Discurso durante a 185ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Saudação a três jovens de Vila Velha, inclusive uma filha de S.Exa., presentes na tribuna de honra do Senado Federal, referindo-se ao trabalho que desenvolvem na recuperação de drogados. Registro do envio ao Presidente do Senado Federal de ofício pedindo providências sobre ameaças de morte, que teriam como origem grupos nazistas, contra o Senador Paulo Paim. Defesa da proposta de emenda à Constituição, da qual S.Exa. é o primeiro signatário, que dá aos analfabetos o direito de se candidatarem a cargos públicos.

Autor
Magno Malta (PR - Partido Liberal/ES)
Nome completo: Magno Pereira Malta
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. DISCRIMINAÇÃO RACIAL. LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • Saudação a três jovens de Vila Velha, inclusive uma filha de S.Exa., presentes na tribuna de honra do Senado Federal, referindo-se ao trabalho que desenvolvem na recuperação de drogados. Registro do envio ao Presidente do Senado Federal de ofício pedindo providências sobre ameaças de morte, que teriam como origem grupos nazistas, contra o Senador Paulo Paim. Defesa da proposta de emenda à Constituição, da qual S.Exa. é o primeiro signatário, que dá aos analfabetos o direito de se candidatarem a cargos públicos.
Aparteantes
Jayme Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 19/11/2010 - Página 51111
Assunto
Outros > SENADO. DISCRIMINAÇÃO RACIAL. LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, SENADO, PROFESSOR, EDUCAÇÃO FISICA, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES), FILHA, ORADOR, ELOGIO, TRABALHO, ESPORTE, PREVENÇÃO, RECUPERAÇÃO, VICIADO EM DROGAS, DEPOIMENTO, COMPROMISSO, VIDA HUMANA.
  • SOLICITAÇÃO, PROVIDENCIA, SENADO, SEGURANÇA, PAULO PAIM, SENADOR, VITIMA, AMEAÇA, MORTE, GRUPO, NAZISMO.
  • COBRANÇA, DOMINIO, INTERNET, CUMPRIMENTO, TERMO DE AJUSTE, CONDUTA, ASSINATURA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EXPLORAÇÃO SEXUAL, MENOR, NECESSIDADE, PROVIDENCIA, REPUDIO, GRUPO, NAZISMO, INCITAMENTO, CRIME, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, CIDADANIA, AGRADECIMENTO, ASSINATURA, SENADOR, APOIO, DIREITOS, CANDIDATURA, ANALFABETO, ELEIÇÕES, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, BENEFICIO, DEMOCRACIA, LEITURA, TRECHO, ARTIGO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, OPINIÃO, JURISTA, REITERAÇÃO, DEFESA, PRIORIDADE, EDUCAÇÃO, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • COMENTARIO, ELEIÇÃO, ARTISTA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEPUTADO FEDERAL, DEFESA, POSSE, MANDATO PARLAMENTAR, OPORTUNIDADE, DEBATE, DISCRIMINAÇÃO, CULTURA, POVO, BRASIL, QUESTIONAMENTO, CRITERIOS, MINISTERIO DA CULTURA (MINC), APROVAÇÃO, PROJETO.
  • COMENTARIO, INFERIORIDADE, ESCOLARIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUSENCIA, OBSTACULO, RESULTADO, GOVERNO, PROMOÇÃO, INCLUSÃO SOCIAL, DIFERENÇA, MAIORIA, CLASSE POLITICA, NEGLIGENCIA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, NECESSIDADE, VALORIZAÇÃO, IDONEIDADE, CANDIDATO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MAGNO MALTA (Bloco/PR - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Jayme Campos, que preside esta sessão, telespectadores da TV Senado e ouvintes da Rádio Senado, dos meios de comunicação desta Casa, antes de começar minha fala, gostaria de saudar três jovens do meu Estado: o Renatinho, que é professor de Educação Física e personal trainer, amigo nosso, um grande empreendedor que acredita no esporte como instrumento de prevenção ao uso de drogas e de fortalecimento da vida; a Isabela, sua companheira de trabalho - esses dois jovens têm feito grandes e importantes programações na área esportiva em meu Estado, especificamente na nossa cidade de Vila Velha, onde vivemos -; e a minha filha mais velha, a Magda - fico muito feliz por tê-la aqui, sentada em frente a mim.

            A vida passa muito rapidamente, ela é fugaz. Hoje, minha filha é jovem, mas, um dia desses, era só uma criança. Ela cresceu na base do sacrifício. Digo que foi um sacrifício, Sr. Presidente, porque, quando minhas filhas nasceram, já havia drogados na minha casa. Quando minhas filhas nasceram, eu e a mãe delas já tínhamos colocado dentro de casa pessoas drogadas, advindas de cadeias e das ruas, pessoas que haviam abandonado suas famílias e sua própria vida e se entregado às drogas. Há quase trinta anos, temos nos colocado à disposição dessas pessoas, o que, do ponto de vista humano, Senador Marco Maciel, representou um sacrifício para minhas filhas.

            Por isso, fico muito orgulhoso de ver a minha filha ali, a Magda, minha filha mais velha, que tem meu nome. E me orgulho muito da vida que elas levam, do compromisso que têm com a vida humana, do compromisso que têm com Deus, do compromisso que têm com a família, do compromisso que têm com o interesse público e com a vida das pessoas. Agradeço a Deus a oportunidade de poder, nesta tarde, como pai, estar nesta tribuna, até por que posso dormir em paz, sem dor, sem lágrimas, sem angústia, porque as minhas filhas dormem em casa, as minhas filhas não conheceram o submundo das drogas, nem as madrugadas. Muito pelo contrário; cresceram e sobreviveram num ambiente onde eu e a mãe nos dedicamos plenamente à vida dos filhos dos outros, desafortunados, no submundo das drogas e do crime, e aprenderam a amar essas pessoas e dar parte da sua vida, o sacrifício da adolescência, da infância, para que nós pudéssemos produzir vida naqueles que precisavam de vida.

            Por isso, minha filha, fico muito orgulhoso de estar na tribuna deste Senado e de tê-la aqui.

            Lembro-me, Sr. Presidente, em 1992, muito próximo de nós: V. Exª, um imortal da Academia Brasileira de Letras; e eu, um imortal também porque não tinha onde cair morto. Depois, deixei de ser imortal, porque me elegi vereador, e a vida foi mudando para mim. Agradeço a Deus por poder fazer essa referência e de ter a minha família, as minhas filhas - a Karla, que não está aqui; a minha Jaisliny, minha menor - e a mãe, Kátia, que se submeteram, durante esse tempo todo, comigo a uma missão que Deus deu a mim e à minha família para cumprirmos com vidas de pessoas neste País. De maneira que fico muito feliz.

            Sr. Presidente, venho a esta tribuna movido por um sentimento de justiça e penso que, se não tivesse esse sentimento de justiça, se não tivesse no meu peito a luta, a disposição para gritar e, quando necessário, me fazer ouvir com o grito de justos, certamente nesta hora eu não estaria aqui.

            Amanhã, teremos uma sessão, e eu estarei aqui. Será uma sessão contra a discriminação racial e contra todo tipo de discriminação.

            Acabei de falar com o Presidente José Sarney e mandei a ele um ofício para que tome providências com a Polícia do Senado e junto à Polícia Federal por conta dessa ameaça de morte ao Senador Paim - é um dever desta Casa -, por um grupo nazista denunciado há três anos. Esse grupo usa um site da Google. E estou convocando novamente o Google, porque essa empresa assinou um termo de ajuste de conduta com a CPI da Pedofilia. E esse termo de ajuste de conduta fala de todo tipo de discriminação e de atentado contra a honra, a moral e a emoção de crianças.

            Desde 2007, tenho um procedimento - que vou mostrar amanhã -, um protocolo com o Ministério Público de São Paulo, e nenhuma providência foi tomada no sentido de fazer o enfrentamento e a investigação desse grupo maléfico. Ainda hoje esse site está no ar. É um site do Google. E, hoje à tarde, eles estavam on line, trocando informações para as ações que farão amanhã no Twitter, no site de relacionamento, disseminando mensagens, vídeos, fotos contra negros, nordestinos, evangélicos, afrodescendentes e pobres neste País.

            Sr. Presidente, um dia disseram que estávamos vivendo o Século das Luzes. Veio o advento da Internet, e tudo se globalizou. Com a globalização, em determinado momento, parecia que nós veríamos serem sepultados, definitivamente, a discriminação, o racismo, a intolerância no Brasil. Mas parece que houve um engano da nossa parte. Era como se eles estivessem dormindo, e os monstros se levantaram.

            Hoje protocolei nesta Casa a chamada PEC da Cidadania. Essa PEC da Cidadania tive o privilégio de que fosse assinada por V. Exª, grande Governador de Pernambuco, um homem ligado à educação, respeitado no País, um imortal da Academia Brasileira de Letras, Vice-Presidente da República por oito anos, Senador da República, um dos homens mais probos e preparados da Nação brasileira, Senador Marco Maciel. Tive a oportunidade e o privilégio de ter a sua assinatura nessa PEC da Cidadania.

            Senador Marco Maciel, não leio nada na tribuna porque até me atrapalha, mas quero ler essa PEC da Cidadania para que a sociedade entenda os fundamentos dela, como ela foi fundamentada.

            O art. 5º da Constituição brasileira diz o que é dever do Estado e direito do cidadão: transporte, saúde, segurança e educação. Se nós ainda temos 10% de analfabetos no Brasil é porque o Estado falhou. Esses 10% de irmãos nossos, a eles foi negado o acesso ao conhecimento. Há uma dívida da Nação para com eles. Mas ainda temos, neste País, meios-cidadãos. Meios-cidadãos! Ainda temos neste País cidadãos que são obrigados a recolher impostos e cumprir, à risca, a lei que os chamados alfabetizados fizeram, impondo-lhes, não respeitando a condição deles em função daquilo que lhes foi negado.

            O voto no Brasil não é facultativo. Analfabetos no Brasil, a Constituição de 1988 deixou-os livres para não votar - podem votar ou não votar -, mas não podem ser votados, como se fossem a escória, o resto. E, para quem olha o texto da Constituição invertido, é como se a Constituição estivesse dizendo assim: “Olha, vocês que fazem parte desses 10%, um monte de cabeças ocas, despreparados, analfabetos, burros, sem letra, vocês têm que nos obedecer - nós mandamos; vocês fazem - e, no processo eleitoral, vocês não têm direito a nada. Vocês só têm que obedecer. Vocês não poderão ser votados. Vocês não têm capacidade para serem representantes de nada”.

            Fazendo essa introdução, eu passo a ler texto sobre a PEC da Cidadania:

Art. 1º Revoga, em parte, o § 4º do art. 14 da Constituição Federal.

Art. 2º O § 4º do art. 14 passa a ter a seguinte redação: “São inelegíveis os inalistáveis”.

            Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil ainda ostenta um infeliz saldo de 14 milhões de analfabetos, como é chamada a população que não sabe ler nem escrever, que compreende 9,7% da população de 15 anos ou mais em 2009.

            E os analfabetos funcionais, como são chamados aqueles que têm menos de quatro anos de estudo, possuem uma taxa duas vezes superior (20,3%).

            Pois bem, a Constituição Federal afiança, em seu art. 5º, que trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se, entre outros, o direito à igualdade, enquanto o art. 6º assegura, entre outros direitos sociais, o direito à educação - que é a área de V. Exª.

            Não obstante o direito à educação, assegurado a todos, a realidade da pesquisa divulgada demonstra, por inúmeras razões, que muitos não têm, de fato, acesso à educação, mazela que atinge uma gama significativa de pessoas que, por viverem ou terem vivido em locais de difícil acesso, por exemplo, ou por terem padecido diversas penúrias, como desnutrição, subnutrição, trabalho infantil e outros, não conseguiram ser alfabetizadas por incompetência estatal, que, por meio de preceito constitucional, deveria ampará-los, conforme fizera a Constituição de 1967, após emenda de 1985, como a se aproveitar da própria torpeza, os impede, peremptoriamente, de serem candidatos a cargos eletivos.

2 - DO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL VIGENTE

A Constituição Federal de 1988 estabelece, no Capítulo IV, que trata dos direitos políticos, nos §§ 3º e 4º do art. 14, que:

§ 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I - a nacionalidade brasileira;

II - o pleno exercício dos direitos políticos;

III - o alistamento eleitoral;

IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;

V - a filiação partidária;

VI - a idade mínima de:

a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;

d) dezoito anos para Vereador.

§ 4º São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.

            Não há como negar que, da simples leitura do referido artigo, constata-se que os analfabetos estão sendo vítimas de discriminação inaceitável.

            Imagina-se, com facilidade, todas as dificuldades enfrentadas pelos ditos “analfabetos”, cidadãos que experimentam característico constrangimento e grande problema para reivindicar seus legítimos direitos e interesses, já que a própria palavra usada indevidamente para defini-los soa como pejorativa, denotando a idéia de “fracasso” pessoal, estigmatizando a pessoa como se tal característica se resumisse como ser humano.

           A corroborar com tal conceito de “inutilidade”, vemos a Carta Magna do País impedir grande número de cidadãos, irmãos nossos, resumidos a meros “analfabetos”, de se candidatarem a qualquer espécie de cargo eletivo, retirando-lhes a faculdade de, como sujeito de direitos que são, tornarem-se elegíveis.

            3 - DA INDEFINIÇÃO E SUBJETIVISMO DO TERMO: “ANALFABETO”

            Muito pior do que o próprio preceito constitucional injusto que se pretende corrigir com essa emenda é que operadores jurídicos, doutrinadores e juristas, que não se entendem no ato de definir o conceito de “analfabeto”, que não está previsto em qualquer legislação, acaba decidindo quando da admissão dos registros dos candidatos, segundo peculiares e subjetivas interpretações, entendendo, em grande parte, que o exercício soberano de ser candidato deve ser relegado somente aos letrados, o que não coaduna com o ideal da democracia que este Parlamento tem a função precípua de defender.

            Mas, afinal, o que é, Sr. Presidente, “analfabeto”?

            Adriano Soares da Costa esclarece (a ausência de esclarecimento): “Não existe um conceito unívoco de analfabetismo, de modo a seguramente ser aplicado no Direito Eleitoral”.

            Não existe, portanto, na doutrina prática ou na legislação vigente, um conceito pronto, seguro, unívoco do que seja analfabetismo, o que deixa o cidadão aclamado em convenção partidária sob o jugo discricionário de julgadores e representantes do Ministério Público, que muitas vezes pensam de maneira diversa e até oposta, o que pode constituir um verdadeiro atentado ao soberano direito de tais cidadãos se candidatarem.

            O SR. PRESIDENTE (Marco Maciel. DEM - PE) - Senador Magno Malta, eu gostaria de interrompê-lo por alguns segundos para registrar a presença, na galeria, dos vencedores do concurso de redação do Senado Federal.

            O SR. MAGNO MALTA (Bloco/PR - ES) - Parabéns! Sejam bem-vindos.

            Neste momento, faço um pronunciamento na defesa dos 10% discriminados nesta Nação brasileira que tiveram o seu direito ao conhecimento negado, porque a Constituição diz que é direito do cidadão receber do Estado segurança, saúde, educação, e os analfabetos, como são chamados, tiveram o seu acesso negado a quem lhes deveria dar. É direito e é dever do Estado, e o Estado não cumpriu o seu dever.

            Portanto, não há como se negar tal direito aos analfabetos, pois a verdadeira sabedoria brota da essência dos homens, e essa teoria de que o não alfabetizado deve ser excluído do direito de ser votado é discriminatória e repulsiva, pois o conhecimento técnico formal exigido, a ética e a moral não caminham sempre lado a lado, existindo candidatos despreparados, corrompíveis e corruptíveis em todas as camadas sociais, independentemente do nível de cultura, já que cultura não é, necessariamente, sinônimo de sabedoria.

           É inegável que existem muitos diplomados ignorantes, assim como existem muitos analfabetos sábios. A sabedoria não se consegue apenas com estudo, razão pela qual são muitos os teoricamente sem cultura que possuem elevado grau de sabedoria, posto que erudição não constitui, por si só, sabedoria. É só olhar o Presidente da República do Brasil.

            Em tal sentido, vejamos o que diz o representante do Ministério Público Luiz Ismaelino Valente:

Nem a Constituição nem as leis definem o analfabeto... Analfabetismo não é sinônimo de ignorância. Há muito apedeuta com diploma de nível superior. Se é para fazer testes, que se faça um que afira a honestidade do candidato. É melhor um analfabeto honesto do que um letrado corrupto.

            Um homem não pode ser medido pelo seu grau de escolaridade para disputar uma eleição e representar o seu povo. Um homem tem que ser medido pelo seu caráter. É melhor um Deputado analfabeto no Parlamento que um letrado corrupto no Parlamento.

4 - DA INJUSTA CONDIÇÃO DE VOTAR SEM PODER SER VOTADO

O art. 529 da CLT dispõe sobre as condições para o trabalhador votar e ser votado:

a) estar associado por mais de seis meses na entidade sindical e ter mais de dois anos de exercício da atividade ou da profissão;

b) ser maior de 18 anos;

c) estar no gozo dos direitos sindicais.

            Não se faz qualquer distinção entre candidatos e eleitores analfabetos ou alfabetizados, como deve ser.

            Embora seja negado inexplicável e injustificadamente ao analfabeto o soberano exercício da elegibilidade, diversas legislações, como a acima mencionada, permitem que executem importantíssimas tarefas, como a de adquirir e alienar móveis e imóveis, casar-se, divorciar-se, contrair empréstimo, pagar tributos, defender a Pátria através da prestação de serviço militar obrigatório, dentre outros.

            Também a mesma Constituição Federal que o discrimina permite que o inelegível analfabeto eleja, senão vejamos :

A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I - plebiscito

II - referendo;

III - iniciativa popular.

§ 1º O alistamento eleitoral e o voto são:

I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;

II - facultativos para:

a)     os analfabetos;

b)     os maiores de setenta anos;

c)      os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

            Sobre o assunto, volto a mencionar os louváveis comentários do Procurador de Justiça Luiz Ismaelino Valente: “Os direitos políticos exteriorizam-se de duas formas: o direito de votar e o direito de ser votado. A cidadania pressupõe igualdade.”

            Julien Freund, em A Essência da Política, proclamou uma verdade absoluta: “Ninguém” - ninguém! - “pode ser mais cidadão do que o outro.” O legislador brasileiro não leu o mestre francês.

            A Constituição de 1988 negou ao analfabeto o direito de ser votado, mas lhe conferiu o direito de votar. Isso não representa um avanço, não, Sr. Presidente, pois a Emenda à Constituição nº 25, de 16 de maio de 1985, já assegurava ao analfabeto, na Carta de 1967, o direito de votar.

            “A lei brasileira só deu ao analfabeto metade dos seus direitos políticos” - disse, com ironia, José Cretella Júnior. Quer dizer: entre nós, o analfabeto é só metade cidadão. Estamos mais atrasados do que a Polônia e a Bulgária, que consideram elegíveis os analfabetos, que, lá, como cá, constituem boa parcela da população e merecem ser representados, como os demais segmentos da sociedade.

            Que prevaleça a plenitude dos direitos políticos positivos, de votar e ser votado. A concentração desses direitos no indivíduo é o que faz o cidadão, Sr. Presidente.

            “A interpretação das normas relativas aos direitos políticos”, Senador Paim, “deve considerar a amplitude do direito de votar e de ser votado”.

            Atualmente, toda a população, alfabetizada ou não, tem acesso à informação, por meio de diversos tipos de veículos de comunicação e, assim, pode adquirir pleno conhecimento sobre o País e o mundo.

            Aliás, os analfabetos são os únicos alistáveis que são inelegíveis - isso é um absurdo, Senador Paim! -, servindo muito bem para trabalharem e gerarem riqueza para o País, bem como para serem responsáveis por seus atos na vida civil e penal, e pela escolha de seus representantes políticos, sendo que a ausência desse direito lhes retira a condição de cidadania elementar.

            Ressalto, ainda, que o fato de o exercício do voto por parte deles ser facultativo não elimina a discriminação inexplicável, posto que facultativo também é o exercício do voto aos maiores de 70 anos, e nem por isso tais cidadãos são impedidos de se candidatar. O voto é facultativo para os maiores de 70 anos, mas não é lhes tirado o direito de votar, desde que eles não sejam analfabetos. Ora, nós estamos diante de um debate que não precisávamos mais fazer, Senador Paim: o da compatibilidade do analfabetismo com a elegibilidade.

            Qual é a razão que impede os analfabetos de serem votados? Eles não entenderiam as leis - olha só! - e documentos da sua rotina de trabalho? Poderiam ser facilmente enganados por terceiros de má-fé? É isso que os impede de serem votados?

            Ora, então, nessa linha de raciocínio, todos os políticos alfabetizados entendem as leis, elaboram-nas, cumprem-nas com perfeição e não são enganados por terceiros? Claro que não! Muitos passaram por aqui e nunca conseguiram aprovar uma lei. Muitos passaram pela Casa e nunca frequentaram uma Comissão na Câmara dos Deputados, e muito elaboraram leis e, depois, saíram algemados como corruptos, mesmo sendo alfabetizados.

            A história política do Brasil mostra que um número significativo de agentes políticos, todos alfabetizados, cometem equívocos próprios dos seres humanos, muitas vezes de boa-fé, outras vezes imbuídos por interesses pessoais ou escusos, pois honestidade, dignidade e decoro não são privilégios dos abastados, cultos ou alfabetizados, constituindo o impedimento de elegibilidade do analfabeto instrumento de discriminação execrável, incompatível com os preceitos democráticos de um País como o nosso.

         Interessante ressaltar, Sr. Presidente, que tal impedimento não é técnico, mas preconceituoso, Senador Paim.

         O impedimento não é técnico, Senador Jayme Campos, é um impedimento preconceituoso e estigmatizador, tanto que a Constituição Federal permite a elegibilidade de pessoas com deficiência visual, por exemplo, que, em tese, padeceriam das mesmas dificuldades dos definidos como “analfabetos”, mas, felizmente, não sofrem tal discriminação.

         Dizem que eles não podem ser votados porque podem ser enganados por pessoas de má-fé, que eles não podem decidir entre o bem e o mal porque não tiveram acesso à escolaridade. Isso é o fim do mundo. Isso é o fim do mundo! Aliás, pessoas com deficiência visual já comprovaram competência admirável para desempenhar altos cargos políticos, como, por exemplo, David Paterson, o primeiro governador cego dos Estados Unidos, que assumiu oficialmente o mandato em Nova Iorque, e o Presidente Joaquim Balaguer, da República Dominicana.

            Tal como os deficientes visuais, os rotulados de “analfabetos” podem encontrar pessoas confiáveis, que lerão para eles papéis relevantes e escreverão o que eles ditarem, pois podem ser cultos e muito sábios, já que a sabedoria não está vinculada aos conhecimentos técnicos específicos repassado nos bancos das escolas, pois o analfabetismo não os torna incapazes ou menos inteligentes.

            Senador Paim, o Juiz Federal Ivan Lira de Carvalho discorreu sobre o tema de forma muito apropriada.

            V. Exª olha para mim atentamente, porque sei que V. Exª concorda com cada palavra do meu pronunciamento.

            Ouça bem, minha filha, o que disse ele.

            Senador Paim, a maior sabedoria que eu já vi, na minha vida, foi a de uma analfabeta profissional, que era minha mãe. Ela tinha caráter, dignidade, capacidade e criou os filhos com capacidade, com dignidade, ensinando a retidão de procedimento e de comportamento.

            Isso aqui, minha filha, foi o que sua avó me ensinou.

            O Juiz Ivan Lira de Carvalho discorreu sobre o tema de forma apropriada...

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Senador Magno Malta, vou pedir água para a assessoria, pois eu senti que a emoção o pegou e a voz, eu sei, fica embargada.

            Eu entendo o momento de V. Exª, ao lembrar de sua mãe, que foi analfabeta. Meu pai e a minha mãe também eram analfabetos. Entendo, também, o que V. Exª fala, porque eu tenho, no meu gabinete, no Sul e aqui, dois meninos cegos que são excelentes. Dão show em muita gente.

            Eu quero só cumprimentar V. Exª, enquanto V. Exª respira. Não é um aparte, mas apenas um cumprimento. Tenha certeza de que nós temos o mesmo ponto de vista, porque o que V. Exª está demonstrando é o preconceito contra aquele que não teve oportunidade de aprender a ler e a escrever.

            O SR. MAGNO MALTA (Bloco/PR - ES) - Senador Paim:

Num país onde faltam escolas e onde as crianças são destas arrancadas para lavourar ou trabalhar em carvoarias, é bem comum a escravidão do analfabetismo. E quando alguém alcança a luz das letras incipientes, deveria ser louvado e elogiado, e não ser perseguido para que não exerça uma porção da sua cidadania, que é justamente a exposição ao julgamento popular, via voto.

Penso que melhor seria, ao invés de ser procurada a execração de quem não é “doutor em letras”, fosse dada contribuição ao soerguimento de trabalhos educacionais (...) 

lembro, para mim e para os que divergem do meu pensamento, que Jean Jacques Rousseau, aquele mesmo que brindou a humanidade com “Do Contrato Social”, foi analfabeto até os trinta anos de idade e somente aos trinta e cinco começou a escrever, conforme atesta Graça Aranha em “A Estética da Vida”, na página 194.

            Conclusão, Sr. Presidente.

            É claro que este projeto não pretende soar como um retrocesso ou uma apologia à falta de conhecimento técnico ou educacional, pois sabemos da importância da educação para o desenvolvimento da Nação e dos cidadãos em geral, e devemos lutar de todas as maneiras para a erradicação do analfabetismo no Brasil, sem alijar, excluir ou ignorar o grande número de analfabetos ainda existentes no País, que possuem, sim, o direito de se lançarem candidatos e disputarem cargos eletivos em condições de igualdade com candidatos alfabetizados, posto que esta característica, por si só, não os fazem incapazes, inferiores, melhores ou piores que os demais, para o efetivo exercício da vida pública.

            A nossa batalha, Senador Paim, deve ser contra o analfabetismo no Brasil, não contra os analfabetos.

            Constata-se, ainda, que o vocábulo “analfabeto”, com que querem estigmatizar concidadãos e impedi-los de ser eleitos deve ser excluído do conceito de inelegibilidade (§4º, art. 14, da Constituição Federal), além de preconceituoso é impreciso, indefinido, sujeito à discricionária e subjetiva interpretação de julgadores, muitas vezes pouco democráticos ou flexíveis.

            José Aleixo, Doutor em Ciências Políticas e membro da Academia Mineira de Letras, no artigo intitulado “A Inelegibilidade de Analfabetos - Uma nódoa na Constituição”, ao referir-se aos ditos “analfabetos’, afirma que tais pessoas, ante o preceito constitucional ora atacado:

...dolorosamente estão cerceadas na sua cidadania e sujeitas a ouvir, confundidas e humilhadas, a pungente sentença: “Como vocês são analfabetos, são também, constitucionalmente, inelegíveis!” Elas sofrem dupla e perversa punição. Por injunções e incúrias, alheias, não tiveram condições de aprender a ler e a escrever e, em consequência disso, são privadas do elementar direito de ser sufragadas. Estes cidadãos, com as duras lições da escola de vida, podem valorizar muito mais que os outros, bafejados pela fortuna, a importância dos educandários e saberão lutar para que todos tenham acesso a eles.

            A Constituição de 1988 negou, Senador Paulo Paim, ao analfabeto, o direito de ser votado, mas conferiu-lhe o direito de votar. Isso não representa um avanço, posto que, ainda em 1985, a Emenda Constitucional nº 25, do dia 16 de maio, já assegurava ao analfabeto, na Constituição Federal de 1967, o direito de votar, o que, por erro inescusável, não foi recepcionado pela Carta Magna de 1988, ironicamente conhecida como Constituição-cidadã, mas que concedeu aos analfabetos apenas 50% da cidadania a que fazem jus, vez que reconheceu apenas a metade de seus direitos políticos.

            Para expungir, retirar esta nódoa de nossa Constituição, basta suprimir do §4º do art. 14, o termo “analfabetos”. Assim, livrar-se-ão eles de serem esbulhados pelas ruas, debulhados, ralados, humilhados de prerrogativas comuns à cidadania, podendo pôr fim postular cargos políticos como qualquer outro candidato, submetendo seu nome à vontade soberana dos eleitores.

            Por anacrônico, injustificável e injusto, peço o apoio dos senhores, desta Casa, para essa emenda constitucional.

            Senador Paim, aquela Casa, à qual pertencemos, a Câmara Federal, é a representação do povo. Lá tem representação de bicheiro, representação de escola de samba, representação de plano de saúde, de latifundiários, de banqueiros, representação de sindicatos, de evangélicos, enfim, representantes de todas as cores e matizes e manifestações sociais.

            Em um País que ainda tem 10% de analfabetos, quando a Constituição afirma, e de forma contraditória, porque é dever do Estado e direito do cidadão a segurança, a saúde e a educação, esses 10% tiveram seu direito negado. Ora, uma vez tendo seu direito negado, não tiraram deles também a responsabilidade de pagar impostos, de trabalhar, de criar família, de votar, de cumprir papel com a sociedade e, acima de tudo, de eleger pessoas, porque o voto não é facultativo, e a Constituição de 1988 facultou o voto ao analfabeto como facultou aos maiores de 70 anos. Mas os maiores de 70 anos, em não sendo analfabetos, poderão ser votados. Há uma série de contradições. Este Texto Constitucional, olhado de forma invertida, diz exatamente o seguinte: “Bando de despreparados, cabeças ocas, burros, analfabetos, vocês, que nada sabem, têm que viver para cumprir ordens nossas. Nós mandamos, e vocês fazem. Vocês são massa de manobra. Nós vamos manobrá-los sempre”.

         Ora, isso acontece em um País que negou o direito a 10% e ainda está muito longe de erradicar o analfabetismo. Se aquela Casa é a representação do povo, é mais do que justo que os chamados analfabetos tenham representatividade e assento naquela Casa, porque um homem não deve ser medido pelo seu grau de escolaridade. Um homem tem que ser medido pelo seu caráter. Até porque o problema da Câmara dos Deputados, o problema do Senado Federal, o problema da política brasileira, Senador Paim, não são os analfabetos, são os sabidos demais.

         Ao tratarmos a escolaridade do Vice-Presidente da República, um dos empresários mais bem-sucedidos deste País, que, quando fala de economia, parece que é professor de economia em Harvard, nos Estados Unidos, mas que tem apenas o terceiro ano primário, veremos que é um gerador de honra neste País, porque gera milhões de empregos, como tantos outros que não tiveram acesso à universidade, que não tiveram, pelo menos, ao segundo grau. Se olharmos o Brasil de hoje na ótica da escolaridade do Presidente da República, Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem apenas o 4º ano primário, veremos, Sr. Presidente, que escolaridade não é sinônimo de competência, não é sinônimo de visão e não é sinônimo de sensibilidade.

         Foi exatamente nesses oito anos que o Presidente Lula construiu vinte novas universidades e extensões. Foram nesses oito anos que o Presidente Lula, que tem o 3º ano primário, construiu 214 escolas técnicas, o Presidente Lula fez o ProUni, o Presidente Lula fez a maior inclusão social do ponto de vista da educação na história do Brasil.

            Ora, a melhor página da história do Brasil foi escrita por um semianalfabeto chamado Luiz Inácio Lula da Silva. Como é que ainda podemos discriminar analfabeto neste País?

            Ontem, desentendi-me com um Deputado - não vou citar nome -. Fui pegar assinaturas de Senadores, e desavisado, sem saber de nada, disse: “Eu não concordo”. Eu disse: “Primeiro, não estou lhe perguntando”. Ele disse: “Precisamos é melhorar a Câmara”. Eu falei: “Perfeitamente. Elegendo gente com vergonha na cara”. “Ah, porque um analfabeto não vai saber ler um projeto, um analfabeto não vai saber elaborar um projeto”. ‘Ora, quem elabora projetos senão a assessoria? Quem vive lendo projeto a não ser uma meia dúzia de dedicados? A maioria absoluta não lê nada. Os projetos são elaborados por assessorias técnicas, por assessoria de gabinete. E a Casa está muito bem servida, tanto a Câmara Federal como bem o Senado da República” Para construir essa peça aqui, que era tão somente o sentimento da minha alma, fui buscar a assessoria do Ministério Público, fui buscar a assessoria do Conamp, fui buscar a assessoria de juristas, do corpo técnico desta Casa, para que eu pudesse colocar no papel o sentimento da minha alma, porque não podemos mais conviver com discriminação neste País.

            Agora não me venha com uma história como essa de um sujeito que pensa que passou pela faculdade e por isso é melhor do que o outro. Até porque nos escândalos deste País não estão envolvidos os analfabetos; muito pelo contrário, estão envolvidos os letrados. E as pessoas que têm ido para a cadeia neste País normalmente pousam de doutores, com anel no dedo, porque passaram pela faculdade. São lobistas interessados no seu bem comum e esquecem o País, os pobres, os menos favorecidos. Eles, sim, envergonham a Nação, e não os analfabetos deste País.

            Por isso, Senador Paim, espero que nos livremos dessa nódoa. Espero que esta Casa faça justiça, Senador Paim. O advento Tiririca trouxe à luz o debate. E, desavisadamente, aquele Deputado dizia assim: “Olha como o Brasil vive, hoje, elegendo Tiririca para ser Deputado Federal”. Como o Brasil vive hoje? E perguntei a ele: O senhor acha que é melhor do que o Tiririca em quê? “Um palhaço?” Eu disse: Não, senhor, ele é profissional do riso, ele é um artista, e eu nem posso chamar o senhor de palhaço porque eu estaria ofendendo os palhaços, que é uma classe séria deste País. Nem de palhaço posso chamá-lo, não sei qual é o termo que posso usar, olhando nos olhos de um discriminador, de alguém que não respeita aqueles que tiveram seu direito negado neste País.

            Realmente, a sociedade brasileira precisa aprender a votar; votar em quem tem compromisso com a sociedade, quem tem compromisso com a vida. Agora, imagine alguém que não teve acesso ao livro, que organiza a sua sociedade, organiza o seu bairro, faz uma associação de moradores, faz uma cooperativa de catadores de lata, de catadores de papelão, que reivindica do Prefeito o calçamento da rua, que queima pneu na rua, chama atenção das autoridades, que lidera o grupo do seu bairro para a melhoria de condição de vida. Veja se um indivíduo desse, com essa capacidade, por não ter passado pela escola, não está preparado para representar a população do seu bairro. Claro que ele está! Claro que ele está! Mas, enquanto se nega o direito a eles, os sabidos vão lá com dinheiro, com mentira, comprando consciência, desmoralizando; são detentores do poder a seu bel-prazer.

            Volto a repetir, Senador Raupp, o problema do Brasil não são os analfabetos, são os sabidos demais. Portanto, Senador Paim, Tiririca, a esse a vida negou tudo. Com ele, também os profissionais do circo, artistas mesmo, que levam o riso aos distritos deste País aonde o Cirque Du Soleil não vai. O Cirque Du Soleil e tantos outros vão à capital, o teatro vai à capital, porque os teatros do Sesi só há nas capitais, nas grandes cidades. O Ministério da Cultura só apoia e só aprova, os conselhos só aprovam, projetos de artistas famosíssimos, para que saiam arrecadando em Petrobras e Nestlé para fazerem shows para 500 pessoas, porque se forem tocar na rua não juntam mil.

            Aqui é tão engraçado que Bruno e Marrone, Zezé de Camargo e Luciano, Amado Batista não fazem parte da MPB. O que é MPB? Música popular brasileira. O que é popular? É popular, é do povo. Então Zezé de Camargo e Luciano, Amado Batista, que põem 150 mil pessoas em frente a um palco, esses não são MPB. MPB são só aqueles que cantam em teatro para 500 pessoas, até porque tem que ser ali mesmo, porque ninguém vai mais. Esses têm tudo aprovado no Ministério da Cultura.

            Agora, aonde só vai aquele parquezinho, Senador Jayme Campos... Senador Jayme Campos, olhe para mim! Lá perto da sua fazenda, da sua cidade, aquele distritozinho. V. Exª foi Governador, sabe do que eu estou falando -, aquela cidadezinha aonde só chega aquela tourada, aquele parquezinho, Jayme, com aquele alto-falantezinho em cima, aquela boca de alto-falante rachada, aquele circozinho que a gente vê armado dentro do distrito ao passar pela estrada, passa ali trinta a quarenta dias, levando alegria... Se eles pararem para que os filhos estudem, eles morrem de fome, e a cultura morre, porque o Cirque Du Soleil não vai lá.

            Os artistas que têm os seus projetos aprovados aqui no nosso querido Ministério da Cultura, esses não têm, esses não têm nem aposentadoria. Assim como há os ônibus do Senai, do Senac, para andar por aí, até fazendo mamografia agora, tratando de dente, ônibus ambulante, poderia haver um projeto de educação para atendê-los onde eles estão, um projeto só, mas não vão.

            Esse foi um que se salvou. Quantos artistas do riso da qualidade de Tiririca o Brasil tem? Milhares! Milhares! No Ceará, então, de onde ele veio... Milhares e milhares. Mas aconteceu a música Florentina, ele ficou conhecido. Um profissional do riso que não precisa de script, que não fala palavrão e que faz as pessoas rirem, porque faz mesmo. Ele é um profissional do riso! Agora: “Não, votaram nele porque foi voto de protesto”. Pois bem. Quando votaram em Enéas, disseram: “Foi voto de protesto”. Mas ninguém comentou muito, porque Enéas era um intelectual, um cardiologista, um sujeito com uma clínica muito bacana. Não dava para bater no Enéas. “Era um voto de protesto.” É. Como é que voto de protesto? “Eu votei nesse cara aqui a vida inteira. O ano passado votei no outro, agora não voto mais. Vou votar no Enéas.” E daí? Escolheu o cara para dizer que não vota mais nos outros. Quando o Clodovil se elegeu, voto de protesto, mas não podia bater muito, porque ele era global, era um cara de televisão, um estilista querido, respeitado no meio dele, um estilista famoso. Mas o Tiririca parecia defunto sem choro. “Vamos bater nele, analfabeto, veio do circo, um despreparado”. E agora eu vejo, o Tiririca vai lá e escreve.

            Não precisava nada disso se a Constituição não os humilhasse. Quem votou no Tiririca, votou no Tiririca protestando, em muito boa parte. Disseram: “Não, eu votei no fulano e não vou votar mais. Foi ex-governador aqui e não quero votar mais. Votei no Sr. fulano de tal que é empresário, quis ser Deputado Federal. Já votei uma vez, não ganhou, não vou votar mais. Eu agora vou votar no Tiririca, porque quando eu chego em casa eu ligo a televisão, fico sentado no sofá e quem me desestressa é ele. Eu adoro ver Tiririca, eu dou mil risadas. Vou votar nele.” Votou no Tiririca.

            Quem sabe a população de circo, que é muito grande no interior de São Paulo, votou nele. Ele teve 1,3 milhão de votos. Agora dizem que ele não pode tomar posse? Por quê? E nem os Tribunais o protegem? Por quê? Há muita gente ficha suja recorrendo nos Tribunais para tomar posse. A condição do analfabeto é tão deprimente, é tão deplorável, Senador Jayme Campos, que nem aos Tribunais eles podem recorrer.

            Aí o Juiz: “Não, ele leu e escreveu”. Tiririca deu uma risada na cara de todo mundo. Leu e escreveu. Aí o Promotor disse: “Não, não. Eu vou recorrer porque algumas palavras estavam erradas.” Esse Promotor parece que nunca leu receita de médico. Esse Promotor ouviu falar dos problemas que houve no Enem? Porque a grande reclamação era de que havia coisa errada, frase errada, palavra errada no Enem. Ora, se o Enem está errado, estão querendo cobrar o que de Tiririca?

            Eu tenho provas... V. Exªs sabem, Senadores Jayme Campos, Paulo Paim e Raupp, que eu relatei um projeto do Senador Gilvam que depois foi para a Comissão de Educação para acabar com o exame da Ordem.

            Existe uma organização de bacharéis no Brasil que discordam do exame da Ordem e que lutam, com muita força, para acabar com o exame. Eles vieram ter comigo e adquiriram, Senador Jayme - vou mandar um pacote para V. Exª sorrir -, correção de provas da OAB por doutores, por empresas contratadas para fazer os testes da OAB. O senhor vai rir, Senador Paulo Paim, do que eu vou lhe dar: eles escrevendo na borda o que estava errado. Tudo errado, o português todo errado! Estão querendo cobrar o que de Tiririca? Fala para mim.

            Eu mesmo... O meu sonho era ser advogado, mas eu não consegui passar no vestibular. De vez em quando eu mando uma palavra errada. Falar mais do que um intelectual igual ao Senador Mão Santa... É um homem de muita leitura, um médico, com doutorado, respeitado, mas você já viu as concordâncias do Mão Santa? Já viu o português do Mão Santa? Então, o promotor tem de dizer que o Mão Santa não pode ser candidato mais. Isso é uma piada! É uma piada tão grande, de mau gosto e tão acintosa contra um ser humano como o Tiririca, que passou a vida passando dificuldade, teve o seu cirquinho queimado antes de vir para São Paulo e, agora, se vê humilhado na televisão todos os dias!

            Um conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público, Senador Jayme, esta semana representou contra o promotor de São Paulo - um conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público. E é o conselho que eu dou ao PR: represente contra o promotor. Ele não é o dono do mundo, a sabedoria do mundo não é ele, a precatória do mundo não é ele.

            Nesta semana, convidei o Presidente do Conamp, que veio ao meu gabinete, a quem mostrei esta proposta de emenda à Constituição. O Presidente do Conamp, que esteve em meu gabinete com a sua assessoria, comunga com o Brasil, que não quer aceitar a discriminação. Ele disse: “Olhe, um conselheiro entrou contra o promotor”. E isso é muito ruim para o Ministério Público porque ninguém diz quem foi o promotor, ninguém cita o nome dele, cita o nome do Ministério Público: “Foi o Ministério Público”.

            Aliás, o Conamp precisa tomar uma providência, porque há tanto prefeito no interior virando bandido por causa de promotores novinhos, que nunca tiveram um voto, que chegam ao município e o prefeito é eles. Eles é que dão ordem, fazem e desfazem. Choveu, caiu o muro da creche, diz o promotor: “Vinte e quatro horas para fazer”. O prefeito fala: “Excelência, em 24 horas, não dá.” O promotor responde: “Problema seu. Abro um processo contra você”. Aí o homem corre para fazer em 24 horas, faz sem licitação e toma dois processos.

            Então, os prefeitos precisam começar a reagir contra eles e dizer: “O senhor me denuncia e eu o denuncio lá em cima, no Conselho do Ministério Público. Ora, eu fui eleito, eu preciso governar. Se eu estiver fazendo indignidade, o senhor entre contra mim, mas o senhor não me persiga porque o senhor não tem voto”. Ao contrário disso, os prefeitos morrem de medo. Morrem de medo! Isso tem que acabar, Senador Jayme.

            O partido do Tiririca, que é o meu partido, tem que enfrentar esse promotor. Se o partido tiver medo de representar contra ele, eu vou representar.

            Quer fazer sucesso? Seja um Cembranelli da vida, enfrente a briga, vá lá e condene os Nardoni. Quer fazer sucesso? Seja um Blat na vida. Quer fazer sucesso? Seja uma Márcia Velasco, Promotora de Fernandinho Beira-Mar. Quer fazer sucesso? Vá enfrentar briga grande. Agora, ir à imprensa todo dia e dar entrevista para humilhar publicamente uma criatura a quem a vida negou tudo, chamado Tiririca?

            Eu sei que milhões de brasileiros estão me ouvindo agora. Imagino até que alguns que tiveram o pai analfabeto que trabalhou dia e noite para dar uma faculdade para um filho que hoje é advogado, pais que pagaram com cheque pré-datado a faculdade para formar uma filha professora, no cabo da enxada, como cobrador de ônibus, vendendo laranja, acordando de madrugada, pegando feira, ou sendo faxineira, como era minha mãe, meu pai relojoeiro, para que eu e meus irmãos nos tornássemos o que nos tornamos.

            Senador Paim, essas atitudes são uma humilhação contra nós, brasileiros de origem simples, que estamos sendo vilipendiados ao ver nossos irmãos, 10% ainda deste País, que tiveram seu direito negado, serem afrontados de forma tão vil e de forma irresponsável.

            Pois somando os anos de escola do Presidente Lula com os anos do vice-Presidente José Alencar, não dão sete anos de escola. E o Presidente Lula é o maior Presidente da história deste País.

            No governo do doutor, o doutor não fez uma universidade; no governo do doutor, o doutor fez um decreto proibindo escola técnica; o doutor não fez o ProUni, o doutor não fez a universidade do negro; não foi o doutor que tirou trinta milhões de brasileiros da miséria; o doutor não conseguiu pagar o FMI.

            O analfabeto Lula pagou US$15 milhões, e depois, de pirraça, emprestou mais US$14. Foi Lula que criou a Farmácia Popular, Lula criou o Minha Casa, Minha Vida, Lula tirou do escuro quinze milhões de brasileiros que não tinham direito a água gelada porque não tinham luz.

            Um dia, ouvi depoimento do Senador Jayme Campos, um homem do DEM, ex-Governador do Estado dele, respeitado. Ele me disse: “Esse projeto do Lula, o Luz para Todos, durante vinte anos eu ouvia essa conversa. Viajava e via o meu Estado, as fazendas sem luz, porque os governos federais não tomavam uma atitude. E chegou. Chegou para os colonos meus”.

         Olha só. Esse homem só tem o terceiro ano primário. Nós não vivemos mais nessa época, não são dias mais. Os ditadores todos eram intelectuais. Os homens da ditadura militar intelectuais, todos generais. Ninguém se torna general por não ter estudado. Todos generais, e nos submeteram ao martírio, à humilhação daquilo que nós vivemos neste País.

            Por isso, Senador Paim, é uma PEC, mas é também o desabafo de um cidadão filho de analfabetos. E a mim e aos meus irmãos foi negado o direito de ter acesso a livros, como a tantos milhões de brasileiros.

            Por isso, penso que o cidadão, para ser candidato, para ser votado, precisa ser honesto, honrado, ter um passado de luta, um presente de trabalho pela sua comunidade, pelo seu bairro, pela sua cidade, pelo seu Estado, um investimento de vida, uma prestação de serviço com a sua própria vida às famílias, às crianças, à comunidade como um todo. Ele pode até não saber juntar duas frases e nem saber nenhuma palavra em inglês, e pode nem saber digitar, ainda.

            E eu quero saber o seguinte: proibiremos os analfabetos digitais de serem votados? Porque são muitos que só sabem ligar e desligar o computador, como eu. Seremos impedidos, diante da tecnologia? Ou vamos alterar a Constituição brasileira para que tenhamos, de fato, cidadãos inteiros e não meio cidadãos? E tiremos da humilhação 10% dos nossos irmãos que têm tanto direito nessa vida, têm tanto direito neste País quanto aqueles que tiveram a oportunidade e o privilégio de frequentar a escola.

            Que Deus nos ajude! 

            O Sr. Jayme Campos (DEM - MT) - Um aparte, Senador Magno Malta?

            O SR. MAGNO MALTA (Bloco/PR - ES) - Senador Jayme.

            O Sr. Jayme Campos (DEM - MT) - Sei que V. Exª está concluindo, mas quero cumprimentar V. Exª pela fala na noite de hoje. V. Exª, como sempre, lúcido e, acima de tudo, coerente e corajoso. São poucos os políticos neste País que têm a coragem de ir a uma tribuna como a do Senado Federal e expressar, com muita clareza e com muita evidência, suas opiniões, sobretudo aquilo que é certo e aquilo que é errado. Quando o senhor fala aqui sobre o que acho que queriam fazer contra o Tiririca não existe em um Estado Democrático de Direito. A beleza da democracia, Senador Magno Malta, é que o povo escolhe seus representantes. Como o senhor bem disse, não é um promotor de Justiça ou um juiz que tem autoridade, a prerrogativa de tirar os um milhão e trezentos mil votos do Tiririca no Estado de São Paulo. Portanto, eu acho que se Tiririca não teve a primazia, a felicidade de ser uma pessoa alfabetizada até então, a culpa é do próprio Estado, que tem a obrigação de gerar oportunidades, sobretudo na questão da educação, da saúde, de uma melhor condição de vida para o seu povo. Portanto, quando V Exª propõe aqui a PEC para fazer uma emenda à Constituição em relação aos analfabetos, eu já fui signatário, como V. Exª, e assinei consciente da importância. Como é que um cidadão pode votar e não pode ser votado? Então, eu acho que o Brasil tem que mudar, sobretudo acabar com esse preconceito. Isso é preconceito. É a mesma coisa: um cidadão com dezesseis vota, e ele não tem nenhuma responsabilidade civil e criminal, muitas vezes, porque é menor. Mas para escolher seus governantes ele tem esse direito. Então, Senador Magno Malta, eu já disse e reitero aqui: o senhor é um dos Senadores mais valorosos e, acima de tudo, corajoso, que fala a verdade que muitos não têm a coragem de externar. Nesse caso, particularmente, do Tiririca, V. Exª está coberto de razão. E tenha certeza de que essa emenda constitucional é meritória e vai ser aprovada, por unanimidade, nestas Casas, na medida em que, aí sim, estaremos dando o direito, estaremos construindo a verdadeira cidadania que milhões de brasileiros não tiveram até então. Muitas vezes... É o caso da educação, em que ainda temos quase vinte milhões de pessoas não alfabetizadas, de pessoas que não tiveram acesso ao ensino de terceiro grau. Uma pequena parcela, 7% ou 8%, da nossa população tem acesso ao ensino de terceiro grau, enquanto que na Argentina, que é vizinha nossa, 33% da população tem nível de terceiro grau. Tudo isso é fruto de políticas públicas decentes. E o Tiririca, com certeza, deu a demonstração de que ele é um simples cidadão do povo, mas é um homem, para mim, de talento. E eu imagino que, com a sua experiência de vida, uma dádiva que Deus deu a ele, e com o talento que tem, ele será um bom representante para o povo brasileiro, porque, sobretudo, é a cara do povo brasileiro que estará aqui no Congresso Nacional. Cumprimento o senhor, na certeza absoluta de que todas as opiniões que tem externado aqui são de importância e, acima de tudo, são coerentes com a maioria do povo brasileiro. Parabéns, Senador Magno Malta.

            O SR. MAGNO MALTA (Bloco/PR - ES) - Eu incorporo ao meu pronunciamento. Agradeço muito o carinho, Senador Jayme Campos. V. Exª que é um experiente Parlamentar...

            (Interrupção do som.)

            O SR. MAGNO MALTA (Bloco/PR - ES) - ...respeitado em seu Estado e também nesta Casa. Sua avaliação é absolutamente importante. Agradeço ter sido signatário comigo dessa PEC, de igual modo o Senador Paim e o Senador Raupp, que assinaram a PEC comigo, entendendo que não podemos viver mais um momento como esse, em um país que avança, um mundo vivendo a tecnologia, e ainda discriminarmos irmãos nossos.

            V. Exª dizia sobre o menor. Eu também sou autor da proposta da redução da maioridade penal, e queira Deus façamos isso no Brasil, para podermos minimizar a violência neste País, porque quem tem 16 anos ou 18 anos de idade não é menino, é adulto, mata, sequestra e estupra sabendo o que está fazendo. Podemos e devemos tomar providências em favor da sociedade brasileira.

            Agradeço-lhe muito. Encerro, Sr. Presidente, agradecendo-lhe a tolerância e dizendo à minha filha mais velha, que ali está, que este pronunciamento, Senador Paim, dedico à memória da minha mãe, dos meus tios, da minha avó, gente inculta, mas gente de muita sabedoria, de muita honra, de muito trabalho, como milhões de brasileiros que têm seu direito negado ainda hoje.

            Queira Deus, antes do final do ano, nesta Casa, possamos dar nossa grande contribuição, penso que das mais importantes! A Presidente Dilma, na sua juventude, enfrentou as mais duras mazelas, imposições morais e afronta corporal, por buscar liberdade para todos. Que tenhamos o privilégio de assistir à sanção desse projeto! Vamos acabar, definitivamente, com essa discriminação por meio da sanção da Presidenta Dilma na Presidência da República.

            Obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo1 5/4/2412:27



Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/11/2010 - Página 51111