Discurso durante a 203ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação de luta contra o trabalho escravo e favorável à reforma agrária, denunciando a prática de trabalho escravo em fazendas do sul do Pará. Apelo à Câmara dos Deputados para que vote matéria que prevê a expropriação de áreas onde for comprovada a prática do crime de trabalho escravo. Registro de evento realizado, na última semana de novembro, pelo Ministério Público Federal, a Pastoral da Terra e o campus da Universidade Federal do Pará, em Marabá, em que foi lançada a Carta de Marabá, com diretrizes para o combate do trabalho escravo. Leitura da carta de Frei Henri des Roziers, advogado da Comissão Pastoral da Terra de Xinguara, no sul do Pará, denunciando matança ocorrida na Fazenda Rio Cristalino, Município de Santana do Araguaia, sul do Pará. (como Líder)

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. REFORMA AGRARIA.:
  • Manifestação de luta contra o trabalho escravo e favorável à reforma agrária, denunciando a prática de trabalho escravo em fazendas do sul do Pará. Apelo à Câmara dos Deputados para que vote matéria que prevê a expropriação de áreas onde for comprovada a prática do crime de trabalho escravo. Registro de evento realizado, na última semana de novembro, pelo Ministério Público Federal, a Pastoral da Terra e o campus da Universidade Federal do Pará, em Marabá, em que foi lançada a Carta de Marabá, com diretrizes para o combate do trabalho escravo. Leitura da carta de Frei Henri des Roziers, advogado da Comissão Pastoral da Terra de Xinguara, no sul do Pará, denunciando matança ocorrida na Fazenda Rio Cristalino, Município de Santana do Araguaia, sul do Pará. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2010 - Página 57931
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), DENUNCIA, TRABALHO ESCRAVO, VIOLENCIA, ZONA RURAL, MUNICIPIO, ITUPIRANGA (PA), BREJO GRANDE DO ARAGUAIA (PA), ESTADO DO PARA (PA), EXPECTATIVA, ORADOR, MOBILIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, LUTA, DIREITOS HUMANOS, REFORMA AGRARIA, URGENCIA, VOTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, DESAPROPRIAÇÃO, PROPRIEDADE RURAL, COMPROVAÇÃO, CRIME.
  • REGISTRO, ENCONTRO, MUNICIPIO, MARABA (PA), ESTADO DO PARA (PA), ORGANIZAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, IGREJA CATOLICA, UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARA (UFPA), LANÇAMENTO, DOCUMENTO, DIRETRIZ, COMBATE, TRABALHO ESCRAVO, LEITURA, CARTA, SACERDOTE, ADVOGADO, DENUNCIA, HOMICIDIO, VITIMA, TRABALHADOR RURAL, COBRANÇA, PUNIÇÃO, CRIMINOSO, IMPEDIMENTO, CONTINUAÇÃO, VIOLENCIA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mozarildo Cavalcanti, Srªs e Srs. Senadores, nesta tarde abordo, desta tribuna, dois problemas que tenho tratado de maneira quase que constante, porque parte da triste realidade brasileira e, talvez, de problemas estruturais, como é a questão da luta pela verdadeira reforma agrária e a luta pelo fim, pela extinção do trabalho escravo no Brasil, a luta contra a violência no campo, que aqui tenho denunciado à exaustão e cobrado do Governo, das autoridades que têm responsabilidade de tomar providência, para colocar o Brasil num outro patamar de desenvolvimento, não para poucos, mas desenvolvimento para todos.

            Quando, apesar de tantos problemas, a discussão sobre a utilização de avião por parte do Presidente da República passa a ser questão central neste plenário, talvez seja porque não tenha muito a dizer sobre o que propor para que o País realmente realize as mudanças necessárias, para garantir a todos os brasileiros e brasileiras as condições mínimas e decentes de sobrevivência.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como disse, vou tratar da luta contra o trabalho escravo, da luta pela reforma agrária, denunciando a violência no campo. Faço aqui um relato de dois fatos envolvendo a prática de trabalho escravo contemporâneo em duas fazendas no sul do Pará, nos Municípios de Itupiranga e Brejo Grande do Araguaia. E faço esses relatos, mais uma vez, para tentar sensibilizar e convencer aos que têm responsabilidade de decidir, e neste caso cabe ao Congresso Nacional tomar medidas, votar projetos e tornar mais efetiva a luta contra o trabalho escravo contemporâneo.

            O relato feito pela ONG Repórter Brasil, de autoria da repórter Bárbara Vidal, tratando da violência da escravidão contemporânea, em dois Municípios do Estado no sul do Pará, reverbero aqui para ver se é possível convencer da necessidade de que decisões sejam tomadas, no sentido de ajudarem o Brasil a avançar no combate a essa prática.

Um pé de manga era o alojamento de trabalhadores rurais encontrados em situação de trabalho escravo. Eles faziam parte dos 32 libertados da Fazenda Riacho Doce (antiga Fazenda Lago Azul), em Itupiranga (PA). Entre as vítimas, havia uma mulher e seis jovens com menos de 18 anos.

Como não havia abrigo para todos, pessoas dormiam em redes, sob uma precária cobertura de telha e também sob uma mangueira, confirma o Procurador do Trabalho Rosivaldo da Cunha Oliveira. Ele participou da comitiva do grupo móvel de fiscalização que esteve no local. A operação foi coordenada pelo Auditor Fiscal do Trabalho Benedito de Lima e Silva Filho.

Os empregados laboravam há aproximadamente um mês e foram aliciados no próprio Município. Foram contratadas, em sua maioria, para fazer a limpeza do terreno - serviço conhecido como “roço de juquira” - para a criação de gado. Outras derrubavam a mata com motosserras.

Para que pudessem trabalhar, adolescentes portavam documentos com a data de nascimento alterada. Segundo a fiscalização, a alteração teria sido feita antes da empreitada na Fazenda Riacho Doce. Os seis jovens, que tinham na realidade entre 15 e 16 anos de idade, receberam seus direitos trabalhistas na presença das mães. As fichas de cada um deles foram enviadas ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), para as providências necessárias à inclusão de suas famílias em programas sociais.

A jornada era de oito horas diárias, mas não possuíam qualquer tipo de equipamento de proteção individual (EPI) - como, botas, chapéus, óculos, luvas e roupas especiais para desenvolverem a atividade. Além disso, utilizavam o mato como banheiro. A única instalação sanitária se encontrava na casa em que o “gato” (aliciador de mão de obra) residia. A fazenda está iniciando a atividade pecuária e ainda não possui sede.

A alimentação dos trabalhadores era escassa. Comumente se alimentavam de café com farofa, fornecidos pelo empregador, e consumiam água sem tratamento algum de um córrego próximo à propriedade.

De acordo com o Procurador Rosivaldo, quando o grupo móvel chegou ao local, cerca de dez pessoas voltavam a pé para as suas residências no núcleo urbano de Itupiranga (PA), a 120 quilômetros da fazenda. “Talvez pegassem uma carona na estrada, pois eles não tinham dinheiro para o transporte. Estavam inclusive sem comer desde o dia anterior”, relata.

Mesmo sem sinais de flagrantes ameaças, as vítimas não tinham condições físicas de ir embora sem receber o pagamento. “O gato [o empreiteiro] buscou os trabalhadores quando os aliciou na cidade, deveriam fornecer o dinheiro ou alguma condução para que fossem embora” [conforme afirma o Procurador Rosivaldo]

Os salários dos trabalhadores que receberiam por produção não estavam sendo pagos em dia. Quando a fiscalização chegou, eles estavam sem receber há 28 dias. O “gato” mantinha uma conta pessoal em um comércio próximo à propriedade rural onde o que comprava para os empregados era descontado posteriormente daquilo que efetivamente recebiam. Ele levava os trabalhadores para esse comércio e pagava bebidas alcoólicas como forma de adiantamento para amenizar a insatisfação de alguns deles. Foram apreendidas duas espingardas na área, usadas para caça, de acordo com o proprietário [daquele imóvel].

Agentes da Polícia Federal que integravam o grupo móvel identificaram crime ambiental devido ao desmatamento ilegal. A denúncia foi levada ao Ibama por meio de relatório.

Foram lavrados 17 autos de infração à Fazenda Riacho Doce, de propriedade de Edson de Souza Ribeiro. O valor de R$50 mil das verbas rescisórias foi quitado durante a fiscalização por representante do dono do imóvel rural. A indenização por danos morais coletivos foi fixada em R$200 mil e os danos morais individuais aos adolescentes em R$10 mil para cada um. Uma ação civil pública deve ser protocolada contra os responsáveis.

            Outro fato de escravidão, ocorrido na Fazenda Rainha do Araguaia, em Brejo Grande do Araguaia, aponta que nessa fazenda os trabalhadores compravam a própria comida e os equipamentos de proteção individual (EPI). Eles usavam botas rasgadas, em péssimo estado, no desmatamento de área que seria destinada a pastagem e criação de gado.

            Esses fatos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mostram...

(Interrupção do som.)

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Sr. Presidente, esses fatos aqui relatados em reportagem da ONG Repórter Brasil, como disse, especializada em denunciar fatos de violência contra trabalhadores rurais em condições análogas às de escravo, ou mesmo na área urbana, demonstram o quanto são urgentes as providências, as medidas que efetivamente possam coibir a prática de trabalho escravo no Brasil, entre elas a realização de efetiva reforma agrária e a garantia de educação de qualidade a todas as pessoas.

            De outra forma, é importante assinalar que o Congresso pode fazer muito para combater o trabalho escravo, especialmente a Câmara dos Deputados, que guarda na gaveta, há exatos quatro anos, a Proposta de Emenda à Constituição nº 438, que prevê a expropriação de áreas, de propriedades onde for comprovado crime de trabalho escravo.

            Infelizmente, a bancada ruralista tem feito de tudo para impedir, com a conivência de alguns partidos e líderes, que se possa avançar para a aprovação de uma matéria tão importante.

            Por isso, queremos, mais uma vez, dizer à Câmara dos Deputados que chegou a hora de saudar essa dívida com a luta em defesa da dignidade humana. E não é compreensível, Sr. Presidente, que esta Legislatura encerre suas atividades sem que votem, aprovem a PEC nº 438, que é fruto do desejo de milhões de lutadores sociais e dos direitos humanos, para que possamos, enfim, ter um instrumento que, no nosso entendimento, se equivale a uma segunda abolição - a lei que vai confiscar, se aprovada, bens, propriedades daqueles que se envolvam com a prática criminosa de trabalho escravo.

            Queria fazer referência ainda ao encontro realizado pelo Ministério Público Federal, pela Pastoral da Terra e pelo campus da UFPA, em Marabá, que lançou, na última semana de novembro, a Carta de Marabá, divulgando diretrizes para combater o trabalho escravo, no esforço para que as instituições públicas e a sociedade participem efetivamente da luta contra uma chaga social. Muitos de nós aprendemos que foi extinta a prática criminosa do trabalho escravo há 122 anos.

            Portanto, ao renovar aqui a cobrança pela aprovação da chamada PEC contra o trabalho escravo, reafirmamos o compromisso nessa luta para ver o Brasil livre de violências. O Brasil precisa de instrumentos eficazes, e a PEC nº 438 se inscreve como um desses instrumentos fundamentais para avançar na luta contra o trabalho escravo.

            Em segundo lugar, Sr. Presidente, eu queria tornar pública a carta de Frei Henri des Roziers, advogado da Comissão Pastoral da Terra de Xinguara, no sul do Pará, denunciando a matança na Fazenda Rio Cristalino, Município de Santana do Araguaia, no sul do Pará.

            Diz a carta de Frei Henri:

De maio a outubro de 2010, quatro trabalhadores rurais, cujos nomes constariam numa lista de marcados para morrer, foram assassinados na área ainda não desapropriada da Fazenda Cristalino, ocupada por cerca de seiscentas famílias desde 2008. As vítimas foram: o lavrador Paulo Roberto Paim, morador do Retiro 5, pai de dois filhos menores, assassinado em 28.5.2010, na estrada do Retiro 5; José Jacinto Gomes, conhecido como Zé Pretinho, posseiro do Retiro 7, encontrado morto na sua própria roça, em 26.6.10, com diversos hematomas no corpo; em 22.10.10 foi a vez de Givaldo Vieira Lopes, pai de 3 filhos menores, morto por dois tiros na estrada do Lote 04, quando estava andando sozinho, de motocicleta, teve o corpo muito machucado; por fim, Lourival Coimbra Gomes, também conhecido por “Baiano”, cujo corpo foi encontrado no dia 24.10.10 na sua própria casa, com a cabeça decepada, a qual [até hoje] não foi encontrada.

A ocupação foi feita em 2008 pela FETRAF, numa área não desapropriada de 50.000ha da Fazenda Rio Cristalino (ex-Fazenda Volkswagen). A partir de 2009, muitas dessas famílias se desligaram da FETRAF e criaram a “Associação dos Pequenos e Médios Produtores Rurais dos Retiros 1 ao 15” da Fazenda Cristalino, devido a pressão de um grupo que se diz representante da entidade e que extorque dinheiro das famílias, ameaçando-as para sair dos lotes que já tinham pago à entidade. Esse grupo persegue as lideranças da nova Associação, cujos nomes constariam, entre outros, numa lista de marcados para morrer.

Os nomes de todos os acusados constam nas diversas ocorrências policiais registradas pelos trabalhadores na Polícia Civil de Santana do Araguaia, na Delegacia de Conflitos Agrários de Redenção (DECA), na Polícia Federal e junto ao Ministério Público Estadual.

Diante disso, questiona-se:

Até quando as famílias da Fazenda Rio Cristalino vão ter que esperar pela prisão dos membros do grupo de extermínio?

Quem será a próxima vítima da “lista” dos marcados para morrer:...

            Eis, portanto, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a denúncia, o apelo e a cobrança de Frei Henri des Roziers, que tem 80 anos de idade, Senador Mozarildo, e se dedica à causa da reforma agrária, da garantia do direito à terra aos que precisam para dela tirarem seu sustento, morar e trabalhar.

            Faço minhas as palavra de Frei Henri para cobrar das autoridades policiais, da Justiça, sobretudo no caso dos assassinatos já denunciados, providências imediatas para que a impunidade não consiga fazer mais vítimas nessa verdadeira matança que ocorre na Fazenda Rio Cristalino, no sul do Pará.

            Esse apelo e essa cobrança esperamos ver respondidos pelas autoridades do Estado do Pará, porque é impossível continuar convivendo num clima de tanta tensão e violência.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/2010 - Página 57931