Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o que S.Exa. denominou de o "Golpe de Estado de primeiro de abril de 1964".

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Considerações sobre o que S.Exa. denominou de o "Golpe de Estado de primeiro de abril de 1964".
Publicação
Publicação no DSF de 01/04/2011 - Página 8866
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, CRIAÇÃO, SUBCOMISSÃO, DEBATE, VERDADE, ANALISE, PERIODO, DITADURA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente.

            Quero cumprimentar o Senador Cristovam, reiterando a importância do tema que ele trouxe aqui para a tribuna, porque se reportou à reforma das instituições republicanas da política e não simplesmente à reforma do sistema eleitoral. Oxalá, Senador Cristovam, que essas propostas do senhor nós possamos avançar aqui no Senado da República.

            Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, todos os que nos assistem pela TV Senado, nos ouvem pela Rádio Senado, eu confesso que fiquei na dúvida em utilizar a tribuna no dia hoje em relação ao tema que aqui vou trazer, tanto é que não trago aqui um discurso escrito. Fiz apenas meras anotações, porque fiquei na dúvida se a data de hoje para amanhã deveria ser uma data a ser lembrada ou a ser esquecida em definitivo da história brasileira.

            Confesso, Sr. Presidente, que optei pela primeira alternativa. A data do dia de hoje - na verdade, do dia de amanhã - é uma data que tem de ser lembrada. Tem de ser lembrada, não pode ser esquecida, porque essa data traz tristes recordações para o povo brasileiro. E as novas gerações devem lembrar que, em um período da nossa história, a ordem democrática foi rompida.

            E é por isso, Sr. Presidente, que utilizo a tribuna aqui para fazer alusão não ao dia de hoje - é balela tratar a data de hoje como a data do ocorrido em 1964. A data dos acontecimentos de 1964 é de fato a data de amanhã, dia 1º de abril. É que ficava um pouco na cara dizer que, no Dia da Mentira, 1º de abril, tinha havido, na verdade, um socorro à democracia. Ficava muito na cara, Sr. Presidente. E ficou mais claro isso para mim, eu reforcei essa convicção lendo, ainda há pouco, um livro sobre a história do Senado.

            Eu estava passando os olhos em alguns discursos da época do Golpe de Estado de 1º de abril de 1964, que, na data de hoje para amanhã, nessa madrugada, completará 47 anos. E vi que nos discursos ali proferidos, proferidos aqui nesta Casa, pelo Senador Auro de Moura Andrade, que, dessa cadeira onde o senhor está, presidia o Senado e concretizou o Golpe Civil-Militar de 1º de abril de 1964. O próprio Senador Auro de Moura Andrade tratava a data como 1º de abril. Discursos proferidos aqui pela oposição, pelas lideranças do Partido Trabalhista Brasileiro, que era o partido do então Presidente João Goulart e que aqui denunciava o caráter de ruptura da ordem democrática de 1946; e denunciava fazendo referência ao movimento de 1º de abril de 1964.

            Os acontecimentos dessa data, Sr. Presidente, ocorreram sob as alegações do combate à corrupção, à subversão e ao comunismo. Os acontecimentos de 1º abril de 1964 tiveram a participação de setores da elite nacional, tiveram a participação de políticos nacionais e, lamentavelmente, as Forças Armadas do Brasil acorreram ao chamado, em especial, naquele momento, das forças mais conservadoras da sociedade brasileira para interromper a ordem constitucional.

            É importante aqui, ao lembrar essa data, fazer uma referência aos antecedentes históricos disso. Lembremos que, em 1960, é eleita a chapa... Naquela época, a Constituição de 1946 permitia a eleição de Presidente da República de um partido e Vice-Presidente de outro partido, e ocorreu nas eleições de 1960 o inusitado: foi eleito Presidente da República o Sr. Jânio Quadros, da União Democrática Nacional, e eleito Vice-Presidente da República o candidato a Vice da chapa do Marechal Henrique Teixeira Lott, o Sr. João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro.

            Claramente, foram eleitos: um, a Presidente, de uma formulação política, a direita; e um outro, a Vice-Presidente, de uma outra formulação política, mais de centro-esquerda. E ocorre que, no encontro dessa chapa, como resultado dessa chapa, no dia 24 de agosto de 1961, o Presidente Jânio Quadros renuncia, e há a primeira crise para impedir a posse do Presidente João Goulart.

            Quero aqui, Sr. Presidente, resgatar o caráter democrata do Presidente João Goulart. O Presidente João Goulart foi tolerante, aliás, tolerante demais, com a tentativa de golpe entre os dias de agosto e de setembro de 1961. O Presidente João Goulart poderia - e teria ali a força política e militar necessária para isso - ter, de uma só medida, naquele momento, sepultado as intenções golpistas que já estavam demonstradas naquele período, entre agosto e setembro de 1961. O Presidente João Goulart não o fez. E, logo em seguida, aceitou, passivamente, a emenda do parlamentarismo para limitar os seus poderes de Presidente da República. Ato contínuo a isso, convocou o povo, em plebiscito, para derrubar o regime parlamentarista e ter restabelecido os seus poderes presidenciais.

            O Presidente João Goulart poderia ter convocado o povo para resistir aos acontecimentos de 1º de abril de 1964. Ele tinha apoio popular para isso. Ele havia anunciado, dias antes, em comício na Central do Brasil, as reformas de base que os movimentos sociais, que os movimentos populares reivindicavam naquele momento. Ele não o fez. E, para a História do Brasil, quero dizer aqui, talvez fosse melhor a decisão contrária; talvez fosse melhor o Sr. João Goulart ter, naquele momento histórico, atendido os clamores de Leonel Brizola e resistido ao golpe que foi impetrado no dia 1º de abril.

            Digo isso, Sr. Presidente, Srs. Senadores, porque a resistência, naquele momento, impediria que o Brasil tivesse os 20 anos mais tortuosos de sua história. Alguém há de se levantar e dizer: mas naquele período, notadamente nos anos 70, a economia brasileira cresceu, a economia foi pujante; em nenhum outro período teve o período de crescimento da economia brasileira que teve, em especial, entre 1970 e 1973.

            Primeiro, isso não é verdade. O crescimento de 1970 foi inferior ao crescimento do período do desenvolvimentismo dos anos JK, entre 1956 e 1960. E esse crescimento econômico ocorrido em 1970 acarretou a mais brutal e cruel concentração de renda da história brasileira. O Brasil se tornou um País mais desigual. O crescimento econômico dos anos 70 e a oportunidade histórica que o Brasil tinha de aproveitar aquele crescimento econômico para dividir a sua riqueza com o povo brasileiro não foram aproveitados. O crescimento econômico dos anos 70 acabou concentrando a riqueza em meia dúzia, fortalecendo a elite nacional e deixando o povo brasileiro mais pobre.

            Nós saímos dos 20 anos de ditadura, e o Brasil não conseguiu dar um salto definitivo de ser um mero exportador de manufaturas para ser uma grande Nação industrial. Nós saímos dos 20 anos de ditadura, e uma geração de brasileiros teve cassado o direito à palavra, teve cassado o direito à vida, uma geração de políticos brasileiros - e, aí, citar vários: Miguel Arraes, Honestino Guimarães, Mário Covas, José Serra, Aldo Arantes e tantos outros políticos do Brasil - tiveram seus direitos políticos cassados; foram obrigados a ir para o exílio.

            O Brasil perdeu uma oportunidade de ter uma democracia muito mais amadurecida, Sr. Presidente, nos anos que se perderam entre 1964 e 1984. Lembremos que o golpe de 1964 rompeu uma ordem constitucional democrática, a ordem constitucional sob a égide da Constituição de 1946. Lembremos que a Constituição de 1946, até então, havia sido a mais democrática de todas as Constituições brasileiras.

            É a Constituição de 1946, Sr. Presidente, que, pela primeira vez na história do País, introduz, no nosso ordenamento constitucional, por exemplo, a figura das Comissões Parlamentares de Inquérito. O poder do Legislativo naquele texto constitucional foi fortalecido.

            A ordem constitucional foi quebrada e, seguido ao golpe de 1964, tivemos repetidos atos institucionais que violaram a ordem constitucional de 1946. Por fim, tivemos o terrível e temido Ato Institucional nº 5, que cassou, em definitivo, todas as liberdades individuais, todas as liberdades coletivas do povo brasileiro.

            Mas esses anos de ditadura foram prósperos para criar, no interior da cidadania brasileira, o espírito de resistência, para criar entre os brasileiros a perspectiva, como diria o Ilustre Ulysses Guimarães, utilizando a tribuna da Câmara dos Deputados, citando Fernando Pessoa, afirmando que “navegar sempre é preciso, viver não é preciso”. Essa frase de Ulysses retrata um momento importante da resistência civil ao regime instalado em 1964.

            Nós tivemos a nossa transição política, Sr. Presidente, entre os anos de 85 e 89, consolidada com a promulgação do nosso Texto Constitucional, em 05 de outubro de 1988, e com as primeiras eleições diretas a Presidente da República em 1989. Só que aqui - é por isso que considero importante - eu poderia, reitero, esquecer essa data, como muitos estão esquecendo. Na verdade, esse é um período para ser esquecido da nossa história.

            Mas venho aqui para lembrá-la, em especial, porque temos chagas desse período que precisam ser curadas. Uma delas, Sr. Presidente, aqueles que perderam familiares, aqueles que perderam irmãos, aqueles que perderam pais nos porões da ditadura, aqueles que tiveram familiares torturados, os filhos, os netos dos que foram mortos no Araguaia, os filhos e parentes de Honestino Guimarães, os filhos e parentes de Rubens Paiva e de tantos outros necessitam ter o direito de saber o que aconteceu com seus entes queridos. E, ao mesmo tempo, é necessário se ter conhecimento de quais foram as dimensões das atrocidades cometidas pelo regime de 1964.

            Por isso, Sr. Presidente, falo isso para concluir, não irei me alongar, para concluirmos o processo de transição democrática, para terminarmos de vez os anos de ditadura, urge instalarmos neste País a Comissão da Verdade. Não falo de nenhuma novidade. Todos os países da América Latina que tiveram seus processos de redemocratização tiveram suas comissões de reconciliação. Nós precisamos e que oxalá tão logo tramite o projeto na Câmara dos Deputados, da Comissão da Verdade, venha ele para o Senado da República.

            Apresentei hoje, Sr. Presidente, um requerimento à Comissão de Direitos Humanos, propondo a criação de uma Subcomissão Especial, na Comissão de Direitos Humanos, para que debatamos o projeto da Comissão da Verdade e o votemos o quanto antes. Falando para concluir, considero a Comissão da Verdade o ponto final, necessário e indispensável para encerrarmos esta página da nossa história política. E para podermos cantar os belos versos da música de Chico Buarque, que tão bem celebra o fim da ditadura: “Num tempo/página infeliz da nossa história/passagem desbotada da memória/das nossas novas gerações”.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/04/2011 - Página 8866