Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da biografia do médico Jamil Haddad, destacando sua atuação não só na medicina, mas também no cenário político nacional.

Autor
Rodrigo Rollemberg (PSB - Partido Socialista Brasileiro/DF)
Nome completo: Rodrigo Sobral Rollemberg
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Registro da biografia do médico Jamil Haddad, destacando sua atuação não só na medicina, mas também no cenário político nacional.
Publicação
Publicação no DSF de 01/04/2011 - Página 8834
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, BIOGRAFIA, JAMIL HADDAD, SENADOR, CONTRIBUIÇÃO, CONSOLIDAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB).

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. RODRIGO ROLLEMBERG (Bloco/PSB - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, essa mídia de grande qualidade que completa 15 anos.

            O Brasil tem heróis pouco conhecidos e celebrados. Homens públicos que fizeram, com trabalho sério, talento e total dedicação ao Brasil, muito pelo País, mas que ainda não são reconhecidos como deveriam. Homens que pertencem à estirpe daqueles que colocam as suas vidas a serviço do próximo e da Nação, sem esperar as recompensas e as homenagens que motivam os que se movem pela mera vaidade e pelo raso oportunismo. Homens cuja marca indelével é muito maior do que sua fama.

            Pois bem, vim a esta tribuna falar sobre um deles: o grande brasileiro, humanista, socialista, Deputado, Senador, Ministro, médico e homem público, Jamil Haddad.

            No dia 2 de abril, Jamil Haddad estaria completando 85 anos. No entanto, ele faleceu em 11 de dezembro de 2009, deixando um vazio no Brasil, no nosso partido, o Partido Socialista Brasileiro, e em mim, pessoalmente.

            Tenho dito, e reafirmo agora nesta tribuna, que Jamil Haddad e Miguel Arraes foram as duas grandes influências que moldaram a minha visão de mundo e do Brasil e o meu compromisso de vida com o socialismo democrático e humanista. Eles são as duas grandes bússolas políticas que me mantêm no rumo correto da justiça social, do desenvolvimento com distribuição de renda, do socialismo democrático.

            Jamil Haddad, em especial, com quem tive a honra e o prazer de trabalhar aqui no Senado e de conviver ao longo de sua gestão no Ministério da Saúde, é um guia eterno, insubstituível, um exemplo de como um homem público deve agir para servir ao seu país.

            A sua trajetória pessoal e política é eloquente de seu compromisso com o socialismo, a democracia e o Brasil.

            Jamil nasceu no Rio de Janeiro em 2 de abril de 1926, estudou no Colégio Lafayette e, posteriormente, entrou na antiga Universidade do Brasil, atual Universidade do Rio de Janeiro, para estudar Medicina, uma profissão de quem quer investir na vida. Formou-se com especialização em ortopedia. Já naquela época, denotava preocupação em corrigir o que estava torto ou quebrado, em aliviar o sofrimento de seus semelhantes.

            Foi essa mesma preocupação humanista que o levou à política. Na universidade, participava do Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina, no qual se discutiam os rumos da Nação e a necessidade de se combater o Governo Vargas, à época, e a imensa desigualdade social existente no Brasil, que repercutia intensamente na saúde pública do País. Uma vez formado, passou a trabalhar no Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Empregados de Empresas de Carga, atendendo a uma clientela pobre, que era normalmente excluída de quaisquer serviços médicos. Mas, apesar do imenso empenho pessoal, o Dr. Jamil só podia atender a poucos, o que o frustrava.

            Como ele mesmo revelou, Senador Walter Pinheiro: “Eu era médico num consultório que atendia pacientes pobres e fiquei na ilusão de que, com a entrada na política, eu conseguiria melhorar a vida de um número maior de pessoas do que no atendimento médico isolado”.

            A sua entrada na política deu-se justamente no antigo PSB. Na época desta opção, 1953, os jovens, que à época combatiam Vargas, tinham praticamente apenas dois caminhos: entrar na UDN, uma agremiação política extremamente conservadora, ou ingressar no PCB, partido que era hegemônico na esquerda, em função da ascendência soviética. Jamil rejeitou tanto a opção conservadora, que só iria aguçar as desigualdades sociais, quanto a opção pelo PCB, em razão do “centralismo democrático” praticado por aquele partido, que colidia com as suas profundas convicções democráticas.

            Jamil Haddad escolheu, dessa forma, um terceiro caminho: o caminho do socialismo democrático e plural, da “Esquerda Democrática” concebida por João Mangabeira, posição que manteria com inegável coerência, ao longo de toda a sua vida política. Num País no qual ainda predominam, em algumas esferas políticas, o oportunismo fisiológico e as legendas de aluguel, tal coerência, assentada em princípios éticos sólidos, é algo realmente digno de mérito.

            No antigo PSB logo destacou-se por sua inteligência e coragem e, em 1962, elegeu-se Deputado Estadual pela primeira vez. Muito dedicado às causas dos trabalhadores e dos excluídos, conseguiu reeleger-se, sem sequer fazer campanha, já em plena ditadura. No entanto, dessa vez a sua legenda seria a do MDB, pois o Ato Institucional nº 2 havia extinguido a estrutura partidária da incipiente democracia brasileira. Já o Ato Institucional nº 5 (AI-5) cassou os direitos políticos de Jamil Haddad por dez anos, impondo lapso forçado a uma carreira extremamente promissora.

            Continuou, porém, a lutar por um Brasil democrático e igualitário em condições dificílimas, as quais só eram suportadas por aqueles que, como ele, tinham compromisso inquebrantável com o povo brasileiro, sua liberdade e seu bem-estar.

            Com o abrandamento do regime militar, a incipiente redemocratização do País e a subsequente anistia, pelas quais ele tanto se empenhou, abriu-se um novo espaço para as articulações políticas e para que Jamil Haddad voltasse a brilhar na política nacional. A volta do exílio de Leonel Brizola suscitou um convite para que os antigos integrantes do PSB integrassem no PDT a nova agremiação política de esquerda. Com isso, Jamil Haddad tornou-se Prefeito do Rio de Janeiro, em 1983, ainda nos estertores da ditadura.

            Apesar de grandes dificuldades econômicas, políticas e administrativas, Jamil Haddad conseguiu fazer uma curta porém exitosa administração. Entregou praticamente pronto o Sambódromo, que se tornou o novo templo do Carnaval brasileiro, barateou a merenda escolar, eliminando atravessadores, e contribuiu para dar início ao projeto do Cieps, uma revolução na educação brasileira.

            Com a volta da democracia plena ao Brasil, Jamil Haddad dedicou suas forças a refundar o PSB, tornando-se um dos seus principais artífices, junto a Antonio Houaiss, Roberto Amaral, Evandro Lins e Silva, Rubem Braga, Joel Silveira, Evaristo de Moraes Filho, entre tantos outros. Foi neste momento que tive a honra de ingressar no PSB e ser o responsável por acompanhar, no TSE, todo o processo de registro provisório e de registro definitivo do PSB.

            A bem da verdade, a história do PSB se confunde com a história de Jamil Haddad. Como bem destacou meu companheiro Márcio França, Deputado Federal pelo PSB por São Paulo:

Durante muito tempo, o PSB viveu por conta do Dr. Jamil. Era em seu gabinete que as pessoas viviam. Ele dava sustentação para todas elas. Então, a história do partido é um pouco da história de Jamil e isso tem que ser guardado para sempre. No começo da história do PSB, antes de Miguel Arraes, em especial, tudo era em função de Jamil. O mandato dele era um mandato do partido.

            De fato, foi no gabinete do Senador Jamil Haddad, no qual tive a honra de trabalhar, que foram dados os primeiros passos fundamentais para fazer do PSB aquilo que ele é hoje: um grande partido nacional, uma força política crescente capaz de proporcionar alternativa de poder para o Brasil.

            Lá, pude testemunhar o desprendimento do Dr. Jamil, sua sabedoria, seu compromisso de vida com o Brasil e seu povo, sua dedicação à causa do socialismo e da democracia, seu humanismo generoso, sempre pronto a ajudar, muitas vezes às custas de interesses pessoais. Lá, entendi a concepção que os antigos gregos tinham da política, no sentido de ser ela o mais nobre dos ofícios, pois é a que cuida do bem comum, do bem-estar de todos. Jamil Haddad personificava como ninguém esse elevado ideal grego do político realmente dedicado às causas maiores.

            No início da década de 90, já na condição de Deputado Federal, foi convidado pelo então Presidente Itamar Franco para assumir o Ministério da Saúde. Não poderia ter havido escolha melhor. Profundo conhecedor da saúde pública brasileira e com seu compromisso de vida com a oferta de serviços de saúde para toda a população, o Dr. Jamil Haddad fez uma gestão histórica e revolucionária à frente daquele Ministério. Em primeiro lugar, Jamil Haddad expandiu bastante o Sistema Único de Saúde, ainda incipiente na época, levando serviços que salvam vidas àqueles que estavam excluídos de qualquer assistência à saúde. Assim, na política, ele conseguiu...

(Interrupção do som.)

            O SR. RODRIGO ROLLEMBERG (Bloco/PSB - DF) - (...) realizar o antigo sonho do médico que atendia pacientes pobres em seu acanhado consultório.

             Mas a sua realização maior, a verdadeira epopeia, foi a da criação e implantação dos medicamentos genéricos no Brasil.

            Desde 1981, a Organização Mundial de Saúde vinha fazendo campanha para que os países implantassem os genéricos como forma de baratear os medicamentos essenciais à saúde pública. Em 1993, os genéricos já existiam há muito tempo em diversos países como Estados Unidos, França, Reino Unido e Itália. No Brasil, entretanto, a indústria farmacêutica ignorava o governo e fazia o que queria, aumentando os remédios de marca ao bel-prazer, com prejuízos enormes para a saúde pública. E os que ousavam criticar o cartel farmacêutico sofriam com campanhas violentíssimas.

            Jamil Haddad não se intimidou e resolveu enfrentar a questão. Como ele mesmo explicou:

Em 1991, o médico e Deputado Eduardo Jorge, na época, no PT de São Paulo, havia apresentado à Câmara Federal projeto propondo a fabricação dos genéricos no País. Em 1993, já no Ministério da Saúde, vi que o projeto continuava na gaveta da Câmara e, ao mesmo tempo, a Organização Mundial de Saúde nos solicitava a liberação dos genéricos. Consultei a assessoria jurídica do Ministério da Saúde que disse não haver necessidade de a autorização ser feita por lei. Podia ser por decreto. Eu o preparei e levei-o ao Presidente Itamar, que assinou junto comigo.

            Tal instrumento, o Decreto nº 793, de 5 de abril de 1993, foi o que realmente fundou a política de fabricação de genéricos no Brasil e revolucionou a saúde pública do País, salvando a vida de muitos cidadãos pobres.

            Otto Von Bismark, um profundo conhecedor da natureza humana, assim definiu um verdadeiro grande homem: “Um verdadeiro grande homem pode ser reconhecido por três sinais: generosidade na concepção, humanidade na execução e modéstia no sucesso”.

            Pois bem. Jamil Haddad tinha esses três sinais. Sempre pautou sua vida pessoal e política pela generosidade, pela humanidade e pela modéstia.

            Quero, neste momento, em nome de todos os socialistas brasileiros, homenagear o nosso querido e saudoso Jamil Haddad, Presidente de Honra do PSB.

            Viva Jamil Haddad, um grande homem brasileiro!

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/04/2011 - Página 8834