Discurso durante a 23ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro da apresentação de projeto de lei com a finalidade de estabelecer uma carência escalonada para a aposentadoria das donas de casa.

Autor
Gleisi Hoffmann (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Gleisi Helena Hoffmann
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Registro da apresentação de projeto de lei com a finalidade de estabelecer uma carência escalonada para a aposentadoria das donas de casa.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/2011 - Página 6264
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, GARANTIA, DONA DE CASA, BAIXA RENDA, CARENCIA, APOSENTADORIA, ANALISE, FUNCIONAMENTO, ORIGEM, RECURSOS, IMPORTANCIA, PROPOSIÇÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco/PT - PR. Sem revisão da oradora.) - Srª Presidenta, eu gostaria de agradecer ao Senador Paim, que fez a permuta de horário comigo. De fato, hoje é aniversário do meu companheiro, meu marido, Paulo Bernardo. Obviamente, a comemoração será mais tarde, mas sempre temos alguns preparativos a fazer, não é? Mas eu não podia perder a oportunidade hoje de discorrer sobre um tema muito caro e muito importante para mim, que fez parte da minha campanha para o Senado de forma muito ostensiva: a aposentadoria das donas de casa.

            Tivemos uma grande vitória com a Emenda Constitucional nº 47, objeto de uma proposta de emenda à Constituição da então Deputada Luci Choinacki, do PT de Santa Catarina, que, por meio de emenda constitucional, assegurou o regime simplificado da previdência, colocando também como beneficiárias as chamadas donas de casa, ou seja, os trabalhadores que se dedicam ao trabalho no âmbito doméstico.

            Logo mais, a Lei Complementar nº 123, de 2006, definiu as condições desse regime simplificado: uma alíquota menor de contribuição, de 11%, em vez de 20%, e também um tempo menor de contribuição, de quinze anos. Mas essa Lei Complementar não especificou uma regra de transição para o tempo das chamadas donas de casa, não estipulou um período de carência inferior aos vigentes para os demais segurados. Com isso, na prática, muitas donas de casa, ainda que próximas à idade de se aposentar ou já com idade suficiente, terão dificuldades para obtenção do benefício, pois, de acordo com a atual legislação, devem contribuir por pelo menos quinze anos. Então, hoje, mulheres de 60 anos ou de 65 anos, se contribuírem por quinze anos, vão ter direito ao benefício com mais de 70 anos e não vão poder usufruir desse benefício como deveriam e mereceriam.

            Com o intuito de equacionar essa lacuna, estou apresentando um projeto de lei a esta Casa, a fim de proporcionar a essa categoria, especificamente às donas de casa - portanto, não me refiro no projeto a todos os beneficiários do regime simplificado da previdência -, o estabelecimento de uma carência escalonada, levando em conta o ano da entrada do requerimento para a segurada até o dia 31 de dezembro de 2011. Espero que, no Congresso Nacional, consigamos aprovar o projeto neste ano. De acordo com a proposta, as donas de casa que começaram a contribuir após a edição da Lei Complementar nº 123, de 2006, ao final de 2011, já teriam cumprido o período de carência, desde que estivessem com 60 anos.

            Como isso se daria? Por exemplo, uma mulher que tenha 60 anos e que já tenha contribuído por dois anos poderá se aposentar assim que a lei for sancionada. Estipulamos o prazo de dois anos para a carência mínima. Qualquer mulher que tenha 58 anos ou mais e esteja inscrita no Regime Geral da Previdência Social até 2011 poderá aposentar-se em dois anos, com 60 anos, desde que esteja contribuindo por vinte e quatro meses com a previdência. Mulheres que tenham 54 anos em 2011 e que estejam inscritas na previdência até o fim de 2011 poderão aposentar-se ao completar 60 anos, desde que tenham pagado o período até completar os 60 anos. Mulheres com 50 anos de idade em 2011 e que ingressem no sistema nesse mesmo ano poderão se aposentar em dez anos, com 60 anos, pagando por dez anos. Penso que, dessa forma, resgataremos um pouco das injustiças e da dívida que o Brasil e que nossa sociedade tem com as donas de casa.

            Tenho em mão alguns dados importantes de pesquisa. Muita gente tem me perguntado: “De onde vai sair o dinheiro? É uma imensidão de pessoas!”. Primeiro, essa lei não atinge uma imensidão de pessoas, mas exatamente aquelas mulheres que se dedicaram a vida inteira ao trabalho e que, em 2006, ao ser sancionada a lei complementar, ao ser promulgada a PEC, não tiveram oportunidade de ser contribuintes do regime da previdência - não tiveram essa oportunidade, como outras passaram a ter. É um número, Srª Presidenta, que cabe, sim, no nosso orçamento, que cabe, sim, no orçamento da seguridade e, portanto, nos recursos do Tesouro.

            Para se ter uma ideia, apresento os dados de uma pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo, “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, que mostra que, de cada quatro mulheres, uma se diz dona de casa. Cerca de 52% das mulheres fazem parte da População Economicamente Ativa (PEA), sendo que 25% das mulheres são donas de casa. Dessas donas de casa, 30% estão na faixa de 45 anos a 59 anos, e 25% têm 60 anos ou mais.

            A Lei Complementar já dispõe do regime simplificado para quem tem 45 anos ou mais. Pagando por quinze anos, a pessoa se aposenta com 60 anos. Então, estamos falando de mulheres que têm mais de 50 anos e que, se fossem pagar pelos quinze anos, entrariam muito na idade.

            A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) identificou 84 milhões de mulheres com 10 anos ou mais de idade. Utilizando os números da PNAD e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e cruzando-os com a pesquisa da Fundação Perseu Abramo, verificamos que cerca de 21 milhões de brasileiras são declaradas como donas de casa, que por volta de 6,3 milhões têm entre 45 anos e 59 anos e que cerca de 5 milhões têm 60 anos de idade ou mais, que é o objeto primeiro do nosso projeto de lei. Desse universo, as donas de casa de baixa renda seriam as potenciais beneficiárias - também prevemos a baixa renda. Conforme a pesquisa da Fundação Perseu Abramo, 68% das donas de casa declaram ter renda familiar de até dois salários mínimos e, portanto, estão enquadradas na baixa renda. Se houver um corte de mulheres com 55 anos beneficiadas pela lei - as que estão abaixo dessa idade já encontram guarida na Lei Complementar nº 123 -, haverá um universo de pouco mais de 5 milhões de mulheres potenciais beneficiárias da aposentadoria das donas de casa. Portanto, esse é um contingente que não tem um impacto significativo no orçamento, a ponto de o Brasil e a sociedade brasileira não poderem arcar, a partir dos recursos do Tesouro, com os benefícios a essas mulheres. Aqui, não fazemos uma adequação geral a todos os que estão no Regime Geral da Previdência Social.

            Ouço, com prazer, o Senador Paim.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senadora Gleisi, sei que V. Exª está também correndo contra o tempo. Tenho uma audiência com o Ministro Garibaldi às 17h45. Tenho tempo e falarei, no máximo, por dez minutos em seguida. Mas por que faço o aparte? Porque foi eixo da minha campanha no Rio Grande do Sul a aposentadoria da dona de casa. Pode ter certeza absoluta de que farei, junto com V. Exª, todos os esforços para construirmos um grande entendimento que garanta aposentadoria à dona de casa. Parabéns a V. Exª! Dê um abraço no Ministro Paulo!

            A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco/PT - PR) - Será entregue. Vou vê-lo às 18h30. É que também tenho outro compromisso.

            Vou terminar meu raciocínio, mas antes agradeço ao Senador Paulo Paim, pela sua luta, pela sua caminhada em favor do trabalhadores e dos aposentados. Seu apoio é muito importante.

            O foco do nosso projeto é muito grande: é destinado àquele contingente de mulheres que não teve sequer o direito de ser contribuinte do Regime Geral da Previdência Social. Não estamos colocando aqui outros trabalhadores, ainda que sejam microempreendedores, que hoje já são beneficiados no regime simplificado. Eu gostaria que esse projeto se detivesse única e exclusivamente nas donas de casa, pela característica do seu trabalho. Não é fácil o trabalho doméstico: lavar, passar, cozinhar, cuidar de filho, não ter fim de semana, não ter horário de entrada ou saída, sem muitas vezes receber sequer um “muito obrigado” da família ou do companheiro, pois todos acham que esse trabalho é uma obrigação da mulher. Aliás, nem como trabalho era considerado. Foi considerado trabalho depois de aprovada a Proposta de Emenda à Constituição. Antes, não era tido como trabalho em nossa Constituição. Senador Paim, fico aqui a me perguntar o que era então? O que era isso que as mulheres faziam de sol a sol, com dedicação, sem medir esforços?

            Sempre gosto de contar uma historinha que ouvi da minha avó. Quero aqui reproduzi-la, porque é muito engraçadinha e ilustra essa situação.

            Ela conta que existia um casal com três filhos. O marido se dedicava a ser o mantenedor da casa, e a mulher, a trabalhar no âmbito doméstico. Ele trabalhava muito, é claro, chegava todos os dias a casa muito cansado, olhava a mulher, e ela estava sempre na cozinha, preparando as panelas para fazer o jantar. Ele pensava: “Meu Deus, que vida boa tem essa mulher! Ela fica dentro de casa, não toma chuva, não tem de correr contra as intempéries do tempo, não tem um trabalho pesado, como eu tenho, não tem a cobrança do patrão, o ponto para registrar, não tem todas as questões relativas à empresa para dar conta. Gostaria muito de ter uma vida dessas”. De vez em quando, ela reclamava - e com toda razão - que ele não participava, como devia, da educação dos filhos, da vida familiar, do cuidado das crianças. E ele dizia a ela: “Você reclama muito. Eu queria que você tivesse a minha vida”. Mas eis que, uma noite, ele muito fervoroso, muito fiel, fez uma oração e pediu a Deus que lhe concedesse, até para mostrar à sua esposa, uma troca entre ele e a mulher, pelo menos por um dia, para que ele assumisse a identidade dela e suas funções e para que ela assumisse a identidade dele e suas funções. Deus, na Sua grande benevolência, concedeu o pedido. E, no dia seguinte, já amanheceram em situações opostas. Logo cedo, já sentiu o drama, porque teve de pular mais cedo da cama, para fazer o café da manhã, para acordar os três meninos, para vesti-los para irem à escola. Sabe que criança é muito fácil, não é, Senador Mozarildo? Com seis anos, sete anos, oito anos, são bastante disciplinados. Até um escovar os dentes e o outro mudar a roupa, o outro já se sujou. Enfim, deu conta de fazer o café e de servi-lo para as crianças. Acordou e serviu o café ao marido também. Ele foi para o trabalho, e ela - que era ele - foi levar as crianças para a escola. Deixou dois na escola e voltou com o menor. Já encontrou a pia suja de louça do café, um monte de roupa para lavar, outro monte de roupa para passar, a casa suja. A casa precisava de limpeza. Imagina um banheiro com três crianças, não é, Senadora Ana Amélia? Não é fácil, não! Dedicou-se aos afazeres. Até a hora do almoço, conseguiu lavar um pouco da roupa e limpar a casa. Teve de fazer o almoço, buscar correndo as crianças e dar comida a elas. Uma das crianças tinha de ir para a catequese, outra tinha de ir para o jogo de futebol. Levou-as, cuidando do pequeno, que requeria atenção também, porque queria que a mãe brincasse de carrinho, que a mãe se envolvesse nas suas brincadeiras. Voltou, terminou de lavar a roupa, terminou de passar aquele monte de roupa - e não é fácil passar roupa! -, terminou de limpar a casa e o quintal, teve de buscar os meninos e chegou para começar a fazer o jantar exatamente no horário em que o marido chegava a casa. Ele chegou a casa, foi assistir à televisão, para ver o noticiário, e ela estava fazendo a janta, e a criançada estava por lá brigando, porque criança disputa atenção e espaço. Terminou de fazer a janta, chamou os meninos para jantar, serviu a janta, encostou aquela louça toda e foi dar banho nos meninos. Depois, foi ver o dever de casa dos meninos. O marido descansou um pouco e já se foi deitar. Ela terminou de ver o dever de casa com os meninos, colocou-os na cama, fez a oração, olhou para a pia da cozinha e pensou: “Se eu deixar essa louça para amanhã, ela vai secar”. Foi lavar a louça ainda. Depois, tomou um banho e foi se deitar com ele. Vamos ao resumo da conversa. No outro dia, bem cedo, ajoelhou-se e disse: “Meu Deus, eu não tinha ideia do que era o trabalho de uma mulher. Realmente, fui muito injusto ao avaliar que minha mulher trabalhava pouco. Quero voltar ao que eu fazia. Pelo menos, eu tinha meu chefe, eu dava conta do meu trabalho, mas era aquilo. Eu não consigo lidar com três crianças e ter essa diversidade de trabalhos para fazer. Meu Deus, eu queria pedir desculpas à minha mulher e que o Senhor me concedesse voltar ao meu papel! Eu me comprometo a ajudá-la a acolher os filhos”. Deus, em Sua benevolência, disse: “Pois não, seu pedido vai ser atendido, mas somente daqui a nove meses, porque você engravidou na noite passada”.

            Então, essa história ilustra bem o que é a vida de uma mulher que se dedica ao cuidado da família, dos filhos e do marido. Não á fácil! Não é fácil! É uma jornada extenuante! É preciso que reconheçamos isso, e a sociedade tem de pagar por isso. É um valor que a sociedade tem de pagar. Portanto, tem de sair um recurso, sim, do Tesouro, porque é o primeiro reconhecimento econômico de um trabalho que organiza a sociedade e organiza os grandes negócios sociais. A nossa sociedade não seria organizada em empresas, este Parlamento não funcionaria, se nossas mães e nossas avós não tivessem cuidado da vida, do cotidiano, das pequenas tarefas, que fazem a diferença.

            Tenho dito que a profissão de dona de casa está quase em extinção, porque grande parte das mulheres está trabalhando fora. Mas elas têm a carga de uma segunda jornada, porque continuam fazendo o trabalho dentro de casa. Fico pensando, Senador Paim: como seria uma greve geral das donas de casa? Pense se, em quinze dias, não fosse feito serviço doméstico algum! E aí se incluiriam também as diaristas, as empregadas domésticas. Não haveria banheiro lavado, nada. O que significaria isso em termos de transtorno e de impacto econômico em nosso País?

            A Organização das Nações Unidas (ONU) tem um estudo - não tenho os dados agora; pedi para levantá-los, mas não consegui pegá-los - que mostra o que seria o impacto na riqueza das nações, nos produtos brutos de cada país, se fosse computado, para efeitos econômicos, o trabalho não remunerado das mulheres, de cuidado com o outro. Há o trabalho da casa, mas há também o cuidado com a criança.

            Por muitos anos, nossa sociedade não reconheceu o direito das crianças à creche, à educação infantil, e, ainda hoje, há sérios problemas nesse sentido. Graças a Deus, hoje, há um programa no Ministério da Educação, o ProInfância, que está levando aos Municípios parcerias para a construção de creches, mas ainda há muita carência.

            Há também o cuidado com os doentes, com as pessoas deficientes. Qual seria o impacto se isso fosse computado na nossa economia, se tivéssemos, como sociedade, de pagar por isso?

            Portanto, o que apresentamos nesta Casa é um resgate mínimo da justiça que temos de fazer com essas mulheres, que são anônimas, mas que são verdadeiras heroínas e que fizeram este País chegar aonde chegou. Elas não têm retratos na galeria dos heróis e dos grandes feitos nacionais, mas, sem elas, não estaríamos aqui agora. Eu não estaria aqui se não fosse minha mãe. Sem ela, eu não estaria fazendo este discurso desta tribuna.

            A essas mulheres, às donas de casa, dedico esse projeto. Espero receber apoio deste Senado, das Senadores e dos Senadores, para que a matéria tenha aprovação.

            Muito obrigada, Srª Presidenta.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/2011 - Página 6264