiosa”, vive à margem dela? Enquanto essa mesma elite se movimenta, livremente, sob o manto da impunidade?
Em vista disso, aperfeiçoar o exercício da soberania popular no Estado Democrático de Direito é a questão fundamental. E é ainda imprescindível ter presente a importância que as transformações implementadas em instituições fundamentais da Nação representam para as mudanças estruturais da sociedade.
Para elaborar uma estratégia de aperfeiçoamento, de evolução ou de transformação de uma determinada organização - qualquer organização, pública ou privada -, é necessário, antes, perguntar pelo que justifica sua existência do ponto de vista de sua finalidade, daquilo que lhe dá sentido.
Sem pretender qualquer incursão mais elaborada na teoria política, posso afirmar, contudo, que ao Judiciário cabe aplicar a Lei, que tem caráter geral, aos casos particulares que lhe são submetidos. Nessa linha, ele é parte integrante do aparelho de Estado, que presta serviços arbitrais ao conjunto dos cidadãos: seja em sentido estrito, quando está em jogo o interesse geral, seja em sentido amplo, quando o conflito tem caráter privado, envolvendo parte desse conjunto.
O Judiciário, entretanto, não integra o aparelho de Estado do mesmo modo, ou na mesma inserção que uma escola, ou um hospital público, exemplos remarcados do Estado como prestador de serviços à sociedade.
Ele também incorpora, ao menos nos sistemas democráticos de governo, um dos Poderes em que se reparte a potência estatal, ao lado do Legislativo e do Executivo, dotado de natureza própria e de prerrogativas de mesmo nível que as dos demais.
É como Poder, por exemplo, que o Judiciário determina a privação de liberdade de uma pessoa natural, ou concede o habeas corpus, nos casos de detenção ilegal. Esse poder, entretanto, não se esgota nessa face que poderíamos - com alguma liberdade - chamar de “administrativa”.
Ao menos no sistema brasileiro, no que se refere a determinados aspectos da atuação do Supremo Tribunal Federal, o Judiciário é um poder verdadeiramente político, na mais legítima acepção da palavra. O STF participa, em alto nível, do comando do próprio Estado, seja dirimindo conflito entre os outros Poderes, seja revogando a legislação julgada inconstitucional ou injurídica, seja esclarecendo os limites de atuação da máquina do Estado (ou do Governo, é claro), de modo a preservar a liberdade.
Como um todo, portanto, o Judiciário pode ser tomado - ao menos para os objetivos desta reflexão - como um Poder político-administrativo, que serve o corpo de cidadãos por via da administração da justiça, operando por meio da aplicação da Lei.
O sentido de um planejamento estratégico para o Judiciário é permitir que as instituições judiciárias melhor sirvam ao corpo de cidadãos. Isso porque, somente nessa direção, a estratégia estará convergindo para a meta finalística da instituição.
Qualquer outra orientação poderia facilmente confundir-se ou degradar-se em desvio da finalidade institucional, malversando o investimento de recursos públicos em projetos de valor questionável, ou fortalecendo o lado perverso do corporativismo, aqui entendido como a captura da instituição por seus agentes e operadores, em proveito próprio.
Por laborar nessa direção foi que considerei altamente positivas muitas das medidas tomadas, em tempo relativamente recente, no âmbito do que ficou conhecido como Reforma do Judiciário.
Menos abrangente do que seria possível desejar, a Reforma procedeu a alguns aperfeiçoamentos realmente notáveis, a exemplo da adoção da súmula vinculante do STF, da federalização dos crimes contra os direitos humanos e, principalmente, da instituição do controle externo da Magistratura e do Ministério Público, por meio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), respectivamente.
Penso que foi pouco, ante o muito que há a fazer; mas foi um bom começo, num campo que exigia, faz tempo, a atenção do Estado.
A questão que se põe agora, entretanto, não é exatamente (ou não é somente) a de avaliar o progresso alcançado em iniciativas que se esgotaram no passado, mas cuidar de aproveitar aquelas que se abrem com boas perspectivas de sucesso, no futuro.
Reconheço, por um lado, que não é fácil superar toda a estrutura que, em maior ou menor grau, se coloca contrariamente diante o “empoderamento” (como agora se gosta de dizer) popular, em praticamente todas as espécies de sociedades contemporâneas. Não é simples, de fato, colocar-se generosamente nessa discussão.
O objetivo, aqui, é o de elaborar uma abordagem estratégica para o instituto judiciário - a propor uma contribuição que mira precisamente o que estou chamando aprofundamento do processo de aproximação popular nos mecanismos de exercício do poder. Não como uma revolução, mas também não como mais um mecanismo gerador de distanciamento, meramente “representativo”.
Como anteriormente declarei, em relação ao tema do Estado, não pretendo elaborar aqui uma teoria do Judiciário.
Apenas argumento que: (i) o Judiciário, a par de suas outras funções, é também um prestador de serviços aos cidadãos, na função de aplicador da Lei aos casos concretos que examina, em benefício do império da justiça; e, (ii) para bem desincumbir-se desse pesado desafio, é importante que ele seja acompanhado e avaliado pela sociedade, no nível local, como já o é, na verdade, e de maneira muito concreta, pelo CNJ, no nível nacional.
Isso porque o Judiciário, tal como nitidamente ocorre com o Executivo, é, entre outras coisas, um prestador de serviços. Ambos, Executivo e Judiciário, são instituições que prestam - ou que também prestam - serviços de natureza peculiar a um público determinado, no caso, o povo. (Se quisermos incluir o Parlamento nessa lista, poderíamos, com alguma boa vontade, anotar alguma espécie de prestação de “serviços de representação política” à cota de atribuições do Legislativo; penso, entretanto, que, nesse caso, além de forçada, a concepção foge ao âmbito desta reflexão).
O Congresso Nacional, ao instituir o Conselho Nacional de Justiça, cuja composição é majoritariamente definida por setores do próprio Judiciário, certamente não pretendeu ajustar o conjunto de pesos e de contrapesos que, conforme uma sólida teoria do Estado, equilibra entre si os Três Poderes; para isso, inclusive, a Constituição previu outros instrumentos mais apropriados.
Nem teve o legislador, é evidente, a pretensão de intervir na liberdade de julgamento da magistratura; isso caracterizaria, aliás, um atentado contra o próprio Estado Democrático de Direito, do qual não se deve, sequer, cogitar.
O que se pretende, nesse caso, é apenas estabelecer uma instância de supervisão administrativa do desempenho do Judiciário, com forte direcionamento à dimensão “serviço” de suas atribuições.
Assim, mesmo sendo um instrumento de controle do Judiciário e, mais ainda, um instrumento democrático de controle, o CNJ e o CNMP não chegam a cumprir integralmente um papel de controle social ou popular, uma vez que, ali, a sociedade, ela mesma, é parca e minoritariamente representada.
Cito, a propósito, o exemplo dado por vários dos Estados norte-americanos, nos quais a magistratura, ao menos no que nós conhecemos por primeira instância, a Promotoria e a Chefia da Polícia, são - como se sabe - eleitas. Esse é um caso para nós extremo, mas lá bastante corriqueiro de praticar o controle social das instâncias ligadas à Justiça. Não penso, entretanto, que seja um modelo a ser adotado, entre nós. Já bastam, é evidente, os problemas com os quais o Brasil convive, decorrentes de um sistema político-eleitoral permanentemente à beira da crise.
Caberia, portanto, pensar uma maneira alternativa de corporificar um controle propriamente social do instituto judiciário. A finalidade desse controle, algo diferentemente do que se pretendeu com a estratégia dos Conselhos Nacionais na Reforma do Judiciário, seria antes aproximar Judiciário, MP e sociedade, criando uma instância apropriada à interlocução institucional com o público local, destinatário dos serviços judiciais prestados, e de avaliação da qualidade dessa prestação de serviços.
Assim, caberia desenhar o arcabouço institucional de um Conselho Regional de Justiça, com as seguintes características: (i) delimitado regionalmente à circunscrição judiciária, ou seja, à Comarca; (ii) composto por residentes dos Municípios abrangidos, em número proporcional à sua população; (iii) com a atribuição de acompanhar o desempenho do aparelho jurisdicional (Magistratura e representação local do Ministério Público Estadual), na sua estrita dimensão de prestação de serviços, especialmente com relação aos prazos; e (iv) com poderes para representar, com prioridade e qualificadamente, junto às Corregedorias da Justiça e aos Conselhos Nacionais (de Justiça e do Ministério Público).
Bem sei que alguns poderão interpretar esta sugestão como a imposição de um “cavalo de Tróia” no seio da Justiça. Isso, entretanto, não é verdade. Primeiro porque o que imagino irá acontecer de forma muito frequente, em se implantando os Conselhos Regionais, é a disseminação de uma visão mais realista, por parte das comunidades, acerca das dificuldades com que opera o Judiciário e a Promotoria, principalmente nas pequenas comunidades distantes dos grandes centros de atração populacional.
Essa é uma situação cujo conhecimento é de todo o interesse da Magistratura e do próprio Ministério Público levar à sociedade. Chego a afirmar que, sem um meio inovador, como o são os Conselhos Regionais, tal conhecimento jamais chegará ao entendimento do público.
Penso que, por um lado, não há como negar que a proposta responde por todos os núcleos de significado contidos no tema; a cada um, particularmente, e, principalmente, ao conceito mais abrangente que está expresso no conjunto.
Por outro lado, não é exatamente esse ponto - o da adequação formal - aquele que de fato pretendo questionar.
A questão pode ser respondida nos seguintes termos: há qualquer sentido estratégico (ou mesmo: há qualquer sentido legítimo) em delimitar o campo do debate de uma estratégia de gestão democrática do Judiciário à distribuição do poder interna corporis, de forma restrita? Ou à revisão dos mecanismos de promoção ou de indicação de candidaturas aos Tribunais, simplesmente recalibrando os dispositivos atualmente em vigor? É disso que se trata, então? É somente isso?
Não creio. Não é isso que querem os agentes do Poder Judiciário; acima de tudo, não é esse, acredito eu, pensamento majoritário do corpo de Magistrados do Brasil.
É num sentido maior, portanto, mirando mais longe que reafirmo: sim; a proposta que faço de instituir Conselhos Regionais de Justiça, de alcance circunscricional, responde de forma qualificada à pergunta por uma estratégia capaz de potencializar a gestão democrática no âmbito do Poder Judiciário.
Mais ainda: ela cria um caminho capaz de deslocar o rumo da organização judiciária daquele tristonho pântano de imobilismo no qual o Executivo e, infelizmente, o Legislativo encalharam, em meio à discussão do importantíssimo tema da reforma política (uma discussão que, de tão desfocada e esvaziada, por anos a fio de debate imediatista e estéril, hoje mal abrange os tímidos limites de uma reforma eleitoral).
Gestão democrática é, portanto, antes de mais nada, abrir-se para o cidadão; para o legítimo interesse do “soberano”, como gostam de dizer os seguidores da filosofia política; é arejamento, transparência, cidadania.
Seria preciso, entretanto, um grande esforço no sentido de materializar o contorno institucional dos Conselhos, aqui nem bem sequer delineados.
É tentador, claro, ainda mais para quem tem na experiência legislativa sua mais longa tarefa no serviço público, adiantar algumas das características que previsivelmente teriam os Conselhos Regionais. A mesma experiência, contudo, ensina estender a discussão o mais possível, e fazê-la com um maior número de atores sociais para possibilitar um nível adequado e bem sucedido de preparação, no enfrentamento de uma matéria de tal envergadura.
Um aspecto, porém, é preciso adiantar, ainda que sob o manto mais brando, ainda que obrigatório, de uma diretriz de acautelamento: é importante impedir que os Conselhos venham a ser presa de grupos ou de corporações, quaisquer sejam elas. Imagino, assim, ser de todo importante garantir regras suficientes para evitá-lo.
A título meramente ilustrativo, adianto uma contribuição que me parece razoavelmente apropriada para essa finalidade, ao abordar um método de escolha dos membros do Conselho em uma base tripartite e paritária: um terço escolhido pelas Câmaras de Vereadores dos Municípios jurisdicionados; um terço entre membros ativos e participantes dos Conselhos Municipais de Educação e Saúde; e um terço indicado pelas representações locais da OAB.
Mais que uma definição, entretanto, tal sugestão visa explicitar a importância de qualificar a representação sem, contudo, descaracterizá-la ou enviesá-la na direção de grupos ou redes demasiado específicas; com posições demasiado cristalizadas e, por isso, menos abrangentes que o desejável. Sei, entretanto, que não é aqui que esse debate deve se por.
Sei que aporto um tema difícil, mas há que ter coragem; a magistratura tem tudo para assumi-lo, nos moldes de um digno contraponto à imobilidade dos demais Poderes, conquistando merecida liderança na defesa institucional de uma visão radicalmente íntegra da gestão democrática do Estado.
Progresso institucional: nesse curto conceito repousa a melhor chance de sucesso da democracia brasileira. O Judiciário, em função de sua relevante posição no desenho do Estado, de seu profundo enraizamento na estrutura social e do exigente grau de formação e capacitação que cobra de seus agentes, poderá representar, na busca desse progresso, um papel de importância incomparável.
De alguma forma, é claro, teremos de começar; torço para que seja desta.
Finalizo registrando que é possível concordar com a afirmativa de que inúmeros outros mecanismos nitidamente democráticos podem ser agregados ou aprimorados no sentido de aperfeiçoar os dispositivos que regem o Poder dentro da máquina do Judiciário. Aí há, certamente, o que fazer na busca de uma gestão progressivamente mais aberta e democrática.
Esses, porém, deixo de abordar, na certeza de que haverá quem o faça com maior e mais sincrônico conhecimento do conjunto da instituição judiciária. O que me move, dado o objetivo central deste meu discurso, é ressaltar a importância do Judiciário no ataque do que eu considero o principal problema brasileiro, hoje: a impunidade. E, desnecessário dizer da importância do Poder Judiciário no combate a essa prática que tem sido, na verdade, a causa das maiores mazelas: a corrupção e, por consequência, o que aqui que repeti, diversas vezes: a dor nas filas dos hospitais, a escuridão do analfabetismo, o desemprego, a violência e a barbárie humana. Daí, a responsabilidade imensa do Judiciário: fazer cumprir as leis, sem qualquer tipo de discriminação ou proteção indevida. Acabar com a impunidade que tem tolhido a legitimidade das instituições brasileiras, e não só o próprio Judiciário. Temo por esse descrédito institucional. Essa história já vimos antes e não queremos repetida.
Era o que eu tinha a dizer.
Muito obrigado.
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