Discurso durante a 184ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao compositor paraibano Geraldo Vandré, que completou 75 anos de vida.

Autor
Roberto Cavalcanti (PRB - REPUBLICANOS/PB)
Nome completo: Roberto Cavalcanti Ribeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao compositor paraibano Geraldo Vandré, que completou 75 anos de vida.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/2010 - Página 50892
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, MUSICO, COMPOSITOR, ADVOGADO, ESTADO DA PARAIBA (PB), REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, FESTIVAL, RESISTENCIA, DITADURA, REGIME MILITAR, VITIMA, CENSURA, EXILIO, COMENTARIO, RETORNO, BRASIL, FRUSTRAÇÃO, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, INFORMAÇÃO, COMPOSIÇÃO, MUSICA, PIANO, APRESENTAÇÃO, AMERICA DO SUL, AMERICA CENTRAL, AGRADECIMENTO, ORADOR, CONTRIBUIÇÃO, DEMOCRACIA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ROBERTO CAVALCANTI (Bloco/PRB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srs. Presidentes, Inácio Arruda e Antonio Carlos Valadares - em dupla, em processo de transição -, Srªs e Srs. Senadores, um dos maiores mitos do nosso cancioneiro popular, compositor emblemático que mereceu a admiração do mundo artístico e a idolatria do público numa época de grandes transformações sociais, completou 75 anos de vida.

            Refiro-me ao paraibano Geraldo Pedrosa de Araújo Dias, o genial Geraldo Vandré, que, tendo encerrado prematuramente sua carreira, saiu do seu longo recolhimento para conceder uma entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto.

            Apresentada na emissora GloboNews, no dia 25 do mês de setembro, a entrevista foi uma concessão do magnífico compositor em quase quatro décadas de reclusão e mostra a trajetória de um artista que teve sua carreira abortada pelo regime militar da época.

            Nela, Vandré não se mostra indignado nem adota o tom lamentoso que se poderia esperar de alguém que tenha sido obrigado a se exilar.

            No entanto, deixa transparecer um desconforto e uma frustração com os rumos que tomaram o País e a sociedade brasileira, além de uma frustração com a produção musical e artística contemporânea.

            Sua carreira artística, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, começou cedo. Aos 16 anos, tendo se mudado para o Rio de Janeiro com a família, Vandré - sobrenome artístico formado com a redução do nome de seu pai, José Vandregíselo -, conviveu com Luís Eça, Baden Powel, Valdemar Henrique e outros compositores de renome.

            Compositor talentoso numa geração de grandes artistas da MPB, sua popularidade atingiria o auge na época dos grandes festivais de música.

            Embora seja nacionalmente conhecido como o autor de “Pra não dizer que não falei de flores”, cujo subtítulo é “Caminhando”, e “Disparada”, Vandré é autor de uma obra vasta. Imprimiu seu talento a belíssimas outras músicas, como “Samba em Prelúdio”, “Canção Nordestina” ou “Quem quiser encontrar amor”.

            Em 1965, quando ainda não compusera seus dois maiores sucessos de público, foi o intérprete de “Sonho de um carnaval”, do então quase desconhecido Chico Buarque de Holanda. Estamos falando de 1965.

            No ano seguinte, Sr. Presidente, foi o vencedor dos festivais promovidos pela TV Excelsior, com “Porta-estandarte”, e, pela TV Record, com “Disparada”, em parceria com Théo de Barros.

            Nesse último, o público dividiria sua preferência entre “Disparada” e “A Banda”, de Chico Buarque. Embora “A Banda” tenha sido a escolhida do júri, Chico Buarque impôs que o prêmio fosse dividido.

            Em 1968, sua canção “Pra não dizer que não falei de flores” foi ovacionada por uma verdadeira multidão no Maracanãzinho. A música tornava-se o símbolo de uma nova geração que ansiava por democracia, pela ampliação das liberdades pessoais e políticas e por uma transformação que levasse a uma sociedade aberta e pluralista.

            Entretanto, o júri do III Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo, escolheria como vencedora a música “Sabiá”, de Chico Buarque e Tom Jobim. O público vaiava fortemente a decisão dos jurados. Retribuindo a elegância que tivera Chico Buarque dois anos antes, Vandré saiu em defesa dos dois compositores, dizendo que Tom Jobim e Chico eram compositores talentosos que mereciam o respeito de todos e que a vida não se resumia a festivais.

            A música de Vandré, após ser ovacionada por milhares de pessoas no Maracanãzinho, ganhou as ruas, as praças, as universidades, as escolas, os mais diversos ambientes de todo o Brasil. Tornara-se uma febre que, transformada em ícone da luta contra a ditadura militar, incomodava o regime, e, assim, sua execução foi proibida em dezembro daquele ano.

            A edição do Ato Institucional nº 5 e a perseguição aos artistas e intelectuais então instaurada levou Vandré a refugiar-se em casa de amigos e a deixar o País no ano seguinte, 1969. Desde então, nunca mais se apresentou num palco brasileiro, mas fez algumas gravações e apresentações no Chile, na França e no Peru.

            Em 1973, anistiado, retornou ao Brasil e reconquistou o emprego de servidor público federal, mas, apesar de insistentes apelos, não retomou a carreira artística. Em sua entrevista a Geneton Moraes Neto, na GloboNews, disse estar trabalhando atualmente em composição de poemas sinfônicos.

            Advogado, que desde cedo abandonou a profissão para se dedicar à carreira artística, servidor público aposentado, Geraldo Vandré vive hoje modestamente na capital paulista. Desapegado, mas também desiludido com a realidade brasileira, diz que não depende da música para sobreviver - e, quanto à remuneração pelos direitos autorais, resume a queixa comum ao meio artístico: “Pagam o que querem”.

            A fase mais produtiva e de maior popularidade de Geraldo Vandré, senhoras e senhores, foi também, como se lembram, a época das grandes contestações em todo o mundo.

            O planeta vivia um ambiente de efervescência política, social e cultural - os anos 60 -, marcados pela ainda recente Revolução Cubana e pela Revolução Cultural, na China.

            Na França, os estudantes tomaram as universidades e as ruas, logo acompanhados pelos operários, desafiando o governo.

            Na Tchecoslováquia, a Primavera de Praga, o movimento que pretendia humanizar o regime comunista, resultou na invasão do país pelas tropas da antiga União Soviética e do Pacto de Varsóvia.

            Nos Estados Unidos, envolvidos na Guerra do Vietnã, os movimentos sociais das minorias eclodiam em protesto contra o racismo e em favor da emancipação feminina.

            Na América Latina, a contestação virou uma palavra de ordem no México, na Argentina, no Uruguai, Colômbia e Venezuela.

            No Brasil, não seria diferente, e, aos protestos contra o regime arbitrário, juntavam-se os anseios de uma juventude que renegava os valores enraizados no sistema capitalista e no modelo social burguês. Foi um período de graves turbulências, mas foi também um período em que as pessoas, principalmente os jovens, buscavam novos valores, interagiam, politizavam-se, buscando transformações na organização social e no comportamento, que marcariam fortemente aquela segunda metade do século.

            Em sua volta ao Brasil, Geraldo Vandré encontra outra realidade, e, embora ele não deixe essa questão bem esclarecida em seu depoimento, essa nova conjuntura pode tê-lo levado ao desencanto.

            Na citada entrevista, ele diz que no Brasil de hoje não há mais lugar para o que fazia. “O que existe - diz - é uma cultura de massa, não é uma cultura artística brasileira”.

            Atualmente, Sr. Presidente, o compositor trabalha em alguns estudos de piano para poemas sinfônicos e diz que pretende, ainda, fazer algumas gravações para a América espanhola. Se há essa disposição, deve também haver motivos de esperança para nós, seus admiradores, que poderemos usufruir de sua verve e do seu talento.

            Em sua entrevista, Vandré se define, hoje, como um homem exilado em si mesmo: “Estou exilado até hoje, ainda não voltei”.

            Conhecedores que somos de sua dignidade, como ser humano, e do seu inquestionável talento, como artista, ele pode estar certo de que nós, paraibanos e brasileiros de todos os quadrantes, não vamos nunca exilá-lo da nossa memória, da nossa gratidão e do nosso reconhecimento.

            Para a minha geração, o enigma Vandré fará sempre parte do imaginário coletivo, na lembrança de versos incendiários, cantados como se fossem um hino nacional paralelo, a cabeça erguida da resistência à ditadura.

            Senador Suplicy, concedo-lhe um aparte, com muita honra.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Prezado Senador Roberto Cavalcanti, tantas vezes, em tempos em que éramos mais moços, nós cantamos juntos a maravilhosa canção Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores, que Geraldo Vandré compôs. Ele que, com a sua presença, a sua capacidade de, ao mesmo tempo, escrever poemas tão belos junto com canções tão harmoniosas, fazia com que as pessoas vibrassem e as suas palavras tivessem um significado extraordinário do ponto de vista das aspirações de realização de justiça, de liberdade, de maior igualdade. Bem faz V. Exª em recordar aqui o que foi a presença e o trabalho de Geraldo Vandré! Que bom que V. Exª - eu não assisti - tenha assistido a essa bela entrevista que V. Exª menciona e que foi apresentada há poucos dias na Globo News! Qual jornalista que o entrevistou? Perdão! V. Exª se recorda?

            O SR. ROBERTO CAVALCANTI (Bloco/PRB - PB) - Geneton Moraes Neto.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Geneton Moraes Neto. De maneira que quero cumprimentá-lo e também enviar o meu abraço carinhoso ao amigo Geraldo Vandré. Faz muito tempo que não o vejo. Mas, mesmo depois de ele ter se retirado, quando eu o encontrei, eu o vi como um grande amigo, que deu extraordinária colaboração. Eu queria recordar um episódio aqui. Certo dia, eram os anos 80, tempo do Presidente João Figueiredo - acho que o Ministro da Justiça era Ibrahim Abi-Ackel -, perguntaram-me se eu poderia, já que vinha ao Brasil a cantora Joan Baez, acompanhá-la em São Paulo, porque ela havia expressado a vontade de conhecer o hoje Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Eu, que havia estudado na Mexican State e na Stanford University e ido, certa vez, ao Estádio de São José, na Califórnia, assistir a um show de Joan Baez, fiquei entusiasmado com aquela possibilidade e disse: “Claro! Vou acompanhá-la”. Então, no pouco tempo em que ela ficou em São Paulo, eu, primeiro, a levei ao Largo de São Francisco, onde ela, nas arcadas, cantou músicas belas para os estudantes, assim, ao ar livre. Depois, fomos ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, de São Bernardo e Diadema, onde ela teve uma longa conversa com o Presidente do Sindicato, Luiz Inácio Lula da Silva. E, naquela noite, então, ela foi ao Tuca para cantar. Estava lotado. E eis que, ao entrar no Tuca, encontrei-me ali com um grande amigo meu que trabalhava na Polícia Federal e havia sido meu treinador de boxe, Lúcio Inácio da Cruz. E ele me disse: “Eduardo, eu tenho uma triste notícia para lhe dar, mas, infelizmente, o show não vai poder acontecer”. Eu falei: “Mas, como não? Qual é o problema?”. Para ver como eram as coisas - acho que era 1983 ou 1984. E eis então que ele me disse: “Ah, porque as músicas que a Joan Baez vai cantar não foram apresentadas previamente à censura e, por isso, não pode haver o show”. Eu falei: “Mas que coisa mais absurda!”. Então, o teatro lotado, nós entramos lá no auditório do Tuca e sentamos na plateia, aguardando um pouco as pessoas chegarem. E, lotado o teatro, eis que então a Joan Baez, que sabia, começou, sem estar com microfone ou no palco, ela própria a cantar:

Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Somos todos iguais

Braços dados ou não

Nas escolas, nas ruas,

Campos, construções

Caminhando e cantando

E seguindo a canção...

Vem, vamos embora...

E por aí, Senador Roberto Cavalcanti, eu passo para V. Exª continuar essa bonita canção, com a qual pode encerrar o seu tão belo pronunciamento de homenagem ao Geraldo Vandré

            O SR. ROBERTO CAVALCANTI (Bloco/PRB - PB) - Senador Suplicy, eu estou duplamente honrado de estar nesta tribuna do Senado hoje, falando sobre esse tema. Em primeiro lugar, em função de estar falando de um paraibano. A Paraíba, Estado que represento, teve uma trajetória fantástica! Eu tive o privilégio de conhecê-lo pessoalmente, conviver em momentos de sua trajetória de vida, fazer refeições ao seu lado, conversar a respeito do seu talento e da criação de suas músicas.

            Eu disse duplamente honrado, porque ser aparteado por V. Exª, num tema como esse, é, na verdade, extremamente honroso para mim. V. Exª é um parlamentar que tem o reconhecimento nacional. V. Exª tendo nascido em São Paulo, um Estado riquíssimo, V. Exª tendo nascido num berço cujo sobrenome é Matarazzo, família que, na verdade, é um orgulho das gerações que pensam empresarialmente no Brasil, V. Exª sempre conseguiu, sempre soube se posicionar e sempre optou pelas causas populares. V. Exª é um exemplo para todos nós, um cidadão que tem origem em um Estado rico, diferentemente de nós, nordestinos, mais sofridos; diferentemente de alguns brasileiros que, na verdade, não tiveram as oportunidades familiares que V. Exª teve, mas que não tiveram a sensatez, a lucidez, a extrema competência que V. Exª teve de abraçar as causas populares. Por isso, V. Exª reconhece o trabalho de Geraldo Vandré, por essa razão V. Exª entoou o início do canto, quase um hino nacional da época, peça produzida pelo paraibano Geraldo Vandré.

            Eu me senti extremamente honrado com esse aparte de V. Exª e digo que externei esse meu pensamento porque não é só meu; é um pensamento de todo cidadão de bem brasileiro, no tocante à opinião sobre V. Exª.

            Por fim, Senadora Presidente - agora estamos com uma Presidente, terceiro Presidente que saúdo neste meu pronunciamento -, vou encerrar, porque, se foram três Senadores, significa que eu já tomei bastante tempo.

            Mas, na verdade, é a nossa referência a um cidadão que hoje está, digamos, não no ostracismo, mas recolhido na sua intimidade, para que nós, brasileiros, possamos nos lembrar dele, que já nos causou tanta alegria e tantos momentos de exuberância democrática numa época em que o Brasil precisava disso.

            Muito obrigado, Srª Presidente.

            Encerro o meu pronunciamento.


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