Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários a respeito do pronunciamento e do teor da mensagem da Presidente Dilma Rousseff na abertura dos trabalhos do Congresso Nacional. (Como Líder)

Autor
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Aloysio Nunes Ferreira Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Comentários a respeito do pronunciamento e do teor da mensagem da Presidente Dilma Rousseff na abertura dos trabalhos do Congresso Nacional. (Como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 05/02/2011 - Página 1291
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ELOGIO, QUALIDADE, PROPOSTA, RELAÇÃO, DISCURSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, BRASIL, ABERTURA, TRABALHO, CONGRESSO NACIONAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (PSDB - SP. Pela Liderança. Com revisão do orador) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, a confusão me enaltece. Aliás, há uma certa semelhança física entre nós, que nos tem valido, ao longo dos anos, apoios de nosso eleitorado comum.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, gostaria, nesta manhã, de tecer, em nome da Liderança do PSDB, alguns comentários a respeito do pronunciamento e do teor da mensagem da Presidente Dilma Rousseff na abertura dos trabalhos do Congresso Nacional.

            Em primeiro lugar, quero ressaltar a importância do gesto, que demonstra, evidentemente, deferência com o Poder Legislativo. É um gesto que não é usual. Que demonstra o apreço por este Poder e eu espero que venha acompanhado de medidas concretas que o reafirmem, especialmente abstendo-se a Senhora Presidente da emissão exagerada de medidas provisórias, invadindo, inclusive, como fez o seu antecessor, competências que são exclusivas do Congresso Nacional, especialmente em matéria orçamentária. Não foi uma, não foram duas, não foram três, foram inúmeras medidas provisórias demandando abertura de créditos suplementares, o que é frontalmente contrário à Constituição. Assinale-se, a bem da verdade, que o Presidente Lula contou com a complacência da maioria do Congresso Nacional para tanto.

            Quero ressaltar também, Sr. Presidente, a importância da afirmação inicial da Senhora Presidente, quando registra a Constituição de 1988 como o marco inicial de um conjunto de mudanças importantes na estrutura do Estado brasileiro - as nossas instituições -, no processo político, que foram responsáveis por um período longo de estabilidade democrática, fato este, aliás, ressaltado também pelo Presidente desta Casa no seu discurso inaugural, sem o qual não teríamos alcançado os progressos econômicos e sociais que alcançamos hoje.

            Eu gostaria de prosseguir, Sr. Presidente, nos elogios e no reconhecimento das boas qualidades do discurso de Sua Excelência. Infelizmente, vou parando por aqui.

            Eu quero bem à Presidente, tenho por ela uma estima pessoal. Uma mulher de valor, uma mulher de coragem. Quero que ela faça um bom governo; desejo a ela sucesso e, para isso, é importante que tenhamos aqui uma boa oposição. Uma oposição vigorosa, intransigente, que seja a voz daqueles que não concordam. Uma boa oposição é tão importante para o funcionamento das instituições e para o progresso do nosso País, para o aperfeiçoamento da nossa democracia, como um bom governo. Acontece que ao tentar, digamos, me apegar a pontos precisos do discurso da Senhora Presidente, da sua mensagem, para poder comentá-los, eu me vi bracejando ao vento, de tal modo me ficou a sensação de vazio, a sensação de falta de substância,de concretude que eu esperava de um primeiro pronunciamento solene presidencial ao Congresso Nacional, que o que eu tenho a comentar hoje são exatamente os vazios.

            Ficou-me evidentemente uma sensação de déjà vu. Ou seja, eu já ouvi esse discurso muitas vezes durante a campanha eleitoral; a campanha eleitoral da candidata Dilma Rousseff. Não esperava que ela repetisse um mês depois da posse o mesmo discurso. Há uma ou outra novidade, porém pífias. Por exemplo, anunciou que o Governo enviará ao Congresso um projeto de lei estabelecendo uma política de longo prazo para a manutenção do poder de compra do salário mínimo - o que, aliás, já está previsto na Constituição. Pareceu-me, Sr. Presidente e Srs. Senadores, ver ali um truque, uma forma de acenar, com medidas, o longo prazo para escapar da pressão do curto prazo dos sindicatos e do meu Partido, o PSDB, por reajuste de R$580,00 ou de R$600,00.

            Outra medida anunciada pela Senhora Presidente - e aí é o déjà vu absoluto - é um plano para articulação de ações da União, dos Estados, dos Municípios, para prevenção das consequências de catástrofes naturais. Ora, esse plano já havia sido anunciado há quatro anos, e não saiu do papel. E agora é empurrado para 2014. Foi o que eu vi de concreto no discurso de Sua Excelência.

            Na mensagem, a Presidente Dilma reafirmou o seu compromisso com a reforma tributária, com o aumento da qualidade dos investimentos públicos,com a redução dos gastos de custeio e da manutenção da máquina, e afirmou, enfaticamente, o seu compromisso com a educação e com a saúde como prioridades de governo.

            Olhamos a educação, meus caros Colegas. Entendo, que deva ser um objeto de política de Estado de longo alcance, que ultrapasse, nas suas consequências e na sua execução, a duração de um mandato. Penso que ela deveria ser um objeto até, seguramente ao lado da segurança pública, dos direitos humanos, de um esforço suprapartidário entre nós, porque, evidentemente, uma boa política educacional para o País, que nos resgate dos níveis humilhantes de aproveitamento dos alunos da nossa rede escolar, envolve Estados, Municípios, União, que são governados por partidos diferentes. Envolve fôlego, liderança.

            Ora, o Ministro Haddad, se tinha crédito para tanto, depois das inúmeras trapalhadas de que foi o principal protagonista e responsável, não tem mais. Essa que é a realidade dos fatos. O absurdo do vazamento das provas do Enem, a confusão e as falhas no sistema de seleção unificada, tudo isso, evidentemente, esvaziou aquilo que é essencial para a condução do processo de reforma da educação do nosso País, que é autoridade política. Este Ministro, que depois de um mês da sua recondução no cargo, nada mais disse e foi tirar férias. Será o Ministro Haddad alguém que tenha condições de levar adiante esse compromisso prioritário com a educação?

            Creio que nenhum de nós acredita nisso, inclusive os Senadores da base do Governo.

            Eu queria só lembrar, uma vez que a Ministra Dilma foi a alma do Governo passado, que, nos últimos oito anos, os gastos com educação passaram de 0,42% do PIB para 0,62% do PIB. É muito pouco. O aumento do gasto, do investimento da educação em relação ao PIB, foi de 0,20 ponto percentual, ou seja, cerca de 8% apenas do aumento exponencial dos gastos correntes promovidos pelo Governo passado e muito acelerados no processo eleitoral.

            E o que dizer da saúde?

            Ontem, a Presidente fez um primeiro pronunciamento no Palácio do Planalto. Ali, Sua Excelência anunciou uma medida importante, que é a distribuição gratuita de remédios para portadores de diabetes. Acontece, Sr. Presidente, que esta medida já estava prevista na Lei nº 11.347, de 27 de setembro de 2006, sancionada pelo Presidente Lula.

            Leio o art. 1º da Lei:

Os portadores de diabetes receberão gratuitamente do Sistema Único de Saúde os medicamentos necessários para o tratamento de sua condição e os materiais necessários à sua aplicação e à monitoração da glicemia capilar.

            Ora, se a Presidente Dilma, aqui no Congresso, choveu no molhado, no Planalto foi uma torrente, uma tempestade, um aguaceiro no molhado. Voltando à situação da saúde, temos, hoje, um grande orçamento e péssima gestão e necessidade urgente de uma medida legislativa, sem a qual continuaremos assistindo a esse processo de retirada paulatina pé ante pé do Governo Federal do financiamento do Sistema Único de Saúde. Refiro-me à regulamentação da Emenda Constitucional nº 29. Sem esta regulamentação, os gastos do Governo Federal continuam se retraindo e a saúde continua cada vez mais esmagando a capacidade financeira dos Municípios. Não há prefeito neste País que não invista menos de 30%, 40% do seu orçamento na saúde, sem falar na desatualização da tabela do SUS, que leva as entidades, que prestam assistência médica de natureza filantrópica, à uma crise financeira insanável. A proposta está parada na Câmara e o Governo não faz nada para impulsioná-la, a não ser que adotemos, sob um novo nome - contribuição social para a saúde - a tão rejeitada CPMF.

            Ora, ainda no seu discurso, a Presidente anunciou uma meta antiga: que é a construção de 500 Unidades de Pronto Atendimento (Upas). Todos nós sabemos e nos lembramos de que a meta de 500 Upas constava do programa do Presidente Lula, que ela fez parte, para 2010. Ora, o Governo construiu apenas 91, ficou devendo 409, e a Presidente agora vem e anuncia quinhentas, mas para 2012, ou seja, sumiram quinhentas UPAs no discurso presidencial.

            Em relação à reforma tributária, evidentemente, é a velha “pomada maravilha” de sempre. Vamos fazer a reforma tributária, um problema federativo dos mais espinhosos. Faria bem a Presidente se se valesse de um estudo que foi feito aqui nesta Casa, que é a Casa da federação, e que foi mencionado ontem pelo Senador Francisco Dornelles em seu discurso inaugural. Mas nenhuma medida concreta, apenas um aceno com a redução dos custos que oneram a folha de pagamento. E aí é preciso ter cuidado. O governo do PT é um governo profundamente comprometido com o patronato. Não é algo inédito na história política do mundo. É preciso que a desoneração da folha de pagamento venha no sentido de estimular as admissões e não no sentido de baratear as demissões. Esta é a advertência que modestamente faço aqui neste discurso de circunstância.

            Neste primeiro mês de governo, a Presidente manteve um perfil baixo. Não deixa de ser um alívio, porque o governo anterior, o seu antecessor, insistia, em toda e qualquer circunstância, até em jogo de futebol, em nos fazer compartilhar de um sentimento profundo que ele carrega em sua alma, que é o amor imoderado dele por ele mesmo; a Presidente Dilma tem perfil mais discreto.

            Acontece que a situação da economia brasileira está demandando da Presidência da República sinais claros de medidas que venham a conter o processo inflacionário, que estanquem a hemorragia fiscal, que protejam a competitividade da economia brasileira. Na falta dessas definições, o chamado mercado se inquieta. Quando se inquieta e começa a se movimentar sem um balizamento concreto do poder político, é uma engrenagem que se põe em movimento e que acaba triturando os mais frágeis.

            Então, já passou da hora de a Presidente Dilma dar o sinal efetivo daquilo que pretende fazer na área econômica. Ela, durante a campanha, exorcizou, de forma enfática, qualquer necessidade de ajuste fiscal. Ora, na primeira reunião do seu Ministério, o Ministro da Fazenda, usando um eufemismo que não me lembro mais qual seja, confirmou a necessidade de um ajuste que vai além dos R$40 bilhões cogitados inicialmente. De modo que essa imobilidade, do ponto de vista das expectativas da economia, que são um elemento fundamental no comportamento dos agentes econômicos, cria inquietação que leva à instabilidade, até porque a inflação vem subindo: a medida pelo IPCA este ano saiu de 4,99% para 5,64%. Os prognósticos sobre a taxa de juro são alarmantes, e o Senador Requião abordou com muita propriedade essa questão financeira no seu discurso. Se não houver uma ação decisiva do Governo para conter esse processo, a inflação sairá do controle. E o Brasil continuará sendo, sob o patrocínio da Presidente Dilma, o país dos rentistas. No ano passado, aqueles que vivem de juros se apropriaram de cerca de R$200 bilhões, ou seja, 15 vezes mais daquilo que é destinado aos beneficiários do Bolsa Família, programa que atende cerca de 50 milhões de brasileiros.

            No tocante ao aumento do gasto de custeio, a mensagem da Presidente Dilma no Congresso, é preciso ressaltar e sublinhar que os seus gestos não correspondem à intenção, senão poderia ter reduzido substancialmente o número absurdo de 37 ministérios que herdou do seu antecessor e que são insuficientes para acomodar os apetites da sua base parlamentar mastodôntica.

            O fato, Sr. Presidente, é que, nesse discurso, não vi nada em que eu pudesse, digamos assim, me apegar para alimentar minha esperança de um bom Governo - esperança que, sinceramente, tenho.

            Falar em melhoria da qualidade do gasto e manter, por exemplo, essa insensatez, megalomaníaca, do Projeto do Trem Bala, quando nós temos enorme necessidade de revitalizar nosso sistema ferroviário, necessidade premente de investimentos nos transportes coletivos de grande capacidade nas regiões metropolitanas... É um absurdo! E seu compromisso, reafirmado ontem, com a defesa do meio ambiente, não se coaduna com o açodamento da construção da usina de Belo Monte, que não é sustentável, seja do ponto de vista econômico, do ponto de vista fiscal, do ponto de vista financeiro, do ponto de vista de engenharia, nem do ponto de vista energético. Sinto que a Presidente perdeu o time. Seu antecessor tinha um gosto muito pronunciado pelas metáforas futebolísticas. Ela perdeu o tempo da bola... Que é dramático no jogo! E, no processo político, o tempo é fundamental. Nós sabemos disso! Ela perdeu o tempo... Eu não peço, da Presidente Dilma, um estilo diferente do seu... Não é possível, hoje, fazer um transplante de alma. Faz-se transplante de fígado, transplante de coração, transplante de pulmão, transplante de rim... Não se faz transplante de alma! Eu não esperaria que ela transplantasse em sua alma a alma do Presidente Lula - e nem gostaria que isso acontecesse.

            Acontece que o Presidente da República... A Presidente da República, no caso, nossa primeira Presidente mulher, ela tem a obrigação de sinalizar para o País uma mensagem clara, uma diretriz. O Presidente da República tem um papel pedagógico, um papel de orientação, um papel de divisor de águas entre situação e oposição; mobilizar a opinião pública, os partidos, o Congresso em torno de um programa de reformas. E não tivemos nada disso, ontem.

            Temos aqui, no plenário, dois ex-Presidentes da República: o Presidente José Sarney, que conduziu, com admirável paciência e tenacidade, o Brasil durante o processo constituinte e colaborou, como poucos, para que concluíssemos aquele passo importantíssimo, vital para que o Brasil, o povo brasileiro se reencontrasse com a sua vocação pela liberdade; e o Presidente Itamar Franco, que pegou o touro da inflação a unha e iniciou o processo de resgate da economia brasileira, do povo brasileiro das garras do dragão inflacionário. Ambos não se furtaram a sinalizar, nos seus mandatos, rumos para o País.

            Eu espero que a Presidenta Dilma Rousseff o faça, e o faça o quanto antes.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/02/2011 - Página 1291