Discurso durante a 40ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações a respeito de palestra proferida pelo ex-Subministro da Economia e Finanças da Itália, Sr. Mário Lettieri, durante encontro ocorrido no Paraná sobre a crise financeira internacional.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA INTERNACIONAL.:
  • Considerações a respeito de palestra proferida pelo ex-Subministro da Economia e Finanças da Itália, Sr. Mário Lettieri, durante encontro ocorrido no Paraná sobre a crise financeira internacional.
Publicação
Publicação no DSF de 02/04/2011 - Página 9199
Assunto
Outros > ECONOMIA INTERNACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, CONFERENCIA, AUTORIA, AUTORIDADE PUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, REALIZAÇÃO, ESTADO DO PARANA (PR), RELAÇÃO, DISCUSSÃO, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, ADVERTENCIA, NECESSIDADE, MODERNIZAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, CONTROLE, INTERVENÇÃO, ESTADO, ESPECULAÇÃO, MERCADO FINANCEIRO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Paulo Paim, Senador Walter Pinheiro, como disse já há alguns dias, eu transformei em DVDs o conjunto das palestras sobre a crise financeira internacional...

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Quero dizer ao público que V. Exª me deu uma cópia completa e insistiu para que eu assista, e eu estou assistindo.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Reduzi a DVD, com tradução simultânea, todas as palestras de economistas e sociólogos do mundo inteiro que estiveram no Paraná para discutir a crise internacional.

            Coloquei à disposição dos Srs. Senadores.

            Além disso, essas mesmas palestras, com tradução simultânea, estão na minha página, www.robertorequião.com.br, no capítulo dos vídeos, podendo, pois, ser também acessadas pela Internet.

            Nessa reunião do Paraná, entre os ilustres economistas que participaram, eu tive a presença do Subministro da Economia e Finanças do governo Romano Prodi, na Itália - um governo de centro-esquerda que ocorreu entre 2006 e 2008 -, Mário Lettieri. E o que eu pretendo fazer da tribuna hoje é uma exposição, por intermédio da TV Senado para o Senado, representado aqui pelo Senador Paim e pelo Senador Walter Pinheiro, porque estamos somente os três no plenário esta manhã.

            Segundo Lettieri, o primeiro consenso estabelecido pela crise foi a necessidade de fixar novas regras para o mercado financeiro. No entanto, dizia, seria um grave erro concentrar-se tão somente nas regras, deixando de lado a premência de se buscar um modelo econômico internacional mais justo e mais equilibrado, que combatesse a pobreza e as desigualdades.

            O ex-Ministro lamentava que temas como a pobreza houvessem desaparecido dos noticiários no período pré-crise, abandonados pela imprensa internacional, toda ela deslumbrada com o maravilhoso novo mundo neoliberal.

            A crise abria ao mundo uma ocasião especialíssima de mudança, alertava Mario Lettieri. E seria um grave erro desperdiçá-la, mesmo porque, insistia, não era possível admitir uma volta à situação anterior, que se caracterizava por uma ordem mundial profundamente assimétrica, desarmoniosa, com uma grande faixa de pobreza, com a depredação do meio ambiente, com contínuos e prolongados conflitos bélicos nacionais e regionais e com o excesso de consumo.

            A pobreza, a destruição do meio ambiente, as guerras locais, o consumo superando a produção são consequências de um sistema que já se tornou intolerável, perigoso para o conjunto da humanidade.

            Lettieri apontava ainda os efeitos destruidores da crise sobre a economia real, sobre o emprego, sobre os rendimentos das famílias; a perda de moradias, o abalo das empresas, a queda de qualidade de vida das pessoas.

            A especulação financeira foi implacável, selvagem, cruel, dizia o ex-Ministro italiano. Ela ignorou completamente as exigências do mundo produtivo, material; ignorou a economia real. Assim, em dezembro de 2007, somente os derivados contratados no mercado mundial chegavam a US$600 trilhões, uma cifra superior ao Produto Interno Bruto mundial, cinco vezes o Produto Interno Bruto da Europa e trinta vezes o Produto Interno Bruto do Mercosul. Seiscentos trilhões de dólares de fumaça, de capital vadio à busca de ganhos rápidos, fáceis; produto de uma diabólica engenharia financeira sem nenhuma referência na realidade econômica da produção.

            Essa insanidade, argumentava o ex-Ministro, deveria ter alertado governantes, economistas sensatos e a própria mídia, pois era mais que certo o advento de uma crise financeira global.

            Mário Lettieri lembrava que, em fevereiro de 2004, quando se deu a quebra da Parmalat, ele era Deputado e apresentou ao Parlamento italiano moção instando o governo a promover uma conferência internacional de chefes de estado, para que fossem adotadas medidas que controlassem o jogo do mercado e contivessem as bolhas especulativas.

            A quebra da Parmalat, que custou à empresa quatorze bilhões de euros, fora antecedida e sucedida pela quebra da Enron, do Fundo LCTM, pela esfumação dos bonds argentinos. Enfim, dizia o economista, os sinais de que se aproximava uma fortíssima crise do sistema bancário e financeiro eram extraordinariamente claros e precisos. Uma crise que superava os circuitos das bolsas e tocava profundamente o mundo da produção, a vida real das pessoas, suas economias e seus empregos. E os governos nada fizeram para evitar o desastre.

            Na crise da Parmalat, Senador Paim, indicava Lettieri, todos os elementos, que depois se tornariam clássicos na quebradeira norte-americana, já estavam presentes, como o pagamento de bônus abusivos aos executivos da empresa, a avaliação irresponsável das agências de risco e desatino do sistema bancário e dos especuladores.

            A insolvência de uma única empresa ou de um estado nacional, como a Argentina, já era suficiente para o estabelecimento de regras e restrições comuns no plano internacional. A Itália ou a Europa apenas não poderiam garantir esse controle. Ainda mais, registre-se, desde a era Reagan e o triunfo neocon nos Estados Unidos, a regra era o fim das regras, nada de regulações, nada de normas, especialmente regulações que disciplinassem o sistema bancário e financeiro.

            Se, àquela época, nos anos finais da década de 90 e primeira metade dos anos 2000, os claros avisos do desastre foram desprezados, Lettieri acreditava na inevitabilidade de o mundo, agora, adotar e compartilhar medidas eficazes para enquadrar as operações financeiras. Operações que ultrapassam as fronteiras nacionais, que poluem a economia real, que empobrecem países e vidas e que, frequentemente, violam os princípios da legalidade, recorrendo a paraísos fiscais, reciclando recursos provindos de atividades ilícitas.

            Com extrema facilidade, dada a absoluta ausência de limitações, as organizações criminosas deslocam seus capitais de um país para outro, de uma economia a outra, estabelecendo uma simbiose entre o crime e a especulação financeira.

            Ao mesmo tempo, ponderava o ex-Ministro italiano, é necessário dar-se conta dos limites das atuais instituições internacionais, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a própria OMC.

            Lettieri detinha-se no papel do Fundo Monetário Internacional, o patético papel do FMI, e propunha não apenas novas regras para o mercado financeiro como também instituições internacionais renovadas, que atuassem a favor da estabilidade financeira, do crescimento econômico e do desenvolvimento.

            Da mesma forma, Lettieri acreditava que soluções novas só teriam eficácia se houvesse mudança no comportamento dos Estados Unidos, de suas instituições financeiras e de seu governo.

            Ele lembrava que o Presidente Obama, no espocar da crise, dissera que essa crise era a mais grave da vida norte-americana. Ora, dizia Lettieri, era de se esperar, então, que o mais desenvolvido dos países começasse a ter consciência que seu déficit, que, nos últimos anos, saltara de US$5 trilhões para US$10 trilhões, não poderia continuar sendo descarregado sobre a economia de outros países.

            Os Estados nacionais, portanto, deveriam por limites, barreiras firmes ao financiamento selvagem e ao descontrole de suas contas. O crédito e a finança, dizia o economista, devem dar sustentação à economia real e não penalizá-la. O crédito, que sustenta e organiza a economia real, não pode ser sabotado, tumultuado pela especulação.

            No pós-guerra, relembrava Lettieri, quando tudo parecia possível, predominava a ideia do crescimento, da abolição do colonialismo, da superação da miséria e do subdesenvolvimento. A crise deveria empurrar os países, a própria humanidade de volta a esse espírito.

            Lettieri dizia que não colocava em questão o livre mercado, a necessidade de mais cultura de mercado. Mas, para ele, soava estranho que se reinventasse o papel do Estado. Pelo contrário, insistia, o caos financeiro, o desregramento especulativo, mostrava que era preciso mais Estado, maior intervenção política.

            O ex-Ministro de Romano Prodi revelava-se otimista, considerando inescapável que os países redefinissem os padrões para a atuação do mercado financeiro, estabelecendo limites bem claros para controlar os especuladores.

            No centro das novas escolhas internacionais não deverão estar os banqueiros e os financistas, e sim as pessoas, suas atividades, seus direitos, suas necessidades e seu discernimento. Se assim fosse, julgava Mário Lettieri, seria possível acreditar no ressurgimento de um novo New Deal, de um novo pacto.

            Desgraçadamente, nem tudo se deu como Lettieri imaginava que aconteceria. As salvaguardas para impedir a orgia financeira não foram adotadas. Depois de um primeiro impulso de intervenções e nacionalizações, os governos dos Estados Unidos e da Comunidade Europeia simplesmente recuaram. Não foi menos decepcionante a atuação do Brasil, da Rússia, da Índia e da China, o tal Bric, para frear a jogatina financeira. No plano do Mercosul, também nenhuma tomada de posição coletiva para controlar o capital vadio. O pânico dos primeiros dias parece substituído pela inércia, pela conivência com os responsáveis pela quebradeira que já custou mais de US$20 trilhões.

            O velho conselho lampedusiano, de se mexer em alguma coisa para que tudo reste como está, parece que se estabeleceu em torno dele um consenso.

            Por isso mesmo, os alertas de Mário Lettieri continuam tão atuais e candentes.

            Vamos ouvi-lo. Fiz aqui uma síntese da sua conferência. Os ouvintes da TV Senado podem acessar o texto integral na minha página da Internet; e os Senadores, se assim o desejarem, podem obter, em meu gabinete, um conjunto de DVDs com todas as palestras feitas no nosso encontro.

            Pretendo, lá pela próxima sexta-feira ou na segunda-feira da outra semana, subsequente a esta, trazer aqui ao Senado, um resumo também das ideias do economista inglês Magnus Ryner, que abrilhantou nosso encontro no Paraná.

            Senador Paim, quero continuar com esse debate e posso dizer neste momento que algumas pequenas e ainda tíbias medidas do Mantega, nosso Ministro da Fazenda, abrem um caminho para a esperança. Já escutamos o grito aflito dos donos do mercado financeiro. Isso significa que algumas medidas, embora tíbias, em favor da Nação estão sendo tomadas no Brasil.

            Obrigado, Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/04/2011 - Página 9199