Discurso durante a 44ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Consternação com o sofrimento das famílias vítimas da tragédia ocorrida hoje no Rio de Janeiro e registro da necessidade de o Congresso Nacional aprovar um Plano Nacional de Educação que recupere o potencial da educação pública. (como Líder)

Autor
Marinor Brito (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: Marinor Jorge Brito
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA, EDUCAÇÃO.:
  • Consternação com o sofrimento das famílias vítimas da tragédia ocorrida hoje no Rio de Janeiro e registro da necessidade de o Congresso Nacional aprovar um Plano Nacional de Educação que recupere o potencial da educação pública. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 08/04/2011 - Página 10477
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA, EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, HOMICIDIO, CRIANÇA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), SOLICITAÇÃO, SEGURANÇA, POLICIAMENTO, ESCOLA PUBLICA, BRASIL.
  • ANALISE, ORADOR, PROJETO, GOVERNO, PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, ASSUNTO, AUMENTO, INCLUSÃO, EDUCAÇÃO, NIVEL, ENSINO MATERNAL, EDUCAÇÃO BASICA, ENSINO MEDIO, ENSINO SUPERIOR, OBJETIVO, ACRESCIMO, DADOS, CORREÇÃO, MELHORAMENTO, PROPOSIÇÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª MARINOR BRITO (PSOL - PA. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o dia de hoje foi marcado na história do nosso País, infelizmente, por uma tragédia. A dor e o sofrimento das onze famílias da Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro do Realengo, no Rio de Janeiro, marcam a história da classe trabalhadora, do povo brasileiro, da escola pública, dos desprovidos de segurança, que é a grande realidade que envolve o povo brasileiro hoje.

            Esse fato, que é de conhecimento público, coloca em xeque, mais uma vez, a atitude de um jovem, um jovem de apenas 24 anos. Ex-aluno da escola, ele entrou no ambiente escolar e atirou contra as crianças que ali estudavam. A tragédia não foi pior devido à providencial intervenção de um policial militar que foi chamado ao local.

            Episódios como esse não são comuns em nosso País, mesmo que a violência esteja presente no cotidiano de nossas cidades, especialmente nas maiores cidades. Nos Estados Unidos, episódios como esses são bem frequentes e vitimaram dezenas de pessoas nos últimos anos.

            Diante do episódio, podemos ter várias reações e reflexões. A primeira, sem sombra de dúvida, é a de consternação e de sofrimento. Assim agiram as mães e pais das crianças e a maior parte dos brasileiros que, pela manhã, souberam do fato pela televisão, pelo rádio, pela Internet.

            Até a Presidenta Dilma se emocionou ao saber do fato. Eu também me emocionei, mas fiquei chocada. Mas é preciso ir além desse sentimento solidário e humanitário. O atirador adentrou a escola portando dois revólveres calibre 38 e farta munição, segundo os depoimentos das autoridades. Não consta a informação de que houve algum obstáculo para sua ação. Não havia segurança na escola; não havia nenhum instrumento que intimidasse a ação que, segundo as autoridades policiais do Rio de Janeiro, teria sido premeditada.

            E mais, o episódio demonstra o quanto está disseminada a cultura de que cada cidadão pode ter uma arma em casa e de que essa seria a melhor maneira de se proteger; e que é muito fácil possuir uma arma no Rio de Janeiro ou em qualquer canto do território nacional. Não são apenas as armas contrabandeadas por traficantes, armas de grosso calibre, mas qualquer arma pode ser encontrada e acessada.

            A violência atinge todas as classes sociais, é verdade, mas não alcança todos com igual intensidade, tampouco a Justiça age com igual ligeireza e presteza. A maior parte das vítimas de armas de fogo no Brasil são jovens, são pobres, são negros. Basta ler as estatísticas para saber disso. Conforme relatório do próprio Ministério da Justiça, publicado recentemente, o número de homicídios que envolve a população negra e a juventude aumentou 103% em 2010. Isso não é um fato que não deva ser considerado pelas autoridades. A maior parte dos homicídios não resolvidos tem como vítimas os pobres, moradores das periferias das grandes cidades.

            Certamente, esse episódio poderia ter acontecido em uma escola de classe média na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, ou no bairro do Morumbi, em São Paulo, ou no bairro de Nazaré, na cidade de Belém, capital do Pará. Isso é verdade, porque pessoas armadas e perigosas existem em todas as classes sociais - nós sabemos disso. Mas, certamente, o atirador de Realengo teria enorme dificuldade para acessar as salas de aula em escolas da elite, localizadas nesses bairros.

            Isso demonstra também que as condições educacionais e de segurança são diferenciadas socialmente. Os pobres sofrem mais com a violência, porque possuem menos proteção do Poder Público. Isso vale para as ruas em que residem ou trafegam ou para as escolas em que estudam.

            É necessário que o Poder Público tome providências. E essas providências não podem ser apenas paliativas, enquanto os holofotes da mídia estiverem ligados. E, tratando-se de uma escola de periferia do Rio de Janeiro, os holofotes ficarão ligados por muito mais do que dois ou três dias, porque não se trata de crianças filhas da elite brasileira.

            É necessário segurança nas escolas públicas! É necessário segurança nas escolas públicas! Esse clamor chega aos ouvidos dos parlamentares todas as vezes em que um professor é espancado, em que uma escola é assaltada, em que um grupo rival invade um prédio para algum ajuste de contas, ou quando um homem invade e mata 11 crianças indefesas.

            E, sobre a questão da segurança, o Governo Federal tem muito a falar. Tem muito a falar, é verdade, mas tem muito a fazer. E, da mesma forma, o Governo do Estado do Rio de Janeiro. Melhorar a segurança pública, especialmente nas escolas públicas, é a melhor homenagem que o Governo Federal e os governos estaduais podem prestar aos que morreram na manhã deste dia 7 de abril de 2011.

            Fiz questão de registrar esse fato, porque milito na área da educação há mais de trinta anos, e sei das dificuldades por que passam os educadores neste País - dificuldade, inclusive, para chegar à escola, muitas vezes pela falta de segurança no caminho.

            Estamos em via de debater o Plano Nacional de Educação, uma lei que está no Congresso Nacional. Terminou a vigência da lei anterior no dia 31 de dezembro do ano passado. Passou por dois anos do governo Fernando Henrique, pelos oito anos do governo Lula e, infelizmente, não tem um saldo positivo.

            Na verdade, é preciso dizer aqui que um terço apenas das metas do Plano Nacional de Educação foi cumprido. Agora, estamos sendo chamados para aprovar o nodo Plano para a próxima década. Como disse, o projeto tramita no Congresso Nacional, ainda na Câmara Federal, e é de origem do Executivo.

            Para contribuir nesse debate, vamos apresentar algumas observações sobre o teor desse Plano Nacional, principalmente sobre os desafios que a educação brasileira precisa enfrentar.

            Em primeiro lugar, é preciso dizer que há ainda o desafio da inclusão educacional, ou seja, do acesso à escola de milhões de crianças e jovens. Pelos dados da PNAD de 2009, só para cumprir a Emenda Constitucional nº 59, que tornou obrigatório o acesso escolar de quatro a dezessete anos, o Brasil precisa garantir 3,5 milhões de vagas para assegurar o acesso a essa faixa etária.

            Em segundo lugar, o maior gargalo do processo de inclusão educacional situa-se entre as crianças de 0 a 3 anos. Apenas 18,1% das nossas crianças estão matriculadas em creches. Infelizmente, a maioria nesse percentual é composta de filhos das classes ricas e médias. Os pobres, via de regra, estão excluídos desse serviço educacional ou conseguem apenas vagas em escolas comunitárias, subsidiadas pelo Poder Público municipal.

            Em terceiro lugar, mas não menos importante é o dado, apenas 13,6% dos nossos jovens que possuem idade entre 18 e 24 anos encontram-se estudando no ensino superior. Esse percentual é um dos menores da América Latina e compromete a possibilidade do País de dar um salto tecnológico tão necessário e esperado. O pior é que 75% das vagas são privadas, dificultando-se ainda mais o acesso das pessoas mais pobres.

            Em quarto lugar, há o problema da qualidade da educação. É comum se dizer que nós garantimos o acesso, mas que isso veio em prejuízo da qualidade. Em parte, isso é verdade. O desempenho dos nossos alunos nos testes internacionais e nacionais, infelizmente, é sofrível. Porém, é preciso verificar que ainda não existe no Brasil um padrão mínimo de qualidade, de forma que qualquer cidadão, independentemente da cidade em que nasceu ou em que vive, tenha igual direito em termos educacionais.

            A educação oferecida aos brasileiros do Norte e do Nordeste, infelizmente, é pior. A chance de uma criança nascida em Curralinho, lá no arquipélago do Marajó, ter uma educação pública de qualidade é praticamente zero, e não dizemos isso com alegria.

            Em 2000, o Estado brasileiro investia diretamente apenas 3,9% do Produto Interno Bruto com educação. A sociedade civil organizada propôs que esse percentual fosse para 10% na década passada. O Congresso Nacional, fazendo eco ao mantra neoliberal, decidiu pôr apenas 7% quando da aprovação do plano anterior. Mesmo esse percentual, que já era insuficiente, foi vetado por Fernando Henrique, e o veto não foi derrubado pelo Governo Lula.

            O Projeto de Lei enviado pelo Executivo está muito aquém do esperado. Certamente, será necessário alterá-lo de maneira muito significativa, seja na Câmara, seja nesta Casa. Se depender da minha vontade política e das medidas judiciais que tomaremos, espero ainda estar aqui para ajudar e aprovar as mudanças de que o Plano Nacional de Educação necessita.

            Destaco quatro aspectos, à guisa de introduzir e estimular o debate nesta Casa. O primeiro é o modelo de inclusão educacional que o Governo está propondo, que considero inadequado. Nossa Constituição considera, acertadamente, a educação como um direito de todos e um dever do Estado, mas o Governo Dilma quer que a expansão do atendimento em creches seja feito pela via das escolas comunitárias subsidiadas pelo Poder Público e que a expansão do Ensino Profissionalizante seja feita via troca de bolsas escolares por isenção fiscal para o setor privado. Não há no Projeto de Lei do Executivo nenhuma referência sobre o percentual de crescimento que a rede pública, seja da Educação Básica ou do Ensino Superior, deve ter na próxima década.

            O segundo diz respeito à falta de definição dobre qual será o esforço de cada Ente Federado para cumprir as metas do Plano Nacional de Educação. Dados de 2009 disponíveis no portal do Inep mostram que o Brasil investiu 5% do PIB com educação, mas deste percentual apenas 0,98% do PIB foi aplicado pela União, numa relação desproporcional entre capacidade de arrecadação e responsabilidades educacionais, causando uma sobrecarga aos Estados e Municípios, incidindo diretamente na qualidade do serviço oferecido. O projeto estabelece metas, mas não diz quanto a União, por exemplo, vai contribuir para que os municípios, por exemplo, consigam matricular 1 milhão e 400 mil crianças na pré-escola até 2016 ou com que apoio os municípios vão conseguir incluir milhões de crianças no atendimento em creche.

            O terceiro aspecto é que o percentual proposto de investimento direto do PIB (7%) é pequeno e não é suficiente para superar os principais entraves educacionais brasileiros. Novamente, a sociedade civil organizada, composta por sindicatos, associações científicas e organizações não governamentais estão propondo que o percentual seja de 10%. O Ministro Haddad afirmou em audiência na Comissão de Educação que os organismos internacionais recomendam de 6% a 8% e cita o exemplo do investimento educacional atual na Europa. Infelizmente, o Ministro se esqueceu de citar que estes países europeus, ou mesmo os chamados tigres asiáticos, podem investir percentuais menores nos dias de hoje, porque fizeram um esforço maior na educação nas décadas passadas, o que não aconteceu com o nosso País, infelizmente. Eles não precisam mais construir milhares de unidades de educação infantil, escolas técnicas ou universidades. Eles não necessitam contratar professores em grande quantidade como o Brasil necessitará no próximo período, nem tampouco formar em nível superior mais de 600 mil docentes em exercício.

            Um aspecto importante da nossa preocupação, mas que felizmente, no dia de ontem, por decisão do Supremo Tribunal Federal, foi garantida a manutenção da Lei nº 11.738, de 2008, que trata do piso nacional dos educadores. Havia naquela Casa recursos dos Governadores de Mato Grosso do Sul, do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul e do Ceará que questionavam a implementação de alguns dispositivos daquela lei.

            Os Governadores se opuseram ao conceito de piso, pois divergiram de elementos centrais da lei, como a composição da jornada de trabalho - que garante aos educadores, no mínimo, 1/3 (um terço) de dedicação da carga horária para a realização de atividades de planejamento e preparação pedagógica das aulas e cursos - e a vinculação do piso salarial ao vencimento inicial das carreiras dos profissionais do magistério da educação básica pública.

            Felizmente, como eu disse, foi mantida a constitucionalidade da lei.

            E eu digo: é impossível imaginar a melhoria da qualidade do ensino público sem que os profissionais do magistério sejam valorizados.

            O Brasil precisa que o Congresso Nacional aprove um Plano Nacional de Educação mais audacioso do ponto de vista das necessidades imediatas, a médio e a longo prazo, para que, nos próximos dez anos, o País recupere o potencial da educação pública no nosso País e que nós possamos pensar a infância, a adolescência e a juventude neste País numa perspectiva de inclusão social, numa perspectiva de melhoria da qualidade de vida. Não é possível pensar um país desenvolvido, não é possível pensar um país democrático, não é possível pensar um país com igualdade social sem que a qualidade da educação neste País e o acesso à educação para todos e em todos os níveis virem uma conquista verdadeira na democracia brasileira.

            Muito obrigada e uma boa tarde a todas e a todos.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/04/2011 - Página 10477