Discurso durante a 38ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reverência à memória do ex-Senador Mário Covas no transcurso do décimo aniversário de seu falecimento.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Reverência à memória do ex-Senador Mário Covas no transcurso do décimo aniversário de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/2011 - Página 8666
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DECENIO, ANIVERSARIO DE MORTE, MARIO COVAS, EX GOVERNADOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ELOGIO, BRAVURA, ETICA, DIGNIDADE, VIDA PUBLICA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, poucos na história política brasileira têm o seu nome lembrado tanto quanto Mário Covas. Eu procurei investigar os depoimentos sobre ele, nestes dez anos passados de sua partida.

            Ele prova que a unanimidade, nem sempre, é burra, como já disse alguém, tem tom afirmativo. Não encontrei exceções. Todos são enaltecedores de sua história. É assim que acontece com todos aqueles que pautam a vida pela coerência. A morte não modifica o que pensamos deles.

            Honestidade, verdade, interesse público, ética. São essas as palavras mais usadas por todos aqueles que conviveram com ele durante a sua vida pública. Mas, tem uma palavra, ou uma característica, que o diferenciava: a coragem. Ele era o contraponto de quem ainda imagina que a política é a arte do engano. Então, juntando o que mais se falou dele, eu diria que ele tinha coragem para defender a honestidade, a verdade, o interesse público e a ética. É essa a falta que ele nos faz hoje. Porque a honestidade, a verdade, o interesse público e a ética nunca se mostraram tão indefesos, como agora.

            Eu acho que, por mais singela que possa parecer, a melhor definição sobre o Covas foi dada pelo então tenente da Polícia Militar José Roberto de Oliveira, segurança do então governador de São Paulo que o acompanhou até a morte e que se manteve no seu posto até a viagem final, pelas ruas de São Paulo: “ele não era parente, mas a gente viveu como se fosse”. Acho que não teríamos mais nada a acrescentar sobre o ser humano Mário Covas: Ele não era parente, mas a gente conviveu com ele como se fosse.

            Poucos foram os que passaram por aqui e deixaram tamanha lembrança, como o Mário. A sua voz grave ainda faz eco por esses corredores. Cobrando-nos. Ele tinha uma personalidade tão forte, para o bem, que ele próprio não se faz esquecer. E, ao lembrá-lo, principalmente nos tempos de turbulência política, maior ainda a nossa saudade. O quanto ele nos faz falta.

            Eu não participei da Assembléia Constituinte, porque fui, à época, Governador do Rio Grande do Sul, mas lembro-me do que me diziam, quando alguém perguntava qual seria o resultado das votações sobre assuntos dos mais importantes para a população brasileira, era muito comum a resposta: “Impossível prever, porque o Covas ainda não subiu à Tribuna”. Sem ele, certamente, a nossa Constituição não seria tão “cidadã”.

            O que teria acontecido, então, quando explodiram na imprensa os caminhos tortuosos do Senado, se ele subisse a essa Tribuna? Que falta faz alguém com tamanha capacidade de convencimento, desde que para o bem!

            O Covas dizia que, “como engenheiro só sabia ler o que está escrito”. Diria eu que não só como engenheiro, mas, principalmente como homem público. Foram poucos na nossa história os que souberam ler com tamanha compreensão a realidade brasileira, como ele. A tradução mais que perfeita, não a versão de conveniência.

            Lembro-me de uma passagem dos últimos dias de São Francisco. Muito doente, antevendo a sua despedida do mundo dos vivos, o “santo dos pobres” manifestou o seu último desejo de ver a sua Assis. Seus olhos já não lhe permitiam ver, com nitidez, a cidade que ele tanto amou. Mas, a escuridão que lhe fora imposta pela doença foi iluminada pela luz de sua alma.

            Como também não me lembrar, então, de um dos últimos desejos de Mário Covas? No início de 2001, quando a doença já lhe tomava o corpo, também manifestou o desejo de ver, pela última vez, Bertioga. “Vamos à praia, pois é a última vez que eu vou vê-la”, ele disse.

            São Francisco viu a sua Assis e partiu. Mário Covas viu Bertioga e nos deixou. Mário Covas jamais deturpou o verdadeiro sentido da oração de São Francisco. O “dando que se recebe”, na sua prática, era o sentido mais que fiel da oração franciscana. A política não como uma troca de favores, mas a distribuição mais justa do necessário. 

            Quando ele era menino, dizia ao seu pai que tinha dois grandes sonhos: a de ser prefeito de sua cidade e presidente do Santos Futebol Clube. No futebol, o “Zuza”, como era o seu apelido, permaneceu como torcedor fanático. Na política, não foi prefeito de sua cidade, mas da capital. Foi governador de São Paulo, por duas vezes, Deputado Federal e Senador. Pena para o “Peixe” ele não ter sido o seu maior dirigente. Pena maior ainda para o Brasil, ele não ter sido presidente de toda a Nação.

            Mas, o “Peixe” lhe proporcionou, talvez, a maior de todas as suas alegrias. Foi lá, no Clube, que ele conheceu “Dona Lila”, a sua companheira de todos os momentos. Dizem as boas línguas que, depois disso, era somente à D. Lila que o Mário se rendia. As más línguas dizem que ele, até, “falava fino”. Brincadeira à parte, antes de sair de casa, ele passava por uma verdadeira “vistoria” da D. Lila, na escolha de suas roupas. Não era submissão. Era carinho.

            Se me perguntassem qual foi o seu momento de maior coragem, teria dificuldade de escolher. Quem sabe nas ruas, defendendo a liberdade e a democracia. Quem sabe nos palanques, quando a voz, ainda que grave, era calada. Quem sabe quando subiu à Tribuna, para defender o então Deputado Federal Márcio Moreira Alves, em um dos momentos mais tenebrosos da nossa história política.

            Suas palavras, naquele momento tão crítico, são auto-explicativas:

Como acreditar que as Forças Armadas brasileiras, que foram defender, em nome do povo brasileiro, em solo estrangeiro, a democracia, aqui no Brasil colocassem como imperativo de sua sobrevivência o sacrifício da liberdade e da democracia? Sou, senhor Presidente, por fundamentação e por índole, um homem que mentalmente crê. Creio no regime democrático, que não se confunde com a anarquia, mas que, em instante algum, possa rotular ou mascarar a tirania. Creio no Parlamento, ainda que com suas demasiadas fraquezas, que só desaparecerão se o sustentarmos livre, soberano e independente.

            Essa pode ser, portanto, a afirmação que melhor representa o Mário Covas, na sua incansável defesa da democracia. Quem sabe, hoje, vivendo a liberdade que herdamos da sua luta, pudéssemos acrescentar uma outra de suas frases, bem a propósito do nosso momento: “O problema fundamental é a impunidade, que criou um tipo de cultura. É preciso acabar com o ‘rouba, mas faz’. Quem não rouba, faz mais”.

            Que falta ele nos faz: o consolo é que ainda acreditamos que Deus sabe o que faz. Quem sabe, ao ouvir a sua voz grave, o Criador tenha, apenas, pedido um aparte. É por isso que os ideais de Mário Covas permanecem vivos. 

            Era o que eu tinha a dizer.as


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/2011 - Página 8666