Discurso durante a 35ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da criação da carreira de Estado do Sistema Único de Saúde - SUS, como forma de melhorar a assistência à saúde da população e a distribuição geográfica de médicos pelo País.

Autor
Vital do Rêgo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Vital do Rêgo Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Defesa da criação da carreira de Estado do Sistema Único de Saúde - SUS, como forma de melhorar a assistência à saúde da população e a distribuição geográfica de médicos pelo País.
Aparteantes
João Pedro, Mozarildo Cavalcanti, Waldemir Moka.
Publicação
Publicação no DSF de 25/03/2011 - Página 8251
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, DEFESA, ORADOR, PROPOSIÇÃO, CRIAÇÃO, CARGO DE CARREIRA, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), OBJETIVO, EXTINÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DESEQUILIBRIO, DISTRIBUIÇÃO, MEDICO, PAIS.

                          SENADO FEDERAL SF -

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            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. VITAL DO REGO (Bloco/PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Mozarildo Cavalcanti, Srªs e Srs. Senadores, trago à tribuna um assunto que interessa muito a V. Exª na condição de médico, ao Senador Waldemir Moka, meu colega médico. E chamo ambos para participarem comigo de uma preocupação extraída do I Encontro Nacional dos Conselhos de Medicina, agora em 2011, que reuniu, em Goiânia, todos os Conselhos de Medicina do País, para analisar temas que configuram verdadeiros desafios ao exercício profissional, à oferta de assistência de qualidade à população, definindo estratégias que beneficiarão, sobretudo, os pacientes.

            Dentre os temas debatidos no âmbito da gestão e financiamento da saúde pública, ganhou força e especial atenção a criação, Senador Aloysio, da Carreira de Estado do SUS, com a implantação de um plano de cargos, carreiras e vencimentos, a garantia da educação médica continuada e a extinção dos contratos precários dos profissionais de Medicina, além da inserção desses profissionais no mercado de trabalho.

            Senador Anibal, os detalhes da proposta da carreira do Sistema Único de Saúde (SUS), que está sendo elaborada pelos representantes dos médicos, dentistas e enfermeiros, com técnicos do Ministério da Saúde, já começam a ser definidos.

            De acordo com o Ministério, dos 5.564 Municípios brasileiros, 1.280, o que corresponde a 23% dos Municípios brasileiros, têm escassez de médicos na chamada atenção primária - 23% dos Municípios brasileiros. Desses 23%, 783 Municípios estariam com situação mais do que precária: um médico para cada 3 mil habitantes.

            Na área de saúde, vigora ainda hoje um mito, segundo o qual no nosso País haveria uma quantidade insuficiente de médicos, o que concorreria para a má qualidade dos serviços de saúde prestados à população. Explicarei por que esse mito.

            Segundo o Conselho Federal de Medicina, em parceria com o Ministério da Saúde, efetuou-se, em meados do ano passado, um levantamento do quantitativo de médicos disponíveis no Brasil. Os dados foram coletados de 2000 a 2009 e apontam uma média nacional de um médico para cada 578 habitantes. Quando falta médico em Roraima, quando falta médico no Acre, quando falta médico na minha Paraíba, nós ficamos pensando que essa história de que há médicos insuficientes no País é uma verdade. Mas, segundo o Conselho Nacional de Medicina, dados coletados de 2000 a 2009, Senador Moka, apontam a presença de um médico para cada 578 habitantes.

            Mas onde estão esses médicos? Essa é a pergunta. Onde estão esses médicos?

            A recomendação e as primeiras respostas: o que recomenda a Organização Mundial de Saúde? Um médico para mil pessoas. O Programa Saúde da Família é fundamentado exatamente nessa perspectiva e nessa orientação da Organização Mundial de Saúde.

            A pesquisa do Conselho Federal de Medicina corrobora dados da Fundação Getúlio Vargas reunidos numa publicação chamada Escassez de Médicos, a qual mostrou que o Brasil dispunha de um médico para cada grupo de 595 habitantes, estatística também atestada pela Fundação Getúlio Vargas.

            Tais números tendem a melhorar, pois, entre 2000 e 2009, a quantidade de médicos no País aumentou 27%, de 260 mil médicos para 330 mil médicos. No mesmo intervalo de tempo, a população brasileira cresceu 12%, entre 2000 e 2009, de acordo com o IBGE.

            Resta, portanto, Sr. Presidente, a seguinte conclusão: não faltam médicos, Senador Pedro Taques, tampouco enfermeiros ou odontólogos.

            Onde eles estão? Será que estão no Mato Grosso? Certamente que não.

            O que existe - e se trata de uma solução a corrigir - é um quadro de profundo desequilíbrio, pois os referidos profissionais se encontram majoritariamente concentrados nas capitais e nos Estados mais ricos do País.

            O que existe, Sr. Presidente, é que a distribuição de médicos, enfermeiros e odontólogos é um retrato perfeito e acabado da desigualdade regional que marca o Brasil!

            Srªs e Srs. Senadores, a Região Sudeste concentra 42% da população do Brasil e 55% dos médicos. São 439 habitantes por profissional na Região Sudeste.

            Somente, inteligente e competente Senador Aloysio Nunes Ferreira, em seu Estado, a alma produtiva deste País, somente no Estado de São Paulo, que detém 21% da população brasileira, situam-se 30% dos médicos, o que resulta em um índice de 448 habitantes por médico. São Paulo é, sem dúvida, o maior e melhor centro médico do País.

            Quantos colegas médicos, estudantes, sextanistas, fazendo internato, residência, não sonham em ir para São Paulo exatamente para consolidar o aperfeiçoamento da sua carreira? E por lá ficam. Um mercado de trabalho extraordinário. Quantos amigos meus da Paraíba não estão até hoje morando, trabalhando e vivendo em São Paulo? Por isso, temos o índice de um médico para 448 habitantes no Estado de São Paulo.

            Na capital paulista, na cidade de São Paulo, um outro dado estatístico, para curiosidade e conhecimento dos senhores... Se o Estado de São Paulo é o maior celeiro médico do País, imagine a cidade de São Paulo! É onde se concentra a excelência da Medicina. Costumeiramente, falamos que, para os pacientes mais graves só há um caminho: ou uma boa terapêutica ou uma viagem a São Paulo.

            Então, essa questão, na cidade de São Paulo ainda é mais crua, ainda é mais dura: há um profissional para cada 239 habitantes. Na cidade de São Paulo, Presidente Pedro Taques, há um médico para cada 239 habitantes, situação superior a de alguns países europeus, como a França e a Itália!

            Em contraste, na Região Norte, há um grupo de 1.130 habitantes para um médico. No Norte, não sei se Mozarildo pode confirmar, não sei se Anibal pode confirmar, não sei se Angela pode confirmar, para cada médico há um grupo mínimo de 1.130 habitantes, sendo que nos chamados rincões, como no interior de Roraima, o quadro é terrível: um médico para 10.306 habitantes. São dados do Conselho Federal de Medicina, da Fundação Getúlio Vargas.

            No meu Estado, a Paraíba, há um médico para cada 800 habitantes, e por aí vai.

            Cabe ainda ressaltar que essas distorções não se resumem apenas às diferenças entre as regiões.

            Agora, para certamente ilustrar e enriquecer este pronunciamento a respeito das desigualdades, do desequilíbrio da distribuição de médicos pelo Brasil, e fundamentar a proposta, a ideia de fazer da Medicina uma carreira de estado, o que defendo com o apoio do Conselho Federal de Medicina, por orientação do Conselho Federal de Medicina, vou ouvir os meus colegas médicos Mozarildo Cavalcanti e, depois, Waldemir Moka.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Meu caro Colega Vital do Rego, o pronunciamento que V. Exª faz é perfeito e completo, só que essa constatação já se fez há muitos anos, diria até há décadas. Lamentavelmente, não há uma política que possa, por exemplo, levar médicos para o interior do Amazonas, para o interior de Roraima. Nós, em Roraima, fizemos um trabalho pioneiro, e a universidade criou um curso de Medicina que já formou várias turmas, mas, curiosamente, até os que se formam lá não ficam lá. Por quê? Porque o estímulo para ir para São Paulo - pela excelência, pela facilidade de trabalho - é maior do que, por exemplo, ficar no interior de Roraima. Não fossem os médicos cubanos e colombianos, talvez Roraima não tivesse médico em nenhum lugar do interior. Ainda assim, temos o alento de formar médicos lá, mesmo vindo de outros lugares. A concentração maior é na capital. Qual seria a saída? Transformar em carreira de estado? Mas como fazer com que esse médico vá para lá? Apresentei um projeto aqui que tenta, pelo menos, minimizar esse problema. Era o quê? O profissional formado em Medicina ou em qualquer área de saúde só teria o registro definitivo no respectivo conselho federal depois de fazer um estágio de dois anos em uma localidade onde não houvesse o preenchimento da recomendação da Organização Mundial de Saúde, ou seja, um para mil. Isso gerou uma reação tão grande... Fui debater a proposta na Universidade Federal de São Paulo. O que eles disseram? Que não se pode obrigar alguém a exercer a profissão onde não quer. Se não encontramos uma saída para mudar isso, efetivamente vamos formar médicos... Tiro por mim. Formei-me em Belém e voltei para Roraima porque tinha meus ideais, mas muitos dos meus colegas não fizeram isso. Comemoramos, no ano passado, 40 anos de formados e soube que muitos deles estão em São Paulo, no Rio de Janeiro e aqui, em Brasília. Portanto, é realmente necessária uma política que não só incentive o médico a ir para essas regiões, mas que consiga também fixá-lo lá. As regiões que mais precisam são as que têm menos médicos.

            O SR. VITAL DO REGO (Bloco/PMDB - PB) - Senador Mozarildo, certamente V. Exª vai participar de uma proposta de emenda constitucional em que estamos trabalhando com nosso gabinete. As sugestões de um experimentado profissional e de um extraordinário homem público como V. Exª serão muito úteis no aperfeiçoamento da ideia central da PEC que haveremos de propor.

            Será que no Mato Grosso do Sul temos um médico para cada mil habitantes, Senador Moka?

            O Sr. Waldemir Moka (Bloco/PMDB - MS) - Quero parabenizar V. Exª e, ao me associar ao seu pronunciamento, apresentar uma contribuição. Há também a questão da formação dos novos médicos. Há uma insegurança dos nossos jovens médicos, e aí reside esse problema. Na minha época, no sexto ano, não havia a figura do residente. No sexto ano de Medicina, éramos chamados doutorandos e fazíamos e participávamos de cirurgias. Saíamos da faculdade, na verdade, já com uma prática muito grande. Depois das residências... Hoje há o R1, o R2 e o R3. Muitos acadêmicos vão realmente começar a praticar na Residência Médica 1, 2 ou 3. E aí surge o problema. Para o médico recém-formado é difícil assumir essa função no interior, onde estrutura da saúde não lhe oferece segurança. Os nossos jovens médicos estão em faculdades onde o diagnóstico é feito a partir de um conjunto de exames laboratoriais, com aparelhagem de última geração, mas não se tem isso na ponta. Então, a figura do clínico, a figura do médico está diminuindo. Acho que tínhamos que nos preocupar também com a formação acadêmica, e preparar médicos que tenham vocação e que queiram ir para o interior. Na minha avaliação, percebo que o projeto que V. Exª quer apresentar é no sentido de fixar esse profissional sobretudo nos Municípios de pequeno porte, do interior, onde, insisto em lhe dizer, se não tivermos uma estrutura mínima, dificilmente fixaremos esse profissional. O jovem médico tem medo de ir para lá e enfrentar uma cirurgia, fazer um gesso, cuidar de uma fratura exposta, coisas que são difíceis. Não que ele não tenha aprendido, mas é que, talvez, a cidade não ofereça condições para esse exercício, para a prática de uma boa Medicina. Espero ter contribuído com essa informação. Parabenizo V. Exª pela oportunidade do pronunciamento.

            O SR. VITAL DO REGO (Bloco/PMDB - PB) - Quando eu pedi a V. Exª para vir participar deste discurso, chamando, convocando os colegas médicos, eu sabia que V. Exª, efetivamente, tem uma experiência muito grande. V. Exª foi médico de ambulatório, de hospital e de clínica e sabe como é difícil para um profissional, estando lá na Amazônia, com a precariedade dos instrumentos, das ferramentas de que dispõe, encarar os desafios dessa profissão. É muito honroso para mim ouvir V. Exª.

            Segundo o jornal Gazeta do Povo, lá no Paraná do Senador Requião, a situação só é confortável na nossa queridíssima capital, Curitiba.

            Um Município conhecido por sua qualidade de vida, Maringá, realizou, em 2007, cinco concursos em dois anos, sem conseguir preencher onze vagas do Programa Saúde da Família, doze na área de pediatria e quatro na de psiquiatria. Um Município com a qualidade de vida de Maringá não conseguiu.

            Na minha cidade, Campina Grande - o Prefeito Veneziano, inclusive, está aqui, em Brasília -, já fizemos vários concursos e não conseguimos preencher as vagas para a multiplicação dos quadros do Programa Saúde da Família, Senador Aníbal. Isso aconteceu na minha cidade de Campina Grande, que é a maior cidade do interior do Nordeste, que é a segunda cidade da Paraíba, que tem quatrocentos mil habitantes, Aloysio.

            Já o portal de notícias Terra publicou expressiva manchete com os dizeres: “Nem salário de 23 mil reais atrai médicos em Jacinto, no Vale do Jequitinhonha”. Nem um salário de R$23 mil!

            Antes de pedir o aparte do Senador João Pedro, para enriquecer este debate, peço a atenção dos colegas para os seguintes dados.

            A cidade do Rio de Janeiro, por seu turno, tem o segundo melhor indicador do País, atrás de Brasília e à frente de São Paulo: 299 moradores por profissional - quadro parecido com o de São Paulo.

            Agora vêm as disparidades e os desequilíbrios no próprio Estado do Rio de Janeiro. No entanto, no bairro da Lagoa, situado na zona sul carioca, há um médico para 49 habitantes. Ao passo que, na Pavuna, tradicional bairro da zona norte, cada profissional teria de lidar, hipoteticamente, com 4.900 habitantes.

            Na Lagoa, um médico para 49 moradores; na Pavuna, na mesma cidade, um bairro da zona norte, um médico para 4.900 pessoas. Está errado! A gente tem que mudar esse quadro, a gente tem que fazer alguma coisa.

            Ouço o Senador João Pedro.

            O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Senador Vital do Rego, as contribuições dos apartes e o pronunciamento de V. Exª nos remetem à necessidade de se criar uma política de Estado para o povo brasileiro. Precisamos enfrentar essa situação. Não é simples isso, mas temos que encontrar meios. Abro parêntesis para dizer que, agora no mês de março, a revista Carta Capital publicou matéria de autoria do ex-Ministro Adib Jatene, que disse: “Faltam médicos, e os médicos que temos estão concentrados em alguns locais do nosso País”. Além de faltar, há grandes concentrações em populações onde não se atende à demanda. V. Exª está dizendo que, na zona norte do Rio de Janeiro, é um para quatro mil, quase cinco mil. Ou seja, precisamos, evidentemente, fazer uma política de Estado. Num aparte, foi levantado, e eu quero compartilhar o pensamento daqueles que defendem o seguinte: quem estuda em universidade pública federal, paga pelo contribuinte, deve retribuir o que foi pago pelos impostos de cada brasileiro com atendimento onde se precisa do profissional da Medicina. Eu não tenho conhecimento do projeto de lei que V. Exª está ainda gestando, mas entendo que precisamos fazer esse debate do ponto de vista humano e não do ponto de vista do comércio, da economia. Precisamos distribuir esses profissionais que cuidam da vida. Há brasileiros que estudam fora. Como tratar o brasileiro que se forma em Medicina na Argentina, na Bolívia ou em Cuba? Como distribuir, como pagar, como equipar as nossas unidades de atendimento? A nossa Presidenta foi lançar, em Manaus, o programa de combate ao câncer de mama e de útero, porque é no Norte a maior incidência de câncer do Brasil. Precisamos diminuir as diferenças regionais. Então, quero parabenizar o pronunciamento de V. Exª.

            O SR. VITAL DO REGO (Bloco/PMDB - PB) - Obrigado, Senador João Pedro.

            Para encerrar, com a anuência e paciência do nosso Presidente, quero dizer: como será útil o nosso debate! Teria outras informações a passar, o pronunciamento estava caminhando para o final, mas os apartes foram profundamente enriquecedores. Estamos produzindo a proposta e, certamente, vamos percorrer as comissões da Casa para levar a nossa palavra, a palavra do Conselho Federal de Medicina, dos sindicatos dos médicos, enfim, de todos os profissionais envolvidos nessa área.

            O cientista Adib Jatene foi felicíssimo. Pecou porque estamos provando, Senador Aloysio, que não há falta de médico, o que há é uma precaríssima distribuição espacial desses médicos.

            Muito obrigado, Srªs e Srs. Senadores. Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/03/2011 - Página 8251