Discurso durante a 185ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem à escritora cearense Rachel de Queiroz, por ocasião do centenário do seu nascimento.

Autor
Patrícia Saboya (PDT - Partido Democrático Trabalhista/CE)
Nome completo: Patrícia Lúcia Saboya Ferreira Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à escritora cearense Rachel de Queiroz, por ocasião do centenário do seu nascimento.
Publicação
Publicação no DSF de 19/11/2010 - Página 51125
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ESCRITOR, ESTADO DO CEARA (CE), ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, LITERATURA, JORNALISMO, ENGAJAMENTO, POLITICA NACIONAL, POLITICA SOCIAL, PIONEIRO, MULHER, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), ESPECIFICAÇÃO, OBRA LITERARIA, VALORIZAÇÃO, POVO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª PATRÍCIA SABOYA (PDT - CE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, poderia escolher muitos ângulos para falar da vida dinâmica e produtiva da grande cearense Rachel de Queiroz.

            Poderia mencionar sua intensa atividade intelectual, iniciada como jornalista, que foi até morrer, mas rapidamente voltada também para a literatura.

            Poderia falar de sua veia política, iniciada com sua participação no Partido Comunista, que deixaria mais tarde, revoltada com o autoritarismo de sua direção. Nunca, porém, deixou de acompanhar de perto a vida pública do seu país.

            Poderia me referir às glórias por ela obtidas, em especial por ter sido a primeira mulher eleita para a Academia Brasileira de Letras. Seria difícil enumerar tantas provas de reconhecimento público, inclusive internacionais.

            Poderia citar sua modéstia e discrição. Convidada para os mais altos postos da República, inclusive um Ministério, recusou sempre. Recusava-se a se expor, até por ser desquitada, o que era raro na vida pública daquela época, e conduziria a um escrutínio de sua vida privada, o que não desejava.

            Prefiro, porém, lembrar sua profunda sensibilidade social, presente em sua obra literária e em toda a vivência política que se estendeu até os últimos dias. Em todos os seus livros está marcada a dor e o sofrimento do povo brasileiro, particularmente os nordestinos, sempre eivada, porém, de esperança.

            Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza, capital do nosso Ceará, no dia 17 de novembro de 1910, filha de Daniel de Queiroz e de Clotilde Franklin de Queiroz, descendendo, pelo lado materno, da estirpe dos Alencar (sua bisavó materna era prima de José de Alencar, autor  de "O Guarani"), e, pelo lado paterno, dos Queiroz, família de Quixadá, onde residiam e onde seu pai era Juiz de Direito nessa época.

            Em 1913, voltam a Fortaleza, face à nomeação de seu pai para o cargo de promotor. Após um ano no cargo, ele pede demissão e vai lecionar Geografia no Liceu. Dedica-se pessoalmente à educação de Rachel, ensinando-a a ler, cavalgar e a nadar. Fugindo dos horrores da seca de 1915, em julho de 1917 transfere-se com sua família para o Rio de Janeiro, fato que seria mais tarde aproveitado pela escritora como tema de seu livro de estréia, "O Quinze".

            Com o pseudônimo de "Rita de Queluz" ela envia ao jornal "O Ceará", em 1927, uma carta ironizando o concurso "Rainha dos Estudantes", promovido por aquela publicação. O diretor do jornal, Júlio Ibiapina, amigo de seu pai, diante do sucesso da carta a convida para colaborar com o veículo. Era o início de uma longa e brilhante carreira de jornalista. Sua colaboração em "O Ceará" torna-se regular. Publica o folhetim "História de um nome" -- sobre as várias encarnações de uma tal Rachel -- e organiza a página de literatura do jornal.

            Submetida a rígido tratamento de saúde, em 1930, face a uma congestão pulmonar e suspeita de tuberculose, a autora se vê obrigada a fazer repouso e resolve escrever "um livro sobre a seca". "O Quinze" -- romance de fundo social, profundamente realista na sua dramática exposição da luta secular de um povo contra a miséria e a seca -- é mostrado aos pais, que decidem "emprestar" o dinheiro para sua edição, que é publicada em agosto com uma tiragem de mil exemplares.  O livro logo transformaria Rachel numa personalidade literária. Com o dinheiro da venda dos exemplares, a escritora "paga" o empréstimo dos pais.

            Em março de 1931, recebe no Rio de Janeiro o prêmio de romance da Fundação Graça Aranha, mantida pelo escritor, em companhia de Murilo Mendes (poesia) e Cícero Dias (pintura). Conhece integrantes do Partido Comunista; de volta a Fortaleza ajuda a fundar o PC cearense. Começava sua militância política.

            Casa-se com o poeta bissexto José Auto da Cruz Oliveira, em 1932. É fichada como "agitadora comunista" pela polícia política de Pernambuco. Seu segundo romance, "João Miguel", estava pronto para ser levado ao editor quando a autora é informada de que deveria submetê-lo a um comitê antes de publicá-lo. Semanas depois, em uma reunião no cais do porto do Rio de Janeiro, é informada de que seu livro não fora aprovado pelo PC, porque nele um operário mata outro. Fingindo concordar, Rachel pega os originais de volta e, depois de dizer que não via no partido autoridade para censurar sua obra, foge de lá e rompe com o Partido Comunista.

            Publica o livro pela editora Schmidt, do Rio, e muda-se para São Paulo, onde se aproxima do grupo trotskista. Nasce, em Fortaleza, no ano de 1933, sua filha Clotilde. Muda-se para Maceió, em 1935, onde faz amizade com Jorge de Lima, Graciliano Ramos e José Lins do Rego. Aproxima-se, também, do jornalista Arnon de Mello (pai do futuro presidente da República, Fernando Collor, que a agraciou com a Ordem Nacional do Mérito). Sua filha morre aos 18 meses, vítima de septicemia.

            O lançamento do romance "Caminho de Pedras", pela José Olympio - Rio, se dá em 1937, que seria sua editora até 1992. Com a decretação do Estado Novo, seus livros são queimados em Salvador - BA, juntamente com os de Jorge Amado, José Lins do Rego e Graciliano Ramos, sob a acusação de subversivos. Permanece detida, por três meses, na sala de cinema do quartel do Corpo de Bombeiros de Fortaleza. Em 1939, separa-se de seu marido e muda-se para o Rio, onde publica seu quarto romance, "As Três Marias".

            Por intermédio de seu primo, o médico e escritor Pedro Nava, em 1940 conhece o também médico Oyama de Macedo, com quem passa a viver. O casamento duraria até à morte do marido, em 1982. A notícia de que uma picareta de quebrar gelo, por ordem de Stalin, havia esmigalhado o crânio de Trótski faz com que ela se afaste da esquerda.

            Deixa de colaborar, em 1944, com os jornais "Correio da Manhã", "O Jornal" e "Diário da Tarde", passando a ser cronista exclusiva da revista "O Cruzeiro", onde permanece até 1975. No ano de 1950, escreve em quarenta edições da revista "O Cruzeiro" o folhetim "O Galo de Ouro", editado a seguir como livro.

            Sua primeira peça para o teatro, "Lampião", é montada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e no Teatro Leopoldo Fróes, em São Paulo, no ano de 1953. É agraciada, pela montagem paulista, com o Prêmio Saci, conferido pelo jornal "O Estado de São Paulo".Em 1958, publica a peça "A beata Maria do Egito", montada no Teatro Serrador, no Rio, tendo no papel-título a atriz Glauce Rocha.

            O presidente da República, Jânio Quadros, a convida para ocupar o cargo de ministra da Educação, que é recusado. Na época, justificando sua decisão, teria dito: "Sou apenas jornalista e gostaria de continuar sendo apenas jornalista."

            O livro "As Três Marias", com ilustrações de Aldemir Martins, em tradução inglesa, é lançado pela University of Texas Press, em 1964.

            O golpe militar de 1964 teve em Rachel uma colaboradora, que "conspirou" a favor da deposição do presidente João Goulart.

            O presidente general Humberto de Alencar Castelo Branco, seu conterrâneo e aparentado, no ano de 1966 a nomeia para ser delegada do Brasil na 21ª. Sessão da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, junto à Comissão dos Direitos do Homem. Passa a integrar o Conselho Federal de Cultura, em 1967, e lá ficaria até 1985. Depois de visitar a escritora na Fazenda Não me Deixes, em Quixadá, o presidente Castelo Branco morre em desastre aéreo.

            Estréia na literatura infanto-juvenil, em 1969, com "O Menino Mágico", em 1969. No ano de 1975, publica o romance "Dôra, Doralina".

            Em 1977, por 23 votos a 15, e um em branco, Rachel de Queiroz vence o jurista Pontes de Miranda e torna-se a primeira mulher a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras. A eleição acontece no dia 04 de agosto e a posse, em 04 de novembro.  Ocupa a cadeira número 5, fundada por Raimundo Correia, tendo como patrono Bernardo Guimarães e ocupada sucessivamente pelo médico Oswaldo Cruz, o poeta Aluísio de Castro e o jurista, crítico e jornalista Cândido Mota Filho.

            Lança em 1992 o romance "Memorial de Maria Moura". Em 1993, recebe dos governos do Brasil e de Portugal, o Prêmio Camões e da União Brasileira de Escritores, o Juca Pato. A Siciliano inicia o relançamento de sua obra completa. 1994 marca a estréia, na Rede Globo de Televisão, da minissérie "Memorial de Maria Moura", adaptada da obra da escritora. Inicia seu livro de memórias, em 1995, escrito em colaboração com a irmã Maria Luiza, que é publicado posteriormente com o título "Tantos anos". Pelo conjunto de sua obra, em 1996, recebe o Prêmio Moinho Santista.

            Em 2000, é publicado "Não me Deixes -- Suas histórias e sua cozinha", em colaboração com sua irmã, Maria Luiza.Em novembro deste ano, quando a escritora completou 90 anos de idade, foi inaugurada, na Academia Brasileira de Letras, a exposição "Viva Rachel". São 17 painéis e um ensaio fotográfico de Eduardo Simões resumindo o que os organizadores da mostra chamam de “geografia interior de Rachel, suas lembranças e a paisagem que inspirou a sua obra”.

            Rachel de Queiroz chegou aos 90 anos afirmando que não gosta de escrever e o fazia para se sustentar. Ela lembra que começou a escrever para jornais aos 19 anos e nunca mais parou, embora considere pequeno o número de livros que publicou. “Para mim, foram só cinco, (além de O Quinze, As Três Marias, Dôra, Doralina, O Galo de Ouro e Memorial de Maria Moura), pois os outros eram compilações de crônicas que fiz para a imprensa, sem muito prazer de escrever, mas porque precisava sustentar-me”, recorda ela. Faleceu, dormindo em sua rede, no dia 04 de novembro 2003, do Rio de Janeiro. Deixou, aguardando publicação, o livro "Visões: Maurício Albano e Rachel de Queiroz", uma fusão de imagens do Ceará fotografadas por Maurício com textos de Rachel de Queiroz.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/11/2010 - Página 51125