Discurso durante a 184ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do centenário de nascimento da escritora Rachel de Queiroz.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Comemoração do centenário de nascimento da escritora Rachel de Queiroz.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/2010 - Página 50809
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, ESCRITOR, ESTADO DO CEARA (CE), ELOGIO, BIOGRAFIA, PUBLICAÇÃO, LIVRO, SECA, REGIÃO NORDESTE, RECEBIMENTO, PREMIO, LITERATURA, ATUAÇÃO, LITERATURA INFANTIL, DIVERSIDADE, JORNAL, OPOSIÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, REGISTRO, PIONEIRO, MULHER, INGRESSO, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), ATENÇÃO, DEBATE, NATUREZA POLITICA, FILIAÇÃO PARTIDARIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB), CANDIDATO, DEPUTADO ESTADUAL, CARGO PUBLICO, CONSELHO FEDERAL DE CULTURA, CONSCIENTIZAÇÃO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE.
  • REGISTRO, EMPENHO, UNIVERSIDADE ESTADUAL, ESTADO DO CEARA (CE), INCLUSÃO, PROTEÇÃO, FAUNA, FLORA, REGIÃO NORDESTE, TEXTO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador) - Exmº Sr. Senador José Sarney, Presidente do Senado Federal e membro da Academia Brasileira de Letras, que durante muito tempo conviveu com Rachel de Queiroz não somente nos chás da Academia Brasileira de Letras, mas também em diferentes episódios de sua vida pública, gostaria de aproveitar a ocasião para registrar a presença dos Senadores Acir Gurgacz, do Senador Eduardo Suplicy, da Senadora Marisa Serrano, do autor do requerimento para que a presente sessão se concretizasse e a homenagem ocorresse, Senador Inácio Arr0uda. Com satisfação registro também a presença do Senador Cícero Lucena, do Senador César Borges e do Ministro Carlos Fernando Mathias, Vice-Reitor da Unilegis. Desejo fazer uma referência à de presença de B. de Paiva, aqui citado algumas vezes pelo Senador Inácio Arruda.

            Srªs e Srs. Senadores, inicialmente, gostaria de cumprimentar o Senador Inácio Arruda pela oportuna iniciativa de propor que o Senado da República reservasse período do Expediente no dia de hoje para marcar de forma indelével o centenário de nascimento da Primeira-Dama das Letras Brasileiras, a inesquecível Rachel de Queiroz.

            Há exatos 100 anos, no dia 17 de novembro de 1910, no antigo nº 86 da rua Senador Pompeu, em Fortaleza, nascia Rachel de Queiroz. Descendia, pelo lado materno, da estirpe dos Alencar, parente, portanto, do ilustre autor de O Guarani. E, pelo lado paterno, dos Queiroz, família de raízes profundamente lançadas no Quixadá e Beberibe.

            Essa ancestralidade e o decisivo apoio de seus pais indiscutivelmente seriam, sem dúvida, os responsáveis pelo desabrochar de seu talento literário, ainda em tenra idade, e pelo imenso amor que nutria pelo sertão nordestino ao longo de sua vida de escritora.

            Tudo que, por ventura, pudesse aqui registrar a respeito de Rachel de Queiroz seria pouco face à grandiosidade de seu espírito. Contudo, não poderia deixar de comparecer a esta tribuna, ainda que brevemente, para destacar três aspectos de sua personalidade, a meu ver fundamentais: primeiro e óbvio, o aspecto literário, aqui já tão ressaltado; segundo, o político. Ela tinha em suas veias um grande senso político e participava ativamente da política nacional. E, em terceiro lugar, mas não menos importante, o lado humano. Enfim, nada do que era humano lhe era estranho.

            Do ponto de vista literário, Srªs e Srs. Senadores, é bastante curioso perceber que Rachel costumava dizer que a literatura era seu ofício. Era o que sabia fazer de melhor, mas que não gostava de escrever. Por isso afirmou que nunca teve propriamente uma “carreira literária”, no sentido em que se entende a expressão.

            E cito textualmente: “Nunca lhe dei importância como tal. (...) Tenho vivido no meio de livros e outras coisas, convivido com literatos quando eles são também meus amigos, e não porque sejam literatos. Para mim, o importante mesmo é a vida, ela é que marca e deixa recordações”.

            Apesar disso, ela amava a arte que, para ela, era tão vital para o ser humano quanto respirar. Quanto a isso, certa vez afirmou:

A arte é o lado luminoso que compensa a vida. É o perfume da flor, a leveza do orvalho, as cores vivas do nascente ou do poente, a música, o poema, enfim, tudo aquilo que nos eleva e nos faz sentir um milagre da natureza.

            Em 1930, debutou nos círculos literários, com apenas 20 anos de idade, ao publicar, como aqui foi reiteradamente lembrado, O Quinze, talvez sua obra prima, às expensas de seu próprio pai, que financiou os mil exemplares da primeira edição. Logo de início, teve inesperada e funda repercussão no Rio de Janeiro e em São Paulo. No Rio, o poeta Augusto Frederico Schmidt disse: “Não é o primeiro livro, decerto, que trata do assunto (a seca); porém, em nenhum outro encontrei tanta emoção, tão pungente e amarga tristeza”.

            Em São Paulo, ninguém menos do que Mário de Andrade lhe fez as honras da casa. Hoje, não restam dúvidas de que O Quinze constitui um dos mais relevantes iniciadores da corrente literária que tem por substrato temático a grande seca do Nordeste, ocorrida, como sabemos, em 1915, que se projeta de modo contundente nas páginas do romance.

            Segundo Otto Maria Carpeaux - em livro que recentemente o Senado, por iniciativa do Presidente Sarney, reeditou -, “o grande êxito do livro firmou o novo gênero”.

            Devo destacar que, quando presidi a Comissão do Ano Cultural do Senado, em 2008, consegui com o meu colega da Academia Brasileira de Letras, o saudoso José Mindlin, autorização para imprimir os originais de O Quinze, como forma de reverenciar a igualmente acadêmica Rachel de Queiroz e legar à sociedade acesso a tão significativa obra.

            Depois de O Quinze, que lhe rendeu o prêmio da Fundação Graça Aranha, em 1930, Rachel publicou outros romances, como O caminho das pedras, em 1973, As três Marias, em 1939, O galo de ouro, em 1986, e o festejado Memorial de Maria Moura, em 1992.

            Apesar desses romances tão consagrados, Rachel de Queiroz foi mesmo uma cronista por excelência. Publicou milhares de crônicas, algumas reunidas em livros, como A donzela e a Moura Torta, Um alpendre, uma rede, um açude e Falso Mar, Falso Mundo, publicado um ano antes de sua morte. Sua assinatura comparecia semanalmente no encerramento das edições da revista O Cruzeiro, tão famosa na época, sob o prosaico título de Última Página.

            Posteriormente, com o fechamento da revista, passou a escrever no Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo até pouco antes de sua morte. Publicou ainda peças de teatro, livros didáticos e infantis. Prefaciou diversos livros e traduziu autores famosos como Leon Tolstoi, Emily Brontë e Dostoievski.

            Em sua obra, podemos identificar quatro grandes temas: a liberdade, o amor, a solidão e a morte. Quase todas as suas personagens são criaturas solitárias, mas buscam a afirmação do amor e da liberdade.

            Sobre a Academia Brasileira de Letras, Rachel costumava dizer que era o lugar onde encontrava alguns amigos, trocava ideias e buscava compartilhar algumas coisas a respeito de seu ofício de escritora.

            Como aqui foi lembrado pelos oradores que me antecederam a partir do Presidente José Sarney, foi a primeira mulher a ser eleita para a Academia e, ao fazê-lo, quebrou um tabu para a época. Por isso dizia-se satisfeita, porque sempre lutou contra os formalismos, as convenções e os preconceitos.

            Ainda sobre a Academia, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero dar um depoimento pessoal na condição de acadêmico.

            Quando meu nome começou a ser cogitado para disputar a Cadeira nº 39 da Academia Brasileira de Letras, em substituição ao Dr. Roberto Marinho, Rachel de Queiroz apoiou-me imediatamente, dizendo-me que votaria favoravelmente por minha eleição, inclusive enviando, com devida antecedência, a sobrecarta e os votos dos eventuais quatro escrutínios, conforme praxe na ABL.

            Infelizmente, quiseram Deus e o destino que ela não estivesse presente na minha eleição naquele Panteão, eis que veio a falecer dias antes desse acontecimento, fato que me privou do, certamente, riquíssimo convívio que teria na condição de membro da referida Academia.

            Era uma pessoa muito simpática e foi homenageada, inclusive, como a Madrinha dos Fuzileiros Navais, cuja corporação tem sede no Rio de Janeiro.

            Dentre os diversos títulos e homenagens que recebeu, Senhoras e Senhores, gostaria de destacar o Prêmio Jabuti, de literatura infantil, outorgado pela Câmara Brasileira do Livro em 1969, e o Prêmio Camões, o maior da Língua Portuguesa, em 1993, solenidade à qual o Presidente da República Itamar Franco fez questão de comparecer para homenageá-la.

            Em 1985, ao ser inaugurada, em Ramat-Gau, Tel Aviv, no Estado de Israel, a Creche “Rachel de Queiroz”, tornou-se o único escritor brasileiro a contar com essa honraria naquele país.

            Em maio de 2002, a modéstia fez com que se recusasse a assinar sua inscrição para o Prêmio Nobel de Literatura, dizendo simplesmente: “Me inclua fora dessa”.

            Minhas Senhoras e meus Senhores, falar de Rachel de Queiroz é falar de literatura, não resta dúvida, mas é impossível fazer qualquer referência “à Grande Dama do Sertão” sem mencionar sua paixão pela política. Ela própria se considerava, nos dizeres de Aristóteles, “um animal político”. Talvez por isso, em suas crônicas, tenha se deixado arrastar pelo jornalismo, já que ela mesma sempre fez questão de se proclamar como jornalista e não como ficcionista.

            Faço aqui um parêntese para lembrar o que dizia Joaquim Nabuco. Isso consta do seu discurso de posse como Secretário-Geral da Academia Brasileira, ocorrida logo após a eleição de Machado de Assis para presidir a instituição. Dizia Nabuco, no seu discurso: “Nós não podemos matar no literato no artista, o patriota, porque sem a pátria, sem a nação, não há escritor, e com ela há forçosamente o político”.

            Admiradora de Churchill - “o homem que encheu o século”, como o qualifica em O caçador de Tatu, e a quem considerava um profundo conhecedor da natureza humana -, dizia que o grande político é “o homem de ação, que sabe fazer valer as idéias inovadoras e consolidar valores culturais e melhorias sociais significativas para o seu povo”.

            Antigetulista convicta, Rachel ingressou no Partido Comunista Brasileiro, o então PCB, em 1931, de onde saiu pouco tempo depois, por não permitir que a ideologia política interferisse em sua liberdade como escritora. Em 1932, havia escrito João Miguel e submetido o romance à aprovação da hierarquia partidária, como era de praxe entre os escritores comunistas daquela época.

            Para conseguir o imprimatur da direção partidária, Rachel teria de mudar o destino de trinta personagens, fazendo o operário matar o coronel e a mocinha se prostituir, o que ela, terminantemente, recusou-se a fazer. Por isso, deixou o Partido.

            Embora fosse prima do Presidente Castello Branco, com quem tinha, frise-se, ótimo relacionamento e mantivesse contato com diversas personalidades políticas, - entre as quais se incluem os Presidentes José Sarney, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso -, o máximo a que se permitiu foi aceitar um cargo no Conselho Federal de Cultura, órgão que integrou desde a sua fundação, nos idos de 1967, até sua extinção, em 1989.

            Participou também Rachel de Queiroz da 21ª Sessão da Assembleia Geral da ONU, em 1966, na condição de delegada do Brasil, trabalhando especialmente na Comissão de Direitos Humanos.

            O Presidente Jânio Quadros chegou a convidá-la para ser Ministra da Educação, ao que respondeu: “Presidente, colaboro no que for preciso, mas sem cargo oficial. Não posso pôr em risco a minha independência intelectual, nem nasci para viver em cortes palacianas”.

            Se esses dois lados de Rachel de Queiroz - o literário e o político - são de tal forma fascinantes, a eles vem se somar o lado profundamente humano da autora de O Quinze, pedra basilar de sua literatura e de seu interesse pela política.

            Dizia Rachel de Queiroz:

Na realidade, o de que eu gosto é da vida e das pessoas com suas contradições, paixões e afetividades. A criatura humana me fascina muito, me fascina e também me comove. (...) Quando escrevo, tenho o ser humano como objeto de minha narrativa. Eu tenho paixão é pelo ser humano.

            Humanista avessa a participar de grandes grupos sociais, considerava-se “um bicho solitário”, como ela mesma dizia, pois sempre teve como fundamentais autonomia e a liberdade de consciência.

            Rachel desempenhou um papel importantíssimo, a meu ver, na conquista dos direitos pelas mulheres, apesar de ela mesma não se declarar feminista. Foi a primeira mulher cearense a se candidatar ao Legislativo estadual, em 1934, herdando o pioneirismo de D. Bárbara de Alencar, sua quinta avó, primeira presa política do Brasil. Foi também a primeira mulher a receber o Prêmio Camões e a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras, como já disse, antecipando-se a Academia Francesa de Letras, que somente quatro anos mais tarde, em 1981, escolheria Margarite Youcenar como a primeira mulher a integrar o seu panteão de imortais.

            Possuía uma profunda ligação com a sua terra, sobretudo com a aridez de Quixadá, com a aridez das secas dos nordestinos que tanto conhecemos. Tanto que certa feita nos conta José Luiz Lira, em seu livro, No Alpendre com Rachel, “um vereador sugeriu à Câmara outorga de título de Cidadã Honorária de Quixadá e ela agradeceu gentilmente, pois disse que não necessitava de títulos já que era naturalmente quixadaense.” Era na Fazenda Não Me Deixes que Rachel revivia as lembranças da infância e se escondia no cotidiano agitado dos grandes centros urbanos.

            Por isso costumava dizer que “ser nordestino é um privilégio que eu não específico para não fazer inveja aos que não gozam dessa felicidade”, com que aliás, senhoras e senhores só posso concordar como pernambucano que sou.

            Rachel nutria um amor tão grande pela sua terra, era tal o seu telorismo, que fez de Não Me Deixes, o nome da sua fazenda, um exemplo de preservação ambiental, pois achava que atitudes como esta poderiam ter muita consistência, com muitos movimentos políticos de pregação ecológica.

            Assim Não Me Deixes é reserva particular do patrimônio natural e serviu de modelo para o primeiro senso da fauna e flora da Caatinga, bioma, inclusive já aprovado pelo Senado e possivelmente, brevemente o será pela Câmara, finalmente e felizmente, reconhecido como um grande bioma brasileiro, tão esquecido.

            Por isso, não podemos deixar de registrar os esforços feitos pelo Instituto de Estudos, Pesquisas e Projetos (Iepro) da Universidade Estadual do Ceará, que busca justamente esse objetivo, que é o de reconhecer o único bioma ainda não contemplado na Carta Constitucional brasileira de 1988.

            Lutou Rachel de Queiroz bravamente, para que fosse criado o Parque Nacional dos Serrotes, do Quixadá, com o objetivo de proteger os inselbergs daquela região, onde popularmente são designados como serrotes.

            Rachel de Queiroz foi e é tudo isto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: a mulher, a escritora, a política, enfim, o ser humano que, como poucos, soube extrair da vida as lições que ela nos ensina e que conseguiu transformar em arte.

            Rachel fez da sua vida uma arte e transformou a arte em vida!

            Lembro Voltaire: a maior homenagem que se pode prestar ao morto é a verdade. E a verdade foi uma marca indelével do trabalho e da personalidade de Rachel.

            Concluo, Sr. Presidente, portanto, meu pronunciamento, com as palavras utilizadas por Adonias Filho no discurso em que recepcionou Rachel de Queiroz na Academia Brasileira de Letras:

O vosso lugar nesta Casa, pois, não é apenas vosso. É também e, sobretudo, da literatura brasileira, porque ninguém a serviu melhor que vós, senhora Rachel de Queiroz, com talento e amor, respeito e dignidade.

            Muito obrigado. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/2010 - Página 50809