Discurso durante a 33ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Referência à comemoração do Dia Mundial da Água, com registro do alerta da Agência Nacional de Águas - ANA sobre a previsão de riscos no acesso e no consumo de água potável para o ano de 2015, propondo ações de investimentos do Poder Público para solucionar o problema.

Autor
Walter Pinheiro (PT - Partido dos Trabalhadores/BA)
Nome completo: Walter de Freitas Pinheiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Referência à comemoração do Dia Mundial da Água, com registro do alerta da Agência Nacional de Águas - ANA sobre a previsão de riscos no acesso e no consumo de água potável para o ano de 2015, propondo ações de investimentos do Poder Público para solucionar o problema.
Publicação
Publicação no DSF de 23/03/2011 - Página 7749
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, AGUA.
  • REGISTRO, DADOS, PESQUISA, AGENCIA NACIONAL DE AGUAS (ANA), PREVISÃO, FALTA, AGUA, IMPORTANCIA, CONSCIENTIZAÇÃO, CONSUMO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. WALTER PINHEIRO (Bloco/PT - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Paulo Paim, que preside esta sessão, meu muito boa noite.

            Quero dar boa noite a todos aqueles, Paim, que nesta hora nos escutam e nos assistem e àqueles que inclusive o acompanharam, eu diria, linkados na TV Senado, seja pela Internet ou pelo sistema de televisão por aí afora, com os seus relatos, eu diria, quase uma prestação de contas das suas jornadas.

            Mais do que com seus prováveis cabelos brancos ou barba branca, hoje nos deparamos, Paim, com uma situação que, eu diria, extremamente preocupante. Refiro-me à comemoração que faremos agora, durante todo esse período, ao Dia Mundial da Água e, ao mesmo tempo, ao alerta de todos nós, de forma consubstancial, apresentado com o relato do Atlas, produzido pela Agência Nacional de Águas deste País, a nossa ANA.

            A preocupação vem exatamente com o que tem acontecido e com as tarefas que temos pela frente. Estamos falando de recursos naturais ou da chamada água doce, mais precisamente, em que 1% somente de toda a água do planeta é considerada água potável, bem tratada e possível de ser utilizada por seres humanos em toda a nossa Terra.

            Chamou-me a atenção uma experiência interessante na cidade de Estocolmo. O rio que corta aquela cidade é o mesmo rio que alimenta a população. E, em um dos relatos sobre aquele manancial da cidade de Estocolmo, na Suécia, chamou-me mais atenção ainda a forma e o tempo como são processadas as condições para que o cidadão, para que o sueco, tenha acesso à água de boa qualidade. A matéria inclusive chega a chamar atenção ao fato de beber diretamente água do rio.

            Recentemente, vivenciamos um alerta no Japão a partir do tsunami, do terremoto e dos problemas ocasionados pela usina nuclear.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Senador Walter Pinheiro, permita-me que prorrogue a sessão por mais 30 minutos para seu pronunciamento.

            O SR. WALTER PINHEIRO (Bloco/PT - BA) - Dessa forma, o alerta para o povo japonês põe em risco aquele que é o maior bem, até porque água é vida. Se recorrermos a um dos trechos da caminhada de Jesus Cristo, Ele chega a falar, não só nos seus sermões, especialmente no mais conhecido Sermão da Montanha, quando Ele se dirige para milhares de pessoas, exatamente da água como vida, da água como fonte de transformação. Portanto, estamos falando de algo que é a essência da nossa vida. E aí estamos nos deparando com situações cada vez mais adversas.

            Os dados, hoje inclusive já veiculados em todos os meios de comunicação, apontam que poderemos ter uma situação em que, em cada oito pessoas, somente uma terá acesso à água de boa qualidade. Esse trabalho aponta para o fato de que, em 2015, há o risco de termos no planeta 1,8 bilhão de pessoas tendo acesso à água de péssima qualidade. Portanto, é algo assustador, levando-se em consideração que estamos falando da vida: a água do nosso velho São Francisco, a água que corta cidades inteiras neste País, a água que irriga milhares de roças pelo sertão afora, a água que brota.

            Na Bahia, Paim, temos algumas experiências interessantes. Há uma região, que nós chamamos inclusive aquífero Tucano, que é muito seca, já conhecida por muitos no País por conta da presença de Euclides da Cunha, uma região próxima à cidade de Canudos. Naquela região do chamado Tucano, vindo para quase próximo ao litoral, um pouquinho mais afastado, mais na divisa com Sergipe, diversos Municípios convivem com a escassez de água. No entanto, ali está o maior manancial de água, que é a esperança daquele sertanejo, do povo baiano. Há um projeto em curso, o Projeto Nordeste, que prevê inclusive investimentos da ordem de R$600 milhões para promover a utilização dessa água do aquífero Tucano para atender a quase dois milhões de baianos, para que eles passem a ter acesso à água de boa qualidade.

            Esse é um debate para o qual quero chamar atenção nesse dia extremamente importante para reflexão. Mas, ao mesmo tempo, é um dia que nos leva a entender que são necessárias duas medidas. A primeira delas, o sentimento de preservação, a ação de preservação, a atitude de preservação.

            Recordo-me, Paim - e ouvi você relatar muitos locais que percorreu em seu Estado -, de uma das minhas andanças pelo Vale do Santo Onofre. Ali, naquela região, o rio Santo Onofre chega ao São Francisco. Aquele vale é interessante, tem aproximadamente 70 quilômetros. O rio Santo Onofre tem épocas de cheia e épocas de seca. Trabalhamos muito a criação de minibarragens. De uma certa feita, com um dos agricultores, o Vitorino, o nosso velho Vitu, que por meio de projetos do Pronaf, de recursos em uma relação com o Banco do Nordeste, cuidava da sua rocinha, tocava o gado, produzia requeijão - majoritariamente, no Vale de Santo Onofre, os pequenos agricultores produzem inclusive cachaça - e, em uma determinada época, Vitorino, andando comigo, dizia: “Pinheiro, fui acostumado de forma diferente; fui acostumado a descer à beira do rio para retirar, inclusive, a árvore para usar exatamente aquela terra, porque era a terra mais fértil. Portanto, eu ia produzindo algo que exatamente me causou o problema de hoje, eu produzia a retirada das árvores das margens dos rios. Isso permite efetivamente o ganho de uma terra muito mais fértil, mas também tira aquilo que, em projeção de sombra, faz a proteção desses mananciais”. E me dizia Vitorino naquela nossa caminhada: “Hoje, faço ao contrário, pois, todos os dias, desço ali com meu filho e digo a ele que, na beira do rio, vamos plantar uma árvore, para permitir que o nosso Santo Onofre, depois das chuvas, continue correndo e nos entregando água de forma perene”.

            O debate sobre o exagero do consumo também tem de se estabelecer nos centros urbanos. Às vezes, podem-se tomar medidas simples, medidas baratas do ponto de vista do investimento, como uma válvula de R$5,00 ou uma mudança no sistema para a chamada descarga, com um investimento um pouquinho maior do que R$5,00, na faixa dos R$50,00, que pode levar a uma redução em torno de seis litros, raciocinando-se com um gasto de doze litros. Seria feito, com seis litros de água, o que todo mundo vai esbanjando com doze litros no dia de hoje. Então, isso vale para esse tipo de sistema, vale para uma torneira, vale para o exagero de muitos que, nas tardes de domingo ou de sábado, deixam a mangueira solta no passeio, correndo água, lavando seus automóveis, sem preocupação, sem qualquer tipo de sentido de preservação.

            Chama-me a atenção também esse estudo que tive oportunidade de ver hoje. Se analisarmos um comparativo entre o consumo médio de água no Brasil e o consumo médio de água na Alemanha, vamos encontrar o dobro do consumo de água por habitante em nosso País. Estamos falando em algo em torno de 220 contra 110 do consumo médio do povo alemão.

            Portanto, são ações fundamentais de esclarecimento, de consciência.

            Outra ação que acho importantíssima é a ação do Poder Público, o investimento. É importante isso, para entendermos as ações de despoluição de mananciais; a recuperação de mananciais; a obtenção de água no subsolo, seja para os aquíferos ou para a perfuração de poços; a construção de cisternas para captação de água da chuva.

            Há uma grande campanha feita pela Articulação do Semiárido (ASA), puxada pela Igreja em todo o Nordeste, para a construção de um milhão de cisternas, permitindo que a água da chuva varra o telhado e chegue à cisterna. Assim, o sertanejo armazena água, para enfrentar o período da seca, o período da escassez. Essa foi uma das campanhas prioritárias estabelecidas pelo nosso Governador no primeiro mandato, estabelecendo, inclusive, o programa Água para Todos, em consonância com o programa do Governo Federal. Dispensou recursos, para que tratássemos de diversas frentes, desde o investimento para a recuperação de mananciais até o investimento também para a obtenção de outras formas de captação e armazenamento de água.

            Na Bahia, para se ter uma ideia, nesse primeiro período do Governo Jaques Wagner, acumulamos investimentos, por meio da empresa baiana de água e saneamento, da ordem de quase R$1,3 bilhão. Perfuramos poços em todo o Estado, construímos cisternas. Há ações de articulação e campanha, inclusive de preservação e de recuperação de leitos de rio, mas, associada a isso, também há a atitude de saneamento, que é muito importante, até porque essa atitude se expressa de forma muito mais intensa na questão da saúde. O combate à dengue, por exemplo, é uma ação de saneamento. Na medida em que temos as atitudes que vão de encontro a essa medida de saneamento, vamos convivendo, inclusive, com o fortalecimento, com o surgimento de outra espécie de mosquito mais resistente, causando problemas sérios à saúde e à própria ação de vigilância sanitária.

            Então, aqui, no dia de hoje, expresso meu contentamento com a ação patrocinada pela Agência Nacional de Águas (ANA), com a preocupação em torno dessa questão, com o debate extremo sobre esse assunto. Alguns até chegaram a dizer hoje que a ANA foi extremamente dura quando fala que poderemos, em 2015, conviver com a escassez de água. Talvez, se isso não for feito, as pessoas não acordem para a necessidade de uma ação responsável, de uma ação de preservação, e, talvez, nossos governantes não se atentem a uma ação de priorização.

            A gente ouvia muito a história de investir em abastecimento de água e em saneamento, não é, Paim? Muitos governantes deste País não gostavam de fazer isso, porque não dava para colocar placa. A terra cobre a placa. Então, isso não era visto de forma direta. Portanto, de maneira inescrupulosa, foi desprezada essa prioridade.

            Tive oportunidade de falar na semana passada sobre o trabalho da ANA no que diz respeito ao processo também de interligação de bacias ou ao próprio debate envolvendo a ação de geração de energia. Se seguirmos uma linha de modificação de uso de fontes de energia limpa, deixando um pouquinho de lado a utilização dos nossos rios, também caminharemos para uma atitude de preservação e de melhor manejo desses recursos hídricos.

            Volto a insistir: a constituição de lagos, por si só, é agressiva aos nossos mananciais hídricos. São até belos os lagos quando apresentados, mas essa é uma agressão aos rios. O sertanejo é que permanentemente nos fala: “Ó, deixa o rio correr para o mar, esse é o leito natural”. A interrupção, a constituição de lagos, isso vai provocando certo desequilíbrio. A retirada das árvores, o assoreamento é um processo que permite que nossos rios sofram verdadeiras modificações.

            Paim, durante minha infância, vivi em cidade do interior. Fico cada vez mais impressionado quando volto para locais em que vivi durante a minha infância e procuro o leito do rio que tanto tive oportunidade de acompanhar. Esse leito está totalmente modificado: são riachos que nem existem mais e lagoas que desapareceram do mapa. Vamos convivendo com essas alterações, todas elas provocadas exatamente pela ação do homem, pela péssima ação do homem. Não quero dizer que agora temos de ter a atitude de frear tudo, de impedir o desenvolvimento. Não estou fazendo aqui a pregação do combate total ao desenvolvimento, nem tampouco do exagero da liberação total, mas é possível que a gente trabalhe exatamente no terreno da mediação.

            Esses dados apresentados pela nossa ANA são importantes exatamente para termos um olhar de como nos comportar, de como é possível tratar o desenvolvimento sustentável, imaginando a crise de 2015 e tentando nos antecipar a esse cenário que alguns chamavam hoje de catastrófico. Eu diria que, pelo menos, é um alerta, para que pensemos o que efetivamente queremos em 2015 na relação com aquilo que é o bem maior da vida, a água. Portanto, é fundamental esse debate.

            Nós, ao longo de toda uma trajetória no Congresso Nacional, travamos um debate sobre o marco do saneamento e, ao mesmo tempo, tivemos oportunidade de enfrentar alguns dos problemas apresentados no País.

            Recordo-me bem da grande luta empreendida na Bahia pelo Sindicato dos Trabalhadores de Água e Esgoto, o Sindae, que tinha à frente o nosso saudoso companheiro Paulo Jackson. Com esse argumento, naquele momento, nós travamos uma batalha contra a privatização da empresa baiana de água e saneamento. Não fazíamos pura e simplesmente a defesa da manutenção de uma empresa estatal, agíamos por entender que, para o povo baiano, era fundamental a manutenção daquela empresa como empresa estatal, como empresa pública, para que, permitida a sua ação, a população pudesse ter acesso à água, à água de qualidade.

            Também na Bahia, cito campanha empreendida pelo nosso Governo que tem a ver exatamente com o tratamento dessa água. Nós experimentamos isso agora nos mutirões da saúde, quando os médicos nos apontavam que era necessário resolvermos o problema da - como diz o sertanejo - água salobra, aquela água que você olha no copo e parece muito mais um copo de leite do que um copo de água.

            A partir desses mutirões da saúde, percebemos alterações na vida das pessoas. Algumas figuras tinham pressão alta; outras, cálculo nos rins - consequência do consumo de uma água sem qualidade. Aquilo foi modificando a vida das pessoas, e as pessoas iam fazendo relatos a cada momento sobre isso, comparativos entre a água que se usava no passado e a água que hoje utiliza em diversos locais da Bahia.

            Portanto, todas essas relações são importantes para que, neste dia, pensemos de que forma vamos priorizar esse nível de investimento para continuar disponibilizando esse bem maior, esse elemento tão importante para a vida de todos nós.

            Quero encerrar fazendo uma associação com o tema. Recordo-me dos debates feitos na Casa sobre o projeto de lei que tratava do marco do saneamento e de toda essa definição, desde a criação da Agência Nacional de Águas. A Igreja, todas elas, a Igreja Católica, a Igreja Evangélica, todas se lançaram nessa campanha. Naquele ano, inclusive, um dos temas era: água é vida. A associação feita por diversos religiosos, lideranças, padres, pastores, tinha a ver exatamente com a formação da vida. Na mulher em período de gestação, a criança, no seu ventre, está dentro da água. Portanto, desde o processo de gestação, de criação, vamos convivendo com a necessidade desse elemento, que é primordial em nossas vidas. 

            Portanto, que a lição de hoje, que o alerta de hoje, que esses dados, às vezes assustadores, possam servir muito mais como orientadores para as nossas atitudes e para os nossos governantes, e para nós aqui, que vamos trabalhar na LDO, na peça orçamentária, numa relação com o Governo, nessas obras do PAC, do PAC 2, e em outras ações do Governo. Temos de priorizar um maior nível de investimento para garantir que a nossa população tenha água: água para o consumo animal, água para o consumo humano, água para plantar, água principalmente para a gente viver.

            Era isso, meu caro Paim, que eu queria deixar aqui registrado neste dia de hoje, conclamando todos a não nos distanciarmos dessa atitude responsável e não tratar isso como um mero conjunto de números jogados hoje na sociedade. Não podemos deixar que isso nos assuste momentaneamente e depois, numa atitude que hoje tem sido muito peculiar, deixemos isso passar como um modismo. Que essa informação, que esse apelo, esse chamamento, não entrem nessa mesma rota e, amanhã, sejam substituídos por outro apelo, por outra coisa de momento. Lamentavelmente, às vezes nós vamos substituindo esse tipo de coisa, esses alertas, por partidas de futebol, por disputas aqui, ali e acolá ou por matérias que mobilizam mais internamente as Casas - e aí eu me refiro à Câmara e ao Senado -, deixando de lado ações de transformação, ações de modificação, ações de vida.

            Portanto, que esse alerta e essa campanha puxada pela Agência Nacional de Águas entrem na Ordem do Dia de forma muito mais veemente do que reformas políticas e outras coisas que as valham, porque estamos tratando de algo que tem a ver a com a vida, com a duração daquilo que é o bem maior pelo qual todos nós devemos zelar, cuidar com todo carinho, com todo apreço, numa postura de contínuo agradecimento a Deus pela oportunidade de estar vivendo. Deus nos deu o dom da vida e nos permitiu esse alimento que é a água, e a nossa tarefa é preservá-la e, cada vez mais, buscar, na preservação e no investimento, a continuidade desse bom alimento para continuarmos fazendo política aqui e vivendo em nosso País.

            Um grande abraço Paim.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/03/2011 - Página 7749