Pronunciamento de Mão Santa em 16/12/2010
Fala da Presidência durante a 212ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Comemoração do centenário de nascimento dos cantores e compositores Noel Rosa e Adoniran Barbosa.
- Autor
- Mão Santa (PSC - Partido Social Cristão/PI)
- Nome completo: Francisco de Assis de Moraes Souza
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Fala da Presidência
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM.:
- Comemoração do centenário de nascimento dos cantores e compositores Noel Rosa e Adoniran Barbosa.
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/12/2010 - Página 59071
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- ABERTURA, SESSÃO, IMPORTANCIA, COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, NASCIMENTO, CANTOR, COMPOSITOR, MUSICA POPULAR, REGISTRO, BIOGRAFIA, CONTRIBUIÇÃO, MUSICA BRASILEIRA.
- CUMPRIMENTO, SECRETARIO EXECUTIVO, SENADO, RECEBIMENTO, COMENDA, ORDEM DO CONGRESSO NACIONAL.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - A Drª Cláudia Lyra está fazendo a inscrição.
Há motivo de muita festa. Além de aqui estarmos comemorando o centenário de nascimento dos cantores Adoniran Barbosa e Noel Rosa, Presidente Collor, esta Casa vive um grande momento, pois a nossa Secretária Executiva, a encantadora e competente Drª Claudia Lyra, recebeu hoje a Comenda da Ordem do Congresso Nacional no Grau de Comendadora. Então, realmente, foi muita justa e ela simboliza a beleza e a inteligência da mulher brasileira, símbolo maior da funcionária pública. (Palmas.)
Convido, para compor a Mesa de homenagem, primeiro, os signatários, Senador Inácio Arruda, do PCdoB do Estado do Ceará, e Senador Eduardo Suplicy, do Partido dos Trabalhadores, e também nós convidamos para cá o ex-Presidente da República Fernando Collor de Mello.
V. Exª simboliza toda essa grandeza do Brasil, e a música está na nossa história, no Hino Nacional. Então, V. Exª está convidado para compor a Mesa, simbolizando a homenagem que Alagoas e o Brasil fazem aos cantores.
Convidamos também o sobrinho-neto do cantor e compositor Noel Rosa, Sr. David Medeiros Rosa de Melo.
Srªs Senadoras, Srs. Senadores, meu nome não é nada de Mão Santa, é Francisco - aonde houver tristeza, que eu leve alegria. Então, nós vamos trazer aqui a música, que tem muito mais valia, Presidente Collor, do que a oratória. O Inácio Arruda lê a Bíblia e vê que há os Salmos lá. O Alcorão também - ele fala -, mas os Salmos, aquilo foi Davi dedilhando sua harpa e fazendo os Salmos. Jesus é meu pastor e nada me faltará. Então, comunica muito mais do que as oratórias. Então, nós ouviremos agora as músicas “Gago Apaixonado” e “Fita Amarela”, de Noel Rosa, executadas pelo Coral do Senado Federal, acompanhado de teclado, violão e dois percussionistas.
(Execução das músicas.)
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Queremos agradecer à Maestrina Glicínia Mendes, que encantou a todos nós.
Drª Cláudia, no final, eles vão cantar novamente?
Srªs Senadoras, Srs. Senadores, meus senhores e encantadoras senhoras, esta comemoração especial é das mais memoráveis, porque presta uma homenagem ao centenário de nascimento de dois ilustres compositores que mostraram em vida a grandeza de nosso samba e encantaram o nosso povo com suas letras, que retrataram muito bem a situação econômica, política e social do nosso País.
Noel Rosa e Adoniran Barbosa são reverenciados hoje nesta Casa. A iniciativa partiu dos ilustres Senadores Inácio Arruda e Eduardo Suplicy, que encaminharam requerimentos solicitando a realização deste ato solene.
Em 11 de dezembro de 1910, em um chalé humilde de Vila Isabel, no Rio de Janeiro, na rua Teodoro da Silva, nasceu, em um parto dramático, a fórceps, Noel de Medeiros Rosa. Teve vida breve e sofrida. Tornou-se rapidamente uma lenda viva do samba e um dos maiores poetas populares do Brasil.
Era boêmio, viveu poucos anos e muita vida. Era amigo do álcool, das mulheres do povo, dos malandros, das dançarinas da noite, das prostitutas e dos vagabundos. Logo passou a entender, como poucos, a gíria, a ginga e o espírito despojado dos cariocas. A maioria dos seus sambas geniais foi produzida nas noitadas agitadas dos cabarés e dos botequins da Lapa, enfumaçados pelas tragadas de cigarros baratos dos bêbados e notívagos, carregados pelas paixões incontidas das marafonas e pela presença dos cafetões e rufiões.
Estudou medicina para agradar o pai, mas trancou a matrícula para viver do samba sublime que gostava de apresentar nas mesas dos bares e nas serenatas de rua. Hoje, 100 anos depois de sua morte, o Poeta da Vila, como passou a ser chamado, deixou uma obra que desafia a nossa cultura popular e continua a avançar no tempo. Segundo os seus biógrafos, deixou mais de 200 composições, quase todas produzidas entre 1930 e 1937, o período mais rico de sua vida artística, apesar das doenças, das dificuldades econômicas, da solidão amorosa e das bebedeiras.
Noel Rosa criou um samba original, autobiográfico, crítico, fonético, repleto de gírias e versátil. Com muita sensibilidade e aguçada compreensão do momento social em que vivia, sempre retratou a vida simples das gentes das favelas, dos desvalidos e dos subúrbios distantes. Esse recado ideológico ele se preocupou em lançar para o consumo do asfalto, por meio da rádio e do disco. Em suas letras, os temas “paixão” e “mentira” têm relevo e são explorados profundamente, refletindo o cotidiano da vida das camadas populares do Rio de Janeiro.
Noel foi o grande compositor do carnaval de 1933. Explodiu nas ruas com: “Até Amanhã”; “Fita Amarela”; “Vai Haver Barulho no Chatô”; “Assim, Sim!”; “Mas, Como?”; “Prato Fundo”; e “Seu Jacinto”. Em 1932, suas músicas já geravam grandes lucros aos editores, mas, para ele, apenas migalhas. Em sua extensa produção musical, além dos temas sociais, a solidão, o desamor, a falta de dinheiro, a angústia e a rejeição também eclodem e completam o seu repertório.
No início de 1937, profundamente debilitado pela tuberculose, escreveu seus últimos sambas: “Eu Sei Sofrer”; “O Maior Castigo Que Eu Te Dou”; “Quem Te Deu Tudo Isso”; e “Último Desejo”. Sua derradeira letra foi a embolada “Chuva de Vento”, terminada cinco dias antes de seu suspiro final, em 4 de maio de 1937, aos 26 anos.
Seus amigos mais chegados, Nássara, Alegria, Almirante, Canuto, Orestes Barbosa, Ismael Silva, Braguinha, Nonô, Vadico, Lamartine Babo e outros, “os rapazes folgados da Vila Isabel”, como carinhosamente o chamavam, choraram sua morte e sua despedida prematura. Rádios e jornais noticiaram a partida em seus espaços mais nobres.
Uma verdadeira apoteose, gente de todos os lugares da cidade do Rio de Janeiro veio à Vila para reverência ao grande seresteiro. Juntamente com ela, seus amigos operários da Companhia Confiança Industrial, a fábrica de tecidos de seu bairro, e seus companheiros de seresta da Vila Carneiro prestaram a mesma homenagem e foram dar o último adeus no Cemitério do Caju. Lá também estavam Wilson Batista - antigo desafeto musical e concorrente ao amor de Ceci, a grande paixão de Noel -, Chico Alves, Mário Reis, Aracy Cortes, Aracy de Almeida e Marília Baptista, que cantavam suas canções e fizeram dueto com ele.
Em seu livro Noel Rosa, o biógrafo João Antônio lembra a obra Sambistas e Chorões, de Lúcio Rangel, volume 6, da coleção “Contrastes e Confrontos”. Nessa publicação, na apresentação do capítulo “As Confissões de Noel Rosa”, o autor apresenta a seguinte confissão, atribuída ao compositor:
Eu não pensava em ser General nem Presidente da República. Que valia o próprio prestígio (sic) dos reis, dos soberanos absolutos, diante do encanto comunicativo dos criadores de ritmo? Eu também não sonhava com ópera. Queria mesmo a música popular, ou seja, a música do povo inteiro, música generosa, música acessível a todos, que a todos embriaga, que vai de alma em alma comunicando uma mesma e religiosa emoção. Mas eu queria tocar um instrumento qualquer. E foi o bandolim a primeira coisa que toquei. E que toquei com alma, com unção, no desejo ingênuo de sublimar os sons todos que se desprendiam do instrumento. Sim, estreei com o bandolim....
Por sua vez, João Rubinato, filho de italianos, aliás, Adoniran Barbosa, nasceu primeiro do que Noel, em 6 de agosto de 1910, em Valinhos, então Distrito de Campinas, Estado de São Paulo, naquela época, destino de milhares de imigrantes italianos. Para si, criou um personagem muito particular que o acompanharia por toda a vida. Primeiro, o nome e, depois, o chapéu, o paletó, a gravata borboleta e o bigodinho fino identificavam, em todos os lugares, o ilustre sambista.
Os seus versos deixaram marcas profundas no coração paulistano. Eles foram capazes de aproximar os botequins do Bexiga dos da Vila Isabel, bairros geograficamente distantes, mas próximos pela linguagem do samba, cheia de amor, delicadeza, ternura, tristeza e paixão.
Adoniran Barbosa e Noel Rosa se uniram pelas crônicas, pelo sonho e pela interpretação dos anseios e sofrimentos das camadas mais pobres da população de São Paulo e do Rio de Janeiro. Na verdade, Adoniran Barbosa e Noel Rosa eram dois Quixotes de Cervantes, errantes pelas noites paulistanas e cariocas. Em cada boteco que entravam ou cada rua que percorriam na madrugada, era como se encontrassem moinhos de vento a serem conquistados com versos certeiros e irônicos.
Diferentemente de Noel Rosa, Adoniran Barbosa lutou muito para se tornar conhecido e reconhecido como um dos maiores e mais singulares compositores da história da Música Popular Brasileira. Não cantava muito bem, sua voz era rouca, pigarreava durante todo o tempo e, durante muitos anos, foi ignorado pelo mundo do rádio e da música. Só tardiamente se tornou um clássico, cantando sambas como “Saudosa Maloca” e “Trem das Onze”.
Porém, suas músicas só começaram mesmo a chamar a atenção do grande público com as interpretações feitas pelos Demônios da Garoa e, a partir de 1973, quando a cantora Gal Costa, numa apresentação no Anhembi, cantou o samba “Trem das Onze”. No ano seguinte, Adoniran Barbosa, já aos 64 anos de idade, conseguiu gravar o seu primeiro LP.
A consagração finalmente foi selada com as gravações de Elis Regina. Dessa maneira, foram essas duas grandes intérpretes da Música Popular Brasileira que conseguiram mostrar ao Brasil o real valor do poeta Adoniran Barbosa, que cantava a cidade de São Paulo com seus versos romanescos e saudosistas e com o seu linguajar próprio, mistura de italiano com o português caipira.
Segundo os seus admiradores, entre inúmeros biscates que teve de fazer durante quase toda a vida para sobreviver, o incansável boêmio, viciado inveterado em cigarro da marca popular “Yolanda” e torcedor apaixonado do Corinthians, foi também ator de rádio, ao longo dos anos de 1940. Nos anos de 1950, chegou ao auge com o programa “Histórias da Maloca”. Trabalhou ainda em cinema e em novelas da antiga TV Tupi.
Seu produtor musical e grande amigo João Carlos Botezelli, conhecido como Pelão, sempre que falava dele dizia: “Conheci o Adoniran Barbosa como a gente deve conhecer os grandes amigos: em um bar. Ele criava melodias na hora, assim, no bar, assobiando. Começamos a conversar, e aí fiquei amigo dele”.
Para muitos, Adoniran Barbosa pode ser considerado um cronista na mesma linha de Mário de Andrade, Juó Bonanère e Alcântara Machado. Retratava a cidade de São Paulo pelo que ouvia nas ruas. Transitava em todas as classes sociais, frequentava as malocas e participava das festas do rádio. Enfim, Adoniran Barbosa, com a sua verve e com a sua forte consciência social, foi realmente um Charles Chaplin brasileiro.
Muito obrigado!
(Palmas.)
Vamos continuar a solenidade e conceder agora a palavra ao Senador Inácio Arruda, subscritor do requerimento.
O Senador Inácio Arruda é, com certeza, o maior Líder do PCdoB deste País, Senador da República que representa não só o Ceará, mas todo o Brasil.