Discurso durante a 21ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do artigo intitulado "Democracia, soberania e altivez", de autoria do professor Dr. Luís Roberto Barroso, advogado do italiano Cesare Battisti perante o STF, publicado pelo jornal Folha de S. Paulo; e outros registros.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Registro do artigo intitulado "Democracia, soberania e altivez", de autoria do professor Dr. Luís Roberto Barroso, advogado do italiano Cesare Battisti perante o STF, publicado pelo jornal Folha de S. Paulo; e outros registros.
Publicação
Publicação no DSF de 04/03/2011 - Página 6048
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, JURISTA, ADVOGADO, REFUGIADO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, CRITICA, POSIÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DEFESA, ORADOR, INOCENCIA, REU.
  • REGISTRO, PRESENÇA, SENADO, NETO, JANIO QUADROS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, quero externar minha solidariedade à iniciativa do Senador Jorge Viana e do Senador Anibal Diniz, ambos do Acre, para que possamos, nós Senadores, acompanhar de perto como o Governo Federal e os governos estaduais e municipais podem acolher, com senso de solidariedade, os haitianos que estão chegando ao Brasil.

            Aliás, neste momento em que observamos, por exemplo, no mundo árabe, seja na Líbia, seja no Egito ou em outros lugares, pessoas que se veem com a necessidade de sair do país para assegurar a sua própria sobrevivência e segurança, percebemos os tunisianos e pessoas de outros países acolhendo com um senso de solidariedade que, acredito, nós também temos.

            Então, acho que o propósito dos Senadores Anibal Diniz e Jorge Viana era justamente poder ver como os brasileiros podem acolher os haitianos que, por alguma dificuldade, resolveram sair da terra natal. Meus cumprimentos e solidariedade à iniciativa.

            Gostaria de registrar, Srª Presidente Ana Rita, com alegria, que hoje temos a visita à tribuna do Senado de Jânio Quadros Neto. Tive a oportunidade de acompanhar o neto do ex-Presidente Jânio Quadros, hoje, em audiência junto ao Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que o recebeu de maneira até muito simpática. Acontece que o Ministro da Justiça, quando muito jovem, havia sido um assessor do Secretário de Assuntos Jurídicos do Prefeito Jânio Quadros. Assim, ambos se encontraram e recordaram inúmeras situações até muito interessantes da época em que o Prefeito Jânio Quadros, de 1985 até 1988, exerceu a chefia do poder municipal.

            Eu próprio, que em 1985 fui seu adversário, disputando com Fernando Henrique Cardoso e Jânio Quadros, que foi o vencedor, sempre tive uma relação de muito respeito com o ex-Presidente Jânio Quadros.

            Hoje, Jânio Quadros Neto é responsável por uma das empresas que trouxe a Madonna e vai trazer o U2 e o cantor Bono, que se tornou amigo do Presidente Lula por sua dedicação a causas de elevação do grau de cidadania e de erradicação da pobreza.

            Jânio Quadros Neto fez o convite ao Ministro José Eduardo Martins Cardozo e também ao Ministro Nelson Jobim, junto a quem solicitou os préstimos necessários para que, na chegada de Bono e da Banda U2, ali na Base Aérea de Cumbica, possa haver a necessária precaução a fim de que não ocorram quaisquer incidentes. Ambos os Ministros foram extremamente atenciosos e tomaram as providências já planejadas para que tudo ocorra muito bem.

            Seja, portanto, bem-vindo, Jânio Quadros Neto. Aqui o senhor tem muitos amigos.

            Também gostaria de registrar, Srª Presidente, a extraordinária qualidade do artigo publicado pelo Dr. Luís Roberto Barroso: “Democracia, soberania e altivez”, na última segunda-feira, na Folha de S.Paulo. Ele é professor titular de Direito Constitucional, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, advogado de Cesare Battisti no Supremo Tribunal Federal e atualmente Visiting Scholar da Universidade de Harvard.

            Diz Luís Roberto Barroso, com muita propriedade:

Não vou gastar o pouco espaço que tenho na demonstração de que Cesare Battisti é inocente das acusações de homicídio que lhe foram feitas e, sobretudo, que não teve devido processo legal.

Não são essas as questões em discussão. Mas é próprio lembrar que os fatos pelos quais é acusado aconteceram há mais de 30 anos. O maior prazo de prescrição do Direito brasileiro é de 20 anos.

Ademais, seria enorme contradição o Brasil ter dado anistia para os dois lados por fatos idênticos ocorridos no mesmo período, e “entregar” Cesare Battisti para uma vingança histórica tardia e infundada do governo da Itália.

A afirmação de que a Itália era uma democracia durante os anos de chumbo é um sofisma sem qualquer relevância jurídica ou política. Estados Unidos e Brasil também são e, rotineiramente, suas cortes supremas invalidam julgamentos por violação do devido processo legal.

No caso de Cesare Battisti, seu segundo julgamento na Itália, - no primeiro, não foi sequer acusado de homicídio -, baseado apenas em delações premiadas de pessoas já condenadas, tem passagens dignas de figurar em qualquer futura antologia de barbaridades jurídicas.

Detalhe: todos os acusadores premiados foram soltos após penas breves. Só Battisti, cujo papel na organização era totalmente secundário, foi condenado à prisão perpétua. O julgamento no STF ficou empatado em quatro a quatro.

Portanto, quatro Ministros entenderam que a extradição não deveria ser concedida! Se fosse um habeas corpus, ele teria sido solto imediatamente.

Como era extradição, entendeu-se que o Presidente da Corte deveria votar. E, em hipótese incomum, deu o voto de Minerva em favor da acusação. Mais incomum ainda: a extradição foi autorizada contra a manifestação de dois procuradores-gerais, que consideravam válido o refúgio e se pronunciaram contra a entrega de Battisti!!!

No mesmo julgamento, decidiu-se, também por cinco a quatro, que a competência final na matéria era do Presidente da República.

Dos cinco Ministros que votaram nesse sentido, quatro afirmaram tratar-se de competência política livre. O quinto, o Ministro Eros Grau, entendeu que a decisão, embora política e do Presidente da República, deveria se basear no tratado de extradição entre Brasil e Itália.

E foi adiante: disse o fundamento e o dispositivo que o Presidente poderia utilizar. Da forma mais clara e didática possível, acrescentou: se assim fizer, sua decisão não será passível de reexame pelo STF. Pois o Presidente Lula seguiu à risca o parâmetro estabelecido.

Não concordo, mas entendo e tenho considerações pelo ponto de vista de quem era favorável à extradição. Mas isso agora já não está em questão. O Presidente da República exerceu validamente sua competência constitucional, nos termos em que expressamente reconhecida pelo STF.

A divergência política em relação a ela será sempre legítima, mas dar-lhe cumprimento é uma questão de respeito ao Estado democrático de Direito e à soberania nacional.

Depois das manifestações impróprias e ofensivas da Itália, citando nominalmente o presidente brasileiro, talvez já seja mesmo uma questão de patriotismo.

Quando a França negou a extradição, nas mesmas circunstâncias, a Itália acatou respeitosamente. No nosso caso, veio de dedo em riste, acintosamente.

Não fará bem ao Brasil vulnerar suas instituições e impor uma humilhação internacional ao ex-presidente Lula, que deixou o cargo com mais de 80% de aprovação, para subservientemente atender a quem nos falta com o respeito.

            Assim, Srª Presidente, considero muito bem elaborado o artigo de Luís Roberto Barroso, que, inclusive, havia encaminhado, juntamente com grandes juristas brasileiros, como Celso Antônio Bandeira de Mello, Dalmo de Abreu Dallari, Nilo Batista e outros, uma carta ao Presidente onde diziam com clareza que a decisão mais correta era aquela de permitir que Cesare Battisti permaneça no Brasil e não seja extraditado para a Itália.

            Eu, de minha parte, inclusive como descendente de italiano, amigo da Itália, quero dizer que estudei em profundidade o caso e formei a minha convicção de que Cesare Battisti não cometeu os quatro assassinatos pelos quais está se querendo extraditá-lo para a Itália.

            Assisti, Srª Presidente, para concluir, a um bonito filme, há poucos dias, denominado Conviction, que recomendo a todos os Ministros do Supremo Tribunal e aos Srs. Mino Carta e Walter, que não param de falar que é preciso extraditar Cesare Battisti.

            O que é o filme? É a história de uma senhora que ficou impressionada com o fato do seu irmão ter sido condenado à prisão perpétua, nos Estados Unidos. Ela, ainda moça, resolveu estudar direito, tornar-se advogada. Por dezessete anos, empenhou-se a fundo, extraordinariamente, até comprovar que seu irmão, na verdade, era inocente. Essa é uma história verdadeira. Finalmente, foi comprovado que umas pessoas tinham mentindo no dia. E o filme acaba com a senhora juíza libertando-o depois de dezessete anos de esforço.

            Estou de acordo com Fred Vargas, Carlos Alberto Lungarzo e todos aqueles que têm estudado com profundidade o caso...

            A SRª PRESIDENTE (Ana Rita. Bloco/PT - ES) - Mais um minuto, Senador.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ...e chegaram à conclusão de que Cesare Battisti não foi devidamente defendido naquele julgamento que o condenou a prisão perpétua.

            Em verdade, os que os defenderam falsearam as procurações e, apenas pessoas que ganharam a liberdade com a delação premiada é que disseram que ele matou. Não há uma testemunha, em qualquer das páginas do processo e dos autos, que diga ter visto Cesare Battisti ter cometido os quatro assassinatos.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/03/2011 - Página 6048