Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas às recentes medidas de ajuste fiscal anunciadas pelo governo federal.

Autor
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Aloysio Nunes Ferreira Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA FISCAL.:
  • Críticas às recentes medidas de ajuste fiscal anunciadas pelo governo federal.
Publicação
Publicação no DSF de 12/02/2011 - Página 2852
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA FISCAL.
Indexação
  • CRITICA, PRETENSÃO, GOVERNO FEDERAL, CORTE, ORÇAMENTO, ANUNCIO, AJUSTE FISCAL, DENUNCIA, ORADOR, DESCUMPRIMENTO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PERIODO, CAMPANHA ELEITORAL, QUESTIONAMENTO, CONTINUAÇÃO, INVESTIMENTO, PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO (PAC), PROTESTO, INFERIORIDADE, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (PSDB - SP. Pela Liderança. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, em primeiro lugar, eu gostaria de dizer que compartilho do sentimento de V. Exª em relação ao discurso que acabamos de ouvir do nobre Senador Vicentinho Alves. E apenas um comentário que não quis fazer no momento para não interrompe-lo, mas que faço questão de registrar agora: tivemos um Senador por São Paulo que se dedicou intensamente à defesa dos indígenas brasileiros, que foi o Senador Severo Gomes, de saudosa memória, e que deixou em todos nós uma lembrança imorredoura, incluindo na pauta dos grandes temas da política brasileira a defesa dos povos indígenas, à qual adiro para lutar ao seu lado para defendê-la.

            Sr. Presidente, infelizmente, o tema que venho tratar hoje é um pouco mais momentoso, delicado. Trata-se de um comentário a respeito das recentes medidas do Governo Federal de ajuste fiscal, representando um corte anunciado no Orçamento de R$ 50 bilhões.

            Eu começaria, Sr. Presidente, rememorando tempos muito recentes. É curioso que, no Brasil, tempo curto se transforma em tempo longo, a memória das pessoas é curta, de tal modo que o nosso próprio Hino à República diz: “Nós nem cremos que escravos outrora tenha havido em tão nobre País”. Outrora era um ano antes, o Hino à República é de 1889, e a abolição foi em 1888.

            Pois bem, muito recentemente, a candidata Dilma Rousseff fez uma declaração enfática, às vésperas do segundo turno, a respeito da situação fiscal do Brasil.

            Quando questionada, aqui em Brasília, na Legião da Boa Vontade, sobre algo que já pairava no ar, a ideia de que a situação fiscal brasileira vinha se deteriorando a passos largos e rápidos, a Presidente afastou, de maneira absolutamente enfática e até com certo desdém, essa hipótese. Ela disse: “Com o País crescendo, inflação sob controle, eu vou fazer ajuste fiscal para quê?”. E prosseguiu: “Eu não concordo que o Brasil tenha que se submeter sistematicamente, a cada fim de governo, a um ajuste fiscal”. E com isso tranquilizou a sua plateia. 

            Ela já havia feito, um mês antes desse pronunciamento, numa visita ao SENAI, no bairro paulistano do Brás, uma afirmação semelhante. Disse a então candidata:

Eu não autorizo nenhuma avaliação a esse respeito [corte de gastos públicos]. [...] o Brasil de hoje não é igual ao Brasil de 2002. O Brasil de hoje tem uma dívida líquida que está caindo, taxa de juros com todas as condições e inflação sob controle e convergindo [essa inflação] para níveis internacionais. Por isso, não vejo nenhum sentido nessa discussão [a discussão de um eventual ajuste fiscal] [...].

            Muito bem. Durante o período eleitoral, essas afirmações foram enfaticamente repetidas. Eu entendo, todos nós entendemos que a eleição é um momento de um contrato do governante com o povo, um contrato chancelado pelo sufrágio universal. E, como todo contrato, ele deve se reger pelo princípio da boa-fé.

            Ninguém pode ser levado a firmar um contrato sem pleno conhecimento das condições do seu cumprimento. Há mesmo um crime previsto no Código Penal, o estelionato, que consiste numa conduta que leva a vítima ao engano com o objetivo de obter um efeito jurídico relevante para si. Ora, esconder do País algo que estava na iminência de acontecer, e que aconteceu efetivamente, tudo para manter a fábula do momento mágico, “estamos num mundo maravilhoso, o País está às mil maravilhas”, mentir para a população!? Realmente, não é o caso de 2002.

            Em 2002, Sr. Presidente, o Brasil viveu a sua última crise internacional do período Fernando Henrique Cardoso, uma crise provocada pelo terror, pânico nos mercados financeiros de que o Presidente Lula, uma vez instalado no poder, fosse cumprir efetivamente todo o receituário que o PT havia apregoado durante a sua existência até então. Aí nós tínhamos, evidentemente, o voto contra a responsabilidade fiscal, a renúncia a assinar a Constituição, o plebiscito sobre a dívida externa, a auditoria da dívida pública, uma série de temas que foram alardeados, mas rapidamente escamoteados numa tal “Carta aos Brasileiros” pouco antes da eleição. O fato é que os mercados financeiros tinham receio. Não imaginavam eles que o PT, uma vez no Governo, iria se transformar no xodó dos mercados financeiros.

            Este movimento provocou um pânico, e o Presidente Fernando Henrique, às vésperas da eleição do segundo turno, não hesitou em recorrer ao Fundo Monetário Internacional para garantir as condições de governabilidade ao seu sucessor. E teve o cuidado e o zelo de, antes de recorrer ao Fundo, ter uma entrevista com os dois candidatos, José Serra e com o candidato, à época, Lula. Eu acompanhei de perto esse episódio, uma entrevista que foi, inclusive, organizada, eu participei da organização dessa entrevista junto com o então Presidente do Partido dos Trabalhadores, o então Deputado José Dirceu.

            Ora, nada disso ocorreu nessa transição de Governo. Em 2002, era uma transição bem-sucedida de um Governo que prometia e que pregava uma ruptura com o passado; desta vez, o grande cacife eleitoral da candidata era a continuidade. Ela era a alma do Governo passado, e isso dava garantia aos eleitores da continuidade.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (PSDB - SP) - Não foi isso que aconteceu neste primeiro momento. O anúncio do corte de 50 bilhões é uma ruptura, a menos que se imagine que aqueles que elaboraram o Orçamento - e me refiro ao Ministro Mantega em particular - fossem tão incompetentes que não tivessem previsto o rumo que as contas estavam tomando e que imporiam um corte fiscal logo no início, um ajuste fiscal logo no início do Governo, do exercício, melhor dizendo.

            Bem, Sr. Presidente, Srs. Senadores, as medidas anunciadas estão ainda envoltas num certo mistério. É evidente que, a esta altura, todos estão esquadrinhando o que contém esse pacote de R$50 bilhões. Mas, aparentemente, aquilo que se sabe está muito longe de atingir esse montante.

            Auditoria externa da folha de pagamento para detectarem incorreções. Ora, o Brasil dispõe do Siafi. O Siafi, segundo o relatório do Ministério da Fazenda de 13 de outubro de 2008, é apontado como “um importante instrumento para o acompanhamento e controle da execução orçamentária, financeira e contábil do Governo Federal, se configurando, atualmente, no maior e mais abrangente instrumento de administração das finanças públicas, dentre os seus congêneres conhecidos no mundo.”

            Ora, será que o Siafi, que é conhecido e respeitado no mundo inteiro, não merece a confiança da Presidente Dilma? Vai ser preciso contratar uma auditoria externa? Ou então será que, na herança do governo passado, estão incorporados funcionários fantasmas, incapazes de serem detectados pelo Siafi?

            Outra medida: novas contratações serão olhadas com lupa. Qualquer medida de elevação dos valores pagos aos funcionários em cargos de comissão estão suspensas.

            Bem, a suspensão dos concursos públicos pode ser boa e pode ser ruim. Depende.

            O Governo anunciou a criação e instalou efetivamente várias universidades federais. Isso foi uma bandeira de campanha eleitoral e gerou uma expectativa altamente positiva, inclusive no meu Estado, no Estado de São Paulo. Temos as universidades e não temos concursos públicos para prover os cargos de professor. O Governo será que não fez, antes de lançar os editais de concurso, um levantamento preciso da necessidade de funcionários em determinados setores ou da sua abundância em outros, antes de fazer concurso, antes de engajar milhares de pessoas na preparação de concursos, na inscrição em cursos preparatórios para concursos públicos? Esses editais foram elaborados com base em quê? Os editais de concursos que foram agora suspensos ou concursos realizados e que não darão ensejo à contratações.

            Redução de 50% de despesas com viagens e diárias. Ora, é uma piada de mau gosto. Quanto representaram viagens e diárias no Orçamento de 2010? Cerca de R$2 bilhões, Srs. Senadores: R$980 milhões com passagens e despesas de locomoção, e diárias, R$1,2 bilhão; no total, R$2 bilhões. Reduzindo pela metade, sobra R$1 bilhão. Isso é ajuste fiscal?

            As obras do PAC e as ações sociais não sofrerão corte. Bom, quanto às obras do PAC, é bom que se diga que o ritmo de execução dessas obras está sempre, sempre atrasado. Foi prática corrente do Governo Lula, por dificuldade de planejamento ou por qualquer razão que seja, a inscrição de dotações orçamentárias de um Orçamento no Orçamento seguinte como restos a pagar.

            Isso é corrente. Isso é rotina. Os restos a pagar inscritos do exercício de 2011 alcançaram o montante de R$128 bilhões, sendo que R$ 90 bilhões, 70% são referentes ao exercício de 2010 e R$ 38 bilhões a reinscrição relativa aos exercícios de 2007 a 2009. Então, cortar ou não cortar o PAC é mera teoria, é fantasmagoria, é má literatura, porque as obras do PAC não estão sendo executadas no ritmo que deveriam.

            As emendas parlamentares são, evidentemente, algo demonizado perante a opinião pública, embora eu, raramente, tenha visto uma emenda parlamentar inútil. Evidentemente, existem emendas parlamentares como essas que ocorreram no orçamento do Ministério de Turismo, que eram, pura e simplesmente, fraudulentas, mas, em geral, as emendas são úteis para o eleitorado. E essas emendas também costumam entrar no pacotão de restos a pagar.

            Agora, área social, cortar custeio em área social... Onde se vai cortar custeio significativo em área social que tenha realmente um impacto sobre o Orçamento a não ser em saúde e educação? Saúde é custeio. Educação é custeio. Segurança pública é custeio. Defesa nacional, em grande parte, é custeio. E o Governo garante que não haverá cortes em área social. Não sei que mágica vai fazer para continuarmos sob a égide deste momento mágico que é tão alardeado pelos partidários do Governo.

            Na verdade, Sr. Presidente, se o Governo não enfrentar seriamente os desafios de tapar os ralos por onde escorre o dinheiro público; se o Governo não se propuser, com o auxílio desta Casa, a uma revisão rigorosa dos incentivos fiscais que somente favorecem grupos econômicos e que não têm nenhum benefício social; se o Governo não puser fim ao cassino financeiro, ao custo elevadíssimo que paga para manter divisas vultosas, enquanto as contas comerciais se deterioram... Enquanto não se enfrentar seriamente esses problemas, o resto é perfumaria.

            Eu espero que a Presidente Dilma, ainda com o carisma, com o apoio, com a simpatia que merece dos brasileiros no início do seu mandato, tenha efetivamente a coragem, a visão de estadista, para romper com práticas do passado e iniciar efetivamente uma nova era, em busca de novas conquistas econômicas e sociais para o nosso País.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/02/2011 - Página 2852