Discurso durante a 193ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem ao ex-Senador Petrônio Portella Nunes por ocasião do trigésimo aniversário de seu falecimento.

Autor
Edison Lobão (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. :
  • Homenagem ao ex-Senador Petrônio Portella Nunes por ocasião do trigésimo aniversário de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 30/11/2010 - Página 54299
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, PARENTE, AUTORIDADE, PRESENÇA, SESSÃO ESPECIAL, HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, PETRONIO PORTELLA, EX SENADOR, EX PRESIDENTE, SENADO, EX-DEPUTADO, EX PREFEITO, EX GOVERNADOR, ESTADO DO PIAUI (PI), EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), ELOGIO, VIDA PUBLICA, CONTRIBUIÇÃO, REDEMOCRATIZAÇÃO, BRASIL, QUALIDADE, ORADOR, JORNALISTA, PERIODO, REGIME MILITAR, COMENTARIO, HISTORIA, PROCESSO, ABERTURA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDISON LOBÃO (PMDB - MA. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente José Sarney, que preside esta sessão de homenagem a um grande homem, um grande vulto da República; Sr. Senador João Claudino; Sr. Deputado Federal Mauro Benevides, que já presidiu esta Casa; Srª Iracema Portella Nunes, viúva do homenageado; Senador Eloi Portella, irmão; Srª Sônia Portella, Petrônio Portella Nunes Filho, Patrícia Portella, Cícero Portella, Júlia Portella, que é neta; Thiago Portella, Gustavo Portella, Vinícius, Sr. Antonio Carlos Martins, genro do homenageado, meu amigo; Cristina Portella, Antonio Carlos Almeida de Castro, meu amigo também; Sr. Prefeito de Teresina, Elmano Férrer de Almeida; Sr. Antônio Araújo; Sr. Pedro da Silva Ribeiro, representante da Academia Piauiense de Letras; Srªs e Srs. Senadores, senhores convidados, eu sou tomado de surpresa, neste instante, pelo Presidente José Sarney, que me pede para pronunciar algumas palavras a respeito do grande político Petrônio Portella.

            Tivesse eu sido avisado antes e seguramente traria um discurso estudado, refletido. Não o fiz, não o sabia. Falo sobre o homem que conheci e de quem me tornei, para minha honra, amigo. E ele foi meu amigo.

            Conheci Petrônio Portella quando ainda era Prefeito de Teresina e travei com ele ali as primeiras relações de amizade. Tempos depois, eu jornalista aqui em Brasília, ele veio como Senador da República. Lembro-me de que integrou, desde logo a Comissão de Constituição e Justiça. Meses depois, o Senador Dinarte Mariz procura o Líder da Arena, Filinto Müller, e o Senador Daniel Krieger, Líder do Governo, e perguntou-lhes: “Vocês já repararam naquele piauiense que está na Comissão de Justiça?”. Ambos disseram que não. “Pois então, reparem. É um valor extraordinário que se agrega à política nacional.”

            Filinto era um homem dedicado aos assuntos do Senado, muito dedicado, e foi à Comissão de Justiça um dia, sem que Petrônio soubesse, para olhar, ver e acompanhar o desempenho do piauiense de que falava Dinarte Mariz. Saiu dali impressionado e fez aquilo que Sarney acabou de relatar: nomeou-o Primeiro Vice-Líder da Arena.

            Filinto então motiva Krieger a fazer a mesma coisa, percorrer o mesmo caminho. Krieger foi e nomeou-o Primeiro Vice-Líder do Governo. Petrônio acumulou, assim, as duas primeiras vice-lideranças, que eram importantíssimas.

            Como Vice-Líder do Governo, ele atuava aqui e falava em nome do Governo; como Vice-Líder da Arena, ele também o fazia, falando em nome da Arena. Daí por diante o crescimento político de Petrônio Portella foi impressionante.

            Veio depois a morte de Filinto, e Petrônio assumiu a presidência da Arena. Naquele momento, Geisel não gostava dele pelas razões antigas do Governo do Piauí e dizia isso a alguns políticos entre os quais Ney Braga.

            Mas Geisel foi indicado sucessor de Médici, e Petrônio precisava ter uma relação com Geisel, o que já tardava. Ney Braga foi ao Rio de Janeiro, falou com o General Geisel e disse-lhe: “Goste ou não do Petrônio, o senhor terá que falar com ele, porque ele precisa coordenar a sua sucessão no Partido”. Geisel então concordou em recebê-lo por 15 minutos. Recebeu-o, conversaram por mais de meia hora. Depois mandou chamar Petrônio de volta para continuar as conversas e ficou absolutamente encantado pela inteligência de Petrônio.

            Daí por diante, passou a ser o político que o Presidente mais consultava. Em dado momento houve um episódio em minha vida, bastante grave.

            Geisel assumiu a Presidência da República e decidiu restaurar a democracia no País, mas ele era um homem de Estado Maior, que fazia as coisas de maneira pensada, e não por impulso. Chamou os Líderes do Congresso e disse-lhes:

Os senhores precisam me ajudar no processo de distensão cuja liderança estou entregando ao Senador Petrônio Portella. Eu sou contrário ao AI-5, mas não posso revogá-lo agora.

            Voltaram de lá os Líderes. Era uma conversa sigilosa. E eu acabei tomando conhecimento, como jornalista, da conversa. Publiquei-a no dia seguinte em mais de vinte jornais. Manchete nos jornais: “Geisel é contra o AI-5”.

            Isso posto, os comandantes militares começaram a telefonar para os Ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, perguntando que absurdo era aquele. Decidiram, então, fazer uma reunião no Palácio do Planalto os Ministros militares e o Ministro da Justiça, Armando Falcão, junto com o Chefe do SNI, que era o General João Figueiredo.

            A decisão que eles tomaram: prender o jornalista, enquadrá-lo na Lei de Segurança Nacional e fechar os jornais por 30 dias, pelo absurdo que havia publicado. Levaram essa decisão ao Geisel, que, prontamente discordou esclarecendo que o jornalista havia publicado o que ele dissera aos Líderes políticos. “Esses é que não deveriam ter sido inconfidentes”, na opinião do Presidente.

            Quinze dias depois, sou convidado por Geisel para uma conversa. Ele não gostava da imprensa, não conversava com jornalistas, não concedia entrevistas aqui no Brasil; apenas no exterior. Ele conversava com os donos de jornais. 

            Eu fui para a conversa, que durou uma hora e meia. Contou-me que havia encarregado realmente Petrônio de coordenar a distensão política.

            Disse-me mais: que a ele só iam pessoas e políticos para proclamar as excelências do Governo, dos Ministros e dele próprio. E ele não achava que isso fosse verdadeiro. Sentia horror aos adulões e queria uma voz diferente, próxima dele, alguém que pudesse falar abertamente, francamente sobre o Governo, sobre os Ministros, sobre ele próprio e sobre as decisões que estavam sendo tomadas.

            E, a partir dali, eu passei a conversar com o Presidente, uma, duas, três vezes por semana. Ora eu ia lá, ora telefonava para ele.

            Liguei-me também, por instrução dele, ao Ministro Golbery, que, ao lado de Petrônio, estava encarregado da formulação estratégica da grande abertura política que haveria de ser concluída com a revogação do AI-5. E assim foi por muito tempo.

            Diariamente eu conversava, como jornalista, com Petrônio Portella. Eu e outros companheiros. Ele era uma fonte inesgotável de informações, de bom senso, de inteligência e de talento político. Convidou-me certa vez para acompanhá-lo aos Estados durante a missão de que nos fala João Vicente Claudino. A tarefa consistia no levantamento de nomes em condições de governar as unidades da Federação.

            Petrônio Portella foi à todas as capitais e conversava incansavelmente, durante o dia inteiro e durante a noite inteira. Nós todos ficávamos cansados menos ele. No dia seguinte, logo cedo, já estava a postos para continuar o trabalho Estado por Estado, até concluir o relatório final ao Presidente da República.

            Esse foi o Petrônio que eu conheci. Um dos políticos mais talentosos do século passado e que tem merecido muito mais homenagens, como diz João Vicente Claudino, do que as recebidas. O País não tem sido suficientemente justo com Petrônio Portella.

            Mais tarde, quando Geisel saiu do Governo, eu o visitava em Teresópolis toda semana, conversávamos muito sobre todos esses fatos pretéritos. Certa vez, perguntei-lhe porque havia escolhido o General João Figueiredo seu sucessor. Ele me olhou longamente e disse: eu perguntei ao Petrônio Portella sobre se nós já poderíamos indicar um civil para a Presidência da República; perguntei a outros civis e eles me desaconselharam. Eu, de fato, pensava muito no nome de Petrônio Portella. Mas ele próprio achou que deveríamos ter um pouco mais de prudência para que essa questão fosse decidida com segurança.

            Isso mostra a desambição desse homem extraordinário. É claro que ele sabia que Geisel tinha uma grande inclinação pelo nome dele, mas ainda assim o desaconselhou.

            No passo seguinte, já no Ministério da Justiça, ele era sem duvida o nome de mais força no regime para a sucessão presidencial.

            Petrônio foi o artífice, indiscutivelmente, da grande abertura e da restauração do regime democrático, da revogação do AI-5.

            Sarney foi o consolidador desse processo. Não tivéssemos tido um homem como José Sarney na Presidência da República naquele instante, e tudo poderia ter sido perdido. Esta eu considero a grande obra do Governo José Sarney: a consolidação do regime democrático.

            Eu costumo dizer que a revolução que tivemos não era exatamente uma ditadura. Ditadura foi a de Getúlio Vargas; os militares implantaram um regime de exceção, um regime autoritário, mas tínhamos eleições regulares estabelecidas por lei; o Poder Judiciário não foi fechado; o Congresso Nacional posto em recesso em certo momento; mas não fechado definitivamente.

            Mas, se não tivéssemos contado com homens dessa têmpera no encaminhamento da restauração do processo democrático do Brasil, seguramente poderíamos ter caminhado - aí, sim! - para um regime totalitário absoluto, para a tirania, para a preexistência de déspotas dirigindo o Brasil.

            O episódio do Ministro Sylvio Frota foi um deles. Recordo-me de que eu era editor do Correio Braziliense quando o Presidente Geisel demitiu o General Sylvio Frota do Ministério do Exército. Frota resistiu, não queria entregar o Ministério. Redigiu uma nota em que dizia haver 96 comunistas integrando a cúpula do Governo naquele momento. Mandou-a para os jornais.

            O Governo impediu a publicação da nota. Em dado momento, naquele mesmo dia, eu recebo um telefonema do Ministro Golbery, no jornal, perguntando-me o que eu achava, porque Petrônio Portella havia sugerido a publicação da nota, a suspensão da censura naquele momento. O que eu achava?: ora, Ministro, deve publicar mesmo, porque isso vai acabar de expor o General Sylvio Frota, o que ele é de fato, um totalitário. Ele quer ser ditador no País.

            A nota foi liberada.

            Depois, o próprio Presidente Geisel me disse, em Teresópolis, que Petrônio fora fundamental naquele instante de dificuldades por que passava o regime.

            Eleito Deputado Federal em 1978, assumi o mandato em 1979. Fui nomeado primeiro Vice-Líder da Arena e do Governo na Câmara. Resolvi patrocinar uma emenda constitucional, já no Governo Figueiredo, restabelecendo a eleição direta dos Senadores. Eu achava que, se começássemos por aí, chegaríamos, finalmente, à completa normalização das eleições diretas.

            Perguntei então ao Ministro Petrônio e perguntei a meu Líder, o Deputado Nelson Marchezan. Ambos me apoiaram. E Petrônio fortemente, dizendo-me que deveríamos ir um pouco além. Em seguida, o Governo envia ao Congresso Nacional uma emenda constitucional - a minha não havia sido votada ainda - ampliando a eleição direta também para governadores. Isso tudo nasceu da cabeça de Petrônio, que concebera um plano para que a abertura fosse sendo conquistada, passo a passo, até que chegássemos ao regime democrático, às liberdades que temos hoje em nosso País.

            Morre Petrônio. Fui ao seu sepultamento. Chovia naquele momento. Arranjou-se um guarda-chuva e sob ele ficamos, Geisel e eu. Ele olhava, longamente, para Petrônio naquela situação.

            Dirigiu-se a mim, ao cabo de algum tempo:

Lobão, agora o Brasil vai descobrir, definitivamente, quanto o Petrônio foi importante para a restauração do regime democrático em nosso País.” Esse homem que desaparece foi uma das maiores figuras políticas que eu já conheci ao longo de toda a minha vida, extremamente útil na condução do Brasil ao seu leito democrático, ao seu álveo democrático.

            Vejo agora este livro que acabo de receber e nele encontro uma quase sentença do Ministro Golbery do Couto e Silva:

[...] Dizer-se, pois, que foi grande político [ele se refere a Petrônio Portella], presta-se a interpretações amesquinhadoras de sua efetiva grandeza, uma vez que mestre o foi, exímio, em qualquer dos degraus da variada práxis política.

            Sr. Presidente, agradeço a V. Exª a oportunidade de ter dito algumas palavras, de ter dado alguns testemunhos sobre esse grande homem público Petrônio Portella. Ele honrou e dignificou a vida pública brasileira.

            Muito obrigado. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/11/2010 - Página 54299