Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários a estudo da Consultoria Legislativa a respeito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Comentários a estudo da Consultoria Legislativa a respeito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Aparteantes
Jayme Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 11/02/2011 - Página 2641
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANEXAÇÃO, MATERIA, AUTORIA, CONSULTORIA, SENADO, ASSUNTO, APROVAÇÃO, BRASILEIROS, QUALIDADE, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), DEFICIENCIA, CONTRATAÇÃO, MEDICO, ACESSO, POPULAÇÃO, MEDICAMENTOS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, estive aqui nesta tribuna, já nesta nova Legislatura, falando sobre a saúde no País, aliás, uma obrigação de qualquer parlamentar, mas ainda mais minha, como médico. E tive oportunidade de pedir à Consultoria Legislativa do Senado uma nota informativa sobre os desafios da saúde. É uma matéria muito bem elaborada, de 12 páginas - e, portanto, não vou lê-la toda -, cuja transcrição peço à Mesa para que faça parte do meu pronunciamento.

            Por acaso, Srª Presidente, hoje, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma matéria dando conta do seguinte: mais de 70% dos brasileiros desaprovam o Sistema Único de Saúde, segundo o Ipea. Portanto, não é uma afirmação de alguém que tenha qualquer leviandade ao abordar o tema.

            “Pesquisa com 2,7 mil pessoas mostra que falta de médicos e demora para marcar consulta são as principais queixas”. Isso é o que o paciente sente quando procura ser atendido.

            Mas o problema vai muito além disso. Quero, então, ler alguns trechos do estudo feito pela Consultoria Legislativa.

(...) é Importante chamar a atenção que o Sistema Único de Saúde, conhecido popularmente como SUS, criado pelo Congresso Nacional na Constituinte de 1988, da qual tive o prazer e a honra de participar, tendo por inspiração o debate promovido pelo movimento da reforma sanitária brasileira, desde a década de 70, constitui o maior programa de inclusão social do País.

            Isso é importante frisar: há uma série de problemas de inclusão, mas não há nenhum que tenha a vertente e o alcance do SUS, porque trata do bem maior de qualquer cidadão, que é a vida, a saúde.

Hoje, mais de 160 milhões de brasileiros dependem exclusivamente dos serviços públicos de saúde, grande parte dos quais não tinha direito a esse atendimento antes do advento do SUS. A grande transformação operada foi o reconhecimento da saúde como um direito fundamental, e a constituição de uma política de saúde pública de caráter universal e igualitário, rompendo com o modelo até então vigente de políticas focalizadas.

            Isso é importante frisar: o modelo do SUS é muito bom. Porém, a execução desse modelo, na prática, hoje, está realmente muito ruim.

O SUS lida com grandes contradições. Uma delas é o evidente descompasso entre o previsto no arcabouço legal que o instituiu e a realidade dos serviços, facilmente constatado pelas desigualdades no acesso e na utilização dos serviços, pela precariedade do atendimento, pelas filas de espera por atendimentos e procedimentos, pela superlotação das emergências, pela insuficiência de leitos hospitalares e pela escassez de recursos humanos e materiais nas unidades de saúde.

A análise realizada no presente documento que estou lendo abrangerá os seguintes aspectos, que se constituem como importantes desafios colocados para o SUS e a política de saúde:

1. os impactos da rápida transição demográfica e epidemiológica sobre o setor de saúde;

2. a pressão pela incorporação tecnológica e os custos da assistência decorrentes;

3. o acesso aos medicamentos, a questão dos genéricos e das patentes;

4. a necessidade de ampliação da rede assistencial, inclusive dos serviços de urgência e emergência;

5. a necessidade de promover a diminuição do tempo de espera dos pacientes por exames e procedimentos;

6. a situação da força de trabalho do SUS (pendências relativas às formas de contratação, ao regime de trabalho e à regulamentação das profissões de saúde); e

7. o [tão decantado] subfinanciamento do setor.

            Na verdade, esse “subfinanciamento”, quero colocar entre aspas, Senador Jayme Campos, porque sou daqueles que têm a convicção de que o que falta na saúde não é dinheiro, o que falta na saúde é vergonha na cara quanto à aplicação do dinheiro público. O que a gente vê, de modo geral, no Brasil, e tenho o exemplo do meu Estado em particular, é usar a saúde como o meio mais eficaz de fazer corrupção. É fácil desviar dinheiro da aquisição de medicamentos, porque o controle é muito complexo. No meu Estado, comprava-se remédio já com prazo de validade curto, descartavam-se alguns com prazo de validade ainda por vencer e aí faziam uma roda-viva de descarte de medicamentos, alguns com prazo por vencer, outros vencidos e usados com prontuários falsos, como se tivessem sido usados, e a aquisição de novos com dispensa de licitação e, assim, ganhando dinheiro à custa da saúde e da população.

            Mas não é só aí não, é na compra de material de consumo. Como é que se vai, por exemplo, controlar adequadamente compra de esparadrapo, de gaze, de antissépticos, num pronto-socorro? E o consumo de oxigênio? Então, é realmente um lugar onde os desonestos se aproveitam para roubar com mais facilidade. É uma pena, porque isso é um crime hediondo, roubar de um setor que lida justamente com o bem maior da pessoa, que é a saúde, que é a vida.

O Brasil vive atualmente um processo denominado de transição demográfica, que se caracteriza pela redução das taxas de fecundidade [isto é, os casais, hoje, têm cada vez menos filhos] e de mortalidade precoce [reduziu-se também a mortalidade precoce], produzindo, portanto, o aumento da esperança de vida ao nascer e o consequente envelhecimento da população.

            Tampouco houve planejamento para isso. Quer dizer, a nossa população está envelhecendo porque a expectativa de vida melhorou e, ao mesmo tempo, nascem menos crianças, porque há um planejamento familiar, pelo menos de cada família em si, não digo que haja um plano nacional efetivo. Mas, de qualquer forma, hoje se discute essa questão e o resultado está aqui nas estatísticas.

            Esse envelhecimento da população brasileira tem repercussões importantes no perfil de adoecimento e morte da população: se até meados do século passado as doenças infecto-parasitárias eram a principal causa de morte dos brasileiros, hoje elas são grandemente superadas pelas doenças do aparelho circulatório - primeira causa de mortalidade proporcional no Brasil -, pelas neoplasias, isto é, o câncer, e pelas causas externas como acidentes.

            Eu quero, antes de prosseguir, ouvir o Senador Jayme Campos, com muito prazer.

            O Sr. Jayme Campos (DEM - MT) - Senador Mozarildo, V. Exª está tocando em um tema muito importante que é a questão da saúde pública, sobretudo o SUS. Como V. Exª bem disse, o SUS tinha uma filosofia, quando foi criado, no advento da Constituinte, de levar a saúde pública ao alcance, sobretudo, dos menos favorecidos pela sorte. Todavia, com o passar do tempo, lamentavelmente, podemos dizer que hoje é uma vergonha o que se está fazendo na saúde pública no Brasil. Hoje se veem filas intermináveis em todas as unidades de saúde pública. Particularmente, ontem assistia à televisão, de abrangência nacional, e vi lá um hospital público do Estado de São Paulo em que cidadãos estão há mais de 90 dias aguardando uma cirurgia, se não me falha a memória, de ortopedia. Mostravam e faziam um clamor e um apelo para que a televisão divulgasse, em nível nacional, o que estava acontecendo. Por outro lado, V. Exª foi muito pragmático, como sempre é aqui nesta Casa. Não se trata de falta de recurso, mas de uma boa gestão, tendo em vista que há recursos, mas, quando você vai acompanhar bem de perto a aplicação desses recursos, pode ter certeza de que 90% das compras dos remédios hoje são superfaturadas pelos hospitais, lamentavelmente. A maioria dos exames de alta complexidade neste País é terceirizada, mas acima daquilo que teria de ser praticado no mercado. Então, se juntarmos as peças, há evidência de que o que realmente precisamos é uma boa aplicação. Por outro lado, temos também que rever a tabela de preços praticados pelo SUS, Senador Mozarildo. V. Exª é médico, conhecedor profundo do assunto, e há de convir que não vamos ter profissionais neste País, sobretudo na região da Amazônia brasileira, com os preços que o SUS quer pagar. Para V. Exª ter noção, Senador Mozarildo Cavalcanti, eu sou de um Estado de dimensão continental, de 904.000km²; onde existem cidades distantes da capital cerca de 1.600km e que, infelizmente, não têm um profissional de saúde. O cidadão precisa se deslocar, muitas vezes, 600km da sua cidade, do seu município, para ir à cidade mais próxima onde haja médicos e profissionais de saúde. Por quê? A mesma tabela paga ao médico do Mato Grosso, da região amazônica, paga-se ao cidadão que está na beira-mar, na Vieira Souto, do Rio de Janeiro, ou que mora na Av. Paulista, em São Paulo. Então, temos que ter uma tabela diferenciada para nós da Amazônia brasileira. Caso contrário, infelizmente, como V. Exª bem disse - e aproveito para invocar aqui um pároco da minha cidade, Várzea Grande -, duas coisas são importantes: primeiro, Deus; segundo, a vida. Mas, infelizmente, hoje, no Brasil, a vida parece que passou a ser coisa da última instância que se quer dentro do cenário. Por isso, vejo que seu pronunciamento poderá chamar a atenção. Diante dos dados estatísticos divulgados pelo jornal de caráter nacional, lamentavelmente, a sociedade está insatisfeita. Ou seja, 70% do povo brasileiro está insatisfeito com o trabalho, ou seja, com o que a saúde está proporcionando à nossa população. Espero que nós vejamos aqui, o Congresso... Alegam: “Acabou a CPMF, é por isso que está faltando dinheiro para a saúde”. É uma inverdade, Senador Mozarildo Cavalcanti. É uma inverdade! Com certeza precisamos é de uma boa aplicação do dinheiro e, sobretudo, compromisso do Governo com a sociedade brasileira, notadamente com os menos afortunados. Portanto, cumprimento V. Exª, um homem cuja fala, todas as vezes que vai a essa tribuna, repercute, porque traz dados, fatos que acontecem e que certamente são o clamor do povo brasileiro. Parabéns, Senador Mozarildo Cavalcanti.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Obrigado, Senador Jayme Campos. Fico muito feliz com o aparte de V. Exª.

            E gostaria, Senadora, que V. Exª me desse pelo menos dois minutos para que pudesse concluir esta matéria, já que não vou poder ler tudo, vou apenas pedir depois que seja considerado como lido.

            Mas quero colocar aqui, desta pesquisa, um dos pontos: falta de médicos. O Brasil, Senador Jayme Campos, tem mais médicos do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde, que é 1 para 1.000 habitantes. Só que esses médicos estão onde, Senadora? No Sul, no Sudeste e nas capitais das outras regiões. Mesmo no Sul e no Sudeste, vamos encontrar Municípios que não têm médicos dentro dessa proporção, ou alguns que até nem têm. Fiz um levantamento, e há Município em São Paulo que não tem médico.

            Então, o que falta? Por que não há motivação para um médico ir para o interior, como disse V. Exª, para a Amazônia, para o Nordeste, para o Centro-Oeste ou mesmo para o interior do Sul e do Sudeste? A remuneração. Hoje, a consulta mais cara do SUS é de R$25,00. É preciso ter a coragem de dizer isso para a população. Daqui a pouco, vamos ter na Medicina o que já existe na formação de professores. Os jovens não querem mais ser professores; daqui a pouco, os jovens não vão mais querer ser médicos. E falta de dinheiro não é. Trouxe aqui, um dia desses, a matéria de um jornal também de grande circulação dizendo que só nos últimos quatro anos na Funasa houve o roubo - porque esse negócio de desvio fica muito suave - de R$500 milhões. Então, não falta dinheiro. O que falta é fiscalização e punição severa para aqueles que se utilizam da saúde para roubar e fazer um malefício grande à população.

            Quero encerrar, Senadora, pedindo mais uma vez a transcrição da matéria do jornal O Estado de S. Paulo e da matéria feita pela Consultoria Legislativa, na íntegra, como parte do meu pronunciamento. E espero, dentro de poucos dias, estar com o Ministro da Saúde para que possamos fazer um trabalho. Isto aqui não é denúncia contra o Governo; ao contrário, é uma demonstração de confiança na austeridade...

(Interrupção do som.)

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - (...) de confiança na austeridade da Presidente Dilma. E, de fato, essa austeridade, esse cuidado com a aplicação do dinheiro público, aliás, foi uma das partes do pronunciamento dela na abertura do Congresso Nacional: cuidar da aplicação do dinheiro que o povo paga de imposto.

            Se isso for feito na saúde, não tenho dúvida, não vai faltar dinheiro; não tenho dúvida de que também não vai faltar médico; não tenho dúvida de que a população brasileira vai mudar esse perfil, porque, antes das eleições, o Ibope publicou uma pesquisa em que o primeiro item disparado na queixa dos brasileiros quanto à sua vida era justamente a saúde. E aqui o estudo do Ipea diz claramente que 70% dos brasileiros desaprovam o SUS. Então, temos que fazer uma revisão e realmente botar o SUS para funcionar, porque, como disse V. Exª, Senador Jayme, a filosofia, a ideia do SUS é perfeita, o que falta é organizar a sua aplicação.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do inciso I, § 2º, art. 210 do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

- “Mais de 70% dos brasileiros desaprovam o SUS, diz IPEA”. Artigo do jornal O Estado de S. Paulo, de 10 de fevereiro de 2011;

- Nota Informativa nº 17, de 2011.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/02/2011 - Página 2641