Discurso durante a 35ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários acerca do relatório publicado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef): Situação Mundial da Infância 2011. (como Líder)

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Comentários acerca do relatório publicado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef): Situação Mundial da Infância 2011. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 25/03/2011 - Página 8255
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • COMENTARIO, PUBLICAÇÃO, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), RELATORIO, DADOS, SITUAÇÃO, MUNDO, INFANCIA, ADOLESCENCIA, BRASIL.
  • NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, ADOÇÃO, POLITICA SOCIAL, SETOR PUBLICO, EXTINÇÃO, MORTALIDADE INFANTIL, DESNUTRIÇÃO, PAIS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Pedro Taques, que dirige os trabalhos da sessão neste momento, Srªs e Srs. Senadores, um assunto que deve preocupar a todos nós é a situação da infância e da adolescência em nosso País.

            O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) publica regularmente um relatório compilando dados nacionais e internacionais sobre esse assunto. A publicação Situação Mundial da Infância 2011 já se encontra disponível no site do Unicef, incluindo um caderno especial sobre o Brasil, cujos dados passo a comentar.

            A primeira grande constatação é que as políticas para a infância, cujo alvo, no caso brasileiro, vai de 0 a 11 anos de idade, estão caminhando relativamente bem. As estatísticas para essa faixa etária estão melhorando em termos de educação e saúde. Maior escolarização, tanto em cobertura quanto em permanência, menor mortalidade, maior cobertura de vacinas básicas; tudo, enfim, parece estar melhorando.

            É claro que, diante da gravidade do assunto, não basta apenas a melhora dos índices. O Brasil requer urgência urgentíssima, como dizemos aqui, para a universalização da educação, para a eliminação da mortalidade infantil, da desnutrição, de todas as mazelas, enfim, que ainda afligem os brasileiros.

            Além disso, ainda nos afeta a questão do desequilíbrio regional, o tão decantado e mencionado desequilíbrio regional que, sistematicamente, aponta índices um pouco piores para as Regiões Norte e Nordeste em relação ao restante do País. O mesmo acontece com a existência de “bolsões de pobreza”, como se fala, mesmo dentro de Estados com melhores resultados.

            A velocidade da resposta do Governo, neste caso, é essencial. O que se espera é uma melhora da condição de vida numa velocidade superior à melhora econômica geral. Isso sinalizaria não apenas uma distribuição melhor do resultado que o Brasil vem colhendo no campo econômico, mas também uma recuperação do passivo histórico que herdamos.

            Mas o Unicef alerta para um problema sério. Não é uma questão exclusivamente brasileira, mas tem efeitos mais notáveis em países em crescimento como o Brasil. Existe, por assim dizer, um “buraco” nas políticas públicas que impede que os bons resultados alcançados no trato com a infância produzam efeitos continuados na fase da adolescência, entendida por aqui entre os 12 e 18 anos incompletos.

            De fato, o relatório de 2011 trouxe, pela primeira vez, um foco maior sobre o adolescente no Brasil e no mundo, em vez da tradicional abordagem sobre as políticas voltadas para o público infantil na primeira década de vida.

            Do ponto de vista demográfico, a população adolescente no mundo vai continuar crescendo até aproximadamente a metade deste século. No caso brasileiro, estamos ultrapassando o pico de participação desta faixa etária. A população adolescente deve decrescer lentamente até o ano de 2020, acelerando-se a tendência a partir daí. No ano 2000, tínhamos aproximadamente 36 milhões de habitantes entre 10 e 19 anos, quantidade que caiu para 33,5 milhões no ano passado. Os número projetados são 32,5 milhões para 2020 e pouco mais de 22 milhões para 2050.

            Acontece que, neste momento, a questão da adolescência brasileira é muito crítica, segundo esse balanço, com alguns dados alarmantes.

            Do ponto de vista da saúde, os grandes problemas estão relacionados à gravidez indesejada e à propagação da Aids e de outras Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST). O destaque negativo vai para os dados sobre as meninas, que têm começado sua vida sexual cada vez mais cedo e usado menos métodos contraceptivos.

            As políticas para evitar a gravidez na adolescência brasileira estão fazendo pouco efeito. Existe uma discreta diminuição dos casos entre 15 e 19 anos, compensado por um aumento dos casos entre 10 e 14 anos, faixa etária na qual a lei trata a relação sexual como abuso. Dos quase 28.500 casos de partos de mães nesse segundo grupo, no ano de 2008, quase 15 mil foram registrados nas Regiões Norte e Nordeste, sendo que 38% dessas meninas tiveram pouco ou nenhum acompanhamento durante a gravidez.

            As complicações da gravidez e do parto na faixa etária entre 15 e 19 anos são a principal causa de morte de adolescentes do sexo feminino em todo o mundo. Imagine o quanto é aterrador para a faixa de idade imediatamente anterior.

            Em relação à Aids, o foco novamente recai sobre as meninas. Atualmente, para cada novo caso de contaminação de meninos, contamos com 1,5 caso de meninas. No mundo, em quatro das sete regiões, a média beira dois casos de meninas para cada caso novo entre meninos. A prevalência do HIV na população de jovens entre 17 e 20 anos saltou de 0,09% para 0,12%, com perfil do contaminado claramente associado à baixa escolaridade.

            O grande problema aqui é achar o tom correto para essas políticas públicas. O público adolescente brasileiro ainda é um mistério para as autoridades. Os dois casos, gravidez e Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), exigem abordagem específica nessa faixa etária.

            Infelizmente, ainda estamos tateando, ainda não encontramos a linguagem correta para que a mensagem seja ouvida e faça efeito entre os adolescentes. A adolescência, em todas as culturas do mundo, é uma fase de experimentação, mas é necessário que o conceito de risco desnecessário seja incutido mais claramente.

            Mais desafiadora é a questão da violência. Toda a redução da taxa de mortalidade infantil conseguida entre 1998 e 2008 representou aproximadamente salvar a vida de 26 mil crianças. O relatório do Unicef revela que, no mesmo período, 81 mil adolescentes brasileiros foram assassinados. No mundo como um todo, a principal causa de perdas de vida na adolescência está relacionada com o trânsito, responsável por um terço das mortes dos 15 aos 19 anos. No Brasil, os homicídios, com 40% do total de óbitos, representam mais do dobro das perdas por acidentes de trânsito, que também é alta, encostando nos 18%.

            É necessária a ressalva de que essa contagem é de vítimas da violência, não de jovens envolvidos em práticas violentas. O Unicef ressalta que uma parcela pequena de adolescentes desenvolvem hábitos negativos como uso de drogas ou envolvimento com a criminalidade. A imensa maioria evolui para a fase adulta de modo pacífico, quando não são vitimados por essa violência.

            A possibilidade de vir a ser vítima de homicídio é doze vezes maior entre os adolescentes do sexo masculino em relação ao restante da população. Isso realmente é um dado muito preocupante e merece uma reflexão profunda por parte das autoridades federais, estaduais e municipais. Para afrodescendentes e indígenas é quatro vezes maior em relação às outras etnias, segundo dados oficiais do Índice de Homicídios na Adolescência, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, também citados pelo Unicef.

            Completa o quadro o problema da educação desses adolescentes. No Brasil, um em cada sete adolescentes está fora da escola, um pouco melhor do que a média mundial, que é de um para cinco.

            Fizemos esforço no sentido de ampliar os recursos para a educação e incluir a educação média, específica para essa faixa etária, como parte da educação básica, mas ainda não colhemos bons resultados.

            A distorção entre idade e série é alarmante. Menos da metade dos adolescentes entre 14 e 17 anos estão no ensino médio, e apresentam média de 7,4 anos de estudo. O que significa que sequer terminaram o ensino fundamental.

            No mundo, a possibilidade de educação é negada principalmente às mulheres. No Brasil, essa tendência se inverte. As taxas de matrícula na educação média, por exemplo, mostram 85% de mulheres matriculadas contra 78% dos homens. Afetam a continuidade dos estudos principalmente as questões da necessidade de buscar emprego, para os meninos, e a gravidez precoce, para as meninas. Vinte e oito por cento dos abandonos femininos, em 2009, foram causados pela gravidez.

            Urge a discussão do tema da adolescência em nosso País, sob pena de perdermos uma geração para a violência e para a pobreza, um quadro de regressão social que anularia tudo que conseguimos no avanço do seguimento da infância. Talvez o dado mais alarmante é sabermos que 38% da população adolescente vive em situação de pobreza, superior à média nacional, que é de 29% de pessoas com renda familiar per capita de meio salário mínimo por mês.

            Precisamos encontrar esse caminho da comunicação com os jovens e políticas públicas específicas que realmente evitem o desastre que se anuncia. Devemos lembrar, sobretudo, que as diferenças regionais agravam os quadros negativos.

            Os 13 milhões de crianças e adolescentes do Nordeste e os 9 milhões do Norte do País sofrem mais intensamente o problema da miséria, do analfabetismo, das doenças sexualmente transmissíveis, da gravidez precoce, da exploração no trabalho e da violência doméstica.

            Sem o enfoque regional, grandes políticas nacionais estarão fadadas ao fracasso. Talvez não devamos nos esquecer de ouvir e levar em conta as vozes dos próprios adolescentes, lembrando que, a partir dos 16 anos, são eles eleitores capazes de influenciar nas escolhas políticas do País. Por que não deveriam ser ouvidos na elaboração de políticas públicas?

            Sr. Presidente, eu faço hoje este pronunciamento porque, até na recente visita do Presidente Barack Obama, ele disse que o Brasil não é mais o país do futuro, o Brasil é um país que já está, digamos, no presente, e com todas as vantagens que ele colocou.

            Mas esses dados do Unicef são realmente alarmantes. Se nós não cuidamos da nossa adolescência, que adultos vamos ter? Se não há uma política específica para cada região, a fim de que realmente possamos ter adolescentes sadios, escolarizados, protegidos, quais serão os adultos que vão comandar o País na próxima geração?

            Então, é realmente preocupante, e eu, como médico, fico muito alarmado com esses índices. E, confesso, pensei que fossem menos ruins. Mas, na verdade, são muito sérios, e eu espero que aí não só um ou outro ministério tenha essas políticas, mas tem que ser uma política de governo que envolva todos os ministérios, passando pelo Ministério da Saúde, da Educação, pelo Ministério da Justiça; enfim, todos. Deveria haver uma grande política nacional voltada para a adolescência, porque nós mostramos aqui, por esses dados do Unicef, que, na verdade, até que a política para a infância está boa; porém, a política para o adolescente está péssima, não está boa.

            Então, como se pode pular essa faixa etária e chegar a ser um cidadão ou uma cidadã útil para o País, se eles não têm as condições de escolaridade, de mínimo de pobreza possível e, sobretudo, uma boa atenção à saúde?

            Portanto, é o registro que eu faço. Já que nós estamos discutindo de fato as melhorias na inclusão de um modo geral, não se pode pensar em inclusão sem ter em conta esses dados que falam muito sobre a geração futura que vai comandar este País.

            Senador Pedro Taques, agradeço-o pela atenção e deixo aqui este registro lamentável, mas que merece ser debatido por esta Casa e pelas autoridades públicas.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/03/2011 - Página 8255