Discurso durante a 25ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do nonagésimo aniversário de fundação do jornal Folha de S.Paulo.

Autor
Kátia Abreu (DEM - Democratas/TO)
Nome completo: Kátia Regina de Abreu
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do nonagésimo aniversário de fundação do jornal Folha de S.Paulo.
Publicação
Publicação no DSF de 15/03/2011 - Página 6683
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), IMPORTANCIA, LIBERDADE DE IMPRENSA, CONTRIBUIÇÃO, DEMOCRACIA, ELOGIO, ATUAÇÃO, INDEPENDENCIA, IMPRENSA, APOIO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, OPOSIÇÃO, DITADURA, INCENTIVO, CAMPANHA, ELEIÇÃO DIRETA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª KÁTIA ABREU (DEM - TO. Pela Liderança. Sem revisão da oradora.) - Eu gostaria de cumprimentá-los, Sr. Presidente José Sarney, Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, Ministro da Previdência Garibaldi Alves, Diretor-Editorial da Folha de S. Paulo, Otavio Frias Filho, também a sua irmã, jornalista Maria Cristina Frias, os jornalistas, colunistas Melchíades Filho, Eliane Cantanhêde, Fernando Rodrigues e Valdo Cruz.

            Os protagonistas dão rumo à Historia. Todos sabemos que é assim. Nos últimos quinze anos, estou vivendo essa realidade de perto ao participar de momentos importantes da vida brasileira no exercício de mandatos parlamentares consecutivos, na militância partidária e na escalada no ativismo sindical da agropecuária, minha origem na vida pública.

            Por imposições das contingências, sob a pressão das paixões ideológicas e dos interesses que cercam o Estado, os Poderes da República são chamados a se manifestar entre alternativas que vão da generosidade à iniquidade, da decisão eficaz ao desastre, da consolidação das práticas legalistas a concessões ao autoritarismo.

            Pois é justamente nesses momentos dramáticos do debate democrático, enquanto os protagonistas ungidos pela Constituição se preparam para anunciar decisões nem sempre devidamente amadurecidas, que surge um inesperado e pujante clamor - como deveriam ser os coros no teatro grego, arrebatadores e moralmente implacáveis - exprimindo o testemunho critico da sociedade civil.

            Muitas vezes, acontece na undécima hora escaparmos do pior, restabelecendo-se alguma racionalidade nas decisões enquanto os inimigos públicos são acuados e, mesmo que não sejam punidos, são desmascarados e assinalados. Ai deste País!

            Ai deste País se não fossem os testemunhos críticos da sociedade civil expressos pela imprensa livre e independente!

            Estas reflexões me ocorreram, assim, cruas, diretas, quando decidi participar desta homenagem aos 90 anos da Folha de S. Paulo.

            Sr. Presidente, colegas Senadores, eis que quero proclamar neste momento: a Folha de S. Paulo exerce exemplarmente, nos momentos decisivos deste País, o testemunho crítico da sociedade civil brasileira. Exerce sem temor e sem concessões a liberdade e a independência de informar e opinar. A Folha tem sido um desses raros sóis que dão vida à democracia e à dignidade humana entre todos nós.

            Tal papel é amplificado pelas qualidades editorias do jornal: pela competência, probidade e senso de humor dos seus repórteres, editores e colunistas; e pela estrutura empresarial, que assegura à Folha os indispensáveis suportes tecnológicos, industriais e econômico-financeiros, indispensáveis ao exercício de suas atividades. Por essas razoes, a Folha desfruta de independência e liberdade. São fatores indispensáveis para cumprir seus compromissos com a história.

            Infelizmente, este meu depoimento corre o risco de ser arguido de suspeição. Na verdade, não tenho apenas admiração pela presença testemunhal da Folha na vida brasileira. Vou além. Devo confessar minha condição de leitora diária do jornal, o que significa que faço parte da razoável multidão de 2,4 milhões de homens e mulheres que, segundo o Ibope, têm o mesmo hábito de ler a Folha.

            Também sou eventual colaboradora da sua corajosa terceira página, onde debatem os que têm algo a dizer sobre os temas em discussão no País, e que é aberto até aos que discordam do próprio jornal e o acusam de parcialidade.

            Além disso, com frequência, sou citada por minhas opiniões, intervenções nos trabalhos do Congresso Nacional e posições em defesa dos produtores rurais, cuja entidade nacional, a CNA - Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, tenho a honra de presidir.

            Pois bem, mesmo quando as posições críticas do noticiário que me envolvem são adversas - o que é natural e nem sempre agradável, pois, às vezes, injustas -, nunca me senti desrespeitada, nem me foi negado espaço na Folha para explicações ou versões que me pareceram indispensáveis .

            Com essas declarações, estou apenas tomando a liberdade de imitar a própria Folha, que costuma qualificar e biografar sumariamente os entrevistados e personagens das suas notícias, deixando ao leitor atribuir um peso às opiniões expressas, providência que os mais hipócritas consideram registros desnecessários, intimidativos, quase grosseiros. Não é a minha opinião, evidentemente.

            Para mim, porém, estas revelações sobre minhas relações com a Folha não constituem ironia, são uma premissa essencial para que este depoimento tenha não apenas o sentido de uma homenagem, mas que vá além.

            Quero demonstrar minha compreensão sobre o papel de um jornal verdadeiramente independente e seu estilo singular de ser, sempre e a qualquer pretexto, crítico. O jogo democrático no Brasil assumiu algumas características sutis e perigosas, das quais a principal é, sem dúvida, a adesão irrestrita e a solidariedade cega.

            O conceito de coerência a que nos acostumamos - que, por exemplo, requer aos governistas dizerem sempre sim ao Governo e aos oposicionistas, em sentido contrário, de ficarem sempre contra, sistematicamente - embute, além de brutal autoritarismo, um modelo que se repete na discussão dos grandes temas.

            Estabelecem-se redutos, que não são ao menos ideológicos, mas blocos apaixonadas, improvisadamente etiquetados, imunes a argumentos, demonstrações racionais, revelações da ciência e à própria composição de opiniões e soluções que se complementariam.

            De repente, sejam quais forem os temas, dos mais graves aos mais supérfluos, que envolvem desde emendas constitucionais à regulamentação de leis ordinárias, fecham-se as portas aos debates e à boa prática democrática de promover a evolução e maturação de propostas. 

            Todos tapam os ouvidos, vedam os olhos, excluem a conversação e o diálogo, dispensam a tribuna parlamentar - que não existe para declarações beligerantes, como é utilizado hoje, mas para o confronto dialético em busca da síntese - e todos se tornam inimigos por pensarem diferente, quando, no máximo, seriamos apenas defensores de idéias diversas e deveríamos nos associar para promover o bem comum.

            Pois é nesses momentos que a Folha - do editorial da página dois à irreverência quase sempre malcomportada do humorista José Simão, no final da Ilustrada, de que sou leitora assídua - cumpre o impressionante papel político de desmoralizar o sectarismo e brandir os argumentos do bom senso e que vão, paradoxalmente, da racionalidade acadêmica ao escracho do humor mais contundente.

            Impressiona-me a sensibilidade dos editores, indiferentes ao purismo de muitos, às vezes para espanto do próprio ombudsman do jornal, promovendo o melhor sensacionalismo com entrevistas e pesquisas que expõem as feridas e equívocos de todos os setores da vida brasileira.

            A Folha agita, incomoda, provoca.

            Ouço, por exemplo, com muita frequência, citações das colunas esportivas do Tostão e de Juca Kfouri e percebo que assumiram posições na contramão das opiniões acomodadas num terreno do esporte em que a paixão é fundamental.

            As posições críticas dos colunistas, como Eliane Cantanhêde e Fernando Rodrigues, habilmente diversificados para que a maior parte das correntes de opinião se sinta representada, talvez incomode e desespere os que fogem do confronto democrático, mas não deixa de contribuir para uma saudável animação da sociedade. Tal estratégia somente se viabiliza porque a Folha dispõe de lastro histórico e princípios filosóficos que a comprometem com a democracia e as liberdades públicas.

            Nos anos 80, o jornal atuou com coerência, imaginação e coragem na grande virada para a fase contemporânea da vida nacional. O papel da Folha foi extremamente relevante no grande levante popular, pacífico e organizado, que pôs fim à ditadura militar estabelecida em 64.

            Foi essencial na campanha das Diretas Já!, geradora da onda de consciência democrática que produziu o Brasil atual, livre e constitucionalizado.

            “A Nação Frustrada” foi a manchete do dia seguinte, 25 de abril. Naquele momento, com o reconhecimento da nova Folha, pois o velho jornal paulista ressurgia com perfil moderno, empresarialmente consolidado - o Brasil descobriu e aprendeu a admirar seu discreto proprietário, Octavio Frias de Oliveira, cuja memória reverencio, cumprimentando sua família, por honrá-lo ao prosseguir o seu projeto, Octavio Frias, Maria Cristina e Luis.

            Espero firmemente que não falte nunca aos que protagonizam os Poderes da República e todos os setores da vida nacional os testemunhos críticos da sociedade civil, expressos com tanta graça, coragem, imaginação e competência pela Folha de S.Paulo.

            Ai deste País se nos faltar a imprensa livre e independente, que torna nossas instituições mais democráticas e o dia a dia dos brasileiros mais bem informado e crítico da realidade!

            Repito o meu colega: longa vida à Folha de S.Paulo e parabéns pelos seus noventa anos! (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/03/2011 - Página 6683