Discurso durante a 185ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da realização, entre os dias 16 e 19 deste mês, da III Semana de Valorização da Primeira Infância e Cultura da Paz, com o lema "A importância dos primeiros laços entre os bebês e os seus cuidadores".

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Registro da realização, entre os dias 16 e 19 deste mês, da III Semana de Valorização da Primeira Infância e Cultura da Paz, com o lema "A importância dos primeiros laços entre os bebês e os seus cuidadores".
Publicação
Publicação no DSF de 19/11/2010 - Página 51127
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, OCORRENCIA, SENADO, SEMANA, VALORIZAÇÃO, INFANCIA, CULTURA, PAZ, DEBATE, PRIORIDADE, ATENÇÃO, RECEM NASCIDO, ELOGIO, PROGRAMAÇÃO, ANALISE, ORADOR, IMPORTANCIA, VINCULAÇÃO, SOLIDARIEDADE, RELAÇÕES HUMANAS, DIFERENÇA, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, MODERNIZAÇÃO, TECNOLOGIA, GLOBALIZAÇÃO, PERDA, REFERENCIA, CRIANÇA, FAMILIA.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, está sendo realizada, no Senado Federal, entre os dias 16 e 19 deste mês, a “3ª Semana de Valorização da Primeira Infância e Cultura da Paz”, com o lema “A importância dos primeiros laços entre os bebês e os seus cuidadores”.

            Louvado seja quem teve a ideia da escolha da palavra-chave que orienta as discussões deste ano: “vínculo”. Uma relação que começa antes de nascer e que não se corta junto com o cordão umbilical.

            Eu tenho certeza de que o mundo seria diferente, muito melhor, se essa também fosse, de fato, a palavra-chave na construção da nossa sociedade. Ela seria mais justa e mais humana, se as relações sociais se mantivessem, pelo menos, com o vínculo da solidariedade. Se o tecido social não sofresse esse esgarçamento que toma conta, hoje, das nossas casas e das nossas ruas. Das nossas vidas, enfim.

            Eu não consigo imaginar esse tipo de vínculo, sem calor humano. É falsa a ideia de que a globalização, impulsionada pela tecnologia, uniu as pessoas. Que as Juntou. Que as tornou mais próximas.

            Essa “união”, essa “junção”, essa “proximidade” são virtuais. Ouso dizer “falsas”. Perigosas, em muitos casos, principalmente para as nossas crianças. Nós estamos a um toque de outro ser humano que está no outro lado do planeta. As redes sociais nos fazem conversar, em tempo real, com pessoas de todos os cantos do mundo. Mesmo que elas estejam em plataformas espaciais.

            Mas, nós estamos cada vez mais sozinhos, entre quatro paredes. Falando com internautas e astronautas, mas, nós sim, perdidos no espaço. Muitas vezes, no tempo.

            Os nossos vínculos mais importantes, aqueles que foram a argamassa da construção das velhas gerações, eram moldados, primeiramente, na família. Ela era o espelho que refletia valores e que construía referências.

            A escola e a igreja eram, também, uma grande família. Também espelhavam esses mesmos valores e construíam essas mesmas referências. Nós éramos, enfim, seres mais coletivos, ligados pelos melhores vínculos.

            A vida moderna, que é o tempo onde vive, e viverá por mais tempo que nós, as novas gerações, cortou esses vínculos. Quebrou esse espelho. Hoje, pais e mães, ou a família, até mesmo por necessidade de sobrevivência, deixam de ser real, e dão lugar, também, ao virtual.

            As nossas crianças passam, agora, mais tempo vendo televisão, do que na escola. Pior: do que com a família. Elas não são “criadas”, como nós dizíamos antes. Na verdade, elas são “moldadas”. E, como se sabe, nem sempre pelos melhores valores.

            Quando nos libertamos das nossas quatro paredes, a praça não é mais o local onde realizamos o coletivo.

            Elas foram substituídas pelos corredores dos shoppings, iluminados por vitrines que exercem, na verdade, a mesma função das telas do computador e da TV: o culto frenético e fanático ao consumismo, a religião cuja bíblia é a mesma globalização.

            As nossas crianças, hoje, mais se parecem protótipos de adultos. A televisão lhes ensina a conjugar o verbo ter em todos os tempos. Eu tenho, eu tive, e se ainda não tive nem tenho, terei. Ou, como a televisão é imperativa, que eu tenha!

            Antes, a pergunta clássica era: “o que é que você vai ser quando crescer?”. Hoje, soa como “o que é que você vai ter?” Ou, pior: “o que é que você tem que ter, para parecer ser?”. 

            Há uma contradição, entretanto: as nossas crianças, quando crianças, querem crescer o mais rápido possível. A partir de um determinado momento, há uma tendência, cada vez mais visível, a não quererem crescer. Existiriam, hoje, razões objetivas encantadoras para se tornarem adultas? Oportunidades de emprego? Perspectivas de uma vida digna? Ou elas, como muitos de nós, se tornarão adultos estressados e, principalmente, desencantados?

            “Criamos filhos para o mundo”, como dizemos hoje. Só que um mundo, cada vez mais, virtual. Sem calor humano. Concorrente. A disputa quebra vínculos. Uma concorrência ou uma disputa que começa cada vez mais cedo. Por um lugar numa sala de parto. Pelo berçário. Pela creche. E que passa, depois, pelo lugar na escola, no hospital, na fila do remédio, no emprego, no estacionamento, no vestibular e no concurso. Um lugar ao sol, enfim.

            Quando criamos filhos para o mundo, na verdade estamos nos submetendo a um dos ditames mais drásticos da globalização, que é a destruição de raízes. Raízes de família. Raízes de pátria. Raízes de “ser”.

            Não concebemos mais filhos para que eles vivam o contexto da nossa história familiar.

            Temos que adaptá-los a outras histórias, estranhas, nem sempre conhecidas e recomendadas. As relações humanas com os nossos filhos tornam-se, cada vez mais, profissionais, não mais construídas, mas contratadas, a um custo, a um preço, a um salário. O vínculo é contratado.

            Infelizmente, pelo estresse do dia-a-dia, o ser humano está perdendo a sensibilidade com suas crianças, tenham elas menos de seis anos, ou mais de noventa.

            Difícil imaginar um mundo sem televisão e sem suas mensagens pelo consumismo, mas, se é inevitável a TV ser, cada vez mais, uma espécie de “babá eletrônica”, ou “cuidadora”, bem que o canal “Animal Planet”, ou “Planeta Animal”, poderia ser um canal aberto, acessível a todos. Cultural e educativo. É que o mundo seria muito melhor se aprendêssemos a criar vínculos como fazem com seus filhos os animais que dizemos irracionais.

            E, isso para não dizer que nós, humanos e racionais, somos mais dependentes que a grande maioria deles, desde que despontamos para o mundo. O ser humano não sobrevive de seus próprios instintos, como muitos dos outros animais. Ele depende, mais que todos eles, de vínculos. E os está destruindo, cada vez mais. Isso pode estar significando uma ferida de morte para a própria raça humana.

            Este nosso encontro anual é, portanto, um nadar contra a corrente. Um despertar da sensibilidade. Um moldar, quase que artesanal, de vínculos.

            Eu sou um eterno otimista com a raça humana. Estou certo de que ela é, na sua essência, sublime. Não fosse assim, deixaria de acreditar na obra do Criador.

            Lembro-me de uma passagem da vida de Michelangelo, o criador de maravilhas como David e Pietá, e da magia das pinturas da Capela Cistina. Quando lhe perguntavam de onde vinha tamanha criatividade, ele respondia, mais ou menos, assim: “a arte já vem pronta dentro do mármore; basta ao artista tirar-lhe os excessos e expô-la à luz”. 

            É assim com o ser humano, quando se “dá a luz”. Ele já vem pronto, como a mais bela de todas as artes. Só que, no caso, os excessos vêm depois. Cabe-nos, portanto, tirar esses excessos. E devolver a luz!

            Isso não implica que devamos esquecer essa nossa mais bela obra, antes da luz. Ao contrário. Não há vínculo mais belo e mais sublime que a mulher e o bendito fruto no seu ventre.

            Mas, esse vínculo, entre mãe e filho antes do parto, continua sendo, principalmente nos países e nas camadas mais pobres da população, de altíssimo risco.

            O número de mortes de mães, por complicações da gravidez e do parto é assustador. São algo como dez milhões de mulheres, no mundo, todos os anos. Isso sem contar que, para cada mulher gestante que morre, outras vinte ficam com sequelas.

            Portanto, o caminho mais que necessário para a criação e a manutenção de vínculos é longo e árduo. Louvo as experiências bem sucedidas, como a que ouviremos hoje. É nobre saber que existem artífices na moldura da cidadania. Mas, que vão mais longe nesse mesmo caminho: moldam relações humanas. Vínculos, muitas vezes perdidos nos desvãos da sobrevivência. Um trabalho instigante e movido pela persistência, porque se sabe, nada substitui o vínculo que nasce antes da luz, no ato primeiro da concepção. Em um amor que ainda não se conseguiu criar similares. Mas que se busca, mesmo sabendo ser algo que beira a divindade. É o homem procurando justificar a sua imagem à semelhança do Criador.

            Eu acho que essa deve ser a orientação das discussões das manhãs desta nossa 3ª Semana de Valorização da Primeira Infância e Cultura da Paz: fazer com que sejam os mesmos os moldes da cidadania e da humanidade. Mas, tão ou mais importante que as discussões, que acontecem todas as manhãs, são os cursos e “oficinas” das tardes. Aliás, os dicionários mostram uma definição, bastante apropriada para o, para a palavra “oficina”: “lugar onde se verificam grandes transformações”. 

            Que se constitua, então, o evento, em um lugar de multiplicação dos nossos vínculos. Mas, sobretudo, de divisão.

            Diz o ditado que o homem, para ser completo na sua travessia terrena, tem que, pelo menos, escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho. Livros e árvores, o homem escreve e cultiva sozinho. Filhos, é preciso “vínculo”.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/11/2010 - Página 51127