Discurso durante a 186ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem aos grupos vítimas de discriminação e preconceito, o povo negro e demais grupos de minorias.

Autor
Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Geraldo Gurgel de Mesquita Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Homenagem aos grupos vítimas de discriminação e preconceito, o povo negro e demais grupos de minorias.
Publicação
Publicação no DSF de 20/11/2010 - Página 51139
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, GRUPO, VITIMA, DISCRIMINAÇÃO, CUMPRIMENTO, POPULAÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), REELEIÇÃO, PAULO PAIM, SENADOR, POSSIBILIDADE, CONTINUAÇÃO, COMPROMISSO, DEFESA, INTERESSE, POVO.
  • LEITURA, TRECHO, LIVRO, AUTORIA, PROMOTOR DE JUSTIÇA, ESTADO DA BAHIA (BA), ANALISE, CULTURA, BRASIL, VINCULAÇÃO, LONGO PRAZO, EXPERIENCIA, ESCRAVATURA, CONTRIBUIÇÃO, OCORRENCIA, ATUALIDADE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, IMPORTANCIA, RECONHECIMENTO, VIOLENCIA, HISTORIA, EXPLORAÇÃO, NEGRO, COMENTARIO, SUGESTÃO, ORADOR, PAULO PAIM, SENADOR, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), NECESSIDADE, CONSTRUÇÃO, MEMORIAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


           O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezadíssimo amigo, Senador Paulo Paim, quero aqui também repercutir as palavras da Senadora Fátima Cleide, que parabenizou o povo gaúcho pela altivez, pelo compromisso com o mandato de V. Exª, que é de fundamental importância não só para o Rio Grande do Sul, como também para o Brasil inteiro.

           Eu sempre utilizei uma expressão aqui para marcar o meu convencimento do que é o mandato do Senador Paim. Eu sempre afirmei que o Senador Paim, ao contrário de alguns, esteve na Câmara dos Deputados e está no Senado Federal defendendo causas, porque alguns, infelizmente, defendem coisas. É completamente diferente.

           Essa é a característica fundamental e principal que eu observo, companheiro que fui aqui, durante quase oito anos, do esforço, da dedicação, do compromisso, da seriedade, da lealdade com o povo brasileiro que exercitou o Senador Paim.

           Além de felicitá-lo pela renovação do seu mandato, como disse a Senadora Fátima, cumprimento com muita emoção o povo gaúcho que reconheceu todas essas qualidades.

           Quero saudar essa Mesa representativa, muito representativa. Hoje está em nosso painel que esta sessão se destina a homenagear os grupos vítimas de discriminação e preconceitos, o povo negro brasileiro e demais grupos de minorias.

           Aqui amiúde a gente tem maior relacionamento com algum... O Toni, por exemplo, é um guerreiro, frequenta esta Casa na busca de defender os interesses de uma comunidade inteira nesse País que sofre um processo de discriminação cruel, violento, covarde, há muitos e muitos anos, assim como outras minorias.

           Quero pedir permissão a todos para trazer aqui aquilo que considero o eixo principal do surgimento de toda essa discriminação. Quero iniciar fazendo aqui uma afirmação que muitos não gostam de ouvir: o Brasil é um país racista.

           Vejam que, com pouco mais de quinhentos anos de existência, vivemos mais de trezentos anos sob um regime de escravidão neste País. Olhem só: com pouco mais de quinhentos anos, vivemos pouco mais de trezentos anos sob o regime de escravidão, Paim. Será que essa experiência dramática vivenciada no Brasil durante tanto tempo não influenciou e nem forjou a sociedade brasileira atual? Seria inacreditável se isso não tivesse ocorrido. Mais de trezentos anos de escravidão e, de repente, tudo isso desaparece, vira pó. Quem afirma que esse período todo contribuiu decisivamente para formar a atual sociedade brasileira é um cidadão que conheci recentemente, Promotor de Justiça na Bahia, chamado Almiro Sena.

           Paim, olha só o que ele diz, na introdução a um livro, chamado A Cor da Pele, que acaba de lançar. Almiro Sena é, como eu disse, Promotor de Justiça do Ministério Público da Bahia e Coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa do Ministério Público da Bahia. Ele diz, na introdução ao seu livro, respondendo àquela pergunta que fiz há pouco:

A realidade vivenciada pela sociedade brasileira, hodiernamente, decorre do fato de que, dos quinhentos anos de existência do Brasil, primeiro na condição de colônia portuguesa, depois de Império e, finalmente, de República, cerca de trezentos e cinquenta anos foram vivenciados através da sociedade escravocrata, na qual uma parte da população, em decorrência apenas do seu fenótipo e da sua origem africana, era, oficialmente, brutalizada pela outra parte de fenótipo e origem europeia. Ou seja, durante dois terços da história do Brasil, admitiu-se formalmente que em um mesmo país, sob a vigência de um mesmo Estado e em um mesmo território, homens, mulheres e crianças de um determinado grupo étnico/racial explorassem, torturassem, estuprassem e assassinassem milhões de homens, mulheres e crianças de outro grupo étnico/racial, sob o “fundamento” de que, para fins do exercício de direitos, não eram consideradas pessoas, mas apenas “coisas”, ainda que, para fins dos deveres e da responsabilidade penal, fossem consideradas plenamente responsáveis e, portanto, passíveis de todas as punições possíveis.

           Ele responde à pergunta: de fato, todo aquele período forjou a atual sociedade brasileira.

           Porém, senhoras e senhores, oficialmente - e isso se instalou das mais diversas formas no processo educativo brasileiro -, no nosso País, nós não somos racistas. Oficialmente, a concepção é de que o Brasil é um país multirracial, a gente vive numa boa. “Que conversa é essa de racismo? Ninguém é racista neste País”.

           Senhores, essa é a teoria da negação, da desconsideração. Quando a gente nega um fato, delegado, quando a gente exercita a teoria da desconsideração, a gente não pode sequer reparar os fatos, os crimes praticados num período enorme neste País, porque a gente nega. “Eu nego. Nada disso existiu, nada disso existe”. Portanto, oficialmente, no Brasil, nada disso tem a menor repercussão.

           E o que a gente precisa fazer? Exatamente o contrário. O povo brasileiro precisa, com muita humildade, reconhecer esse fato, Paim. Precisamos reconhecer esse fato.

           Eu vou dar um exemplo para vocês: os pracinhas foram à guerra e todo o povo brasileiro reconheceu o esforço deles, sua dedicação, sua coragem, seu sacrifício. Muitos morreram lá fora. E o que nós fizemos? Entre outras coisas, concedemos a eles e a seus descendentes uma pensão vitalícia, de um valor até razoável, erigimos a eles um monumento. Está no Rio o Monumento aos Pracinhas. Todo mundo que visita o Rio vai lá e observa. É um reconhecimento do fato.

           Senhores, ontem, como membro da Comissão de Relações Exteriores, eu tive, mais uma vez, a oportunidade de sabatinar dois diplomatas brasileiros indicados para serem embaixadores em países africanos. Tive oportunidade de dizer ali, naquele momento, rapidamente, porque a ocasião não permitia falas muito alongadas, que toda vez que, na Comissão de Relações Exteriores, diplomatas são sabatinados e indicados para representar o Brasil como embaixadores em países africanos, Paim, essa questão me vem à mente.

           E, olhem, coincidentemente, um está indo para o Togo e o outro para Benin. Os dois afirmaram que, daquela região da África que desce para uma grande baía, dali saíram milhares, milhões de africanos que foram escravizados no mundo inteiro, infelizmente em grandes quantidades no nosso País.

           Eu perguntei há pouco: o que a gente precisa fazer? Alguma coisa tem que ser feita. O povo brasileiro não pode ficar nessa aceitação tácita, nesse comportamento que corrobora a teoria da desconsideração. Todos nós nos comportamos assim. A gente, de fato, ajuda a cristalizar o conceito de que, oficialmente, não há preconceito, não há racismo no nosso País. Vamos mudar de postura! Não que devamos sair por aí com raiva, com ódio, com rancor.

           Acho que mais de 200 anos já operaram o efeito de amenizar esse tônus no nosso sentimento, no nosso coração. Não precisa de ódio. Não precisa de rancor. Não precisa de vingança.

           Agora, imaginem os senhores e as senhoras em casa com sua família, trabalhando, os filhos brincando, e chegam alguns marginais e arrebatam vocês da sua casa, colocam vocês a ferros, açoitam, colocam num navio, atravessam o Atlântico sob as condições mais cruéis, sob as condições mais cruéis. Muitos de vocês não sobrevivem. Chegam num país como o Brasil, por exemplo, e são submetidos a violências, a estupros, a violações, a assassinatos, a trabalhar 24 horas por dia, a comer restos de comida. Coloquem-se na situação de uma família como essa.

           Quando as pessoas da nossa família morrem, de causas naturais ou não, nós reverenciamos essas pessoas, nós reverenciamos essas pessoas. Esses milhões de escravos que vieram para o Brasil fazem parte da nossa família. Nós surgimos da existência deles aqui. Todos nós somos originários deles. Levante a mão aqui quem não é. Levante a mão quem não é.

           Então, eu acho que o povo brasileiro está devendo, e muito. Uma homenagem, uma reverência especial, um resgate da memória, nós estamos devendo isso. Nós estamos devendo um resgate da memória, desse período, de todas essas pessoas e precisamos fazê-lo, e precisamos fazê-lo. Sabem por quê? Porque, se continuarmos negando, se continuarmos negando, se continuarmos fazendo de conta que essas coisas não foram dramáticas como foram, que esses fatos não foram violentos como foram, nós estaremos automaticamente autorizando que outras coisas parecidas ou até piores voltem a acontecer. É uma autorização prévia. Ora, se não admitirmos que aquilo existiu, ou fingirmos que não, nós estaremos automaticamente autorizando que outras coisas aconteçam.

           Eu vou dar um exemplo para vocês. Vocês vão dizer que uma coisa não tem relação com a outra. Tem, sim! Querem ver? O fato de a gente continuar nesse silêncio, nesse silêncio assustador, negando essas coisas, não se voltando de corpo e alma para homenagear, para agradecer, para pedir desculpa, para reverenciar os nossos antepassados pelo fato de a gente ter feito isso, nós autorizamos que se instalasse no Brasil uma ditadura cruel, tempos atrás. Uma ditadura cruel, que também matou, assassinou, e até hoje também a gente finge que não foi bem assim, que não foi nessa intensidade toda. E, se a gente continuar assim, outros fatos vão ocorrer no nosso País que vão nos traumatizar, que vão nos atormentar. Será que é essa a nossa opção, o nosso caminho? Que coisa inacreditável!

           Ontem eu estava conversando com o Senador Paim sobre como a gente, aqui no Congresso Nacional, dar um passo nesse sentido. E o Paim, repercutindo... Até a ONU fala nisso. O relatório da ONU sobre a situação dos direitos humanos no Brasil observa... 

           Olhem só, a ONU vem aqui e observa que há uma lacuna, há uma ausência de atitude do povo brasileiro com relação a todo esse período. E, ontem, conversando com o Senador Paim, mais uma vez, concluímos que precisamos, a partir do Congresso Nacional, a partir do Senado Federal, tomar alguma atitude. E ele, repercutindo, o que diz a própria ONU e que fingimos desconhecer, propôs que, pelo menos estudemos, do ponto de vista do processo legislativo, se podemos propor aqui, no Senado Federal, que se erija no nosso País um memorial da escravidão. (Palmas.)

           Um memorial da escravidão, acho que este é o primeiro passo, talvez, o primeiro passo, para, humildemente, a gente reconhecer toda essa nossa história; para, humildemente, a gente reverenciar nossos antepassados queridos, que sofreram tanto neste País, seus descendentes. Esse seria o primeiro passo, aqui, do ponto de vista do Senado Federal.

           E, olhem, o Paim não é de conversar, virar a página e olhar para o outro lado, não. E eu, na cola dele, também não sou, também não sou.

           (Palmas.)

           Eu estou em final de mandato, ele está em início de um novo mandato, e eu quero ter a honra e o privilégio de assinar com ele uma proposição legislativa, de qualquer forma, provocando o nosso País, o nosso povo, o nosso Governo a tomar esta atitude: erigir um memorial da escravidão. Onde? Vamos decidir, talvez na Bahia. Seja onde for, mas é necessário que se faça, Paim, urgentemente.

           Portanto, senhores e senhoras, com estas palavras eu queria também humildemente despertar e fazer despertar no coração de todos nós aquele amor, aquela saudade, aquela saudação, que por vezes está assim meio escondida ainda, escondida. Com esse gesto, talvez até simbólico, pensado pelo Paim, pensado por mim, já imaginado pela ONU que tomemos uma atitude, que seria simbólica, mas acho que seria expressiva: um memorial da escravatura, onde poderíamos reunir documentos, depoimentos, fatos, coisas, objetos, para que o povo brasileiro, em visita a esse memorial, pudesse prestar reverência, expressar a sua gratidão, pedir desculpas e reconhecer que, da forma como somos atualmente - um País racista -, não podemos continuar a ser!

           Muito obrigado. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/11/2010 - Página 51139