Discurso durante a 188ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários a pesquisa do IBGE que registra a diminuição no número de leitos hospitalares no Brasil.

Autor
Valter Pereira (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Valter Pereira de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. SAUDE.:
  • Comentários a pesquisa do IBGE que registra a diminuição no número de leitos hospitalares no Brasil.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 24/11/2010 - Página 51793
Assunto
Outros > SENADO. SAUDE.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, SENADO, DEPUTADO FEDERAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA (PDT), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS).
  • REGISTRO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), COMPROVAÇÃO, DENUNCIA, ORADOR, FALENCIA, SAUDE PUBLICA, REDUÇÃO, OFERTA, LEITO HOSPITALAR, INFERIORIDADE, MEDIA, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO, MAIORIA, HOSPITAL, INICIATIVA PRIVADA, CONTRADIÇÃO, DIRETRIZ, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), AUMENTO, PRIVATIZAÇÃO, SETOR, ESPECIFICAÇÃO, GRAVIDADE, CRISE, MUNICIPIO, CAMPO GRANDE (MS), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), FALTA, PESSOAL, EQUIPAMENTOS, MEDICAMENTOS, SANTA CASA DE MISERICORDIA, LEITURA, DOCUMENTO, INFORMAÇÃO, AUSENCIA, VAGA, PRONTO SOCORRO, OCORRENCIA, INTERVENÇÃO, PREFEITURA.
  • LEITURA, INFORMAÇÃO, INTERNET, MINISTERIO PUBLICO ESTADUAL, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), OCORRENCIA, REPASSE, FUNDOS PUBLICOS, INSTITUIÇÃO PARTICULAR, TRATAMENTO, CANCER, OBJETIVO, REDUÇÃO, DEMANDA, HOSPITAL, SETOR PUBLICO, QUESTIONAMENTO, AUSENCIA, INVESTIMENTO, TECNOLOGIA, RADIOTERAPIA, HOSPITAL REGIONAL, HOSPITAL ESCOLA, COMPROVAÇÃO, ORADOR, CRISE, GESTÃO, SAUDE.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, V. Exª registra a presença do Deputado Dagoberto Nogueira, e é com muita alegria que nós o recebemos nesta Casa, nesta tarde, para discutir problemas relacionados ao nosso Mato Grosso do Sul. Ele, que é um dos diligentes parlamentares do Mato Grosso do Sul e uma das figuras mais respeitáveis do Partido Democrático Trabalhista.

            Há poucas semanas, Sr. Presidente, ocupei esta tribuna para analisar a crise na saúde pública, cujos focos se espalham pelo País afora como se fora uma metástase de uma grande infecção. Na ocasião, focalizei mais diretamente o colapso no atendimento hospitalar.

            Na sexta-feira passada, o brasileiro tomou conhecimento daquilo que há muito já desconfiava: a oferta de leitos hospitalares em nosso País está encolhendo, enquanto cresce a sua população.

            A informação veio do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística). Os números apurados pela pesquisa Assistência Médico-Sanitária constataram a desativação de mais de 11,2 mil leitos entre 2005 e 2009. No ano passado, para cada grupo de mil habitantes do Brasil havia 2,3 leitos, o que já era um número baixo se comparado à média internacional.

            Para se ter uma ideia, já em 2007, a média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já era de 3,8 leitos por grupo de mil. Pelos padrões de referência do Ministério da Saúde, a taxa nacional de leitos deveria ser entre 2,5 e 3 por mil habitantes em 2009. Portanto, os números encontrados pelo IBGE são inferiores aos patamares estabelecidos pelo Ministério da Saúde e bem abaixo da média internacional.

            Maior população, menor oferta de leitos hospitalares e menos internações. É uma equação efetivamente difícil para se entender.

            A pesquisa do IBGE mostra outro número preocupante: dos 431 mil leitos oferecidos no ano passado, 279 mil eram privados, ou seja, 64,6%. Apenas 152 mil eram públicos, o que corresponde a 35,4% do que foi disponibilizado.

            Há, Sr. Presidente, uma evidente contradição entre esses números e a natureza do Sistema Único de Saúde implantado em nosso País. Se a universalidade do atendimento é um dos fundamentos do sistema, não é crível tamanha vantagem de leitos na rede privada em detrimento de sua oferta na rede pública.

            É verdade que as parcerias com instituições beneficentes acabam suprindo a função do Estado, alterando, assim, a significação desses números. No entanto, existe um outro fato que não pode ser descartado: a privatização informal e crescente dos serviços médico-hospitalares. É uma tendência que cresce na medida em que a ineficiência ou o desmantelamento das instituições públicas ou beneficentes perdem as condições de prestar tais serviços.

            Em Campo Grande, a minha cidade e a cidade do Deputado Dagoberto Nogueira, há três hospitais de referência: o Hospital Regional, o Hospital Universitário e a Santa Casa de Campo Grande. Os três estão nessa condição. Neles, leitos vazios contrastam com corredores lotados. Nas macas, pacientes de pré e pós-operatório misturam-se com quem aguarda atendimento de urgência, sem falar naqueles que estão em observação, também nos corredores.

            Na verdade, está havendo verdadeiras internações no pronto-socorro, já que nos leitos isso é impossível pela falta de pessoal nas enfermarias. A Santa Casa hoje passa por uma crise inédita, onde falta pessoal, faltam medicamentos, os equipamentos estão quase todos destroçados ou aqueles mais importantes para diagnóstico estão em condições precárias.

            Há poucos meses, tive acesso, Sr. Presidente, a uma instrução expedida pelo Pronto-Socorro da Santa Casa, que espelha a dimensão desse caos.

            Na primeira parte, esse documento aponta os destinatários. Quais são? Central de Regulação de Vagas do Estado de Mato Grosso do Sul, Bombeiros e Samu. Esses três foram os destinatários do documento produzido lá.

            A seguir, o mesmo documento do pronto-socorro traça a radiografia e o comando do pronto-socorro, com um título específico: “Situação atual do Pronto-Socorro Adulto”.

            Isto aqui, Sr. Presidente, é o texto do documento a que me refiro. Eis a redação:

Venho através deste, comunicar a situação de lotação em que este pronto-socorro se encontra. Temos 09 pacientes na sala de emergência, sendo que 06 estão em ventilação mecânica e 04 em oxigenioterapia. 10 pacientes em observação na consulta, 09 pacientes internados aguardando vaga em enfermarias, 11 pacientes no corredor da sala de gesso aguardando centro cirúrgico.

Temos 03 pacientes em centro cirúrgico, 02 no Prontomed e 06 em sala de emergência, todos AGUARDANDO VAGA EM CTI.

Não temos Vagas na sala de emergência, nem respiradores, saídas de 02 e Espaço físico para novos atendimentos.

NÃO ENVIAR PACIENTES!!! [É o comando da Santa Casa.]

Pacientes graves ficarão em AMBÚ, dentro da ambulância no pátio do hospital, até que a situação de lotação deste pronto-socorro seja contornada.

Diretoria técnica ciente.

Atenciosamente”. [Os administradores.]

            Essa é a situação da Santa Casa, que hoje, na verdade, deixa de ser uma instituição beneficente e passa a ocupar a condição de instituição pública, porque houve uma intervenção decretada pela Prefeitura Municipal.

            O Ambú mencionado nessa comunicação, Sr. Presidente, é um equipamento de primeiros socorros a pacientes acometidos de insuficiência respiratória. O aparelho é mecânico e, portanto, funciona manualmente, impulsionado por técnicos de enfermagem.

            Informaram-me alguns servidores do hospital que colegas seus já foram compelidos a operar até dez horas seguidas esse aparato, aguardando a desocupação de uma unidade própria para atendimento.

            Em meio a todo esse caótico atendimento, o hospital transforma-se em verdadeiro shopping de diagnóstico hospitalar, terceirizando o grosso de seus serviços.

            Para se avaliar o que se passa na saúde pública de Campo Grande - na verdade, de Mato Grosso do Sul, porque Campo Grande é receptáculo de todos os problemas que ocorrem na saúde pública de meu Estado -, é importante que se atente para a informação que pincei no site do Ministério Público de Mato Grosso do Sul. Título: “Repasse de dinheiro público a clínica particular sobe 285% para acabar com a fila de espera da radioterapia no Estado”. Subtítulo: “Em quatro meses, valor vai passar de R$1 milhão. O Ministério Público Federal aceita a medida de emergência para atender pacientes com câncer mas quer estrutura para atendimento na rede pública”.

O repasse de recurso público à única clínica particular que aceita novos pacientes com câncer que necessitam de radioterapia em Campo Grande (MS), vai passar de 70 mil para 270 mil reais mensais.

O valor será mantido por quatro meses, chegando a um milhão e oitenta mil reais. O objetivo é acabar com a fila de espera para radioterapia no Estado, que já chega a 170 pessoas.

            Na verdade, essa informação do Ministério Público não coincide com outras que anunciam uma fila de mais de 400 pacientes que estão à espera de tratamento.

A decisão [continua a informação] foi informada ontem (17) ao procurador regional dos Direitos do Cidadão, Felipe Fritz Braga, pelos representantes das Secretarias Estadual e Municipal de Saúde.

Segundo o procurador Felipe Fritz Braga, o recurso a instituições privadas, [especializadas] em saúde [pública], só pode se dar complementarmente. ‘Por que essa situação?’ [indaga o representante do Ministério Público. E responde:]. Porque não houve investimento na área pública. [Eis a resposta do Ministério Público, que, na nossa avaliação, é a mais apropriada].

É necessário investir na oncologia de hospitais públicos.

Temos aqui [segue o Ministério Público] o Hospital Regional e o Hospital Universitário - o que é que tem sido feito para criar ali uma radioterapia de ponta? Nada!

            O Dr. Mozarildo Cavalcanti está me pedindo um aparte.

            No Hospital Universitário, há equipamento de radioterapia na caixa, sem uso; tem outros equipamentos que já perderam a garantia por desuso, mas que não entram em operação por razões misteriosas.

            Concedo o aparte ao nobre Senador Mozarildo Cavalcanti.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Valter Pereira, V. Exª faz um retrato do que é a saúde pública no Brasil. V. Exª está dando um exemplo do seu Estado, mas na verdade é lamentável. Temos já uma pesquisa feita, que ouviu os estudantes brasileiros em todos os Estados. E qual foi o problema indicado por eles como o mais sério? A saúde. A gente fala em reforma política, em reforma partidária, em reforma tributária, mas não fala, por exemplo, na reforma da saúde, do sistema de saúde do Brasil, que há muito - eu não diria que está na UTI - já está moribundo mesmo, se não posso dizer que já está morto. Porque o que nós temos, tanto no lado dos planos de saúde quanto do lado da iniciativa privada e, pior ainda, do lado público, é um verdadeiro caos. O que V. Exª está dizendo é alarmante. Eu tenho denunciado aqui a situação no meu Estado, que também é horrível, e nós não temos uma concreta ação para reformular isso. Não aprovamos a Emenda nº 29, que regulamenta a questão da aplicação de recurso no setor público. Não aprovamos a proposta do Ministro Temporão de reformular o SUS. Por que a gente não se baseia - só para dar um exemplo, Senador Valter -, num hospital público que é administrado de maneira certa, como é, por exemplo, o Hospital Sarah Kubitschek, a Rede Sarah de hospitais? Este é o modelo que nós poderíamos fazer para todo o serviço público. Mas o que acontece é que usam a saúde, na verdade, para roubar: roubam no medicamento, roubam no material de consumo, roubam nos equipamentos. E aí, como saúde é uma coisa que justifica sempre dispensa de licitação, urgência em mandar cartas-convites etc, sempre a maneira mais cômoda de roubar é justamente na saúde. Lamentavelmente, na saúde, na educação. O roubo costumeiro que se vê em obras públicas é mais ou menos visível. O que se vê na compra indevida de medicamentos, de material de consumo e de equipamentos não é visível, mas, a cada dia que passa, está evidente pela qualidade dos serviços, que cai a cada ano, porque realmente a roubalheira no setor de saúde é grande. Nós precisamos urgentemente fazer uma reforma do sistema de saúde e a moralização da administração no setor de saúde.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - V. Exª tem razão. O que nós dissemos aqui é o espelho do que acontece no Brasil. A saúde pública está um caos. Quero até fazer uma ponderação a V. Exª: não acredito que o problema fundamental esteja fundado na falta de recursos. Assistimos a uma crise de gestão na saúde pública, porque, quando V. Exª toma conhecimento de que equipamentos estão se deteriorando por falta de uso e que são capazes de gerar receitas; quando nós sabemos que a terceirização de serviços em hospitais públicos e em instituições beneficentes são praticadas hoje como uma rotina, e, aí, sim, encaixando na preocupação que V. Exª suscita, que é dos desvios, por quê? Porque, na terceirização, permite-se fazer manobras que levam o dinheiro para o bolso, tirando a saúde do povo.

            E V. Exª dá aqui, finalmente, um exemplo: o Hospital Sarah Kubitschek, que é exemplo de gestão.

            Há outro hospital, nobre Senador Mozarildo Cavalcanti, que tem servido de escora para muitos governos estaduais que se abstêm de cumprir a sua obrigação de investir em áreas onerosas, como é por exemplo a oncologia, e acaba amparando-se na grande tecnologia oferecida pelo Hospital Beneficente de Barretos, que atende hoje quase o Brasil inteiro com uma qualidade espetacular, fruto de uma gestão que deveria ser o espelho, que deveria ser a luz para toda a saúde pública brasileira.

            O Ministério Público está investigando o descaso no atendimento aos pacientes com câncer no meu Estado, que são exatamente aqueles que estão sendo mais penalizados pela incúria da saúde púbica do meu Estado. Há informações de que muitos procuram outras regiões do País. Na verdade, a maioria daqueles que têm a mínima condição para deslocar-se de Mato Grosso do Sul está procurando Barretos, no Estado de São Paulo, e outras regiões mais.

            E prossegue a nota do Ministério Público:

O SUS é um sistema perfeito no discurso e na teoria [afirmam os promotores].

Na prática, os problemas são enormes. Temos de enfrentá-los ouvindo o paciente”, afirma o procurador.

Atendimento na rede pública não existe.

A medida atualmente adotada pelas Secretarias Municipal e Estadual de Saúde (custeio do tratamento de pacientes do SUS em clínica particular) apresenta-se como solução provisória para esse problema. [Tem razão o Ministério Público: é uma solução provisória.]

Contudo, para resolvê-lo definitivamente, são necessários investimentos nos hospitais públicos, a começar pela instalação de um novo equipamento de radioterapia.

            Veja, Sr. Presidente, estamos aqui falando em nome de um Estado, suplicando para que se coloque em funcionamento equipamento de diagnóstico que é essencial para detectar uma das patologias mais graves e que mais assusta a população do Brasil e de fora do País também.

            E prossegue: “A Secretaria Estadual de Saúde informou que o Governo do Estado não pretende instalar aparelho de radioterapia no Hospital Regional”.

            Então, se o Estado não quer investir, se a universidade, por razões também desconhecidas, não coloca em funcionamento os seus equipamentos e não tem interesse, se a Santa Casa está sucateada, o que resta para o paciente que está com suspeita de um tumor canceroso?

O Ministério Público tem razão: o SUS é um grande sistema, mas, pelo andar da carruagem, vem se afastando do interesse público e se aproximando dos interesses privados.

            Essa é a discussão que nós temos que travar e esperamos que, no alvorecer do novo Governo da República, a política de saúde do País e o Sistema Único de Saúde, que foi implantado no sentido de democratizar a atenção médica, tenham realmente prioridade. Mas é preciso que se reconheça que nem tudo decorre da falta de recursos. É preciso a mudança de mentalidade. É preciso encontrar uma modalidade de gestão que, efetivamente, transforme os recursos públicos em atenção básica de saúde e atenção em todos os outros momentos de que ela precisa.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/11/2010 - Página 51793