O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou abordar nesta tarde três temas que considero da maior importância para a causa dos direitos humanos, que tem o apoio de setores da sociedade brasileira e deste Senado da República.

            A primeira questão que quero abordar nesta tarde trata da denúncia de fatos, ignorados pela grande imprensa brasileira, que dizem respeito ao conflito político e social que ocorre no norte da África, em território do povo saharaui, conflito que se arrasta há mais de trinta anos com a República do Marrocos.

            Participei, em nome do Senado Federal e da Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo Senador Cristovam Buarque, da 36ª Conferência Europeia em Apoio à Autodeterminação do Povo Saharaui, povo do Saara, da República Democrática Árabe do Saara Ocidental, que se realizou na França, de 28 a 31 de outubro último. Foi uma das mais representativas conferências em apoio à causa do povo saharaui, e contou com a presença de 23 países dos cinco continentes, mesmo sendo aquela conferência denominada Conferência Europeia de Apoio à Causa do Povo Saharaui. Estavam presentes 518 delegados, entre os quais destaco os delegados da América Latina, do Brasil, da Nicarágua, do México e do Peru. E ali firmamos, mais uma vez, o compromisso com o apoio à autodeterminação do povo saharaui.

            Mas, Sr. Presidente, a realização dessa Conferência num momento em que os conflitos na região do Sahara Ocidental tomam proporções que não se podem aceitar, sobretudo os conflitos registrados nas últimas semanas, em que a população do Sahara e o exército do Reino do Marrocos deixaram dezenas de mortos e centenas de feridos... Esses fatos aprofundam um conflito que já dura mais de trinta anos. O governo marroquino está levando a cabo uma “limpeza étnica” do povo saharaui no território ocupado da República Árabe Saharaui Democrática ou, como conhecemos no Brasil, o Sahara Ocidental.

            Em 10 de outubro deste ano, o povo saharaui instalou o chamado “Acampamento da Dignidade”, em protesto pela repressão e perseguição que tem sido desencadeada pelo exército ocupante do Marrocos contra os colonos saharauis. Esse exército respondeu ao acampamento pacífico com uma força repressiva descomunal e desmedida, produzindo milhares de detidos e feridos e um total, até o momento, de 19 mortos.

            Diante disso, a resistência saharaui, representada pela Frente Polisário de Libertação Nacional, tem liderado uma heróica sublevação popular, conhecida no mundo árabe como Intifada. Nossos irmãos saharauis têm declarado que “recorrerão a todos os meios, inclusive à guerra”, com o fim de conquistar seus direitos nacionais, sua independência e sua soberania.

            Frente a essa situação preocupante, é preciso que o Governo brasileiro assuma lado nesse conflito, primando, antes de mais nada, por uma saída que garanta a descolonização completa da África, fato que só pode ser consumado pela completa independência do Saara Ocidental em relação ao Marrocos.

            Em segundo lugar, é necessário que a política externa brasileira, tão reconhecida por seu protagonismo em conflitos como no Irã e em Honduras, assuma sua vocação de paz e cobre das Nações Unidas e da Missão criada com a finalidade de pôr fim ao conflito o mais duro repúdio à violência impetrada pelo exército marroquino nos conflitos ora em curso.

            Para os que nos ouvem e assistem pela TV e Rádio Senado, vale a pena lembrar ou relembrar o que acontece naquela região da África. Quando, em 1975, a Espanha abandonou a sua antiga colônia, deixou para trás um país sem qualquer infraestrutura, com uma população completamente analfabeta e desprovida de tudo. O vazio criado pela Espanha foi aproveitado pela Mauritânia e pelo Marrocos, que invadiram o território do Saara Ocidental.

         O Estado do Saara Ocidental foi proclamado pela Frente Polisário em 27 de fevereiro de 1976. O primeiro governo formou-se em 4 de março desse mesmo ano. Em 1979, a Frente Polisário expulsa bravamente do sul o pequeno exército da Mauritânia, forçando o país a abdicar dos seus direitos sobre o território em 1979.

            Desde então, ficaram frente a frente, nas areias do deserto, os guerrilheiros da Frente Polisário e as forças marroquinas. O exército marroquino retirou-se para uma zona restrita do deserto, onde a engenharia militar construiu um imenso muro de concreto armado - menor apenas que a grande Muralha da China -, por trás do qual os soldados marroquinos vivem entrincheirados, protegendo a extração do fosfato, abundante naquela região.

            Em 1987, uma missão da ONU visitou a região para averiguar a possibilidade da realização de um referendo sobre o futuro do território, uma iniciativa difícil, dado que grande parte da população é nômade. Até 1993, foi impossível realizar o referendo.

            Em 2001, a África do Sul torna-se o sexagésimo país a reconhecer a independência do Saara Ocidental. Em 2007, o Marrocos e a Frente Polisário reiniciaram conversações, com o patrocínio da ONU, para debater o estatuto do território.

            Em 2003, o enviado especial da ONU para o território, James Baker, apresentou o Plano Baker, conhecido como Baker II, que teria dado ao Saara Ocidental imediata autonomia durante um período transitório de cinco anos para se preparar um referendo, oferecendo aos habitantes do território a possibilidade de escolher entre a independência, a autonomia no seio do reino do Marrocos ou a completa integração com o Marrocos. A Frente Polisário aceitou o plano, mas o Marrocos o rejeitou.

            Neste momento, as negociações encontram-se estagnadas. Centenas de presos políticos ocupam as masmorras marroquinas, algo absolutamente inaceitável. Enquanto isso, o reino do Marrocos segue criando mais e mais assentamentos na região, tentando convencer a população a rejeitar sua própria independência política.

            A ONU já expressou sua preocupação diante dos crimes aos direitos humanos cometidos pelo reino do Marrocos. Já são mais de 60 países reconhecendo a independência da República do Saara Ocidental. Enquanto isso, o Governo brasileiro ainda não o fez, negando ao governo da Frente Polisário a instalação de uma embaixada no Brasil.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma das discussões que realizamos durante a 36ª Conferência Europeia em Apoio à Autodeterminação do Saara Ocidental foi justamente a luta para ampliar o reconhecimento, por um conjunto cada vez maior de nações, sobre o direito do povo saharaui ao seu território.

            Nesse sentido, tomamos a iniciativa de enviar ao Ministro Celso Amorim, do Itamaraty, um pedido de reunião com a bancada de Senadores desta Casa, para iniciar, de forma mais direta, um diálogo a respeito desse tema, que, aos poucos, vai sensibilizando governos e instituições comprometidas com a busca de uma saída democrática para esse conflito.

            Assim, faz sentido o chamamento de um dos governos que, inclusive, tem sido fiel apoiador do Marrocos. Mas merece registro o fato de o Primeiro-Ministro espanhol Zapatero, nesta semana, ter dirigido o chamado e uma convocação aos líderes mundiais, para que coloquem em sua agenda a preocupação com uma solução para esse conflito que se arrasta há mais de 30 anos entre o povo do Saara Ocidental e o povo do Marrocos.

            Chegou a hora de o Governo brasileiro assumir claramente uma posição nesse conflito. É inadmissível o silêncio, como se nada estivesse acontecendo, por parte da comunidade internacional e, em especial, por parte do nosso País.

            Portanto, queremos discutir com o Governo brasileiro, com o Itamaraty, com o Ministro Celso Amorim essa questão tão atual, tão urgente. Esperamos que o pedido de audiência formulado por um conjunto de Senadores desta Casa encontre a devida acolhida e o tratamento adequado.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma das propostas da Conferência Europeia em apoio ao povo saharaui é a realização da 1ª Conferência Latino-Americana em apoio à autodeterminação do povo do Saara Ocidental, que deve ser realizada no primeiro semestre de 2011. A proposição dessa Conferência sugere o México como sede dessa importante iniciativa.

            Portanto, sobre esse tema, Sr. Presidente, gostaria de reiterar o apelo para que o Itamaraty, de acordo com os princípios de liberdade e de autodeterminação dos povos, possa finalmente assumir a causa do povo do Saara Ocidental - como já o fez em relação ao Estado Palestino, por exemplo - e reconheça, de uma vez por todas, a existência do Estado do Saara Ocidental, exigindo a imediata retirada das tropas marroquinas de seu território, para que possam cessar, de uma vez por todas, as violações aos direitos humanos naquela região.

            Em relação a este tema, Sr. Presidente, ainda quero registrar o desconforto pela manifestação da Embaixada do Marrocos junto ao Senado Federal, que divulgou, por meio da TV Senado, uma entrevista com o Embaixador Hamdi, que fez considerações a respeito da luta do povo do Saara Ocidental. E isso foi interpretado como algo que agride o povo ou o governo marroquino.

            Isso não tem o menor cabimento na relação que devem ter os países, as instituições, lutas e causas como essa do povo do Saara Ocidental.

            Soube que foi manifestado junto ao Senado o desagravo pela entrevista realizada pelo Embaixador do Saara Ocidental em veículo de comunicação desta Casa.

            Portanto, Sr. Presidente, fica registrado aqui o nosso pleito e a nossa luta em favor da autodeterminação do povo do Saara Ocidental.

            Em segundo lugar, Sr. Presidente, queria registrar a realização, pela Federação Mundial das Juventudes Democráticas do 17º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, que ocorrerá este ano na África do Sul. Inclusive, o Brasil pleiteia e quer construir uma importante participação.

            Encontra-se na galeria da Casa uma representação da Federação das Juventudes Democráticas, que se organizam sob a forma de Federação em vários países. Em nosso País, Sr. Presidente, há representação de vários partidos. Há representação da juventude do PSB, do PCdoB, do PDT, do PMDB, do PT e de outras organizações políticas.

            Encontram-se entre nós na galeria da Casa os jovens André Tokarski. da UJS; Ticiana, Diretora da Redação Internacional da JS; Elisangela, Presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos, que se fazem acompanhar da presença do Diretor da Liga Juvenil do Congresso Nacional Sul-Africano, Sr. Abner Mosaase, a quem o saudamos e que é, na África do Sul, o Presidente do Comitê Organizador do 17º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes.

            Queremos reiterar o apoio do Governo brasileiro para que o Brasil se faça representar na África do Sul no período de 13 a 21 de dezembro deste ano. Que possamos contar ali com uma delegação tão representativa como foi a que esteve presente no 16º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, realizado na cidade de Caracas, na Venezuela.

            Portanto, quero aqui expressar o apoio do PSOL, o apoio dos Parlamentares brasileiros que assinaram o manifesto em apoio à participação de uma expressiva delegação brasileira no 17º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, a realizar-se em Johanesburgo, na África do Sul.

            Por último, Sr. Presidente, quero solicitar a V. Exª e aos órgãos de comunicação da Casa divulgação para que todas as entidades de direitos humanos de nosso País, de acordo com a Resolução nº 14/2010, do Senado Federal, possam indicar instituições e pessoas para serem agraciadas com a Comenda de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara. As entidades e instituições podem fazer suas indicações à Mesa do Senado Federal, enviando currículo com os dados das pessoas que são candidatas ao recebimento dessa comenda.

           Esperamos que os órgãos de comunicação - solicito isso, Sr. Presidente - do Senado Federal tornem público para toda a sociedade brasileira, especialmente para os que se dedicam à causa dos direitos humanos, e que a primeira edição da Comenda de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara tenha a participação do maior número de entidades, cabendo ao Conselho encarregado da referida Comenda fazer a escolha de modo a agraciar cinco brasileiros ou brasileiras com a Comenda de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara, na medida em que tenham essas pessoas e essas instituições contribuído para a defesa e promoção da causa dos direitos humanos.

            Por último, Sr. Presidente, solicito a leitura e aprovação pelo Plenário de um requerimento aditivo que trata da destinação do tempo do Expediente da Sessão Deliberativa Ordinária do dia 30 de novembro à comemoração especial do Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino. Requerimento de autoria de vários Senadores, encabeçado pelo Senado Eduardo Suplicy e também subscrito por mim. Solicito a V. Exª, Sr. Presidente Senador Jefferson Praia, a deliberação do requerimento que ora menciono.

            Agradeço a V. Exª o tempo e a paciência, na certeza de que as questões aqui abordadas fortalecem a luta em prol de um mundo melhor.

            Muito obrigado.

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