Discurso durante a 178ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao Cardeal Dom Eugênio Sales, Arcebispo Emérito do Rio de Janeiro, pelos seus 90 anos de vida.

Autor
João Faustino (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RN)
Nome completo: João Faustino Ferreira Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao Cardeal Dom Eugênio Sales, Arcebispo Emérito do Rio de Janeiro, pelos seus 90 anos de vida.
Publicação
Publicação no DSF de 10/11/2010 - Página 49235
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, AUTORIDADE RELIGIOSA, PRESENÇA, SENADO, HOMENAGEM, ANIVERSARIO, CARDEAL, ELOGIO, DIGNIDADE, ASSISTENCIA RELIGIOSA, LUTA, DEFESA, DIREITOS HUMANOS, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), COMBATE, TRABALHO ESCRAVO, INCENTIVO, CRIAÇÃO, SINDICATO, TRABALHADOR RURAL, ALFABETIZAÇÃO, EDUCAÇÃO, DEPOIMENTO, AMIZADE.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JOÃO FAUSTINO (PSDB - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Senador José Sarney, Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional brasileiro; Revmº Dom Lourenzo Baldisseri, muito digno Núncio Apostólico do Brasil; Revmº Dom Heitor de Araújo Sales, Arcebispo emérito de Natal, representando nesta solenidade o homenageado, Cardeal Dom Eugênio Sales; Revmº Sr. Cardeal Dom José Freire Falcão, Arcebispo Emérito de Brasília; Magnífico Reitor e Exmº Ministro Carlos Mathias; Srªs e Srs. Senadores aqui presentes; senhoras e senhores, sinto-me profundamente honrado por estar nesta tribuna, homenageando Dom Eugênio de Araújo Sales. Poucos, na minha geração, desfrutaram do privilégio de viver um momento como este.

            Quis o destino que, na condição de Senador da República, eu propusesse a realização deste ato consagrador e usasse desta tribuna, para falar sobre um homem que, na minha juventude, foi símbolo de luta, exemplo de líder, modelo de sacerdote. Portanto, Sr. Presidente, sinto-me aqui contemplando o tempo, revivendo o passado, que é fonte da história, olhando a vida, para visualizar a imagem de um padre que fez tudo que lhe foi possível fazer, para combater injustiças e levar o amor preconizado pela nossa religião a todas as pessoas.

            Ontem, esse sacerdote completou 90 anos de existência; por esse motivo, é alvo de todas as homenagens que possam ser prestadas a um ser humano que amou o seu Deus sobre todas as coisas e que deu sinais desse amor, quando lutou por liberdade e promoção humana; quando organizou a sociedade, para que as pessoas tivessem força e capacidade de reivindicar direitos que são seus; quando motivou seus seguidores a percorrerem os caminhos da paz e da justiça social.

            Dom Eugênio de Araújo Sales, nosso homenageado, não foi apenas o Bispo que revolucionou seu tempo com ideias e ações que, até hoje, marcam a história da Igreja no Rio Grande do Norte e no Brasil, mas um ser capaz de conciliar a elegância e a austeridade de um príncipe com a simplicidade de um pastor de ovelhas que desejava seu rebanho sempre unido, resistente e disciplinado. Nada, absolutamente nada o intimidou na sua ação pastoral, por sinal exemplar e determinada.

            As ideias que concebia rapidamente tomavam corpo, impregnando as pessoas de idealismo, porque nasciam de uma forte marca, própria daqueles cujas vidas se assemelham às dos sábios e às dos profetas.

            Com muita altivez, fez prevalecer, em todos os momentos, a dignidade do líder que sempre foi. Nunca abdicou da representação que recebera, mesmo quando pressionado pelos poderosos governantes ou pela virulência da ditadura. Lutou por tudo o que concebeu e não permitiu que suas iniciativas fossem sepultadas pela força do arbítrio.

            Somente um homem com essas características seria capaz de aglutinar tantas pessoas, na sua grande maioria jovens, alguns ainda saindo da adolescência, para realizar o maior e mais abrangente programa social da história do meu Estado, o Rio Grande do Norte.

            Fui um desses jovens a ser conquistado e atraído pelo idealismo de Dom Eugênio de Araújo Sales - e aqui estão alguns que também o foram, como Jardelino Lucena, Astor Nina de Carvalho e muitos outros -, talvez pela liderança estudantil que naquela época exercia. Aliás, todos os líderes que militavam na Ação Católica eram por ele convocados para uma efetiva integração no Serviço de Assistência Rural ou no Movimento de Educação de Base.

            Em muitas ocasiões, Sr. Presidente, fui designado por ele para presidir assembleias de trabalhadores rurais e, em cada uma delas, via nascer um sindicato. A sensação era aquela de ver brotar, no meio dos mais pobres, um símbolo forte de cooperação, de solidariedade e de justiça social.

            Por outro lado, eu me sentia, Srªs e Srs. Senadores, como se mágico fosse, quando ensinava Matemática nas escolas radiofônicas por ele criadas. Em cada aula que gravava, eu me imaginava diante de milhares de pessoas, reunidas em casa de taipa, sem água e sem luz, em redor de um pequeno rádio movido por bateria de automóvel. Era aquele radinho que modificava a vida das pessoas, enchendo-as de otimismo e de força interior, organizando-as nos seus objetivos de viver.

            Graças a Dom Eugênio, quantas e quantas pessoas descobriram, por meio das escolas radiofônicas, que não eram escravas de ninguém, que tinham uma vida dada por Deus e que essa vida somente tinha significado quando se via repleta de felicidade e de liberdade!

            Quantos trabalhadores de mãos calejadas, de faces prematuramente enrugadas, vítimas de injustiças gritantes, obtinham, pela força dos sindicatos rurais, por ele criados, salários mais justos e condições de trabalho mais humanas! Quantos homens e mulheres foram alfabetizados, concluíram o curso primário, fizeram exame de madureza, alguns até ingressaram no ensino superior, quando o ensino ginasial era privilégio de poucos!

            Somente um líder, um gestor eficiente, um sacerdote exemplar seria capaz de fazer tanto, de reconstruir esperanças, de acender na consciência coletiva a confiança no futuro.

            Certo dia, era um início de tarde, eu acabava de participar de uma reunião no Centro de Treinamento da Arquidiocese, que ficava na praia de Ponta Negra, a quatorze quilômetros de Natal. Eu aguardava o veículo que me conduziria de volta à capital. Quando menos espero, para o carro de Dom Eugênio, por ele mesmo dirigido. Era um automóvel de fabricação americana da marca Ford, de cor verde clara. Parou e me ofereceu uma carona. Confesso que fiquei um pouco desconcertado. Ser “caroneiro” de Dom Eugênio, para mim, era algo inusitado. Aceitei, e fomos conversando. Meia hora de conversa foi o suficiente para confirmar tudo o que eu pensava a respeito daquele extraordinário servidor de Cristo, da sua firmeza, das suas convicções sobre o que fazia, do seu amor pela Igreja, da sua admiração e crença nas ações e nas potencialidades da juventude. A conversa fluiu de tal forma, que o tempo passou, e, quando menos se esperava, estávamos na praça Pio X, seu local de trabalho. Nós nos despedimos, agradeci-lhe a carona, guardando comigo a imagem do líder e do estadista.

            Dizia-nos sempre Dom Eugênio que o segredo para que se obtivesse êxito em qualquer projeto de promoção humana era cercar-se de jovens, confiar neles, dar-lhes atribuições, cobrar-lhes eficiência. Assim, construiu a grande universidade por onde passaram dezenas de jovens, hoje líderes políticos, profissionais bem-sucedidos, professores universitários, escritores e cientistas. Hoje, todos, sem exceção, conduzem a marca de um tempo que se incorporou à vida e à personalidade de cada um.

         Parte desse tempo foi de desafios, de arbítrio, de violência, de ditadura. Aí, diante do sofrimento de tantos, marcados pela perseguição, que poderia levar à morte ou à prisão, sua residência, conforme disse muito bem V. Exª, Sr. Presidente José Sarney, transformou-se em refúgio, em porto seguro, restaurando, em muitos, a esperança de viver.

            Nosso homenageado nasceu em Acari, região do Seridó do Rio Grande do Norte, e foi ordenado padre em Natal, em novembro de 1943. Foi Bispo Auxiliar, Administrador Apostólico e Arcebispo de Natal no período de 1954, quando tinha apenas 33 anos, até 1965, quando foi nomeado Arcebispo de Salvador, Arcebispo Primaz do Brasil. Em 1971, tornou-se Arcebispo da Arquidiocese de São Sebastião no Rio de Janeiro, lá permanecendo por trinta anos em plena atividade, implantando um amplo programa de evangelização, quando, em 2001, completou seu ciclo de administrador arquidiocesano.

            Dom Eugênio de Araújo Sales foi o Bispo que fundou o Movimento de Educação de Base; que criou a Emissora da Educação Rural, o jornal A Ordem, as escolas radiofônicas e os primeiros sindicatos de trabalhadores rurais; que estimulou o cooperativismo; que fez nascer uma imprensa respeitada e ética; que formou líderes; que iniciou um amplo processo de reforma e colonização agrária; que acreditou na juventude como fator de transformação; que construiu um tempo novo.

            Srªs e Srs. Senadores, esse ser humano completo é modelo, é referência. Sua presença de príncipe da Igreja e de líder é uma marca de passado, de presente e de futuro. Quem o admira e nele encontra a vocação de servir, com certeza, estará pronto para mudar as estruturas injustas e desumanas.

            Muito obrigado. Era o que eu tinha a dizer.

            (Palmas.)


Modelo1 4/27/249:02



Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/11/2010 - Página 49235