Discurso durante a 23ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro dos artigos intitulados "Perseguição aos Capiberibe", de autoria da jornalista Ana Miranda, publicado na revista Caros Amigos; e "Desigualdade e Medidas", de autoria do Presidente do IPEA, Márcio Pochmann.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. JUDICIARIO. POLITICA SOCIAL. :
  • Registro dos artigos intitulados "Perseguição aos Capiberibe", de autoria da jornalista Ana Miranda, publicado na revista Caros Amigos; e "Desigualdade e Medidas", de autoria do Presidente do IPEA, Márcio Pochmann.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/2011 - Página 6261
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. JUDICIARIO. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, INFORMAÇÃO, LIBERDADE, JORNALISTA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, PRESO, PAIS ESTRANGEIRO, LIBIA.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, ESCRITOR, PERIODICO, CAROS AMIGOS, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, INJUSTIÇA, CASSAÇÃO, MANDATO, DEPUTADO FEDERAL, SENADOR, AUSENCIA, PROVA, ATO ILICITO, SOLICITAÇÃO, ORADOR, PROVIDENCIA, MINISTRO, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE).
  • LEITURA, COMENTARIO, TEXTO, AUTORIA, PRESIDENTE, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), ANALISE, EVOLUÇÃO, BRASIL, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Querida Presidente, Senadora Ana Amelia, primeiro, quero cumprimentar todos os jornalistas que se solidarizaram com o seu colega Andrei Netto, que foi detido e preso por oito dias, na Líbia, por tropas leais a Muamar Kadafi, e confirmar a boa notícia segundo a qual ele já se encontra em Trípoli, na residência do Embaixador George Ney Fernandes.

            Ele está bem de saúde e deve deixar a Líbia amanhã, de acordo com a palavra do diretor de Conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour, que deu essa informação depois de tê-lo contatado.

            Então, é importante o sentimento de solidariedade, sobretudo de todos os brasileiros, mas dos próprios jornalistas que com ele se solidarizaram. Agora, ele poderá voltar a Paris, onde vem mantendo residência como correspondente do jornal O Estado de S. Paulo.

            Eu gostaria hoje, Srª Presidente, de registrar e comentar um artigo muito bem escrito por Ana Miranda, uma das maiores escritoras brasileiras, que, atualmente, vive no Ceará. Ela escreveu esse artigo para a revista Caros Amigos de fevereiro último, com muita sensibilidade, correção e equilíbrio, denominando-o “Perseguição aos Capiberibe”.

            Diz Ana Miranda:

Janete Capiberibe criou nossa primeira lei de proteção e uso da biodiversidade; lutou por escola para todas as crianças de até três anos, pela legalização da profissão de parteira, pela construção de creches no Amapá, pelo manejo florestal sustentável do açaí, pela federalização de crimes contra os direitos humanos; estimulou a criação de fábricas para beneficiamento de mel silvestre, de pequenas indústrias de farinha, racionalizou a colheita de palmito de açaí, apoiou mulheres que passaram a explorar produtos da floresta, defendeu interesses de índios, pescadores, seringueiros, castanheiros, lutou por seu acesso a riquezas antes exploradas por companhias estrangeiras...

João Capiberibe combateu projetos predadores e modernizou a gestão do Amapá; descentralizou o dinheiro, que passou a ir diretamente para a comunidade a ser beneficiada, criou um programa em que todos os gastos eram publicados via internet, em dados simplificados para que o contribuinte pudesse acompanhar o uso do dinheiro público [projeto, aliás, que contou com todo o nosso apoio no Senado Federal]; criou a lei Capiberibe que obriga todos os governos a divulgar pela internet os seus orçamentos, como forma de evitar o mau uso do dinheiro público...

O casal Capiberibe teve seu mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral, após o Ministério Público do Amapá haver recusado, por falta de provas, denúncia contra o senador e sua esposa, deputada. Mandatos cassados por um processo fundamentado no testemunho de duas moças, de que uma correligionária teria comprado seus votos na eleição de 2002, por 26 reais. Nos anos em que Capiberibe foi afastado do Governo, o Amapá viu-se tomado pela corrupção. Operação Pororoca, com a prisão do prefeito de Macapá e de Santana e secretários de Estado; Operação Antídoto, que levou secretários de Estado à prisão; Operação Mãos Limpas, presos o governador, um secretário de Estado, e tantos outros.

Em 2010 Janete foi eleita novamente deputada federal, pela segunda vez a mais votada. E João, senador. Embora tenha cumprido seu mandato, Janete está sendo enquadrada na Lei da Ficha Limpa. E João, com o mandato proclamado pelo TRE do Amapá, teve sua candidatura excluída pelo Tribunal Superior. É a terceira vez que o casal tem seus direitos políticos cassados, a primeira nos tempos do regime militar. Participam de uma luta, escreveu o advogado Dalmo Dallari, em que se confrontam “o Brasil dos oligarcas, donos do patrimônio público e da lei, e, de outro lado, o Brasil novo, do respeito às instituições, às leis e ao patrimônio público, o Brasil do respeito pela dignidade humana e da busca da justiça social”. Vamos ver quem vencerá.

            Quero, Senadora Ana Amélia, transmitir meu apelo aos Ministros do Tribunal Superior Eleitoral, ao Presidente Ricardo Lewandowski, que há que se tomar uma decisão onde seja respeitado aquilo que, efetivamente, seja o resultado de uma apuração bem feita por parte da Justiça Eleitoral. Há evidencias aqui, ou falta de evidências, porque, conforme diz a escritora Ana Miranda, o próprio Ministério Público do Amapá recusou, por falta de provas, a denúncia contra o Senador e sua esposa, ou seja, há indícios muito sérios de que esse assunto precisa ser melhor examinado. É importante que a Justiça Eleitoral de nosso País possa, realmente, fazer o exame acurado e dar o direito de defesa completo a todas as pessoas envolvidas, seja de um lado, seja de outro, para que tenhamos todos a sensação de que a justiça esteja sendo respeitada no caso apontado por Ana Miranda, de João e Janete Capiberibe.

            Srª Presidente, ainda hoje, o Senador Alvaro Dias fez um pronunciamento relativo a questões da economia brasileira, com ênfase na questão do setor externo da economia. Como há cerca de duas semanas ele falou sobre os aspectos da concentração de riqueza e de renda e comentou um estudo do Ipea, eu, hoje, resolvi ler um artigo do Presidente do Ipea, Márcio Pochmann, sobre desigualdade e medidas, que, acredito, constitui uma informação relevante.

            Diz Márcio Pochmann em “Desigualdade e Medidas”, ele que é professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além de Presidente atual do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea):

O debate sobre a desigualdade no Brasil é saudável e recomendável, sobretudo neste início de século em que o País vive importante singularidade de seu reposicionamento mundial. Tradicional destaque entre o bloco dos países de extrema concentração da renda, o Brasil ocupou - por muito tempo - situação inconcebível e inevitável frente à base material avançada por anos de industrialização e urbanização, diferentemente das demais nações com alguma equivalência na desigualdade extrema, geralmente agrários e pobres, como em alguns países africanos.

Nos últimos anos, contudo, o Brasil consegue reduzir a pobreza e a desigualdade pessoal (distribuição do rendimento do trabalho) e funcional (distribuição entre proprietários e não proprietários) de renda. Países ricos, como os Estados Unidos, registram elevação recente na desigualdade de renda, enquanto economias emergentes, como China, reduzem a pobreza com o aumento da concentração da renda.

Neste contexto favorável ao Brasil, o jornalista Clóvis Rossi estimula a frutífera discussão a respeito da situação recente das iniquidades no país (Folha, página 2; 20 de fevereiro de 2011). Para isso, considera o estudo do Ipea a respeito da evolução do desemprego e da desigualdade nas seis regiões metropolitanas brasileiras durante a segunda metade da década de 2000 (Comunicado do Ipea nº 76, fevereiro de 2011) [justamente o artigo que foi aqui publicado pelo Senador Alvaro Dias].

Entre os meses de dezembro de 2005 e de 2010, por exemplo, a quantidade de desempregado no Brasil metropolitano caiu 32% (menos 590 mil desempregados), permitindo que a taxa de desemprego diminuísse de 8,4% para 5,3% da População Economicamente Ativa (redução de 36,9%). Somente os desempregados pertencentes aos domicílios com rendimento per capita equivalente aos 10% mais pobres responderam por 20,1% da redução no total do desemprego, pois foram 118,6 mil pessoas que saíram da situação de sem emprego. Já os desempregados pertencentes aos domicílios com rendimento equivalente aos 10% mais ricos foram responsáveis por somente 5,4% da queda total do desemprego, uma vez que apenas 31,6 mil pessoas saíram da condição do desemprego.

Apesar da maior queda quantitativa no desempregado, influenciada decisivamente pela saída dos trabalhadores de menor rendimento em relação aos de maior renda per capita domiciliar, a taxa de desemprego cresceu entre os mais pobres, ao contrário do verificado entre maiores decis da distribuição pessoal da renda. Para o mesmo período de tempo, a taxa de desemprego nos domicílios com rendimento per capita equivalente aos 10% mais pobres passou de 23,1% para 33,3% (elevação de 44,5%), enquanto para os domicílios com rendimento per capita equivalente aos 10% mais ricos, a taxa caiu de 2,9% para 0,9% (queda de 67,6%).

A explicação para essa desigual situação na taxa de desemprego por decil da distribuição pessoal da renda não está na evolução dos desempregados (numerador), mas na trajetória da População Economicamente Ativa (denumerador), ou seja, a relação matemática entre desempregados e força de trabalho. Em dezembro de 2010, por exemplo, os domicílios com rendimento per capita equivalente aos 10% mais pobres possuíam 321,9 mil desempregados numa População Economicamente Ativa (PEA) de 965,8 mil trabalhadores, ao passo que, em dezembro de 2005, a quantidade de desempregados era de 440,5 mil e a PEA (População Economicamente Ativa) de 1.909,5 mil. Enquanto o número de desempregados (numerador) caiu 26,9%, a PEA (denominador) nos domicílios mais pobres reduziu-se 49,4%.

Nos domicílios com rendimento per capita equivalente aos 10% mais ricos, o universo de desempregados em dezembro de 2010 foi de 31,7 mil pessoas, numa PEA de 3,4 milhões de trabalhadores. Em dezembro de 2005, a quantidade de desempregados nos domicílios com rendimento per capita equivalente aos 10% mais ricos era de 63,3 mil trabalhadores numa PEA [População Economicamente Ativa] de 2,2 milhões de pessoas. Nos últimos cinco anos, o número de desempregados (numerador), caiu 49,9%, enquanto a população economicamente ativa nos domicílios mais ricos aumentou 54,4%, Assim, percebe-se que o sucesso brasileiro alcançado pela ascensão social recente contribui matemática e decisivamente para a evolução distinta na taxa de desemprego metropolitano.

            Assim, Srª Presidente, faço o registro desse artigo para que o Senador Alvaro Dias e todos aqueles que acompanham os nossos trabalhos possam ter melhor precisão da evolução da economia.

            O fato concreto é que no período 2002 até o final do Governo do Presidente Lula houve significativa diminuição da pobreza absoluta, bem como dos índices de desigualdade. O Coeficiente de Gini de desigualdade, medido pelo Ipea e com base nos dados do IBGE, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, se estava por volta de 0,59 no período de 2001/2002, o Coeficiente de Gini de desigualdade veio ano a ano diminuindo gradualmente até chegar, em 2009, em aproximadamente 0,53.

            É de se nota que esse indicador de desigualdade ainda nos coloca como o décimo País mais desigual do mundo, mas muito melhor do que estávamos classificados entre os três países de maior desigualdade no mundo no final dos anos 90, início do ano 2000. Então, é importante ressaltar e colocar esses dados com precisão, inclusive para a informação do excelente jornalista Clóvis Rossi, que precisa ter todos elementos para avaliar a evolução da questão da desigualdade.

            Estive na Namíbia, do dia 6 ao dia 12, país que tem o maior índice de desigualdade do mundo, com Coeficiente de Gini de desigualdade por volta de 0,74 ou 0,73, portanto, o mais desigual do mundo. Ali, tive a oportunidade de visitar a experiência pioneira de renda básica de cidadania igual para todos os seus quase mil residentes, experiência que agora dura três anos e pouco, e que teve resultados altamente positivos. Tenho procurado estimular Municípios brasileiros a seguirem esse exemplo. Assim como as primeiras experiências de renda mínima associadas à educação, que depois se tornaram Bolsa Escola e o Bolsa Família, hoje, em todos os Municípios brasileiros - iniciaram-se no Distrito Federal, em Campinas, em Ribeirão Preto, em Jundiaí, em Piracicaba, em Belo Horizonte, em Belém, em Porto Alegre e assim por diante -, é perfeitamente possível que os Prefeitos e Vereadores de cada Município venham a adotar experiências pioneiras daquilo que já é lei, a Lei nº 10.835, de 2004, segundo a qual será instituída no Brasil, passo a passo, por etapas, a renda básica de cidadania, o direito de toda e qualquer pessoa, não importa sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou mesmo socioeconômica, de participar da riqueza da Nação por meio de uma renda, modesta que seja, mas que será, quando tivermos completado o ciclo desejado, suficiente para atender às necessidades vitais de cada um.

            A renda poderá começar modestamente até que seja universalmente paga a todos, até à Senadora Presidente Ana Amelia, sim. Só que, obviamente, V. Exª, eu próprio e todos que estamos aqui contribuiremos para que nós mesmos e todos os demais possam receber. Dessa maneira, os que temos mais contribuiremos para que todos recebam. Aí teremos o princípio da universalidade atendido e com todas as suas vantagens.

            Muito obrigado, Presidenta Senadora Ana Amelia.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/2011 - Página 6261