Discurso durante a 195ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre os problemas da saúde pública e o atendimento prestado aos usuários do Sistema Único de Saúde e de planos de saúde. Necessidade de regulamentação da Emenda 29 e da apreciação do Projeto de Lei Complementar 306, de 2008, que devolverá o equilíbrio ao financiamento das ações de saúde.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Considerações sobre os problemas da saúde pública e o atendimento prestado aos usuários do Sistema Único de Saúde e de planos de saúde. Necessidade de regulamentação da Emenda 29 e da apreciação do Projeto de Lei Complementar 306, de 2008, que devolverá o equilíbrio ao financiamento das ações de saúde.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/2010 - Página 54510
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, COMPLEXIDADE, SAUDE PUBLICA, AMBITO, GESTÃO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), MOBILIZAÇÃO, SETOR PRIVADO, COMPLEMENTAÇÃO, ATUAÇÃO, ESTADO, JUSTIÇA, COBRANÇA, POPULAÇÃO, MELHORIA, ATENDIMENTO, AUMENTO, EFICACIA, APLICAÇÃO DE RECURSOS, COMENTARIO, ESTUDO, CONSULTOR, SENADO.
  • GRAVIDADE, FALTA, PLANEJAMENTO, SAUDE PUBLICA, ATENDIMENTO, PROCESSO, MIGRAÇÃO, POPULAÇÃO, ZONA URBANA, PRECARIEDADE, CONDIÇÕES SANITARIAS, MEDICINA PREVENTIVA, APRESENTAÇÃO, DADOS, DESIGUALDADE REGIONAL, ABASTECIMENTO DE AGUA, ESGOTO, ANALFABETISMO, VIOLENCIA.
  • INFERIORIDADE, QUALIDADE, ATENDIMENTO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), SIMULTANEIDADE, SUPERIORIDADE, QUANTIDADE, ACESSO, NECESSIDADE, PRODUÇÃO, ESTATISTICA, AVALIAÇÃO, REORGANIZAÇÃO, SISTEMA, APREENSÃO, NUMERO, PROCESSO JUDICIAL, COBRANÇA, DIREITOS, CIDADÃO, RECONHECIMENTO, ORADOR, ESFORÇO, GOVERNO FEDERAL.
  • ANALISE, INSUFICIENCIA, INVESTIMENTO PUBLICO, UNIÃO FEDERAL, SAUDE PUBLICA, NECESSIDADE, URGENCIA, REGULAMENTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REGISTRO, AMPLIAÇÃO, DESPESA, FAMILIA, PLANO, SAUDE, MEDICAMENTOS, ALTERNATIVA, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), SEMELHANÇA, PROCESSO, ENSINO, ESCOLA PARTICULAR, PREVISÃO, PERDA, QUALIDADE, MAIORIA, POPULAÇÃO, CONCLAMAÇÃO, DEBATE, CONGRESSO NACIONAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Cumprimento o Senador Mão Santa.

            Senador Alfredo Cotait, eu o cumprimento pelo seu pronunciamento. Eu estava ouvindo V. Exª. Essa é uma ideia sobre a qual esta Casa terá de debruçar-se. V. Exª terminou, dizendo que os Estados que têm dívida com a União poderão adequá-la, de forma que parte dela possa ser investida no próprio Estado. Essa é uma reflexão muito, muito interessante. Quero ser parceiro de V. Exª nessa reflexão. Vamos conversar mais. É um projeto que a Casa vai ter de debater, apontando um caminho para a dívida impagável de inúmeros Estados.

            Senador Mão Santa, fiz questão de vir à tribuna, no dia de hoje, para falar, mais uma vez, sobre a saúde. A razão que me traz à tribuna, exatamente às 20h04, é a preocupação crescente de todo o povo brasileiro em relação à questão da saúde em nosso País. Eu diria que mais, especificamente, temos de abordar a questão da saúde relativamente ao Sistema Único de Saúde (SUS). Todos sabem que o SUS é uma das grandes conquistas sociais incorporadas à Constituição de 1988 - e estive lá -, mas que, infelizmente, ainda encontra dificuldades para garantir plenamente os efeitos positivos que nós, Constituintes, gostaríamos que acontecessem em relação à saúde pública, ao atendimento pleno e gratuito para todo cidadão.

            A bem da verdade, é importante ressaltar que a construção de um sistema universal de saúde em um país do porte e da complexidade do Brasil é uma obra de engenharia de gestão de enorme dimensão. Trata-se de articular, em menos de 20 anos, as ações de Estados, de Municípios e da União, de forma a garantir, Sr. Senador Mão Santa - V. Exª é médico -, a saúde da nossa população e a poupar recursos relativamente escassos por meio de uma alocação mais racional. Esse esforço envolve o setor público e a mobilização do setor privado - esse último, em caráter complementar à ação do Estado brasileiro.

            Sr. Presidente, toda a complexidade de montagem do sistema e a respectiva distribuição de competências não livram nenhuma das esferas de serem cobradas em sua responsabilidade por parte do povo brasileiro, ainda mais quando todo o País sabe o quanto repercute a situação de centenas de casos de atrasos, de mal uso de recursos, de desperdícios, de atendimentos caóticos, bem como a existência de outros fatos que demonstram que não podemos dormir tranquilos quando o assunto é saúde.

            Estudos realizados pelo Consultor Legislativo da Casa Jarbas Barbosa da Silva Júnior, que serão divulgados ainda nesta semana, por meio da publicação do Senado Federal Agenda Legislativa para o Desenvolvimento Nacional, mostram vários fatores impactantes para o correto e eficiente funcionamento do SUS. Vários deles decorrem das profundas desigualdades regionais que ainda assolam nosso País.

            Todos nós estamos conscientes da acelerada migração da população brasileira rumo aos centros urbanos. Pois bem, infelizmente, essa não foi acompanhada de qualquer forma de planejamento prévio, especialmente na questão de infraestrutura e dos serviços públicos. Condições sanitárias precárias ainda são a maior fonte do problema de saúde no Brasil, levando à superlotação dos hospitais, com problemas que, a rigor, poderiam ser resolvidos com um simples programa de prevenção. Mais ainda, apenas 44% de domicílios em todo o País são atendidos com serviços sanitários. Mais grave ainda é saber que apenas três unidades da Federação, o Distrito Federal, São Paulo e Minas Gerais, ultrapassam 50% de cobertura e que existe a espantosa diferença entre o índice regional do Sudeste, com 69,8% de domicílios atendidos, e o da Região Norte, com seus ínfimos 3,8%.

            Mesmo a água, Sr. Presidente, ainda é problema, com mais de 21% dos domicílios brasileiros não atendidos por redes de abastecimento. Repito: 21% dos domicílios brasileiros não têm rede de abastecimento! Resultam daí dezenas de doenças, que, repito, deveriam ser evitadas, não apenas tratadas de forma paliativa.

            É fato que a saúde está diretamente ligada à Educação. O analfabetismo ainda é alto em regiões como o Nordeste, com 18,7%, agravando o problema de acesso à informação e melhores hábitos de higiene e saúde. O Sul, com 5,5%, tem resultados, sem sombra de dúvida, um pouco melhores de qualidade de vida em função disso.

            Questões como o aumento generalizado da violência e dos problemas de trânsito também têm forte impacto negativo sobre o sistema de saúde, afetando principalmente nossa juventude e sobrecarregando o atendimento de emergência nos hospitais, competindo pela atenção dos médicos e outros profissionais de saúde, que têm que socorrer a todos.

            Curiosamente, Sr. Presidente, ainda não existem registros sistemáticos sobre a qualidade do atendimento dispensado ao cidadão no SUS. Algumas pesquisas isoladas, com cobertura regionalmente restrita, mais a intensa cobertura da imprensa nos permitem afirmar que tem, de fato, alguma coisa errada, mas sem condição ainda de dimensionar, de forma científica, o tamanho do estrago, o tamanho da encrenca na saúde da nossa população.

            Os indicadores do SUS focam mais a questão da quantidade de atendimentos, que é bastante expressiva. Mas nos faltam dados para dizer com certeza que os tempos de atendimento entre a marcação do exame e o atendimento efetivo estão corretos, ou, os casos mais denunciados, os tempos entre a marcação e a efetivação de cirurgias, emergenciais ou eletivas, são toleráveis. As notícias na imprensa são aterradoras, Sr. Presidente, com casos de anos de espera nas filas. Essa é a verdade.

            Sr. Presidente, acredito ser necessária e urgente a produção de estatísticas claras sobre qualidade, para avaliarmos a necessidade de reorientação do sistema e de ações mais efetivas do setor público para evitar os casos com que estamos convivendo, de extrema gravidade.

            Além do mais, existe, Sr. Presidente, o problema da quantidade de processos judiciais relativos à saúde. Também por meio de comunicados que recebemos, somos informados de cidadãos que recorreram à justiça para ver equacionados a falta, por exemplo, de um remédio específico, ou seu posicionamento em uma fila de cirurgia, ou seja, as eternas filas da espera por uma cirurgia.

            Cada caso resolvido por via judicial, entretanto, gera algum tipo de estresse no sistema, prejudicando o planejamento já precário das ações de saúde e aumentando a sensação de caos dominante no setor.

            A questão do financiamento da saúde também deve ser atacada. O Brasil tem um gasto total com saúde relativamente compatível com seu porte e com o atendimento universal dado pelo SUS - algo em torno dos 8,4% do Produto Interno Bruto, o nosso PIB. O problema é que a participação do setor público ainda é restrita, girando em torno de 42% do total, contra mais de 70% que outros países com sistemas universais investem de forma regular.

            A questão do financiamento parecia equacionado com a Emenda nº 29, de 13 de setembro de 2000, que aumentou os investimentos públicos em saúde. Entretanto, a participação da União, fundamental para a sustentação do sistema, reduziu-se. Entre 2000 e 2007, por exemplo, investimentos estaduais cresceram em 285% e municipais chegaram a 249% de expansão, contra uma marca de 117% da União, que significa uma redução efetiva de 59,8% para 46,9% do total nacional de investimentos no setor.

            Por isso, temos que refletir, Sr. Presidente, seriamente sobre a busca de mais investimentos na saúde.

            Por outro lado, temos que lembrar que os gastos privados de empresas e famílias com medicamentos e planos de saúde batem 58% do total. Quem tem condições financeiras está migrando do sistema público para o setor privado, o que institui uma perigosa cunha: o SUS está se especializando no atendimento somente das classes mais baixas - e ainda deixando muito a desejar.

            Infelizmente, à semelhança do que aconteceu historicamente com a educação brasileira, isso pode ser um sinalizador de que a qualidade do atendimento pode piorar ainda mais para o conjunto da população mais carente. O poder público no Brasil frequentemente se descuida da qualidade quando os principais beneficiados não estão na elite.

            A migração para os planos de saúde, Sr. Presidente, entretanto, também não soluciona o problema para as classes mais favorecidas. Basta ver a quantidade de reclamações contra os prestadores de serviços de saúde nos serviços de proteção ao consumidor em todo o País: negativa de cobertura de doenças; atendimento precário em clínicas conveniadas, todas superlotadas; aumento desmedido de preços, especialmente para os clientes de idade mais avançada, ou seja, os nossos idosos.

            Repetimos: mesmo os que têm plano de saúde estão enfrentando uma situação de enorme dificuldade. Nota-se, inclusive, a tendência de empurrar de volta ao atendimento público os casos de maior complexidade, considerados não lucrativos para as empresas do setor - leia-se, os planos de saúde.

            No Sudeste e no Sul, Sr. Presidente, 35,6% e 30% das pessoas atendidas têm pelo menos um plano de saúde contra um terço desses valores na Região Norte e Nordeste. No Brasil, são mais de 49 milhões de pessoas com planos de saúde, mesmo contando com o sistema universal via SUS, porque há um descontentamento.

            A demografia brasileira e o quadro de doenças típicas também representam grandes desafios, Sr. Presidente, para o SUS. A população está envelhecendo e apresentando uma quantidade maior de doenças crônicas, típicas de idade, como cardiopatias diversas, diabetes e problemas ósseos, entre outros.

            Tudo isso, senhores e senhoras, Senadores e Senadoras, é agravado pelos maus hábitos de alimentação e do estilo de vida, típicos de modernas sociedades industriais, ao mesmo tempo em que, em razão das profundas desigualdades regionais, problemas antigos como dengue, malária, leishmaniose, tuberculose, Aids e outros ainda são recorrentes. Temos as doenças dos países ricos e dos países pobres. A situação é grave, Sr. Presidente.

            Temos ainda a violência como fator negativo de saúde pública. Só para uma breve comparação, apontada pelo estudo do consultor que citei há pouco, 32% das mortes, na atualidade, são causadas por doenças do sistema circulatório; 16,5% pelas várias formas de câncer, tema de que já tratei aqui em outra oportunidade; as doenças parasitárias chegam aos 5% do total. Pois bem, a violência e o trânsito são responsáveis por 13,6% das mortes aqui no Brasil.

            Sr. Presidente, pelo perfil apresentado, notamos que várias dessas mortes, e das despesas de saúde relacionadas a elas, poderiam ser evitadas por saúde preventiva, melhora da qualidade de vida do cidadão e pela busca de um sistema mais forte no campo da educação.

            É impossível esgotar esse assunto em apenas este pronunciamento, mas quero deixar registrado aqui que reconheço que existe um esforço realmente considerável do Governo Federal para melhorar essa situação, ainda que os resultados não se verifiquem de imediato. Várias frentes de trabalho estão sendo desenvolvidas. É necessário aumentar a articulação entre Estados e Municípios e ampliar as bases de informação que permitem melhorar o traçado das políticas públicas.

            Também se busca melhorar a qualificação dos profissionais que atendem o SUS, de forma a ampliar as ações da estratégia de saúde da família. Acredito que o caminho é mais prevenção e educação. Isso evitará, com certeza, aumento de despesas com o atendimento de doenças já instaladas. Atualmente, o setor hospitalar do SUS (mais de 7.600 unidades), consome mais de 70% dos recursos disponíveis, enquanto que, em outros países, o número gira em torno de 50 a 55%.

            Para concluir, Sr. Presidente, quero lembrar aqui da responsabilidade nossa, aqui do Legislativo, Câmara e Senado, pois aguardamos ainda a regulamentação da Emenda nº 29, já aprovada aqui, mas que está lá na Câmara, à espera de espaço. A agenda política, infelizmente, não dá prioridade para a importância que tem a Emenda nº 29.

            Lembro, também, que o Projeto de Lei Complementar nº 306, de 2008, atual denominação da matéria, não pode continuar sem deliberação. Aperfeiçoem-no, se necessário, mas aprovem a medida que devolverá o equilíbrio ao financiamento das ações de saúde.

            Era isso, Sr. Presidente, que eu tinha a dizer. Mas voltarei, com certeza, a falar outras vezes sobre a questão da saúde. Estamos muito preocupados, tanto com os planos de saúde quanto com a saúde paga - como se diz, tanto com a saúde paga na boca do caixa, como com a saúde pública.

            Era isso e obrigado, Sr. Presidente.


Modelo1 5/17/248:53



Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/2010 - Página 54510