Discurso durante a 37ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões e propostas relativas á reforma eleitoral, ora em discussão no Congresso Nacional.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA. :
  • Reflexões e propostas relativas á reforma eleitoral, ora em discussão no Congresso Nacional.
Aparteantes
Ana Amélia.
Publicação
Publicação no DSF de 29/03/2011 - Página 8507
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • COMENTARIO, DEBATE, COMISSÃO, REFORMA POLITICA, REFORMULAÇÃO, SISTEMA ELEITORAL, JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, AUTORIA, ORADOR, MELHORIA, REPRESENTAÇÃO POLITICA, VALORIZAÇÃO, PARTIDO POLITICO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, a minha intenção hoje é trazer ao Plenário do Senado Federal algumas ideias sobre a reforma política que, na verdade, está sendo, no âmbito do Congresso, uma reforma eleitoral. A reforma política seria mais ampla.

            Polis é uma palavra grega que significa cidade, à qual se acrescenta o sufixo ico ou ica, da cidade. Administração da cidade e, por extensão, do Estado e da Nação, mas nós aqui estamos praticamente tratando apenas da reforma eleitoral.

            O fundamental é que, para o conceito moderno de democracia, o aperfeiçoamento que estamos pretendendo - uma vez que, em cada oportunidade, se afastam mais os eleitos das suas bases eleitorais, os representantes se afastam dos representados - é que se mantenha, na sua integridade absoluta, a liberdade das minorias.

            Otto Maria Carpeaux definia a democracia como o regime que fala pela voz das maiorias, mas se define pela sua essência; e a essência do processo democrático é a liberdade de as minorias se manifestarem e, pelo exercício da palavra, das idéias e do convencimento, virem de alguma forma a, em maioria, se transformarem também.

            A democracia surge nas cidades gregas. Era a democracia da ágora, a praça onde se reuniam os gregos para, de forma direta, decidirem sobre as questões de seu governo. No entanto, essa democracia grega, o governo do povo, não era tão democrática assim. Não se consagrava ainda o direito das minorias, direito conquistado ao longo dos tempos.

            Na democracia grega, 90% da população era excluída do processo decisório: os famosos metecos, que eram os estrangeiros, as mulheres, os escravos. Votavam os gregos nascidos na cidade e, dessa forma, a democracia tinha limites que acabaram sendo superados no prosseguimento do seu exercício, principalmente em Atenas na época de Péricles, onde se instituiu inclusive a remuneração para as pessoas que participavam da administração pública de forma a poder viabilizar, na administração, a participação dos mais pobres.

            A democracia grega avança, aperfeiçoa-se com o instituto da representação. As cidades aumentam, crescem e os problemas cotidianos da administração pública não podiam mais ser tratados na ágora, na praça, com o voto de todos os cidadãos. Então, estabelece-se uma representação quando determinados cidadãos eleitos falavam em nome de suas bases.

            O princípio representativo foi sendo viciado ao longo do tempo até que, no movimento sindical italiano, surge a figura do mandato imperativo, ou seja, os representantes eram eleitos para realizar determinado programa e, não realizando o programa, poderiam ser afastados pelas suas bases.

            Essa figura do mandato representativo era mediada no movimento sindical pela própria estrutura dos sindicatos.

            O mandato representativo na atualidade seria uma expressão da fidelidade partidária que, na verdade, existe em nossa legislação, mas não se conhece oportunidade em que, na realidade, tenha sido verdadeiramente exercida.

            Então, a democracia representativa é um avanço, mas vivemos hoje a grande contradição do afastamento dos representantes dos seus representados, o que coloca o nosso regime democrático em crise, havendo, portanto, a pressão para o seu aperfeiçoamento.

            Duas teses, hoje, dominam a discussão no Congresso Nacional. A tese da democracia representativa e indireta pela eleição em listas partidárias é uma despersonalização do processo político, em que os eleitores votariam apenas num programa partidário e os representantes estariam escolhidos pela estrutura de cada partido numa presumível eleição interna e democrática.

            Essa representação sem a individualização dos candidatos me faz pensar se seria possível uma França sem Napoleão, se a Revolução Cubana teria ocorrido sem o Che Guevara e o Fidel Castro, se a Revolução Russa de 1917 poderia ter havido sem Lênin, sem Stálin, sem Trotsky e outras conhecidas lideranças que marcaram presença na nossa história. É uma tentativa de personalização, em que, na verdade, os metecos da antiga democracia grega ressurgem e a estrutura partidária, extraordinariamente sensível a uma corrupção interna, domina o processo eleitoral.

            A outra tese é a tese do distritão. O distritão, na verdade, é o espaço de uma unidade federada, de um Estado e os partidos não teriam mais o voto proporcional, mas os candidatos escolhidos nas listas partidárias seriam eleitos conforme a sua votação. Parece que, dessa forma, se anuncia o fim da história, o fim das contradições entre as classes, os grupos econômicos, o domínio e predomínio do capital, pois apenas a popularidade de um candidato seria suficiente para fazê-lo representar o partido. É a construção de uma nova e enorme geração de metecos, os excluídos do processo grego de escolha.

            Imaginem, nesta segunda hipótese de distritão, do voto majoritário, que uma tendência política desapareceria quando representado por uma figura conhecida. Por exemplo, em Minas Gerais, Itamar Franco seria candidato a deputado federal. Ele representa toda uma tendência de dignidade no exercício do poder, de seriedade, de honradez, de defesa dos interesses nacionais. Itamar, candidato a deputado federal no sistema do distritão e do voto majoritário teria uma votação, acredito eu, absurda em Minas Gerais. Seria o titular de alguns milhões de votos, mas a representação da sua tendência estaria concentrada apenas na sua figura, seria apenas um deputado federal, e a drenagem de votos da tendência que representa faria com que pessoas que pensam igual a ele fossem excluídas do processo eleitoral, favorecendo exatamente os seus adversários. É a proposta do fim da história. É a despolitização absoluta do processo político. É o desejo da consolidação do statu quo. E, no quadro em que vivemos hoje, o domínio absoluto do capital, do capital vadio no governo do País. O fim da visão nacional.

            Temos a lista fechada, um reforço absoluto da estrutura partidária, abrindo caminho para a corrupção e o voto distrital, no âmbito do Estado, com eleição majoritária, sem a proporcionalidade que conhecemos hoje.

            A mim está parecendo que as duas propostas significam uma fantástica regressão na evolução da história da democracia, da ágora grega, ao conteúdo de garantia da liberdade das minorias, da moderna democracia em que vivemos.

            Apresentei uma proposta na Comissão de Reforma Política. O único voto que consegui foi o meu, e isso se configura com um paradoxo, difícil até para o reitor da Universidade de Salamanca, na época da Guerra Civil da Espanha, Miguel de Unamuno. Por que uma contradição? Porque, quando não estavam exacerbadas as opções pelo domínio do capital e pela vontade absoluta de uma estrutura partidária despersonalizada, que se me afigura com a glorificação da mediania e da mediocridade, o Senado raciocinava de forma diferente, tão diferente, Senadora Ana Amelia, que, quando fui Senador, logo depois de deixar o meu primeiro mandato no Governo do Paraná, apresentei essa proposta e ela foi, ao contrário do que aconteceu na Comissão de Reforma Política atual, aprovada no plenário do Senado da República à unanimidade. Agora, sequer foi considerada.

            A proposta que apresento se suporta nas ideias do nosso gênio da raça, o velho Guerreiro Ramos, que é a criação de um sistema que não torne obsoleto ou agrida de forma bruta o sistema anterior e que se afirme no seu exercício, substituindo o sistema antigo num processo de crescimento e de acertos.

            Proponho a valorização dos partidos, como quer o pessoal da lista partidária, mas apenas para a metade dos eleitos. Seria o voto programático, o voto da mudança, o voto da mesma natureza do voto majoritário, que elege um Governador de Estado, um Prefeito ou um Presidente da República, mas esse voto, que concentraria as possibilidades da proporcionalidade na obtenção e garantia das vagas, elegeria apenas a metade dos Parlamentares de cada partido. A outra metade seria objeto da consideração popular sobre uma lista aberta, também democraticamente construída numa eleição interna dos partidos. Mas, na votação dessa lista aberta, não contabilizaria o voto para a proporcionalidade dos eleitos por essa legenda. A proporcionalidade seria garantida pelo voto ideológico, pelo voto programático, pelo voto na lista fechada.

            Um determinado partido conseguiria, então, na contabilização da proporcionalidade no nosso sistema representativo, 50 vagas na Câmara Federal: 25 vagas para a chapa da lista partidária e 25 vagas, conforme o número de votos, para os candidatos da lista aberta e da votação nominal. Cada eleitor votaria duas vezes: um na legenda, no programa, na chapa partidária; o segundo voto, no candidato por ele escolhido, que poderia ser ou não do seu partido, abrindo-se, dessa forma, uma flexibilidade maior para o eleitor viabilizar a sua escolha.

            Aprovei por unanimidade essa proposta. Hoje, é desconsiderada, porque a impressão que me remanesce é de que temos jogadas imediatistas e partidárias ou o fim da história, a desideologização, o fim dos partidos e da possibilidade de mudança, no caminho do domínio do capital, quando um Banco Central pode ser presidido, de forma autônoma, por um Meirelles, que responde os seus esforços aos interesses do capital norte-americano ou do capital vadio do mundo inteiro, numa visão capitalista fechada, completa e antiquada do desenvolvimento econômico do planeta, um Adam Smith fora do contexto, sem a devida e necessária redução sociológica; ou a exacerbação da possibilidade de uma lista fechada que se beneficie, nas próximas eleições, do prestígio de um líder como Lula, por exemplo, mas sem a preocupação da sobrevivência do sistema democrático, da participação da população e da essência do conteúdo principal do sistema democrático, que é a viabilização da palavra e o exercício do direito das minorias.

            Eu acrescentaria ainda, Senadora Ana Amelia, a necessidade absoluta da informação, a mudança do sistema de comunicação, a quebra da espinha dos monopólios das grandes mídias concentradas em poucas mãos, absolutamente atreladas aos interesses do grande capital, muito pouco atreladas aos interesses da Nação e do povo brasileiro.

            E eu diria que, quando se fala também em financiamento público de campanha, esse deveria se dirigir fundamentalmente para espaços de comunicação, em vez de significar mão de dinheiro sob o comando de estruturas partidárias que já são useiras e vezeiras, na história do País e na nossa recente história de constituição de partidos, em desvio de recursos.

            Senadora Ana Amelia, com prazer, escutarei o seu aparte.

            A Srª Ana Amelia (Bloco/PP - RS) - Meu caro Senador Roberto Requião, presto atenção especialíssima à exposição do meu caro colega do Paraná, pela complexidade e pelo relevo deste tema que ocupa agora as atenções dos Senadores aqui na Casa, com a Comissão Especial presidida pelo Senador Francisco Dornelles, que, em 45 dias, terá o prazo para apresentar as suas propostas. Essa complexidade foi expressa na última reunião em que os votos foram divididos em relação ao sistema eleitoral, exatamente como V. Exª está agora apresentando. Pareceu-me um pouco contraditório, Senador Requião, que o senhor combata o voto em lista fechada, que eu também acho não é o que o Brasil precisa, porque hoje o senhor, como Líder do PMDB no seu Estado, o Paraná, tem muito mais votos do que seu Partido no Paraná; da mesma forma, o Presidente Lula é maior que seu Partido, o PT, e assim sucessivamente... Não podemos tirar essa característica, e concordo plenamente com o senhor. Mas, quando combate o voto majoritário, o chamado distritão, o senhor usa o mesmo argumento. Penso que o voto majoritário tem a vantagem, e aí foi a compreensão que entendi, em relação a representar a vontade expressa do eleitor. E vou lhe dar um exemplo prático, porque, desta forma, as pessoas entendem melhor para um debate tão complexo como este do sistema eleitoral. No Rio Grande do Sul, nas últimas eleições, a Deputada Luciana Genro, do PSOL, fez cerca de 130 mil votos e não veio para a Câmara Federal porque a aliança feita com o seu Partido não permitiu, pelo quociente eleitoral. Mas está aí um Deputado Federal com 18 mil votos. Houve a representação da vontade popular nesse processo? Eu creio que não, Senador Requião. Então, por isso, na minha avaliação, o voto majoritário ou distritão, como queiram, tem essa expressão da vontade popular. E não adianta no Brasil querermos... E também há complexidade, porque, pela proposta, que, até do ponto de vista democrático, parece conciliar a sua proposta de um voto pelo partido e um voto em aberto, o eleitor teria a liberdade de fazer essa escolha. Só serão dois votos; e, como teremos cinco para o eleitor votar, serão 10 escolhas no dia da eleição, a prevalecer a sua tese. Então, nesse ponto da representação da vontade popular, me parece de grande valor o voto majoritário para as eleições para Deputado Federal e Estadual.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Senadora, eu tento corrigir a distorção do candidato folclórico de protesto fazendo com que apenas a lista partidária seja receptora dos votos que figuram na proporcionalidade da eleição. Por exemplo, um candidato de protesto em São Paulo poderia ter 1,3 milhão, mas esses votos não contariam para o aumento da legenda partidária. Seriam individuais. Por outro lado, os votos no programa do partido ou na lista fechada incidiriam, esses sim, e somente esses, na possibilidade da ampliação.

            Agora, a eleição majoritária produz o efeito folclórico ao contrário, porque ela drena os votos de um candidato que tenha uma posição programática e filosófica muito clara. Ela elimina exatamente os seus iguais, os seus partidários, os participantes da mesma corrente política. E eu penso que, concentrando o voto proporcional na legenda, nós eliminaríamos esse processo.

            Agora, Senadora Ana Amelia, a perfeição nós não vamos conseguir, e seguramente a perfeição não é essa proposta do distritão do fim da história.

            Então, um Itamar Franco liquidaria toda a posição nacionalista em Minas Gerais, e os seus adversários se elegeriam em outros partidos com menos legenda.

            Mas V. Exª poderia dizer: “Mas coloca o candidato folclórico na lista”. Sim, mas o candidato folclórico nunca terá uma maioria de votos. Ele desmoraliza a lista. Ele poderia carrear para lista 1,3 milhão de votos, mas não carrearia os 11 milhões de votos que, por exemplo, o Aloysio teve em São Paulo como candidato ao Senado. E a lista, desta forma, estaria a salvo de tentativas espúrias de colocação de pessoas sem voto algum. E os Partidos não se incomodariam mais em colocar uma nominata enorme de candidatos sem nenhuma possibilidade eleitoral para somar à legenda, porque a legenda só seria somada com o voto programático e partidário.

            Eu acho que não é perfeita a minha proposta, mas a mim ela parece, nesse momento, muito mais adequada do que o fim da história com o voto majoritário e a desideologização da política.

            E o que mais me assusta é o voto distrital, que é a transformação do Congresso Nacional numa espécie de câmara de vereadores, porque aí a desideologização é absoluta. E nós teremos o candidato da creche, o candidato da escola, mas jamais teremos o candidato da mudança econômica, de uma proposta de educação, de uma política industrial, de uma política comercial. Não teremos mais candidatos com visões globais e nacionais.

            Essa também é uma tentativa que a gente assiste num momento em que o capital vai dominando a República, tendo o domínio do Banco Central.

            Eu vejo com alguma animação mudanças da Presidenta Dilma: tirou o Meirelles do Banco Central - e hoje o WikiLeaks revela a serviço de quem estava o Meirelles. Certamente, não era a serviço da Nação brasileira, não era a serviço dos interesses do País, mas se dispunha, ideologicamente, a estar a serviço do capital internacional.

            A Srª Ana Amelia (Bloco/PP - RS) - Senador Requião, permita-me. É o último questionamento que faço ao meu caro colega do Paraná, do PMDB, ex-Governador. V. Exª até citou que essa proposta que V. Exª havia feito foi aprovada nesta Casa, e agora ela teve, na Comissão Especial, o seu voto. Eu gostaria de saber de V. Exª, com essa experiência que tem, se acredita que nós teremos para as eleições de 2011 alguma mudança substancial nesse processo eleitoral, considerando que o Senado tem a sua Comissão Especial e a Câmara igualmente trabalha na mesma direção. Muito obrigada, Senador Roberto Requião.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Eu acredito, Senadora, que as coligações já vão desaparecer do processo político, o que já é uma assepsia razoável; é uma medida de saúde pública coletiva.

            Mas vejo o vezo, a tendência dos partidos de não pensarem em uma reforma eleitoral - política não é - para o Brasil, mas, sim, em uma reforma que os favoreça nas próximas eleições. E acho que o voto distrital, que é o voto da desideologização, do fim dos partidos, é o voto que se suporta no domínio do capital sobre o governo do País, por meio da condução do Banco Central, e na desinformação da Imprensa monopolizada. Muito ruim para quem quer mudanças e tem uma visão nacional.

            Presidente, agradeço a tolerância. Já excedi quatro minutos do tempo regular de vinte que me seria concedido. Agradeço à Presidência.

            Apresentei algumas ideias. Tenho utilizado muito a Internet para discutir questões do Senado da República. O meu endereço no Twitter é requiãopmdb, e eu gostaria de ter críticas e sugestões, que podem facilmente ser enviadas por esse meio de comunicação, via computadores.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/03/2011 - Página 8507