Pronunciamento de Kátia Abreu em 06/04/2011
Discurso durante a 43ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Anúncio da saída de S.Exa. do Partido Democratas e ingresso no Partido Social Democrático (PSD).
- Autor
- Kátia Abreu (DEM - Democratas/TO)
- Nome completo: Kátia Regina de Abreu
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA PARTIDARIA.:
- Anúncio da saída de S.Exa. do Partido Democratas e ingresso no Partido Social Democrático (PSD).
- Publicação
- Publicação no DSF de 07/04/2011 - Página 10256
- Assunto
- Outros > POLITICA PARTIDARIA.
- Indexação
-
- ANUNCIO, DESLIGAMENTO, ORADOR, PARTIDO POLITICO, DIRETORIA DE ENGENHARIA DA MARINHA (DEM), INGRESSO, PARTIDO SOCIAL DEMOCRATICO (PSD).
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
A SRª KÁTIA ABREU (Bloco/DEM - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. e Srªs colegas Senadores, a história contemporânea brasileira se move por ciclos. Tivemos o período militar, de 64 a 84; a redemocratização, a partir de 85; e o período pós-Constituinte, a partir de 88. Nele, neste período constituinte, estamos há 23 anos. Desde então, foram nada menos que seis eleições presidenciais diretas, em que dois partidos que pouco diferem em conteúdo programático se alternaram no poder: o PSDB e o PT. Ambos se apresentam como partidos de viés de esquerda. Um é social-democrata, o outro professa o socialismo reformista.
Lembro-me de um debate, há alguns anos, entre o Senador Cristovam Buarque, então no PT, e o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, em que ambos admitiam não haver discordância ideológica substancial entre os seus partidos. Disputavam apenas, a partir de São Paulo, espaços de poder, não de ideias.
As coincidências não se esgotavam aí. Também para chegar ao poder, ambos se valeram da mesma estratégia de buscar alianças conservadoras que lhes eram doutrinariamente opostas, mas que lhes favoreciam a chegada ao poder.
O PSDB aliou-se ao PFL, hoje DEM, enquanto o PT aliou-se ao Partido Liberal, de José Alencar.
Essas alianças, no entanto, não abriram espaço para que o pensamento liberal ocupasse, ainda que parcialmente, a cena política. O máximo que propiciaram foi a divisão de cargos na máquina estatal. O ideário liberal, que tem na defesa da liberdade individual - e não apenas na defesa da economia de mercado o seu epicentro -, jamais esteve em primeiro plano.
Esse tipo de parceria, movido apenas pela ocupação de espaços na máquina pública e não pela defesa de idéias, desfigurou doutrinariamente o quadro partidário. A terminologia direita-esquerda-centro, com suas gradações de centro-direita e centro-esquerda, perdeu conteúdo e significado. O ex-Presidente Lula, antes das eleições do ano passado, saudava, como sinal de avanço e progresso político, o fato de todos os candidatos à Presidência da República, na sua visão, serem de esquerda. Mas, no curso da campanha, seu partido chamava os adversários de direita, termo que deixou de designar um campo respeitável do pensamento doutrinário para tornar-se sinônimo de perversão ideológica, num cenário artificial, em que o monopólio do bem e da virtude estaria à esquerda.
Por aí se vê que essa nomenclatura tornou-se inteiramente vazia, gerando mais confusão que esclarecimento, conferindo às campanhas eleitorais contornos de mera disputa mercadológica, em que os marqueteiros despontam como os grandes protagonistas. O resultado é a pobreza e a falsidade do debate político, que aprofundam o abismo entre sociedade e governantes.
Hoje, os partidos são identificados não pelo que propõem, mas pela sua posição em relação ao Governo: oposição ou situação. Aos primeiros, cabe dizer não; aos segundos, cabe dizer sim.
Não importa se o que está em pauta coincide ou não com o programa e a doutrina de cada qual.
Oposição terá sempre que dizer não, como se fosse uma empresa de demolição, enquanto os da base aliada se comprometem incondicionalmente com o sim.
Desnecessário dizer da indigência política, moral e filosófica de tal conjuntura. A política tornou-se mera disputa de poder, que deriva para um vale-tudo de promessas inexequíveis e demagógicas.
Não há democracia que se consolide em tal quadro. É preciso romper com esse círculo vicioso, herança ainda dos tempos do autoritarismo, que impôs ao quadro partidário brasileiro um caráter bipolar e frentista. No período militar, tínhamos de um lado uma frente de alianças em favor do regime; de outro, uma frente oposicionista, que ia da direita à esquerda, diretamente. Naquela circunstância de luta contra a ditadura, era o jeito.
Mas veio a redemocratização e com ela o pluripartidarismo, que, no entanto, não rompeu com a estratégia das frentes híbridas, que desde então submetem a coerência doutrinária aos interesses fisiológicos e imediatistas de exercício do poder. O poder pelo poder, em que todos perseguem apenas a vitória eleitoral, sem a contrapartida de compromissos programáticos, morais ou filosóficos.
O número crescente de abstenções e votos nulos - quase 36 milhões de brasileiros - nas eleições indica que a sociedade brasileira já está farta desse jogo artificial, insincero e improdutivo, que empobrece e corrompe a política.
Queremos o fim da farsa, queremos que os partidos sejam o que precisam ser: expressões efetivas de correntes de pensamento da sociedade; que convirjam a partir de ideias e ideais, e não em função do antagonismo ou protagonismo em relação a quem está circunstancialmente no poder, como ocorre hoje.
Somente assim os partidos poderão cumprir o papel formador e formulador que têm perante a sociedade, como agentes do bem comum, das transformações e do progresso. Com as distorções atuais que aqui estou apenas resumindo, não há a menor chance.
Cumpre, pois, que se inicie desde já um novo ciclo na vida política brasileira, em que se dê conteúdo doutrinário à democracia, em que cada agente político expresse convicções e seja cobrado pela fidelidade que tem a elas - e não a cargos, interesses ou partidos.
Isso não se resolve apenas com reformas nas leis que regem o sistema político. Mais que a reforma política, é preciso reformar a mentalidade dos agentes políticos, a nossa mentalidade.
Sr. Presidente, é com este propósito - e tendo em vista o clamor da sociedade brasileira por renovação na política - que formalizo, aqui, desta tribuna, minha saída do Democratas, ao mesmo tempo em que anuncio que estou me associando às lideranças nacionais empenhadas em criar o Partido Social Democrático - o PSD.
Esta decisão não deriva de rompimento, briga ou dissidência, mas da constatação de que se esgotou um ciclo - e não apenas um ciclo pessoal, mas conjuntural, político, um ciclo da vida partidária brasileira. E é preciso inaugurar um outro, de olhos postos no futuro.
Tenho pelo Democratas respeito e reconhecimento pelo papel que desempenhou no processo de redemocratização, desde sua origem, em 1984, quando Partido da Frente Liberal. Coube-lhe garantir a eleição de Tancredo Neves e José Sarney no Colégio Eleitoral, propiciando a retomada pacífica do poder político pelos civis. Deu, posteriormente, sustentação a dois governos de Fernando Henrique Cardoso e exerceu a oposição aos dois governos de Lula. Cumpriu um belo papel histórico.
Considero, porém, que a parceria que nos uniu chegou ao fim. Atuação partidária hoje tem concepção distinta da minha no que se refere não apenas à prática interna da democracia, mas à postura de independência em relação ao quadro presente da política brasileira. Respeito e acato, mas já não me sinto em sintonia.
Não mudei de ideias ou de identidade, mas já não vejo meios de implementá-las de onde estava. Fui criticada quando aqui votei pelo salário mínimo de R$545. Mas, na mesma ocasião, votei contra uma medida provisória que pretendia capitalizar o BNDES. Em ambas as ocasiões, votei tendo em vista a defesa de um princípio que o DEM e eu sempre postulamos: a responsabilidade fiscal. E assim entendo que deva ser. Um partido deve, acima de tudo, ter caráter, ser fiel a seu programa. Não há ética sem caráter.
Não vejo que o momento reclame atitudes simplistas de se filiar ao “sim” ou ao “não”. Não há grandeza nisso. Perguntam-me se o PSD fará oposição ou se fará parte da base do governo. Não é assim tão banal. Se fosse, não seria preciso criá-lo.
É evidente que as forças políticas que sustentam o atual Governo filiam-se a uma corrente de pensamento distinta da minha. No essencial, divergimos, o que não impede que, em alguns momentos, possamos convergir.
Acusam o novo partido, que sequer saiu do papel, de servir a propósitos pessoais, de favorecer as carreiras de seus organizadores. Se fosse assim também, melhor seria não criá-lo. Mais fácil seria permanecer onde estávamos, já que a criação de um partido, no Brasil, efetivamente enraizado na sociedade e com propósitos definitivos - e é o que pretende o PSD - é um empreendimento trabalhoso, caro e de altíssimo risco.
Lideranças como Gilberto Kassab, Prefeito de São Paulo, e Guilherme Afif Domingos, Vice-Governador de São Paulo, teriam meios bem mais cômodos de dar sequência a seus projetos pessoais de onde estão. Ocupam cargos de grande influência, têm luz própria e não precisam se expor a desafios desse porte.
O que constatamos é que o Brasil está no limiar de um novo tempo - e que só avançará se a política assimilar os novos paradigmas que lhe estão postos. E o principal é este: é preciso nitidez de compromissos.
Não é admissível que a quinta economia do Planeta, com amplo horizonte que neste momento a ela se descortina no cenário mundial, não exerça interlocução com sua própria sociedade.
Há um amplo segmento de cerca de 110 milhões de brasileiros na classe média órfãos dessa interlocução.
Nosso ideário consagra a defesa da economia de mercado como único regime capaz...
(Interrupção do som.)
A SRª KÁTIA ABREU (Bloco/DEM - TO) - ...de gerar riqueza e sustentabilidade, sem as quais não se erradica a pobreza. Não cremos no Estado empresário, que consideramos um falso brilhante.
A experiência do socialismo real, nos diversos países que o adotaram, o evidencia. Ficaram mais pobres que antes. Nossa postura e votos, no Legislativo, levará sempre isso em conta. Quando esses postulados forem favorecidos, não poderemos nos opor. Quando forem contrariados, combateremos firmemente.
Mas não é só. A defesa do capital e da livre empresa nem é a maior urgência brasileira, já que dispõem de suas próprias defesas, seus próprios mecanismos, e nem chegaram a ser ameaçados nem pelo governo do PSDB nem pelo governo do PT. O próprio mercado, hoje, no Brasil protege com muita competência o capital.
O que vemos como urgência - e isso faz parte da reforma das mentalidades na política - é a defesa da liberdade individual, da liberdade de pensamento, liberdade para fazer suas escolhas (Liberalismo = Liberdade).
Vemos cada vez mais o País sendo submetido à ação das patrulhas do pensamento, que impõem os dogmas do politicamente correto, criminalizando os que deles divergem.
Liberdade de pensamento é o convívio civilizado com as ideias com que não concordamos, mesmo com as que eventualmente abominamos, nos limites da lei. Ser tolerante é tolerar o intolerável.
É essa intolerância que ameaça o convívio democrático, empobrece o debate e impede a livre circulação de ideias na sociedade, não permitindo que seja juiz dos que disputam o seu voto. É essa intolerância que estigmatizou os que veem no socialismo uma doutrina anacrônica, fracassada e ineficaz, associando o pensamento liberal ao totalitarismo fascista, que lhe é antípoda.
Socialismo e fascismo, sim, têm algo em comum: o culto ao Estado, que, em ambos os casos, deixa de servidor do cidadão para tornar-se seu dono, intrometendo-se crescentemente em questões inerentes à vida privada e ao arbítrio das famílias.
É contra esse estigma ideológico, falso como uma nota de três reais, que combateremos. O termo “social” que adicionamos ao nome do partido indica que essa preocupação com as famílias de baixa renda ou sem renda nenhuma não é monopólio de ninguém e está longe de ter dono.
Como produtora rural e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, posso afirmar - e os números nesse sentido são eloquentes - que o capitalismo no campo é o mais eficaz fator de erradicação da pobreza no Brasil.
Se hoje temos superávits contínuos e crescentes na balança comercial, se temos hoje uma classe média rural em expansão, se oferecemos a melhor e mais barata comida do mundo, se hoje deixamos de importar alimentos, como fazíamos há quatro décadas, e disputamos esse segmento do comércio internacional, não há dúvida de que isso se deve ao ambiente de livre competição que se estabeleceu no campo brasileiro.
E isso apesar do combate sistemático que sofremos de grupos ideológicos, que insistem em nos associar ao atraso e à perversão política, como supostos herdeiros de uma mentalidade colonial.
Os fatos conspiram contra essa versão, que, no entanto, continua a ser sustentada, inibindo o livre trânsito das ideias, falsificando-as. A hegemonia do pensamento esquerdista, que a estratégia gramsciana de revolução cultural inoculou na academia, estabeleceu a ditadura do pensamento.
Quem hoje se sente à vontade, nas universidades e meios culturais, de se apresentar como sendo de direita ou liberal? Será renegado e excluído do debate, como um pária. E isso é trágico. Torna a democracia um engodo, um debate entre iguais, que deriva para uma luta por cargos e nada mais.
É para romper com esse paradigma e permitir que a sociedade brasileira, sobretudo sua classe média, cem milhões de brasileiros, repito, que se tem mostrado avessa à agenda comportamental do politicamente correto, que o PSD entra em cena.
As entidades representativas da sociedade civil têm seu papel, seu valor e seu espaço. Mas não podem monopolizar ou tutelar o debate. Representam parcelas da sociedade, mas não o todo.
As minorias, ambientalistas ou produtores rurais, não são segmentos isolados, com interesses que devam se sobrepor ao conjunto do qual fazem parte. Suas demandas têm que estar em sintonia com o todo e a ele se submeter. Não são intocáveis, nem inquestionáveis.
As propostas que os contemplam - e algumas delas tramitam neste Congresso Nacional - não podem se revestir do status de sagrado, imunes a críticas, ponderações ou mesmo rejeições, se for o caso. E é o que presentemente ocorre, em face da ditadura do pensamento, incompatível com a essência da democracia hoje no País.
É na defesa dos valores libertários, que pairam acima de quaisquer outros, e que devem moldá-los, que o PSD anuncia seu ingresso nesta nova etapa da vida político-partidária brasileira.
Não seremos do contra. Somos e seremos sempre a favor do Brasil, de sua gente, em sua multidiversidade, étnica, cultural e religiosa. Combateremos no campo das ideias, sempre ao lado de quem se disponha a endossá-las e fortalecê-las. O PSD será literalmente fiel aos seus princípios e ao seu ideário partidário.
Convido todos os brasileiros a acompanhar e fiscalizar as ações que o PSD se dispõe.
Muito obrigada, Sr. Presidente.
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