Discurso durante a 180ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação contrária ao dispositivo constitucional que impede a candidatura de analfabetos a cargos eletivos, informando que apresentará proposta de emenda à Constituição no sentido de alterar referido dispositivo e defesa da eleição de Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca, sobre quem recai a dúvida de ser analfabeto.

Autor
Magno Malta (PR - Partido Liberal/ES)
Nome completo: Magno Pereira Malta
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • Manifestação contrária ao dispositivo constitucional que impede a candidatura de analfabetos a cargos eletivos, informando que apresentará proposta de emenda à Constituição no sentido de alterar referido dispositivo e defesa da eleição de Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca, sobre quem recai a dúvida de ser analfabeto.
Publicação
Publicação no DSF de 11/11/2010 - Página 50055
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • DISCORDANCIA, ARTIGO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, IMPEDIMENTO, CANDIDATURA, ANALFABETO, CARGO ELETIVO, CRITICA, DISCRIMINAÇÃO, JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, DISPOSITIVOS, INICIATIVA, IMPETRAÇÃO, AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, GARANTIA, EXERCICIO, MANDATO, ARTISTA, CANDIDATO ELEITO, DEPUTADO FEDERAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), SUSPEIÇÃO, ANALFABETISMO.
  • ANALISE, REPUDIO, POPULAÇÃO, ATUAÇÃO, MAIORIA, CLASSE POLITICA, ELOGIO, POPULARIDADE, ARTISTA, SUPERIORIDADE, VOTO, ELEIÇÕES, IMPOSSIBILIDADE, ANALFABETISMO, RISCOS, EXERCICIO, MANDATO, COMPARAÇÃO, BIOGRAFIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RELEVANCIA, COMPETENCIA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, BRASILEIROS, PROMOÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, INCENTIVO, EDUCAÇÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MAGNO MALTA (Bloco/PR - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Esgotou a sua paciência, não é?

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, pessoas que me veem em casa pela TV Senado e que me ouvem pela Rádio Senado, possivelmente, o que vou tratar aqui seja polêmico para alguns, mas para outros, não. E é possível que aquilo de que vou tratar traga luz para alguns milhões de brasileiros que foram induzidos pelos falsos intelectuais e por uma elite que discrimina, que é impiedosa e implacável com aqueles que não tiveram acesso a qualquer tipo de serviço no Brasil.

            Desde que o processo eleitoral se deu no primeiro turno e as eleições vieram, muitos foram às ruas, emprestaram os seus nomes para a disputa eleitoral, para serem julgados pela sociedade. Gente de muita formação intelectual, gente de universidade, representantes de professores; gente representando o Ministério Público, as polícias; gente representando o movimento cultural, intelectuais, escritores; muita gente que viveu nas universidades, economistas, muita gente com curso superior, muita gente qualificada do ponto de vista do conhecimento, até porque não falo do ponto de vista da educação, porque educação é uma coisa que quem dá é pai e mãe. Minha mãe era semianalfabeta e era uma mulher educada. Educação não se aprende na escola. A escola abre janela para o conhecimento e dá conhecimento ao cidadão e conhecimento ao indivíduo.

            Muitos foram ao pleito eleitoral com a sua história, com a sua luta, pelos interesses da sociedade. Mal ou bem, por aquilo que lutaram, por aquilo que produziram, pelos frutos que produziram - e colheram os frutos que produziram. Alguns com muita formação, outros com pouca formação e alguns com nenhuma. E alguns chamados de analfabetos.

            E me assusta muito as pessoas fazendo piadas com aqueles que não tiveram acesso ao ensino, com aqueles que lhes foi negado o direito do ensino e que são chamados de analfabetos neste País.

            Eu falava em um encontro de Direito Penal, na Bahia, promovido por uma grande universidade, no auditório do Hotel Fiesta, Sr. Presidente, um hotel bem centralizado, no coração de Salvador, com bons auditórios, preparado para esse tipo de convenção. Eram centenas de acadêmicos e de operadores do Direito.

            E eu fui lá fazer o quê, Sr. Presidente? Fui lá falar sobre o rastreamento eletrônico.

            Eu, que sonhei na minha vida ser advogado, mas a minha origem, quem sabe, não tenha me permitido, porque eu nunca tive acesso a um livro, estudei em escola pública simples, de professoras dedicadas. Como esquecer a professora Emília, a minha professora? Como esquecer a professora Nívea, que ensinou a mim e a meus irmãos os primeiros passos?

            Mas, filho de uma faxineira, não tinha acesso. Foi ali que eu conheci o então Governador do Distrito Federal, Agnelo. O único colégio particular que tinha na cidade era do tio dele, Dr. Ediranir. Mas lá só estudava filho de fazendeiro, filho de médico, filho de rico. Eu sou filho de uma faxineira, Sr. Presidente. E sonhei ser advogado. Fiz vestibular três vezes, mas não passei. Como eu, milhões de brasileiros.

            Veio o advento das eleições, e o artista, o ator, o humorista Tiririca se candidata e as urnas lhe sufragam com um milhão e trezentos mil votos. Muita coisa apareceu. As pessoas disseram: Isso é palhaçada de quem votou. É voto de protesto.

            Pode ser. Porque cada um escolhe como quer protestar. Tem gente que picha muro. Tem gente que ergue uma faixa. Tem gente que fica sozinho ao sol, com uma faixa, protestando contra aquilo que ele não acredita. Ou, quem sabe, protestando contra a violência, fazendo um pedido de paz, ou um protesto contra as drogas, ou um protesto contra o desemprego. Cada um protesta da sua forma.

            Quem sabe, as pessoas que votaram em Tiririca fizeram um protesto aos políticos profissionais e convencionais. Disseram: vou protestar, eu cansei de votar neles, não voto mais, porque o que disseram que iam fazer não fizeram. Aquilo que prometeram em São Paulo não aconteceu. Acompanho a vida do Parlamento e não é isso exatamente, quando fico ligado na TV Câmara e não os vejo atuando como disseram que iam atuar. Então, eu protesto dessa forma.

            Penso que parte votou nele porque, quando chegam em casa, depois de um trânsito estressante em São Paulo - e não é só em São Paulo, é no Brasil inteiro -, ficam malucos para ligar a televisão no Show do Tom, para achar o Tiririca, para sorrir à vontade, para desestressar com um humorista que não fala palavrão, que não tem script e que tem uma capacidade de entrar na alma das pessoas. Isso no Brasil inteiro. Isso no Brasil inteiro!

            Esse rapaz se candidata. E não podia ser de outra forma que se candidatasse como Everardo. Quem é que ia reconhecê-lo? Se ele cruzar com V. Exª no aeroporto, V. Exª terá dificuldade. Vai reconhecer rapidamente porque vai ter uma multidão de fotógrafos em cima neste momento, agora, principalmente. Mas não é fácil.

            E a Câmara dos Deputados é a representação do povo. Estou correto, Sr. Presidente? Então, na Câmara dos Deputados tem representante de plano de saúde, tem representante de bicheiro, tem representante de escola de samba. Na Câmara dos Deputados tem representante de evangélicos, tem representante de homossexuais. Na Câmara dos Deputados tem representante de latifundiários, de banqueiros, de sindicatos, de donas de casa, porque é a representação do povo. A Câmara é a cara do povo.

            Sr. Presidente, eu gostaria de fazer uma reflexão. A lei diz, neste País, que é dever do Estado e direito do cidadão: segurança, saúde, transporte e educação.

            Neste País que vivemos, há 10% de analfabetos! Dez por cento de analfabetos!

            Ora, Sr. Presidente, se é dever do Estado - reflitam, os senhores que estão em casa, comigo - dar condição ao cidadão, criar meios para que ele tenha conhecimento - não estou falando em educação, porque educação quem tem que dar é pai e mãe, escola não educa ninguém, escola dá conhecimento -, então é dever do Estado dar educação, escolaridade ao cidadão - eu só acredito na escolaridade. Como que nós temos 10% de analfabetos ainda neste País? Ora, se na Câmara dos Deputados a representatividade é de latifundiários, de sindicato de médicos, de planos de saúde, representante de escola de samba, de bicheiro, houve época em que até representante do narcotráfico tinha, se o País tem 10% de analfabetos, por que o Tiririca não pode ser o representante deles? É a reflexão que faço. Mas a lei está errada. E hoje aqui estou dizendo que estarei protocolando amanhã uma PEC para alterar a lei, e estou entrando com o meu Partido, com Adin, Ação Direta de Inconstitucionalidade. Algumas pessoas me disseram que não há sentido, mas eu vou entrar, porque acho necessário ao debate. Eu escrevi essa PEC ladeado por pessoas que têm conhecimento jurídico, que conhecem os caminhos jurídicos, que conhecem a linguagem jurídica, o ordenamento jurídico brasileiro. Eu escrevi com a ajuda de peças significativas do Ministério Público. Eu ia até dizer ao Jayme Campos, que acabou de sair da tribuna, que pessoas do Ministério Público do próprio Estado dele ajudaram-me a escrever essa PEC.

            Sr. Presidente, a lei diz que o analfabeto não pode ser votado. Como isso ocorre em um País onde há 10% de analfabetos? Isso é absolutamente discriminador, e eu odeio discriminação. Sei que há milhões de brasileiros analfabetos me ouvindo agora, com ouvidos abertos, homens e mulheres que construíram este País, hoje aposentados, outros, não. Porque quem cria, quem é babá do filho de uma pessoa ajuda a construir uma vida, uma família, uma nação, assim como um pedreiro, um agricultor, um carpinteiro. E conheço grandes pregadores do Evangelho que aprenderam as letras na Bíblia e nunca tiveram acesso a um livro, mas sua unção de pregação é absolutamente maior do que o conhecimento intelectual de tantos outros que conheço.

            Sr. Presidente, eu gostaria de convidar o Brasil para refletir comigo. A lei é cruel e discriminadora. A lei diz que o analfabeto não pode ser votado, mas é obrigado a votar. Sr. Presidente, uma pergunta: o voto no Brasil é facultativo ou obrigatório? É obrigatório. Então, o analfabeto é obrigado a votar. Olhe como isso é discriminador, como a lei é debochada! A lei diz assim:

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. MAGNO MALTA (Bloco/PR - ES) - “Olhe, cambada de analfabetos, 10% - dez por cento equivale a quanto, Sr. Presidente, já que somos 180 milhões de brasileiros? - de despreparados, cabeças ocas, infames, não sabem nada, despreparados, abilolados - como diz o termo nordestino -, vocês que não tiveram acesso à escolaridade olhem para mim e saibam de uma coisa: vocês são obrigados a nos obedecer. Vocês têm de votar em nós, mas não podem ser votados. Vocês só servem para ser manobrados por nós. Votem! São obrigados a votar, cambada de despreparados. Mas serem votados, não.”

            Ora! Isso é uma discriminação nojenta! Isso é uma baboseira! É uma lei debochada, que debocha daqueles... Falo isso com se estivesse fazendo a defesa da minha mãe, que ajudou a construir este País, e do meu pai, que só sabia assinar o nome, criou com dificuldade seus filhos e construiu dignidade e honra mesmo na sua pobreza, sem ter acesso ao livro, à universidade. É uma lei discriminadora.

            E quando leio colunistas debochando desse cidadão, um artista dotado de talento... Vejo pessoas rindo! E lá no Fiesta, quando eu disse aos operadores do Direito “agora, quero falar sobre Tiririca”, alguns do meu lado esquerdo começaram a rir. Já ouvi Deputados dando conta do seu mandato e dizendo: “Precisamos votar nas pessoas, porque olhem onde o Brasil está! Olhem a palhaçada! Elegeram Tiririca.” Palhaçada? Tiririca é traficante? Tiririca é ladrão? Tiririca é desonesto, estelionatário?

            Tiririca é um cidadão simples e pobre do interior do Nordeste, a exemplo do Presidente Lula e meu também. Ele não teve acesso ao livro e ao conhecimento, porque é um circense. É do circo. E do circo pequeno, que vai ao distrito. O circo Ben-Hur não vai, o espetáculo Cirque du Soleil não chega à pequena cidade, ao distrito, aonde o circo pequeno vai, aonde a tourada vai, aonde aquele parquinho ainda de auto-falante vai. Se eles pararem, morrem de fome. Se não pararem, não têm tempo de ter acesso ao conhecimento. Mas são pessoas educadas.

            Sr. Presidente, é altamente debochado. As pessoas que votaram em Tiririca votaram acreditando nele. É uma maldade o que estão fazendo. E ele precisa assumir. O Brasil precisa sair dessa posição infame de um país discriminador, de um país que discrimina as pessoas. Então, esse moço só serve para levar risos para as pessoas?

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. MAGNO MALTA (Bloco/PR - ES) - Conheço um artista muito rico e conhecido no Brasil que sofre da síndrome do pânico, tem depressão, que a única coisa que a família podia fazer era levar o Tiririca lá para esse rapaz sair do escuro e sorrir. Faz isso com milhões de brasileiros. E alguém diz: “É palhaçada”. Palhaçada é o que muitos políticos fazem quando disputam o processo eleitoral e aqui chegam, fazem negócios pessoais e nada produzem para a nação brasileira. E não se pode chamá-los de palhaços, porque é ofender a classe de palhaços.

            Eu lamento que algumas autoridades sejam taradas por um microfone, por uma luz, por um holofote, e é fácil agora fazer ameaças ao mandato eletivo dado pelo povo de São Paulo a esse cidadão simples do interior do Ceará.

            Se temos 10% de analfabetos, ainda que ele fosse um analfabeto profissional poderia ter assumido.

            O Vice-Presidente da República do Brasil tem o terceiro ano primário, fala de economia como ninguém, um dos empresários mais bem-sucedidos deste País. Conheço pessoas em posições neste País.

            No começo da Petrobras, os seus técnicos mais crânios não tinham nenhuma formação, não havia escola para eles nem escolas técnicas; eles desenvolveram ferramentas, eles desenvolveram aquilo que havia necessidade de desenvolver. Conheci um pastor assim em Aracaju, que era um fazedor de ferramentas. Uma sonda quebrava lá embaixo, não tinha como tirar, ele produzia um outro instrumento que sacava a sonda quebrada.

            Quantas inteligências temos assim que não tiveram acesso ao ensino?

            As pessoas que estão me ouvindo em casa, Sr. Presidente, estão balançando a cabeça, dizendo que é verdade, porque têm alguém em casa.

            Ali estão dois pastores, Pastor Robson e Pastor Marco Aurélio. Quantos pregadores temos neste País que não sabem ler um texto, que alguém lê para eles? E quantas vidas resgataram, quantas agências do Reino eles abriram, quanto trabalho produziram, quanta dignidade! Nós não podemos ser discriminadores!

            Pois aqueles que votaram no Tiririca votaram porque gostam dele. E os que votaram por protesto fizeram-no protestando contra aqueles a quem já deram o voto e não corresponderam, e eles resolveram mudar de lado.

            Sr. Presidente, eu quero que o Brasil me escute. É entristecedor. Então, a lei tem que mudar de um jeito ou de outro. Ou a lei diz: “A partir de hoje, analfabeto não precisa votar; não é votado, nem precisa votar, nem pagar imposto.” O Estado negou a eles. A Constituição diz que é dever do Estado dar ao cidadão educação, e negou. Eles não tiveram acesso. Então, eles, a partir de hoje, não pagam impostos nem são obrigados a votar: “Vocês podem pescar, vocês podem trabalhar, podem ir embora no dia da eleição; vocês não são obrigados, não pagarão multa, também vocês não poderão ser votados”. Agora, dizer isto? “Monte de idiotas, votem, porque são obrigados. Se não votarem, pagam multa; ou, então, votem em nós, porque nós temos escolaridade, temos anel no dedo, passamos pela escola”.

            Sr. Presidente, este País teve um intelectual que comandou este País por oito anos. Não construiu uma universidade, não construiu uma escola técnica para formar os nossos filhos. Ele não fez a universidade do negro. Não foi ele que criou o Enem, não foi ele que criou para o Brasil a inclusão dos negros.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. MAGNO MALTA (Bloco/PR - ES) - Não foi esse intelectual que criou as universidades, as extensões.

            E penso que quem criou universidade, escola técnica, que qualifica mão de obra, 214 em seis anos, foi Luiz Inácio Lula da Silva, semianalfabeto, quarto ano primário, sem letra. Não teve acesso. E eu diria para o senhor, sem medo de errar, que a melhor história da educação deste País foi escrita pelo nordestino semianalfabeto chamado Luiz Inácio Lula da Silva.

            Sabe por que, Sr. Presidente? Porque o problema do Brasil, o problema do Senado, o problema da Câmara dos Deputados não são os analfabetos; o problema da Câmara dos Deputados, o problema do Senado, o problema do Brasil são os sabidos demais.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/11/2010 - Página 50055