Discurso durante a 186ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem aos grupos vítimas de discriminação e preconceito, o povo negro e demais grupos de minorias.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Homenagem aos grupos vítimas de discriminação e preconceito, o povo negro e demais grupos de minorias.
Publicação
Publicação no DSF de 20/11/2010 - Página 51152
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, GRUPO, VITIMA, DISCRIMINAÇÃO, ELOGIO, DISCURSO, LIDER, GRUPO ETNICO, BUSCA, INCLUSÃO, BRASIL, DEFESA, ORADOR, IMPORTANCIA, IGUALDADE, ACESSO, EDUCAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO, FORMA, ENSINO, CONTRIBUIÇÃO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DISCRIMINAÇÃO SEXUAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


           O SR CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Boa-tarde, quase boa-tarde, exatamente boa-tarde a cada um e a cada uma de vocês!

           Para ganhar tempo, eu não vou cumprimentar, Senador Paim, os membros da Mesa, até porque quero começar dizendo da emoção do último discurso que ouvi.

           Eu não consegui ouvir outros discursos, porque passei aqui, tive que sair para um evento, saí de lá e voltei, porque eu não queria deixar de falar. Mas esse último discurso me tocou profundamente, e eu quero dizer duas coisas sobre o seu discurso: primeiro, como brasiliense, quero pedir desculpas pelo que aconteceu e acontece nesta cidade ainda contra famílias ciganas; segundo, como brasileiro, eu fiquei emocionado ao ouvir sua frase: “Queremos fazer parte desta Nação”.

           Essa é a prova de que a discriminação vem de lá para cá, não daqui para lá, porque, se dissessem “nós não queremos fazer parte desta Nação”, seria uma discriminação dos ciganos. Mas não: “Nós queremos fazer parte desta Nação”. E é isso que dizem os negros, é isso que dizem os nordestinos como eu, quando, às vezes, acontece preconceito contra nordestino pobre, porque contra nordestino rico não existe. (Palmas.)

           Este não será um país enquanto não for um país de todos. Enquanto não atendermos a sua frase - “nós queremos fazer parte deste País” -, este não será um país ou não será uma nação. Aliás, você disse nação, não país. Esta não será uma nação enquanto não for de todos.

           E eu fico feliz de ver que tivemos muitos avanços, mas estamos longe ainda de fazer a mudança que a gente deseja. Tivemos avanços. As cotas para os negros claro que representam um avanço, mas um avanço pequeno quando a gente deseja é que não sejam mais necessárias as cotas, que todos os meninos e meninas, negros e negras, entrem na escola igual à dos ricos. E, aí, não precisem de cotas. Até lá, vamos, sim, manter as cotas, porque é um avanço.

           Claro que tivemos o avanço, 122 anos atrás, da abolição da escravatura. Foi um avanço! Não se pode mais vender pessoas. Mas não foi a revolução que Joaquim Nabuco queria, de dar terra, de dar escola aos negros.

           Nós precisamos, Senador Paim, ir além desses avanços. O Brasil precisa deixar de ser um país provisório, em que a gente vai fazendo jeitinhos, jeitinhos e jeitinhos e não resolve os problemas.

           Eu tenho orgulho de ter sido o criador da bolsa-escola, mas eu queria ter visto, nesse debate presidencial, os candidatos discutindo quando não se vai mais precisar de bolsa-escola nem bolsa-família neste País, quando não se vai mais precisar de cotas, quando não se vai mais precisar de uma sessão como esta, contra a discriminação.

           Até lá, Paim, que façamos muitas como esta para despertar as pessoas, até o dia em que isto aqui fique como um fato da história, quando dirão que o Senador Paim, uma vez, fez uma sessão sobre a discriminação, e as pessoas até terão que ir ao dicionário saber o que quer dizer discriminação.

           Eu acho - para não dizerem que eu não falei - que o caminho para isso são as educações. Vou dizer por que coloquei no plural, Senador Paim.

           A educação, uma, é aquela que vai fazer com que as pessoas se sintam com dignidade, e os outros passarão a respeitá-las. É preciso colocar todas as crianças em escola igual. A gente já comemora, por exemplo, na ideia da “provisionalidade” no Brasil: hoje quase todas as crianças estão na escola. Mas umas são assim, outras são assim na qualidade. E a gente comemora. Todas estão na escola, mas umas chegam ao segundo grau, e outras não chegam. Umas chegam ao final do ensino médio, e outras não chegam. E muitas das que chegam ao ensino médio foram em escolas muito desiguais. Precisamos ter todas as crianças nas escolas iguais para todos.

           As pessoas dizem que é absurdo pensar isso, porque nunca vai acontecer, mas já aconteceu em outros países. E eu sonho, e é possível, que um dia, de manhã cedo, aqui em Brasília, onde tanta gente mora em prédio como eu, desçam juntas as filhas da empregada e da patroa indo para a mesma escola. E que não precisem tomar carro para ir para a escola. Isto é um absurdo: criança ter que tomar carro para ir para a escola. A escola tem que ser perto de casa. Essa é primeira escola, a primeira educação de que a gente precisa.

           Agora, há outra educação: a que a gente ensina. A discriminação só desaparece, primeiro, quando a gente garantir escola igual para todos, mas só vai desaparecer mesmo quando a gente garantir uma educação em que se ensine a tolerância, em que o conteúdo seja favorável. (Palmas.)

           Se formos olhar, há muito doutorzinho neste País intolerante, há muito doutorzinho preconceituoso, há muito doutorzinho que discrimina. Aliás, se a gente for olhar bem, os doutores discriminam muito mais do que os analfabetos discriminam.

           Aqui vimos a cigana dizendo “queremos ser parte desta Nação”. Há muito doutorzinho que não quer deixar que cigano, que negro, que pobre, que analfabeto seja parte desta Nação.

           Deixe-me fazer um parêntese aqui. Agora mesmo, estão querendo cassar o mandato desse Deputado - e estou chamando já assim - Tiririca. Não vou dizer que comemorei a vitória dele. Agora, cassação por ser analfabeto, mesmo que ele seja, é um absurdo! Se querem cassar, cassem o prefeito da cidade onde ele foi criança, que, em vez de colocá-lo nas escola, deixou-o analfabeto. (Palmas.)

           Então, essa discriminação dos doutores, essa discriminação dos que estudaram deve acabar.

           Como é que a gente acaba? Mudando o conteúdo. Fazendo com que, na escola, se perca esta coisa que existe muito e que a gente às vezes não fala: a discriminação contra as mulheres pelo machismo, que começa na escola, quando os meninos puxam o cabelo das meninas, quando os meninos maltratam as meninas, a discriminação do machismo.

           A discriminação dos negros, por exemplo, vem de duas formas: por não deixá-los entrar na escola e por ensinar lá dentro coisas que incentivam a intolerância. São duas formas que levam a discriminação a acontecer: não colocar ciganos, negros na escola; e a outra que, quando entram na escola, aprendem coisas que discriminam.

           Tem mudado muito, mas, até pouco tempo, crianças negras na escola não podiam estudar livros de História porque o que eles aprendiam passavam a imagem de que negro era feio, de que negro não aprendia.

           Eu acho que é a educação que vai fazer com que todos sejamos da mesma Nação. “Queremos ser da mesma Nação” - essa frase vai ficar gravada para mim.

           O caminho é a educação, mas a educação para todos, e a educação ensinando a tolerância, ensinando a paz, para que todos se sintam semelhantes, não vou dizer iguais, porque cada um da gente é um, mas semelhantes, respeitosos.

           E, quando isso acontecer, Senador Paulo Paim, esta sessão vai estar registrada como um dos momentos que ajudou a isso.

           Deveríamos, todo o ano, fazer uma sessão como esta, ou até todo o mês, e deveríamos dar falta aos Senadores que não estivessem presentes a esta sessão, para que eles ouvissem os discursos; mas eu falo sobretudo deste que eu assisti, em que uma cigana vem aqui, falando articuladamente, falando perfeitamente, e diz para nós: “Queremos ser parte desta Nação”.

           Muito obrigado por essa sua frase.

           Muito obrigado, Paim, por esta sessão. (Palmas.)

           O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Obrigado Senador Cristovam.

           Senador Cristovam, permita-me dizer que, na minha recente campanha no Rio Grande do Sul, S. Exª fez um apelo ao povo gaúcho, dizendo: “Por favor, votem por mim, votem no Senador Paim”.

           Grande Cristovam, a minha campanha tem a marca dele.

           O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Tenho certeza de que falei por todos - eu não sou aposentado -, falei pelos aposentados, falei pelos trabalhadores, falei pelos discriminados. O senhor não é Senador do Rio Grande do Sul, o senhor representa o Rio Grande do Sul, mas o senhor é Senador do Brasil. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/11/2010 - Página 51152