Discurso durante a 184ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do centenário de nascimento da escritora Rachel de Queiroz.

Autor
Roberto Cavalcanti (PRB - REPUBLICANOS/PB)
Nome completo: Roberto Cavalcanti Ribeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do centenário de nascimento da escritora Rachel de Queiroz.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/2010 - Página 50812
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, ESCRITOR, ESTADO DO CEARA (CE), ELOGIO, BIOGRAFIA, ATUAÇÃO, LITERATURA, DEBATE, NATUREZA POLITICA, COMENTARIO, PUBLICAÇÃO, LIVRO, SECA, REGIÃO NORDESTE, PIONEIRO, MULHER, INGRESSO, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), FILIAÇÃO PARTIDARIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB), REGISTRO, ATIVIDADE, JORNALISTA, DIVERSIDADE, JORNAL, PERIODICO.
  • LEITURA, OPINIÃO, ESCRITOR, ESTADO DO CEARA (CE), PROFESSOR, LITERATURA, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), ELOGIO, VULTO HISTORICO, CONTRIBUIÇÃO, LITERATURA BRASILEIRA, CARACTERIZAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, IMPORTANCIA, MULHER.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ROBERTO CAVALCANTI (Bloco/PRB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Senador José Sarney, Presidente desta Casa, primeiro signatário do requerimento da presente sessão; Exmº Sr. Senador Inácio Arruda; nobre ex-Vice-Presidente da República, meu amigo Senador Marco Maciel; Srª Diretora da Editora José Olympio, Srª Maria Amélia Mello; demais autoridades, Srªs e Srs. Senadores, não é fácil falar após o Presidente do Senado Federal, membro da Academia Brasileira de Letras, Senador José Sarney, referir-se a um tema; depois ter de suceder o Senador Inácio Arruda, que, com seu talento e seu lado cearense, tratou o tema com esplendorosa virtuosidade; ter de suceder o ex-Vice-Presidente da República Senador Marco Maciel e a Senadora Marisa Serrano.

            Realmente estou, aqui, numa encruzilhada, para poder ler este nosso pronunciamento, o qual lamento ser de alguma forma repetitivo, porque o tema, por mais rico que seja, tendo-se passado por talentos como os que foram citados, quase se esgota, se não fosse exatamente a trajetória e a fantástica história literária de Rachel de Queiroz.

            Celebrar o centenário de nascimento de Rachel de Queiroz é, antes de qualquer outra consideração, gesto de reconhecida gratidão pelo que essa cearense notável representou para a cultura brasileira.

            De sua aguda sensibilidade e do amplo domínio técnico do ofício que abraçou, que era justamente o de escrever, ela ofereceu ao País páginas imorredouras de uma literatura feita com alma e generosidade.

            Do princípio ao fim de sua vida, desde o convívio com a extraordinária biblioteca que enchia seus olhos de menina ao sereno aconchego do apartamento carioca que abrigou a escritora idosa em seus derradeiros anos, Rachel teve a vida marcada pela força da palavra.

            Em toda a sua obra, dos primeiros poemas aos textos jornalísticos, das crônicas aos romances, a palavra se apresenta limpa, sempre e sempre, livre de qualquer excesso, despojada de adereços supérfluos. Nela, basta a palavra certa, afiada, que não se presta a subterfúgios ou a evasivas.

            À maneira dos verdadeiramente grandes escritores, Raquel de Queiroz conheceu muitos autores, viajou mundo afora conduzida pelo que de mais expressivo a literatura universal produziu, mas jamais perdeu a referência essencial: sua terra, sua gente. Mulher, nordestina e brasileira, eis a tríade que se constituiu na definição mais que perfeita dessa autora inconfundível.

            Nesse sentido, a publicação de O Quinze tem um significado muito especial.

            Bem compreendeu a também escritora e cearense Ana Miranda, ao falar sobre essa obra que permitiu Rachel de Queiroz irromper gloriosamente na cena literária brasileira:

Rachel eternizou para o Ceará, e para outros Estados, a paisagem geográfica e humana dos sertões e interiores de sua infância. Por meio desse romance, a efígie do sertão cearense e de Fortaleza, assolados pela dramaticidade e tragédia da estiagem, adquiriram uma forma mais nítida e um espectro mais amplo que a própria literatura.

           O pioneirismo marcou os passos de Rachel de Queiroz.

           Com o inédito Mandacaru, livro de poemas, de 1928, só agora publicado, e com o festejado O Quinze, de 1930, ela foi pioneira do que se pode definir como uma estética nordestina.

           Em plena flor de seus 18 anos, em noites iluminadas tão somente pela luz do lampião, ela escreveu em páginas de caderno o livro que marcaria sua vida para sempre.

           Pioneiramente, inscrevia seu nome no movimento literário conhecido como “ciclo nordestino”, uma mulher que se intrometia num universo tipicamente masculino.

           Em 1977, ao vencer o consagrado jurista Pontes de Miranda em eleição que atraiu atenção geral, tornou-se a primeira mulher a integrar a Academia Brasileira de Letras.

           A própria cerimônia que entronizou Rachel na condição de acadêmica diz muito da personalidade da escritora e do tom característico de sua obra literária. Ao tomar posse na cadeira número cinco, em novembro de 1977, ela fez história mais uma vez. Além de quebrar um tabu de oito décadas, sendo aceita num recinto até então ocupado exclusivamente por homens, ela abria as portas da instituição para recepção de novas pretendentes à Casa de Machado de Assis.

           Para a posse, a escritora reservou um toque muito especial: determinou que se confeccionasse uma versão claramente feminina do fardão dos imortais.

           Era a rebeldia sertaneja, tão presente em suas poderosas e emblemáticas personagens femininas, que também se manifestava na vida real!

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, além do pioneirismo, enfatizo outro aspecto definidor da personalidade de Rachel de Queiroz, que era sua plena inserção no contexto histórico em que vivia. Assim, ainda na juventude e refletindo o início de uma experiência revolucionariamente inovadora, a partir da União Soviética, abraça a causa socialista e aproxima-se do Partido Comunista.

           Pagou caro pelo gesto: fichada como subversiva, teve, em determinados momentos, os passos vigiados pela força de um Estado que não podia compreender - muito menos admitir - a utopia de um mundo de iguais, sem exploradores e explorados.

           O brutal assassinato de Trotsky, a mando do ditador soviético Stálin, foi o bastante para desiludi-la.

           Por certo, as denúncias de Kruschev em relação aos crimes cometidos pelo regime stalinista, proferidas em 1956, reafirmaram-lhe o acerto da decisão de afastar-se da militância de esquerda com a qual se encantara no passado.

           Por certo, também, essa visão política de mundo que nela se consolidou na maturidade explica sua ostensiva oposição ao regime reformista de João Goulart, na primeira metade dos anos 1960.

           Coerentemente, apoiou a ruptura institucional de 1964, mas, tão logo percebeu a opção autoritária que o regime assumia, dele se afastou.

           Assim foi a Rachel de Queiroz cidadã: participa sempre, não se omite, toma posições e não se sente constrangida em modificá-las.

           Esse sentido todo especial de cidadania, que fazia de Rachel vigilante testemunha de seu tempo, manifestava-se, sobretudo, no trabalho jornalístico que também a consagrou, aproximando-a ainda mais do grande público.

           Disso é exemplo a memorável colaboração que prestou, anos a fio, naquele que foi o mais impressionante caso de sucesso editorial em termos de publicação semanal ilustrada que o Brasil conheceu, a revista O Cruzeiro, estrela maior da constelação dos Diários e Emissoras Associados, criada pelo imortal e fantástico empresário paraibano Assis Chateaubriand.

           Menino, cresci acompanhando, como leitor fanático, a trajetória da revista que narrava fatos sobre a vida dos astros de Hollywood, cinema, esportes e saúde, entremeando tudo, para meu encantamento e de minha irmã, Celina, amiga dileta do Senador Marco Maciel, com charges, política, culinária e moda. E o que dizer das charges do Amigo da Onça, o inesquecível Amigo da Onça, que o Brasil todo curtiu e ainda coleciona?

           Nela, os leitores tinham encontro marcado com a crônica semanal de Rachel de Queiroz, a Última Página, a fechar cada edição da famosa revista.

           Com estilo inconfundível de quem sempre demonstrou acentuada preocupação com as questões de linguagem, a escritora abordava os mais diversos temas, inclusive os relativos à vida cotidiana, neles registrando, honesta e nitidamente, suas opiniões.

           Infelizmente, nos anos 60, O Cruzeiro entrou em declínio, e a última edição circulou em julho de 1975, sempre com Rachel de Queiroz na Última Página.

           Já homem feito, lamentei o fechamento da revista, como no ano passado protestei, também, quando da morte do jornal Gazeta Mercantil, da revista Manchete e de outros órgãos da imprensa brasileira.

           E, agora, em 31 de agosto passado, solidária e solitariamente registrei, desta tribuna, meu inconformismo com o fim da versão impressa do Jornal do Brasil, numa sucessão de tempos melancólicos para ícones da nossa imprensa que, de forma emblemática, embalaram os nossos sonhos de juventude e tiveram um papel preponderante na formação de gerações de brasileiros!

           Ao encerrar este pronunciamento, que nada mais é senão a minha modesta homenagem a essa mulher extraordinária e escritora de invulgar brilho, gostaria de destacar algo que marca, com tintas muito fortes, a obra de Rachel de Queiroz.

           Refiro-me à força por ela conferida às personagens femininas que se multiplicam por seus livros.

           Na visão acurada de Walnice Nogueira Galvão, professora de Teoria Literária e Literatura Comparada da Universidade de São Paulo, “desde o início, a escrita de Rachel de Queiroz aponta para um traço que seria constante em sua obra: a concentração em personagens femininas, lembrando outras cearenses de outros livros, autônomas, cheias de iniciativa e inteligência”.

           Entre essas personagens femininas marcantes pela firmeza de caráter e disposição para a luta, pode-se destacar, por exemplo, Dona Guidinha do Poço e o modo como enfrenta o marido, avesso à generosidade da esposa para com os flagelados da seca; Luzia Homem, a retirante de fibra e inquebrantável dignidade, carregando pedras na cabeça como contratada para o trabalho em obras públicas; a insuperável guerreira Maria Moura.

           Chamo minha mulher, Sandra Moura, de Maria Moura Segunda.

           Feliz um país que pode contar com alguém da estatura humana e intelectual de uma Rachel de Queiroz!

           Com sua prosa inovadora, sacudiu o cenário literário brasileiro.

           Sem exagero, ocupou lugar de honra entre os pioneiros do “Romance de 30”, movimento que veio para ficar e que deu ao Brasil alguns de seus maiores expoentes literários, a exemplo de José Américo, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Herberto Sales e, no Sul, Érico Veríssimo e Dyonélio Machado. Entre eles, reluzia o nome de Rachel, acolhendo justo reconhecimento.

           Rachel de Queiroz produziu até o fim da vida.

           Já com a saúde abalada, teve ânimo para oferecer ao público leitor, em parceria com a irmã caçula, Maria Luiza, as duas obras com as quais encerrou sua brilhante carreira: Tantos Anos e Não me Deixes.

           Ela morreu, aos 93 anos de uma vida intensamente vivida, em seu apartamento no Leblon, Rio de Janeiro. Mas os que a acompanharam nos últimos momentos sabiam o tanto de saudade que Rachel sentia “dos cheiros e da gente do sertão de sua terra natal”.

            A ela devemos uma obra seminal.

            Por isso, Rachel permanece entre nós.

            Viva como os personagens que criou.

            Inesquecível como as histórias que contou.

            Imprescindível como o exemplo que deixou.

            Muito obrigado! (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/2010 - Página 50812