Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Crítica ao tratamento desrespeitoso e humilhante dispensado pela Espanha a muitos turistas brasileiros, sugerindo que o Brasil aplique, caso o problema não seja resolvido, o princípio da reciprocidade. (como Líder)

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Crítica ao tratamento desrespeitoso e humilhante dispensado pela Espanha a muitos turistas brasileiros, sugerindo que o Brasil aplique, caso o problema não seja resolvido, o princípio da reciprocidade. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 16/02/2011 - Página 3172
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ESPANHA, DESRESPEITO, TRATAMENTO, BRASILEIROS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. RENAN CALHEIROS (Bloco/PMDB - AL. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, em 1998, tive a honra de ser indicado pelo meu Partido, o PMDB, para comandar o Ministério da Justiça. Naquele momento, tudo o que fizemos foi trabalhar para aproximar a Pasta das demandas sociais. Dessa forma, agimos cotidianamente na defesa da cidadania, dos consumidores e, especialmente, no combate ao tráfico internacional de mulheres brasileiras.

            Após uma minuciosa radiografia, feita a nosso pedido pela Polícia Federal, concluiu-se que agiam no Brasil duas máfias - uma russa e outra espanhola. Elas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, recrutavam mulheres no solo nacional com falsas promessas. Brasileiras que, pelas circunstâncias, viam-se obrigadas a trabalhar em boates nas capitais europeias. Na oportunidade, em média, 22 brasileiras eram extraditadas de Madri todos os meses - Isso é uma coisa absurda! - sob acusação de prostituição, nem todas procedentes. Era mais fácil, portanto, generalizar.

            Fizemos um grande esforço para combater tais máfias. Contei, Sr. Presidente, até com o apoio do Juiz Baltazar Garzón, com quem tive oportunidade de me encontrar para reuniões de trabalho. Pessoalmente, me desloquei até Israel e pude repatriar cidadãs brasileiras escravizadas pela máfia russa.

            Depois de tantos anos, é constrangedor verificar que ainda remanescem preconceitos em relação ao País. Hoje, somos uma das sociedades que mais faz turismo internacional e com uma das mais altas médias de gasto diário em viagens ao exterior. Apesar disso tudo, brasileiros ainda são humilhadas e constrangidas por funcionários despreparados em aeroportos mundo afora, mais particularmente na Espanha.

            Essa crise, Sr. Presidente, explodiu em março de 2008. Um grupo de 30 brasileiros com destino a Portugal foi barrado na Espanha durante a conexão. Houve casos como o dos estudantes de pós-graduação Pedro Luis Lima e Patrícia Rangel. Os dois, além de barrados, ficaram detidos por dois dias pelas autoridades da Espanha. Naquela época, fevereiro de 2008, a média de brasileiros repatriados chegou ao número absurdo de 452 deportações/dia.

            A repetição, Sr. Presidente, desses fatos lamentáveis levou o ex-Presidente Lula a fazer uma queixa ao representante da Comunidade Europeia José Manuel Barroso Durão e provocou até uma reunião dos Senadores da Comissão de Relações Exteriores com o embaixador espanhol da época.

            A crise, Sr. Presidente, foi amenizada, mas parece, Srªs e Srs. Senadores, que a intolerância, principalmente com as mulheres, voltou ao seu estado mais crônico. Cito um caso muito recente e emblemático, porque, Sr. Presidente, repete os mesmos métodos de intolerância, os mesmos padrões de desrespeito.

            A estudante alagoana Marília Reis Vieira Guilherme, de apenas 24 anos de idade, estava de viagem com destino a Portugal, e o avião fazia uma conexão em Madri. Sem explicações, a estudante de Arquitetura da Universidade Federal de Alagoas foi retida pelo serviço de imigração espanhola, no dia 14 de janeiro deste ano. Ela, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, levava consigo quantia em dinheiro suficiente para a estada de 27 dias que pretendia ficar em Portugal, passaporte, comprovante da reserva do hotel onde se hospedaria, seguro-saúde válido para 27 dias.

            Também, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, portava a estudante dois cartões de crédito internacionais, passagem de ida e volta, declaração de estada turística assinada por um amigo português, documentos pessoais, comprovante de vínculo empregatício e comprovante de matrícula na Universidade Federal de Alagoas.

            Enfim, Sr. Presidente, um arsenal de documentos que atestavam sua legalidade e confirmavam, sem dúvida, ser uma viagem de turismo.

            Mesmo assim, Marília ficou retida ilegalmente por mais de 48 horas pelas autoridades espanholas, teve bens confiscados abusivamente, não teve acesso à sua medicação para alergia e nem - pasmem, Srs. Senadores - pode buscar os agasalhos na sua bolsa. Para se comunicar com a família, ela teve que pagar cinco euros por um cartão telefônico, porque foi impedida de utilizar o aparelho celular.

            A imigração espanhola não permitiu que ela seguisse viagem para Portugal, alegando, Sr. Presidente - pasmem também - a falta de uma carta convite da polícia portuguesa, instrumento desnecessário, já que Marília estava devidamente documentada e com passagem de ida e volta.

            O cúmulo do desrespeito e da humilhação veio com a decisão de repatriar a cidadã brasileira de maneira abusiva, humilhante, preconceituosa, incivilizada e medieval.

            A jovem Marília cumpriu todas as obrigações de um viajante a turismo e foi desrespeitada e humilhada. Ela foi conduzida com escolta até o avião para regressar ao Brasil e, por algumas horas, Sr. Presidente, ficou incomunicável.

            Agora, fora a angústia da família, o medo, Marília ainda tem no passaporte o carimbo infame da extradição. São comportamentos típicos da Idade Média.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil de hoje é respeitado mundialmente. O Brasil de hoje é premiado mundo afora por seus avanços socioeconômicos e elogiado por governantes do primeiro mundo e articulistas dos principais veículos do Planeta.

            Não vamos concordar - e faço isso agora, de novo como Senador, e já fiz isso, com muita ênfase, quando fui Ministro da Justiça - com a deturpação da imagem da mulher brasileira, especialmente agora que, pela primeira vez, temos uma mulher na Presidência da República. Não podemos mais tolerar, Sr. Presidente, que brasileiros sejam maltratados, desrespeitados e humilhados em suas viagens de lazer ou negócio. Não podemos nos sentir confortáveis com comportamentos obtusos nem com a maneira como o Itamaraty vem enfrentando, lamentavelmente, esses casos: de maneira passiva e, na maioria dos casos, de maneira omissa.

            Precisamos, Sr. Presidente, de reações enérgicas. Eu gostaria, neste momento, de fazer um apelo a V. Exª como Presidente do Senado Federal: se não houver pronto encaminhamento contra o repique dessa crise, precisamos aplicar, sem dúvida nenhuma, o principio da reciprocidade. Vamos, por intermédio do Ministério da Justiça - e esta é a recomendação que faço - e da própria Polícia Federal, exercer nossa soberania e aumentar o rigor em casos específicos, se nossos argumentos não encontrarem receptividade.

            Isso, Sr. Presidente, não acontece com os espanhóis nem com outros povos que chegam aos milhares para o verão e o carnaval brasileiro. Só vejo brasileiros sendo vítimas do preconceito e do desrespeito de autoridades de ocasião.

            Isso, sem dúvida nenhuma, Sr. Presidente, precisa acabar.

            Muito obrigado.


Modelo1 5/17/249:22



Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/02/2011 - Página 3172