Discurso durante a 40ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca do pronunciamento do Senador Randolfe Rodrigues sobre a postura do ex-Presidente João Goulart frente ao golpe militar de 1964.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Considerações acerca do pronunciamento do Senador Randolfe Rodrigues sobre a postura do ex-Presidente João Goulart frente ao golpe militar de 1964.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 02/04/2011 - Página 9209
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, PRONUNCIAMENTO, RANDOLFE RODRIGUES, SENADOR, ESTADO DO AMAPA (AP), ASSUNTO, ATUAÇÃO, JOÃO GOULART, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, RESISTENCIA, GOLPE DE ESTADO, REGIME MILITAR, DITADURA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O Sr. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, eu não falarei hoje, deixarei para uma outra oportunidade, sobre as solenidades de que eu participei com o nosso querido Vice-Presidente José Alencar, nas Minas Gerais.

            Mas venho a esta tribuna contra a vontade. Eu sou uma das pessoas que gostaram muito quando as Forças Armadas tiraram do calendário delas, principalmente o Exército, a data de 31 de março. A cada 31 de março tinha que ter uma nota oficial, e a gente tinha que vir do outro lado respondendo. O Exército tirou, e do lado de cá também tiramos. Acho que passou, a história passou.

            Não temos por que fazer homenagem. Felizmente - eu estou falando bobagem - fatalidade, os militares do golpe, lá se vão não sei quantos anos, morreram, a não ser um ou outro. A geração que está aí não tem nenhum comprometimento com aquelas coisas que aconteceram. Então, é bom que se esqueça e se caminhe para frente.

            Eu, por exemplo, sou a favor da comissão da verdade e a favor da Ministra dos Direitos Humanos, dentro daquele espírito: todo filho que até hoje não sabe onde estão os restos do seu pai torturado tem direito de saber o que aconteceu. Mas não por vindita, não por cobrar.

            Eu assisti na televisão ao ex-Presidente da República Argentina, já condenado, creio até que à prisão perpétua, respondendo a um outro processo, agora aquele referente aos filhos dos torturados, dos desaparecidos, que eram entregues a militares para que os criassem. Até crianças órfãs, cujos pais foram mortos, desapareceram, os militares criaram como filho.

            A televisão mostrou uma fase do julgamento com depoimento, e lá se viu o ex-Presidente da República algemado, noventa e tantos anos, respondendo a processo. Eu não estou querendo isso, até porque não há mais ninguém. No Brasil, dos autores, não sobrou ninguém. Então, eu não estou pedindo isso. E a verdade não significa querer cobrar de ninguém.

            Tem um Senador aqui, Randolfe Rodrigues, do PSOL do Amapá. É um rapaz extraordinário! Desde o seu primeiro pronunciamento, eu disse para ele: olha, rapaz, você vai longe. A cultura, o conhecimento, a capacidade, a liderança, a seriedade, a profundidade. Lançou-se candidato a Presidente para marcar posição, porque a eleição já estava terminando, já não tinha o que... Mas o seu pronunciamento foi de uma plataforma que parecia a de um Senador de 70 anos que estava aqui há 20 anos. É um belo rapaz.

            E ele falou aqui ontem. E o carinho que eu tenho por ele é tão grande, que, a pretexto do pronunciamento dele, eu venho falar. Ele é um jovem. Não sei nem se estava vivo em 1964, se já havia nascido. Não sei.

            Mas então ele disse, em seu pronunciamento, que tenho aqui, que Jango deveria ter resistido ao golpe militar. Teria sido melhor para a história do Brasil, se o ex-Presidente João Goulart tivesse resistido ao golpe de 1964.

            Na avaliação de Randolfe Rodrigues:

Se Jango tivesse lutado contra a implantação da ditadura militar, atendendo aos clamores de Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, e quem liderou o que ficou conhecido como a cadeia da liberdade, isso impediria que o Brasil tivesse vinte anos tortuosos na sua história.

            Meu querido Randolfe, falo para ti, que podia ser meu neto, como quem viveu exatamente aqueles momentos, participando deles. Em primeiro lugar, são dois momentos. O da legalidade, ao que você se refere, um grande momento, quando Jânio Quadros renunciou à Presidência da República, e o Vice-Presidente João Goulart estava na China, numa missão oficial. E os militares criaram uma junta militar, deram posse para o Mazzille, e não quiseram deixar o Jango assumir. Foi aí que o Brizola, na época governador do Rio Grande do Sul, fez o grande movimento que foi a cadeia da legalidade.

            E aquele movimento que começou no Rio Grande do Sul, com o Brizola assumindo o comando de uma rádio, a Rádio Guaíba, fazendo palestras que passaram a ser transmitidas para o Brasil inteiro, aquele movimento foi crescendo, crescendo, crescendo, e, de repente, o Jango veio pelo Uruguai a Porto Alegre e, numa crise de condições imprevisíveis, aqui nesta sala, neste Senado, de madrugada, criou-se o parlamentarismo, com o qual o João Goulart concordou.

            João Goulart abriu parte dos seus direitos, passando a ser Chefe de Estado, e o Primeiro Ministro que ele indicou, a figura de Tancredo Neves, passou a ser chefe de governo. Uma das páginas bonitas da nossa história, uma atuação importante deste Congresso Nacional. O golpe foi evitado.

            Este, meu querido Senador Randolfe, foi um momento, 1961. O João Goulart assumiu como presidente parlamentarista, estava fazendo um grande governo. Tancredo Neves, como Primeiro Ministro, estava tendo uma atuação muito importante, quando Juscelino, ex-presidente que já estava na campanha JK-65 - era a data da eleição - e Carlos Lacerda, que também era candidato da UDN, praticamente se uniram e terminaram derrubando o parlamentarismo. No momento em que Tancredo Neves, Primeiro-Ministro, numa eleição para deputado, quis se candidatar a deputado, eles criaram uma norma: ministro, para ser candidato a deputado, tinha que renunciar ao ministério. Tancredo era Primeiro-Ministro. Claro que, hoje, no Brasil, cujo regime é presidencialista, qualquer Ministro que queira ser candidato a Deputado tem que renunciar ao ministério; mas não no regime parlamentarista. No regime parlamentarista, o Primeiro-Ministro é Deputado, e o normal é que ele continue Deputado, disputando a candidatura. Mas eles queriam derrubar o Tancredo, porque o Tancredo era muito forte.

            Aí, caiu o parlamentarismo, e, desde aquele momento, começou-se uma caminhada para o golpe, para derrubar João Goulart. E esse golpe foi crescendo, foi crescendo. Os jornais e as televisões da época; a Igreja, com as caminhadas com Deus, pátria e família; toda a indústria nacional, todas as rádios, jornais e televisões caminhavam na direção de um golpe.

            Meu querido Senador Randolfe, se o Jango cometeu erro, foi o de que as esquerdas, na época, começaram a radicalizar. No célebre almoço na Cinelândia, no clube dos sargentos, onde o Presidente da República queria que chamassem os generais de quatro estrelas, o Presidente fez uma reunião com os sargentos do Brasil inteiro, que foi considerada uma afronta para o Exército - e, cá entre nós, uma situação ridícula! Por que um Presidente da República tem que se reunir com os sargentos?! Houve um comício do dia 13 de março, em que Brizola e líderes sindicais começaram a empurrar, a exigir, exigir, exigir... E aquele foi um discurso dramático, que originou a implantação de parte das reformas de base: desapropriaram-se as terras ao largo das estradas federais, e houve mais uma série de medidas, que levaram à explosão.

            No dia 31 de março, o General Mourão, de Juiz de Fora, inicia um movimento que ninguém levou a sério; uma caminhada rumo ao Rio de Janeiro para derrubar João Goulart, iniciando-se o golpe que era previsto para mais tarde. Jango estava no Rio de Janeiro. Houve um movimento enorme no sentido de se saber o que fazer.

            Até hoje é célebre: Jango tinha um grande amigo, que era o General Kruel, gaúcho, Comandante do II Exército, que tinha sido seu Ministro do Exército - à época, Ministro da Guerra. Quando Jango falou com ele para que endereçasse suas tropas rumo a Juiz de Fora, que liquidaria, em 24 horas, a resistência do General Mourão, o General Kruel exigiu uma nota oficial do Presidente João Goulart, rompendo com o Partido Comunista e eliminando algumas figuras do governo.

            Dez anos atrás, em 1954, Jango foi vítima de um manifesto de coronéis, quando ele, Ministro do Trabalho, foi demitido, por ter aumentado o salário mínimo, para garantir que não se desse o golpe no Dr. Getúlio. E o golpe saiu de qualquer jeito! Jânio não aceitou lançar esse manifesto, e Kruel pegou suas tropas e, em vez de ir em direção a Minas Gerais, em vez de ir em direção a Juiz de Fora, veio em direção ao Rio de Janeiro. João Goulart veio a Brasília e, de Brasília, foi a Porto Alegre.

            Estávamos na madrugada. Jango, imediatamente, demitiu o comandante do III Exército, e o novo comandante do III Exército hipotecou solidariedade total ao Presidente João Goulart. Era quase madrugada quando o general chegou ao aeroporto. Estávamos todos tremendo de frio, inclusive o general, comandante do III Exército, esperando João Goulart, Presidente da República, que, em vez de se dirigir a Brasília, do Rio de Janeiro, veio a Porto Alegre para fazer a resistência. Dali, fomos para a casa do comandante do III Exército. O comandante do III Exército, Brizola - meu querido Randolfe, nessa época, ele não era mais Governador; ele era Deputado Federal - e nosso grupo todo, que representava o trabalhismo naquele momento.

            Foi uma noite trágica. Em primeiro lugar, as informações que chegavam do interior é que Santa Maria - a maioria das repartições federais - estava aderindo ao golpe. Não eram solidários ao comandante do III Exército, em solidariedade a João Goulart.

            O comandante do III Exército foi uma figura positiva, enérgica. E Brizola, realmente, queria resistir; queria que Jango nomeasse ele, Brizola, Ministro da Fazenda, e o comandante do III Exército, Ministro da Guerra. E eles viriam em direção a Brasília, como havia acontecido na legalidade.

            O comandante do III Exército, os militares e os Ministros, solidários com Jango, fizeram um longo levantamento e viram que, àquela altura, pelo Brasil afora, inclusive no Rio Grande do Sul, as tropas fiéis e solidárias a João Goulart na Presidência eram minoritárias. E, em meio às discussões, vinha a informação do serviço secreto de que a Sexta Frota americana já estava na fronteira, na divisa do mar territorial, esperando o momento para participar e, se houvesse luta, eles entrariam. Estavam preparados para isso. Foi em meio a isso, meu jovem Randolfe, que o João Goulart não resistiu.

            Eu estava ali e participei de todo o movimento; eu, ainda Deputado Estadual, jovem, guri. Havia saído da UNE para ser Deputado, sonhador, esperando mil coisas. Eu havia vibrado com a Campanha da Legalidade quando, de repente e não mais do que de repente, o Jânio renuncia. E nós havíamos levado uma derrota vergonhosa com o Jânio Quadros - o Lott nem se levantara do chão - e, de repente, o Jânio renuncia. O Brasil apoia, entusiasmado, a legalidade e Jango é Presidente da República. Em 1964, tudo ao contrário. Nós, com a Presidência da República na mão, nós com o poder na mão e, de repente, não mais do que de repente, aconteciam essas coisas.

            Aqui, nesta sala, o Presidente do Senado decreta vaga a Presidência da República, dizendo que o Presidente João Goulart havia se afastado de Brasília, estava no exterior, em lugar incerto e não sabido. O Senador Tancredo Neves, aos berros, chamava-o de mentiroso, dizendo: “Ele está, neste momento, em Porto Alegre, na casa do Comandante do III Exército, que ele nomeou Ministro da Guerra, e , se o senhor quiser, no prazo de três horas, ele chega aqui”.

            Aquele Presidente do Senado, um paulista de triste memória, de várias passagens iguais a esta, decretou vaga a Presidência da República e empossou o Presidente, quando o Presidente estava na casa do Comandante do III Exército, Ministro da Guerra, nomeado pelo Jango. Isso aconteceu!

            Eu fico a pensar: se tudo deu tão certo em 1961, quando as situações eram as mais adversas: o Presidente era o Jânio, que renuncia; o Jango, Vice-Presidente, estava lá na China; o Mazzilli assume a Presidência da República; no meio, uma junta militar com todo o poder, com toda a força. Parecia que não havia mais saída, não havia mais o que fazer, e um movimento meio romântico do Sr. Brizola derruba tudo, e sem derramamento de sangue, sem coisa nenhuma, salvou-se a democracia. E, três anos depois, nós, com a Presidência da República nas mãos, com as forças nas nossas mãos, um movimentozinho idiota do General Mourão, uma pessoa muito acanhada na sua capacidade, por uma falta de entendimento, que a história não vai perdoar, entre João Goulart e o General Kruel, Comandante do II Exército, deu no que deu.

            Olha, meu irmão Randolfe, meu filho Randolfe, tu tens razão! Que bom se nós pudéssemos ter resistido a 1964 e esses 20 anos não tivessem acontecido. Mas não dá para ficar na história a tese de que João Goulart fugiu. Não! João Goulart, a rigor, repetiu Getúlio Vargas: dez anos antes podia fazer uma guerra, uma guerra civil, uma luta de consequências imprevisíveis e resistir. Foi quando o Ministro da Guerra, já no golpismo, comprometido com as forças que queriam impor o golpe, comunicava, na reunião de madrugada do Ministério de Getúlio: “Não. Os militares não aceitam licença; só a renúncia”. E Getúlio disse: “Quer dizer que eu estou deposto?” Foi nesse momento que Tancredo, Ministro da Justiça de Getúlio Vargas, disse: “Presidente, nomeie-me Ministro do Exército” - à época Ministro da Guerra -, “nomeie-me Ministro da Guerra! Eu ponho na cadeia todos esses golpistas”. Disse isso na cara do Ministro da Guerra, que estava ali e que era golpista. “Eu prendo esses golpistas e termino isso”. Getúlio, abatido, já com a carta suicida pronta, o revólver engatilhado -“Não aceito” -, dá sua caneta de presente a Tancredo e comete suicídio. Ato de covardia? Não. Eu discuto isso até na religião. Nossa Igreja diz que ninguém pode se suicidar. É um pecado que marca a alma de quem se mata. Mas ali foi diferente. Ali, Getúlio cometeu um ato para evitar um derramamento de sangue, uma guerra de conclusões imprevisíveis. Com João Goulart, seu discípulo, dez anos depois, foi a mesma coisa. Foi a mesma coisa!

            Aliás, a Comissão da Verdade, que está sendo feita, pode fazer muita coisa além de descobrir o que é violento, injusto, os corpos desaparecidos, recompor a história de tantos que até hoje não se conhece. Precisa recompor, perante a história, a figura do Dr. João Goulart. A imprensa da época, meu querido Cristovam, foi muito cruel. O Estadão, O Globo, o Correio da Manhã eram capas inteiras. Uma das questões que eles falavam e que eles contavam era que João Goulart era o homem que tinha a maior extensão de terras do mundo, que a cada mês ele comprava uma fazenda. O jornal The New York Times publicou páginas e páginas contando isso, e O Estadão, em São Paulo, e o Correio do Povo, em Porto Alegre, reproduziram isso.

            João Goulart nos chamou a Montevidéu. Eu e seu primo-irmão, Marcílio Goulart Loureiro, também deputado, fomos com ele ao cartório de notas de Montevidéu, e o Presidente João Goulart dava uma procuração, em causa própria, ao presidente da revista Time Life, autorizando a venda por U$1,00 de cada fazenda que tivesse registro desde o momento em que ele havia chegado no Governo. Por um dólar ele vendia cada uma das fazendas!

            Viemos aqui; fiz um pronunciamento na Assembleia Legislativa. Conta a história - e não se sabe o porquê - que nem nos Anais apareceu. Fomos ao Correio do Povo, fomos ao Correio da Manhã, fomos ao jornal O Estado de S. Paulo, e ninguém publicou uma linha. Ninguém publicou uma linha!

            Quando foi feito o inventário do Sr. João Goulart, ele tinha muito menos, muito menos propriedades de terras do que quando ele assumiu a Presidência da República. Ele foi crescer quando, no exílio, ele se dedicou à plantação e à criação. Fora da Presidência da República, com a ditadura atrás dele querendo matá-lo, é que ele comprou terras no Paraguai, na Argentina e no Uruguai. É por isso que eu me sinto na obrigação de vir aqui.

            Que bom que esse 31 de março passou sem ser notado! Não teve aquela nota oficial do Exército. Que bom! E não teve resposta também. Nem eu estou dando resposta. Não estou nesta tribuna... Não fora essa obrigação que tenho com relação ao meu querido Senador Randolfe, eu nem assomaria à tribuna. Estou subindo à tribuna mais em homenagem à figura do Dr. João Goulart, à sua moral, à sua dignidade, do que para fazer acusação às coisas que já passaram.

            É por isso que, neste 31 de março, quando nós estávamos no Palácio, em Minas Gerais, levando a nossa homenagem ao ex-Vice-Presidente por sua morte, comentamos que era muito triste estarmos enterrando o Vice-Presidente; mas o interessante é que, embora fosse um 31 de março triste, não tinha nenhuma nota, não tinha nenhuma manifestação. O 31 de março já é história, já é passado. Que bom que assim é!

            Obrigado, Presidente.

 

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Meus cumprimentos, Senador Pedro Simon.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador Simon...

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - V. Exª me permite?

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Pois não. A Mesa retorna a palavra ao Senador Pedro Simon, que concedeu o aparte ao Senador Cristovam Buarque.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador Pedro Simon, não pedi o aparte antes porque queria que o seu discurso fluísse até o fim sem o senhor precisar interrompê-lo; entretanto, não queria deixar passar esse discurso sem uma consideração ou até mais de uma. A primeira é que, creio, essa sua reflexão, essa reminiscência deveria ser impressa e distribuída nas escolas do Brasil. Primeiro, porque a história desse período ainda não está bem contada. Salvo raros livros, a visão que se tem de João Goulart, do golpe militar, nos livros que estão por aí, salvo alguns livros, não é exatamente o que deveríamos colocar. A figura do João Goulart, por exemplo, não é muito diferente da figura do Allende. Talvez pelo fato de que Allende ficou ali, resistiu e morreu, como Getúlio Vargas, hoje se sabe que foi assim, isso tenha lhe dado o martírio, e o martírio engrandece muito qualquer político. Mas na vida, no dia a dia, nas tentativas do João Goulart, não era diferente. Dois estadistas comprometidos com a democracia. Se João Goulart quisesse dar um golpe, ele teria dado em algum momento daquele seu período. Ele poderia ter tido um Ministro da Guerra que desse um golpe a favor dele. Ele não quis isso; ele negociou, negociou, negociou. Aceitou perder o poder do regime presidencialista para aceitar um parlamentarismo. Ele fez tudo que era preciso. O golpe, na verdade, foi fruto da desconfiança norte-americana, aliada às elites brasileiras, para que o Brasil ficasse sob a tutela de um pensamento que, naquele momento e nos anos seguintes, dominou toda a América Latina. Logo depois veio o Chile, veio a Argentina - e ontem foi condenado à prisão perpétua, na Argentina, um dos generais que deram o golpe. Então, ele tentou tudo. Houve, sim, uma estratégia mundial para que aquele golpe ocorresse. Agora, não podemos negar - e aí a sua comparação com 61 é tão importante - que a população brasileira estava cansada de algumas coisas: uma delas era a inflação; a outra delas era o clima de que parecia não haver uma ordem estabelecida. Eu, nesse sentido, ponho que alguns grupos de esquerda foram tão responsáveis pelo golpe quanto os golpistas da direita. Inclusive por contestarem o poder do próprio João Goulart; inclusive por não darem apoio a João Goulart; inclusive por não entenderem os limites do possível numa democracia. Mas o fato é que terminou aquilo acontecendo. O senhor traz aqui suas reminiscências com fatos que parecem menores, mas que, na história, são de uma grandeza imensa, como esse de oferecer todas as suas terras, para mostrar que elas não existiam, salvo o que ele já tinha recebido de herança ou comprado antes de ser Presidente da República. Então, seu discurso é muito oportuno. e deveríamos distribuí-lo para todas as escolas brasileiras. Ao mesmo tempo, eu quero aproveitar para falar que um discurso como o seu é importante; ainda mais será, e eu espero que aconteça, quando tivermos a Comissão da Verdade trabalhando e, se possível, trabalhando em cadeia nacional de televisão, ouvindo cada um daqueles que participaram da luta, inclusive ouvindo aqueles da esquerda que fizeram parte da luta armada. E eu garanto que eles virão sem envergonhamento. Essa Comissão da Verdade é uma condição necessária, inclusive, da reforma política. A reforma política não estará completa enquanto não conhecermos a nossa história. A África fez, o Chile fez, os países todos fizeram. E eu não estou propondo romper com a anistia. A anistia foi um pacto feito naquele momento para acabar com o regime militar, e os pactos devem ser cumpridos. Mas anistia não é sinônimo de amnésia. Anistia é um gesto de grandeza; amnésia é um gesto de falta de respeito à pátria. Eu vejo alguns dizerem que o Exército é contra apurar tudo o que aconteceu. Veja bem; qualquer um de nós tem a obrigação de ser patriota. O militar tem, além da obrigação, o dever fundamental de ser patriota. Ninguém é patriota sem conhecer sua história e ninguém é patriota se esconde a verdade da história. Por isso, eu prefiro acreditar que o Exército Brasileiro de hoje quer, sim, a verdade sobre os dois lados, porque também apurar a verdade só para um lado não é a verdade plena. Então, a Comissão da Verdade é uma condição necessária para que a gente saiba tudo que aconteceu no período posterior ao 1º de abril de 1964. Para o período anterior, a gente precisa de outras falas como as suas, outros estudos dos historiadores e biografias muito bem feitas sobre quem foi João Goulart e aqueles que estavam ao redor dele, como Darcy Ribeiro, Leonel Brizola, o senhor próprio. Essa história tem que ser contada e ainda recontada, para que o Brasil saiba o que aconteceu naquele trágico dia de 1º de abril. Se o Brasil não tivesse passado por aqueles 21 anos de ditadura, nós teríamos uma sociedade muito melhor, basta observar o que aconteceu nos últimos 20 anos de democracia. Eu sou crítico dos avanços que não fizemos, mas nós fizemos muitos avanços que teriam sido certamente difíceis sob uma tutela militar, sobretudo a serviço ou vinculada muito estreitamente a interesses de estratégia mundial, como foi o regime implantado no Brasil depois de 1964. Parabéns pelo seu discurso e ainda bem que nós temos pessoas aqui para lembrar o que aconteceu naquele momento e trazer de volta a figura de João Goulart.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - Eu agradeço muito a V. Exª. Seu aparte veio ilustrar muito meu pronunciamento e a análise que V. Exª faz é absolutamente perfeita.

            Com relação à Comissão da Verdade, eu acho que se chegou a um entendimento, a uma média de pensamento em que o que se quer é a verdade, não é a vindita, não é o ódio, não é colocar no banco dos réus quem quer que seja. É só saber a verdade. É aquilo que eu já disse desta tribuna várias vezes e digo novamente. Eu já li vários livros mostrando como é doloroso uma mãe não poder enterrar seu filho porque não encontrou o corpo para enterrar, ou um filho não poder enterrar seu pai porque não sabe onde ele está. É interessante que faz parte da mística. Eu tenho o meu filho, tu tens o teu pai. Ficou doente, morreu. Morrendo, é velado e enterrado. Prestamos o carinho e voltamos para casa.

            Quantas mães me dizem que acordam à noite porque acham que ele vai bater na porta. Isso não pode continuar. Não tem lógica essas coisas acontecerem. Buscar a verdade é buscar a verdade. As pessoas até já morreram, ninguém quer saber dessa coisa toda, apenas buscar a verdade.

            Veja a diferença entre nós e a Argentina: na Argentina, até o então Presidente está na cadeia. Pegaram cadeia, foram condenados. No Brasil, não aconteceu nada. Nada! Absolutamente nada!

            O mínimo é querer a verdade. E acho que, quanto a isso, o Governo agiu bem. O Lula agiu bem. E é bonita a ação da Presidente Dilma, porque ela é uma das que participou, sofreu, e não se vê, em nenhum momento da fala dela, uma vírgula que denote a resposta do rancor. Não há! Eu não tenho nenhuma dúvida, ouvindo a palavra dela, de que ela pode ter mil ideias na cabeça para o Governo dela, menos preocupação com vindita ou com coisa parecida com o que aconteceu com ela, com a família dela, com os companheiros dela, ou com qualquer outra coisa. Isso é bonito de ver.

            Olha, eu vejo na Presidente Dilma um sentimento de grandeza das pessoas que conseguiram superar, que conseguiram, na Presidência, colocar o interesse público acima das questões pessoais. Que bom que isso esteja acontecendo! Que bom que isso esteja acontecendo! Mas, daí a nos impedir de saber a verdade, há uma diferença muito grande.

            Obrigado, Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/04/2011 - Página 9209