Discurso durante a 204ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa de projeto de lei, de autoria de S.Exa., que regula a demarcação de terras indígenas, e apelo para que os componentes da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa votem a matéria ainda nesta Sessão Legislativa.

Autor
Augusto Botelho (S/PARTIDO - Sem Partido/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.:
  • Defesa de projeto de lei, de autoria de S.Exa., que regula a demarcação de terras indígenas, e apelo para que os componentes da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa votem a matéria ainda nesta Sessão Legislativa.
Aparteantes
João Tenório.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2010 - Página 58198
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, OTTOMAR PINTO, EX GOVERNADOR, ESTADO DE RORAIMA (RR), APRESENTAÇÃO, VOTO DE PESAR, FAMILIA.
  • AGRADECIMENTO, INSTITUIÇÃO MILITAR, ESTADO DE RORAIMA (RR), HOMENAGEM, ORADOR, CONCESSÃO, MEDALHA, HONRA, ESCLARECIMENTOS, AUSENCIA, CERIMONIA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REGULAMENTAÇÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ALTERAÇÃO, ESTATUTO, INDIO, GARANTIA, QUALIDADE DE VIDA, COMUNIDADE INDIGENA, ANALISE, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, GARIMPAGEM, SUPERIORIDADE, MORTALIDADE INFANTIL, MORTE, MÃE, PARTO, MIGRAÇÃO, ZONA URBANA, REGISTRO, ESFORÇO, ELABORAÇÃO, PROPOSIÇÃO, INCLUSÃO, JURISPRUDENCIA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), SOLICITAÇÃO, APRECIAÇÃO, MATERIA, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), ATUALIDADE, SESSÃO LEGISLATIVA, DECISÃO TERMINATIVA.
  • COMENTARIO, DIFICULDADE, UNIÃO FEDERAL, EFETIVAÇÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR), OCORRENCIA, VIOLAÇÃO, DIREITOS, MISERIA, FALTA, SEGURANÇA, NATUREZA JURIDICA, ESPECIFICAÇÃO, BLOQUEIO, INDIO, RODOVIA, CONCLAMAÇÃO, APOIO, SENADOR.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. AUGUSTO BOTELHO (S/Partido - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu também gostaria de transmitir meus votos à família do ex-Governador Brigadeiro Ottomar Pinto, cujo falecimento faz seu terceiro ano amanhã, e de estender meus votos à Senadora Marluce Pinto, sua esposa e viúva, às filhas que trabalham em Roraima - duas são médicas, e uma é arquiteta -, a seu filho e a uma filha juíza, que mora em Fortaleza: Ana Laura, Marisa, Otília, Ottomar e Marília, os cinco filhos do Brigadeiro.

            Também gostaria de agradecer à Casa Militar do Governo de Roraima, na pessoa do Coronel Prola, e ao Governador de Roraima, Anchieta Júnior. Hoje, eu deveria ser homenageado com uma medalha de honra que leva o nome do Brigadeiro Ottomar Pinto, mas, em virtude de um problema de saúde do meu filho, que mora aqui, em Brasília, que ocorreu de ontem para hoje, não pude viajar ontem à noite. Só vou poder chegar a Boa Vista no sábado e não vou participar do evento, mas faço questão de receber, pessoalmente, na próxima oportunidade, a homenagem.

            O que me traz aqui, hoje, é mais um problema que afeta muito a nossa Região Norte, Acir Gurgacz. Quero falar a respeito de uma das críticas mais recorrentes feitas à nossa Constituição, a qual se centra na sua inegável prolixidade. Para esses críticos, nossa Carta, justamente por ser demasiadamente extensa, perde-se em minudências, desviando o foco do essencial para o meramente acessório. Ao se curvar à força dos grupos de pressão organizados, que externavam pontos de vistas e interesses dos mais diversos setores da sociedade, a Constituição Cidadã teria se perdido no emaranhado de dispositivos, dificultando até mesmo a governabilidade, como se chegou a dizer. O que é inegável é a falta de regulamentação de inúmeros dispositivos constitucionais. Passados vinte e dois anos, o documento que sacramentou, sob o prisma jurídico-político, a nova ordem democrática, que ressurgia após mais de duas décadas de regime de exceção, ainda está à espera de que o trabalho legislativo conclua sua efetiva regulamentação. Afinal, não basta a explicitação de boas intenções para que a plena cidadania seja assegurada. É preciso, pois, suprir todas as lacunas que, pelas circunstâncias daquele contexto histórico, os constituintes não conseguiram preencher.

            Eis o que me motivou a apresentar o Projeto de Lei nº 217, de 2010, que dispõe sobre a demarcação de terras indígenas e que revoga o § 2º do art. 19 da Lei nº 6.001, de setembro de 1973 - Estatuto do Índio -, e o Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996. Assim, Sr. Presidente, o que proponho é regular a demarcação das terras indígenas, nos termos do art. 231 da Constituição Federal. Foi o projeto para o qual pedi empenho do Senador Mozarildo e para o qual peço também o empenho de V. Exª, porque nossos Estados são afetados por isso. E, aqui, o lobby é muito grande para impedir que isso seja resolvido, porque pensam que a gente se interessa em demarcar olhando somente um lado. Nunca fui contra demarcação, mas quero que se respeite o direito de todos.

            Não são escassos, e muito menos de secundária importância, os argumentos que posso trazer a esta Casa para justificar minha proposição. Em primeiro lugar, trata-se de contribuição ao esforço de complementar o trabalho constitucional, algo que adquire especial significado, quando se leva na devida conta o caráter estratégico do tema que abordo. Além disso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tive a preocupação de incorporar, no texto que propus, o resultado do trabalho de diversas Comissões especiais e permanentes do Congresso Nacional. Mais: fiz questão de que nele estivesse presente também a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) relativa à matéria em questão, em particular aquela expressa na Petição nº 3.388, ação da qual fui autor.

            Gostaria de frisar também que meu projeto tem o mérito de atualizar a legislação concernente à demarcação de terras indígenas. Afinal, o que está em vigor, em termos de procedimento demarcatório dessas terras, é o Estatuto do Índio, de 1973, além do Decreto de 1996. Ora, todos sabemos como o País se transformou ao longo desse tempo, tornando obsoleto, quando não verdadeiramente anacrônico, esse arcabouço normativo.

            Falando, como sempre falei - sempre falo com meu coração e com sinceridade -, e conhecendo, como conheço, a realidade da minha Região Norte, que também é sua - o senhor é do Nordeste, Senador João, mas também entende isso, sente isso -, onde a questão assume proporções de acentuada gravidade, posso lhes garantir: a legislação hoje existente não dá conta da complexidade adquirida pela demarcação das terras indígenas. São inúmeras demandas judiciais e, não raramente, graves conflitos que surgem, num perigoso processo de elevada tensão social em determinadas áreas do território nacional.

            Cito o exemplo daquela questão de Roosevelt, em que os indígenas querem garimpar. Os índios têm o direito de garimpar, mas a Constituição não permite isso, e a própria decisão do Supremo diz que eles não podem garimpar. Então, temos de fazer leis aqui que permitam que eles garimpem. Por que o índio vai ficar vivendo na miséria, pisando em cima da riqueza? Temos de mudar isso, não se pode ficar dessa forma!

            No meu caso também, na Raposa Serra do Sol, todas as áreas indígenas foram feitas em cima de províncias minerais. Já estão mandando leis aqui para permitir mineração na área indígena. Mas, pelo que entendo, o índio não vai ter direito algum. Mas eles têm de ter direito, temos de lutar para fazer isso.

            Cedo um aparte ao Senador João Tenório, de Alagoas.

            O Sr. João Tenório (PSDB - AL) - Meu caro Senador Augusto Botelho, recentemente, tivemos oportunidade de, juntos, fazer uma viagem à China, e o comportamento de V. Exª impressionou todos nós. Enquanto eu e muitos outros nos encantávamos - isso nos causou um impacto, vamos assim dizer - com o desenvolvimento, com o crescimento de 10% ao ano, em quinze anos consecutivos, proporcionando à economia um enorme movimento, podendo gerar até um certo caos, V. Exª passou a viagem toda com dois tipos de preocupação, e a primeira delas dizia respeito à vida do ser humano lá: como era tratado o ser humano na China? Essa preocupação com o ser humano V. Exª teve durante todo o período nesta Casa. Em todas as suas manifestações, mesmo aparentemente não voltadas para o ser humano, como é o caso do pronunciamento que faz agora, no fundo, é o ser humano que V. Exª que atingir.

            O SR. AUGUSTO BOTELHO (S/ Partido - RR) - Muito obrigado.

            O Sr. João Tenório (PSDB - AL) - V. Exª tem a preocupação de fazer com que o ser humano tenha dignidade e tranquilidade. E essas medidas, essas políticas públicas, muitas vezes desencontradas, atingem de maneira inconveniente a vida das pessoas, dos seres humanos. V. Exª me marcou muito durante esse período e confirmou seu procedimento nessa viagem. Enquanto estávamos deslumbrados com o crescimento de 10% ao ano e com as consequências disso, V. Exª ia buscar o detalhe de como viviam os chineses, de como eles eram tratados, das dificuldades do ser humano chinês em conviver com todas aquelas questões de ordem política e de ordem econômica. Essa é a marca da sua personalidade, que impressionou e encantou todo mundo que o acompanhou na sua viagem. Então, essa é uma marca de V. Exª. E a segunda preocupação de V. Exª foi a de aprender o mandarim. Com a segunda viagem, V. Exª vai ficar absolutamente conhecedor da língua dos chineses, tenho certeza disso.

            O SR. AUGUSTO BOTELHO (S/Partido - RR) - Muito obrigado, Senador. As palavras de V. Exª realmente me envaidecem.

            Meu pai era médico, foi um dos primeiros médicos de lá, e fui criado, considerando que o ser humano é a coisa mais importante que existe sobre a Terra. As outras coisas vêm depois. E tenho dedicado meu trabalho e minha vida sempre nesse sentido. Eu gosto de ajudar as pessoas. Então, vim aqui para tentar melhorar a qualidade de vida de todos os brasileiros, mas, principalmente, dos meus de Roraima.

            A forma como essas demarcações são feitas não melhora a qualidade de vida nem dos indígenas, nem das pessoas que são expulsas das áreas, que são colocadas para fora de suas casas. Por isso, lamento não ter conseguido avançar muito, mas aquela ação que apresentei no STF apresentou dezenove direções que têm de ser respeitadas daqui para frente.

            Havia uma insegurança jurídica permanente lá. Chegava ali um antropólogo. E os antropólogos se preocupam com a Antropologia, não com o ser humano, pelo menos os que trabalharam nas demarcações lá. Tenho amigos antropólogos e sei que uns pensam como eu, que a gente tem de fazer o que eles querem que façam. Os indígenas não querem viver comendo lagarta, tendo dor de dente, morrendo de parto - é a maior mortalidade materna e mortalidade infantil do mundo. Eles não querem continuar assim. Eles nem sabem o que é isso, mas isso acontece com eles. Eles não querem que morram. É ruim morrer! Quando morre um indígena, isso é algo que afeta toda a comunidade deles. Eles têm a vida muito mística.

            Então, vim aqui para fazer isso. E os que viviam nas terras e que estão sendo expulsos? Eles vão para a periferia das cidades, seus filhos caem na criminalidade, as filhas de muitos deles se prostituem, principalmente dos mais necessitados. Agora, nesse último movimento, seis pessoas tinham recursos, e o restante era pobre. Quatrocentos pobres foram jogados fora, jogados à sua sorte. No entanto, temos trabalhado e estamos tentando melhorar.

            Nesses 22 anos de vigência da nossa Carta de 1988, verificamos que a proteção das terras não é atitude isolada, já que significativo é o seu impacto sobre outros aspectos ou valores igualmente consagrados no texto constitucional. Um bom exemplo disso diz respeito à questão ambiental. A rigor, como fiz questão de afirmar na justificação de meu projeto, “a afetação de áreas de preservação ecológica ao usufruto indígena põe em concorrência o direito dessas comunidades e o direito de toda a Nação brasileira a um meio ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo”.

            É claro que os indígenas não são predadores, não são destruidores da natureza, mas tem de ser equilibrado esse assunto.

            Ademais, Sr. Presidente, Acir Gurgacz, do Estado de Rondônia, não se pode esquecer que a União tem enfrentado dificuldades de monta para equilibrar a demarcação de novas reservas com direitos que assistem a toda a sociedade brasileira, a exemplo da propriedade, do devido processo legal, da segurança jurídica, da reforma agrária, da prevenção do crime, da segurança nacional, da infraestrutura do País e do usufruto coletivo de nossas riquezas.

            No meu Estado, existe uma aberração jurídica e de violação dos direitos de todos, inclusive dos próprios indígenas de outras etnias. Há uma etnia em cujas terras passa um trecho da BR-174, e, assim, ela fecha a estrada das 18h às 6h do dia seguinte, todo dia! Ali somente podem passar ambulâncias, mas, agora, estão afrouxando um pouquinho para que passem ônibus e alguns outros veículos. Isso aumenta o custo da vida do povo de Roraima, aumenta o custo da vida dos indígenas. Não são os atroaris que querem isso, mas um ongueiro que está lá no meio e que fica dizendo isso para eles toda hora.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o projeto que submeti ao exame desta Casa sintetiza, de forma cuidadosa e extremamente criteriosa, medidas concebidas no Judiciário e, principalmente, nas duas Casas do Congresso Nacional. Seu propósito não é outro que não o oferecimento de instrumentos eficientes para a defesa dos direitos dos envolvidos na sensível questão da demarcação de terras indígenas.

            Que ninguém duvide: o mais importante objetivo de meu projeto, sua verdadeira razão de ser, é proteger as comunidades indígenas e também os que são expulsos das comunidades. Ao fazê-lo, também me apoio no conceito de “constitucionalismo solidário”, de que tão bem fala o Ministro Carlos Ayres Britto, do STF, ao proferir seu voto na petição a que me referi anteriormente.

            Pela relevância do tema, pela serenidade com que foi abordado, por sua capacidade de apaziguar ânimos e defender o primado da justiça, espero que meu projeto receba o apoio dos nobres colegas Senadores. Apelo, em especial, aos componentes da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa para que votem a matéria ainda nesta Sessão Legislativa. O projeto está há quatro meses lá, parado. É uma coisa muito ruim.

Houve uma falha minha e da minha assessoria, para a gente não forçar aquilo, mas é o que eles querem fazer: segurar o projeto, para matá-lo.

            Por isso, estou fazendo um apelo ao Mozarildo, ao Gurgacz, a V. Exª e a todos para que continuem ativando esse projeto, porque as barreiras são inúmeras. Minha expectativa é a de que o projeto seja encaminhado, com a maior brevidade possível, à Comissão de Assuntos Sociais, onde deverá receber decisão em caráter terminativo.

            É esse o apelo que faço ao Senado da República.

            Desço desta tribuna com o sentimento do dever cumprido. De cabeça erguida, posso dizer ao Brasil que dei minha contribuição para o correto processo de demarcação de terras indígenas, respeitando a Constituição Cidadã, assegurando direitos e subordinando-o aos mais legítimos interesses nacionais, aos interesses da Nação brasileira.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2010 - Página 58198