Discurso durante a 46ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a apresentação por S.Exa de aula magna na Faculdade de Direito de Caxias do Sul.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • Considerações sobre a apresentação por S.Exa de aula magna na Faculdade de Direito de Caxias do Sul.
Publicação
Publicação no DSF de 12/04/2011 - Página 11000
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, DISCURSO, ORADOR, AULA, UNIVERSIDADE, DIREITO, MUNICIPIO, CAXIAS DO SUL (RS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, PRONUNCIAMENTO, ANAIS DO SENADO.
  • ELOGIO, UNIVERSIDADE, MUNICIPIO, CAXIAS DO SUL (RS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, no dia 06 de abril, eu estive em Caxias do Sul, a convite da Direção e dos alunos da Faculdade de Direito, para proferir a aula inaugural deste ano letivo. Para mim, uma oportunidade ímpar, não só porque eu estou certo de que é hora dos jovens participarem mais ativamente da política, como por me propiciar, mais uma vez, poder respirar os ares do lugar onde, como professor, mais aprendi do que ensinei. A Universidade de Caxias do Sul é a minha casa.

            O que eu disse aos jovens daquela universidade pode ser repetido em todos os cantos e recantos deste país, embora tamanhos os contrastes. A juventude, de lá, ou de qualquer outro lugar, terá que contaminar, positivamente e com a brevidade exigida por um diagnóstico nada animador, o modo de fazer política neste mesmo país. Trago o texto para esta Tribuna, não só para que ele fique registrado, para a história, nos anais do Senado, mas, principalmente, para que ele possa contribuir para a mudança desta mesma história. 

            Foi bom estar “de volta ao meu aconchego”! Foi em Caxias que eu balbuciei as minhas primeiras palavras. Foi em Caxias que eu ocupei a minha primeira tribuna. E foi em Caxias, naquela Universidade, que eu me alimentei do mais profundo conhecimento, para outras palavras e outras tribunas.

            Quando percorro os seus corredores e salas, principalmente da Faculdade de Direito, conjugo o verbo “ser” em dois tempos: fui professor e sou aluno. Docente por um tempo e discente por todo o tempo. Como hoje, como sempre. É que, a cada encontro como aquele, continuo me alimentando não só do conhecimento, mas, principalmente, da energia que é própria da juventude.

            A mesma juventude que, um dia, em um espaço singelo, na Rua Sinimbu, onde funcionava uma revendedora de automóveis, se reunia para dar vazão às nossas inquietudes e aos nossos sonhos de construir um País digno, justo, democrático, livre e soberano.

            Como não poderia deixar de ser, os debates para a criação de um espaço institucional, que veio a ser a nossa universidade, não se restringiram àquele grupo de jovens sonhadores, como eu. Ele se abriu para todos os que comungavam dos nossos ideais, na nossa “Ágora” daqueles tempos, o Clube Juvenil, sempre orientados pelo Dr. Virvi Ramos e pelo Dr. Ary Zatti Oliva.

            Quando a Universidade foi criada, eu era Vereador na Câmara Municipal de Caxias. E o destino me reservou um papel que foi, certamente, um dos momentos mais marcantes da minha existência: eu fui o portador do documento oficial para a criação da Universidade de Caxias do Sul. Mais do que isso: esse mesmo fato também tem uma significativa importância histórica para o País: aquela foi a última assinatura oficial do então presidente João Goulart, antes de deixar o cargo.

            Depois daquele fato, a história é bem conhecida. E tem que ser sempre lembrada, para não ser repetida. E se, hoje respiramos ares de liberdade, somos devedores, mais uma vez, à juventude. A “Ágora”, aí, se estendeu para as ruas, as praças e, principalmente, os pátios das universidades. Nossos ares, hoje, poderiam ainda ser densos, não fosse a luta dos estudantes, muitos deles com o sacrifício da própria vida.

            A juventude é a responsável principal pelos avanços da liberdade democrática: nas lutas pela anistia, pelas eleições diretas em todos os níveis, pela ética na política e nos tantos outros eventos memoráveis da nossa história recente. Sem os “caras-pintadas”, por exemplo, nosso tempo poderia ter continuado, por muito mais, cinzento.

            Diria, inclusive, que poderíamos acrescentar algo numa conhecida afirmação: “o preço da liberdade é a eterna vigilância da juventude”.

            Hoje, eu não tenho dúvida de que a luta de todos nós é pela ética na política. E, como naqueles anos de chumbo, a repressão à liberdade se dava nos porões, hoje, a corrupção também age nos bastidores do poder. Os “torturados” de hoje são os que padecem nas filas dos hospitais e de tantos outros serviços públicos, vítimas dos desvios de recursos.

            Eu também não tenho dúvida do papel dos estudantes de Direito, futuros juristas, terão na mudança deste quadro. Lembro, a propósito, o grande jurista e Professor Goffredo Telles Júnior, autor da notável “Carta aos Brasileiros”, lida sob as arcadas do Largo de São Francisco, aos estudantes de Direito, no auge da repressão do regime militar. Em artigo posterior, ele diz:

O diplomado em Curso de Direito sabe o que é permitido e o que é proibido pelas leis. Possui, pois, o conhecimento básico de como se deve conduzir nos encontros e desencontros, nos acertos e desacertos, de que é feita a trama da comunidade humana. Seu diploma de bacharel em Direito é o título valiosíssimo de quem estudou as formas legais e ilegais dos relacionamentos humanos, e se informou sobre os caminhos e descaminhos do comportamento.

            Eu tenho repetido que nada será mudado se, mais uma vez, a juventude não ocupar o seu lugar na história, em um movimento “de fora para dentro”. A “Lei da Ficha Limpa”, que nasceu de um projeto de iniciativa popular, é o exemplo mais recente da importância da participação dos eleitores sobre o comportamento dos seus representantes políticos. E, ainda assim, além de ter sido relegada a um plano inferior nas prateleiras do Congresso, só posta em votação sob pressão, nem se sabe se será colocada em prática nas eleições de 2012. Um único voto, no STF, mudou os rumos da história e os desejos consagrados através de mais de um milhão de assinaturas. Com certeza, os mesmos desejos de quase duzentos milhões de brasileiros. 

            Há uma diferença, hoje, em relação aos movimentos passados. Tínhamos, lá, uma representação estudantil realmente comprometida com os destinos políticos do país. Hoje, ela, como tantas outras, inclusive sindicais, foi cooptada pelo poder. É que esse mesmo poder tornou-se mantenedor dessas mesmas representações. No financiamento da construção de sedes suntuosas, por exemplo. No financiamento de eventos que se tornaram, como decorrência, acríticos. Ninguém investe contra seus mantenedores. Sem desmerecer o mérito do pleito, o passe livre, ou pela metade, tornou-se, por exemplo, item privilegiado na agenda das representações estudantis.

            Além disso, há uma visível falta de perspectiva na juventude atual. Em outros tempos, nós, jovens, tínhamos um objetivo claro: as liberdades democráticas. E sabíamos quem eram os nossos inimigos. Ou os inimigos dos nossos ideais. Hoje, há, na juventude em geral, uma espécie de crise existencial. Além disso, volto a repetir, a mídia cuida de uma verdadeira “lavagem cerebral”, em nome de discutíveis índices de audiência. Não informa: forma. E forma segundo interesses do mercado, marcados pelo consumismo. A grande preocupação, hoje, para uma imensa parcela dos jovens, é, por exemplo, alcançar o celular mais sofisticado, exibido como sinal de status, de “inclusão” e, por que não, de poder. 

            Por isso, eu tenho por mim que falar aos jovens, nos dias atuais, é, cada vez mais, uma enorme responsabilidade. A velocidade da informação e a capacidade dos jovens no sentido de acompanhar os avanços tecnológicos fazem com que esse diálogo possa se constituir numa temeridade para os que viveram a minha geração. No acompanhamento e na apreensão das novas tecnologias, há uma sensação nítida de que pertencemos a duas espécies humanas distintas. A distância entre meu filho e eu, na linguagem tecnológica, é interplanetária.

            Neste distanciamento cada vez maior, a minha geração tenta, pelo menos, discutir com os mais jovens, a partir da nossa experiência, a construção dos melhores valores, uma base de sustentação, ou um alicerce, para uma edificação mais sólida da vida, para suportar os abalos sísmicos da falta de perspectiva, da concorrência nem sempre leal e da falta de pudor do mercado.

            O melhor dos mundos é a união entre a experiência e as novas energias. Não há ação desvinculada no tempo e no espaço. Toda ação é fundamentada em valores, em elementos internos de cada indivíduo e da sociedade como um todo. Esses valores vão sendo lapidados ao longo do tempo, nas nossas vidas. Passa, portanto, pela família, pela escola, pela igreja, pelo grupo social ao qual nós pertencemos, e assim por diante.

            Na minha geração, esses elementos formadores dos valores que conformavam a nossa identidade eram muito presentes. Como as mudanças, no meu tempo, eram mais lentas, tornava-se muito mais fácil a nossa geração assimilar esses valores e, consequentemente, formar a nossa identidade. Tínhamos mais tempo para digerir os ensinamentos e transformá-los em ação. 

            Hoje não, as mudanças são mais rápidas e mais diversificadas. A família, a escola e a Igreja perderam espaço na formação dos valores dos meninos e dos jovens. Esse espaço foi ocupado, principalmente, pela mídia, em um sentido amplo. É interessante perceber como era importante, para nós, o chamado “olho no olho”, o calor humano, o diálogo. Hoje, os meninos têm o mundo a um toque dos dedos, mas vivem mais isolados, entre quatro paredes. Eles falam, ao mesmo tempo, com uma multidão, mas o sentimento é de monólogo. O jovem tem um turbilhão de escolhas na ponta dos dedos, mas ele é, cada vez mais, um indivíduo, único, com sua história particular.

            Mudaram-se, também, e como consequência, os valores. Nós despendíamos as nossas energias, principalmente, com o chamado “necessário”. Hoje, a grande propaganda tenta imprimir, principalmente na cabeça dos jovens, a ideia do supérfluo, do descartável, do consumismo. O discurso da nossa geração era baseado, fundamentalmente, na ideia do “ser”. Essa ideia foi sendo substituída, ao longo do tempo, pela do “ter”. Quem quer “ser”, nos nossos dias, tem sempre a imagem objetiva do “ter”. Eu quero ser, para ter. E ter, para ser.

            Daí, a conformação dos novos valores, mais individuais, segregacionistas, passageiros, concorrentes antes de solidários. Há um vazio de sentido de valores. Não é à toa que sentimentos como solidariedade, compaixão, companheirismo, sejam, hoje, menos enraizados. O mesmo ocorre com o sentimento de patriotismo. As pessoas buscam o melhor para si, não importa onde, e sob que bandeira.

            Não estou dizendo, particularmente, deste, ou daquele, jovem, ou grupo. Eu me refiro à tendência de uma geração. Uma geração que pode até não cobrar compensações pelo que faz, mas que não produz ambientes que permitam a reciprocidade. Repito, antes de ser solidário, ele é obrigado a ser concorrente, até mesmo por sobrevivência. Ele sabe que terá que concorrer, para sobreviver.

            Eu não prego, evidentemente, uma volta pura e simples ao passado. Nem um ataque ao supérfluo. Cada vez mais, estamos embarcados numa viagem sem volta à modernidade. Mas, a minha geração não pode continuar sem compreender os jovens. Mais do que falar à juventude, ouvir as suas histórias, as suas preocupações, as suas angústias, as suas expectativas. É por isso que continuamos sendo aprendizes, sempre. 

            Não se pode negar que está cada vez mais difícil a integração entre gerações, sem resistências. Os ritmos são desiguais. Os mais velhos tentam se colocar, ora como psicólogos com métodos antigos, ora como historiadores, ora como meros contadores de história. Na maioria das vezes, memórias vivas, enquanto vivem, desta mesma história passada. Não cabe mais a afirmação do tipo “olhem, no nosso tempo era assim...”. O nosso tempo passou e o tempo atual vai passar mais rápido ainda. O que os jovens estão aprendendo hoje se transformará, também, em história, o mais rápido que se pensa. O obsoletismo, hoje, é dinâmico.

            O que preocupa é que, com tamanha rapidez, as novas gerações acabem por ficar, cada vez mais, sem memória. Sem história. A continuar assim, ela não terá, nem mesmo como nós, história para contar. Ela viverá o momento. Sobreviverá ao momento. Daí, a importância deste diálogo.

            Lembro, a propósito, o historiador Eric Hobsbawm:

A destruição do passado - ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas - é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso, os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no fim do segundo milênio.

            Já se vai mais de uma década do novo século, e essa afirmação continua cada vez mais atual. No entanto, nós, quando investidos no papel de historiadores, temos que compreender a história e, muitas vezes, até mesmo reescrevê-la, sob a luz de novos fatos. Repito, nós, geração que vem de mais longe, temos muito mais a aprender, do que a ensinar. Se os professores, por exemplo, não perceberem isso, poderão ser atropelados pela história.

            Eu tenho percebido alguns sinais de retorno a alguns elementos anteriores de formação de valores. Por exemplo, uma tendência à volta dos mais jovens ao círculo familiar, embora permaneça o semi-círculo da TV. Dizem alguns que é por sobrevivência financeira. Exatamente por falta de alternativas de auto-financiamento. Eu sou mais otimista. Acho que a falta de perspectiva, no limite, pode gerar um efeito de retorno a situações que já se modificaram. Uma espécie de “retirada estratégica”, para retomada de forças, para enfrentar desafios cada vez maiores.

            Eu também percebo uma volta à religiosidade. Até pouco tempo atrás, parecia que a religião se transformaria, apenas, em refúgio para os mais “antigos”, tementes a Deus no final de suas vidas. Os seres humanos pareciam nascer como coroinhas, viver como ateus, e morrer como sacristãos. Hoje, entretanto, as igrejas, independente da religião ou do credo, estão muito mais participativas, quando os eventos são direcionados, alegadamente, para a juventude.

            Mas, eu acho que o papel fundamental na formação dos nossos jovens é, e será, exercido pela escola, principalmente as universidades, onde a velocidade do conhecimento tem, necessariamente, que fazer escala. Parar, abastecer e se abastecer. É na universidade, principalmente, onde se gera o conhecimento, que é o motor da nova história.

            A família, por mais aconchegante e participativa que ela seja, dificilmente voltará a ser aquele lócus de discussão de outros tempos, até mesmo em função da sua sobrevivência material. O chamado dia-a-dia destes nossos tempos exige, por exemplo, que maior parte da família, quando não a totalidade, exerça alguma função produtiva e remunerada. Há um tempo cada vez menor que pode ser dedicado a diálogos e a convivências familiares.

            A religião sempre teve enormes dificuldades de modificar seus dogmas. É evidente que a realidade de hoje é muito diferente da de outrora. Por mais que a igrejas tenham se modernizado, no sentido de participar, efetivamente, da realidade mutante dos fiéis, ela ainda se prende a preceitos que não mudaram, significativamente, com o tempo. E, isso, se contrapõe à natural inquietude dos jovens.

            Com a universidade é diferente. Ela não só acompanha as mudanças. Ela participa delas. Ela as promove. Ela é o foro privilegiado do debate, das discussões, das trocas de experiências, da necessidade e dos efeitos dessas mesmas mudanças.

            Daí, a minha fé nos jovens e nas universidades. O ambiente que nós, principalmente os mais idosos, frequentamos hoje, é mais corroído, em termos de valores. O meu, nem se diga. A política não tem sido boa referência para ninguém, principalmente para a juventude. Mas, se a política tem que ser, por definição, a melhor de todas as referências, não há como cobrar, dos outros segmentos da sociedade, por exemplo, comportamento ético, ou qualquer outra boa norma de conduta.

            Por isso, eu acho cada vez mais difícil, hoje, os jovens buscarem, em nós, como geração, pelo menos no campo político, as melhores referências. Elas estão em extinção! Eles têm é que contaminar, no melhor dos sentidos, a política. Voltar a participar, muito mais, da política.

            Eu sempre fui um incentivador da atividade política. Muitos nomes que hoje ocupam lugares-chaves na função pública iniciaram suas trajetórias convidados por mim. Pelo menos aqui, no Rio Grande do Sul. Em outros tempos, era necessário, até mesmo, algum mecanismo de seleção, para a ocupação de vagas nos espaços políticos. Pois bem, nas últimas eleições, eu convidei diversas pessoas, para se candidatarem a mandatos políticos. Pessoas que, a meu ver, poderiam contaminar, positivamente, um ambiente que se sabe estar deteriorado. Eu não consegui demover corações e mentes, para que se candidatassem, em todos os níveis. A política já não encanta, como antes.

            É por isso que eu advogo a ideia de que os jovens devem voltar a participar, ainda mais, da política. Fazê-la caminhar, porque ela se encontra, hoje, encalhada no lamaçal. Na universidade está a geração que mudará os rumos deste país. Há pouco o que esperar de nós, em termos de ação. No máximo, os baldrames para que a juventude erga suas construções.

            O exemplo, a vitalidade, a esperança dos jovens não mudarão o comportamento da classe política dominante. Ela age segundo os seus próprios interesses. Evidentemente interesses que ela não quer modificar. Está aí, por exemplo, a reforma política que derrapa há tanto tempo no Congresso! Quem a fará? Não será, evidentemente, quem não tem o menor interesse em qualquer mudança. Porque usufrui do status quo.

            É preciso, portanto, que os jovens passem a dominar a política. Como um ser partidário, eu deposito a minha esperança na juventude dos partidos. E ela está nas escolas, principalmente nos bancos da universidade. Promovendo o debate do contraditório. Não se contentando com o que é, mas lutando pelo que deve ser.

            Daí, eu desejo repetir o que tenho dito nas minhas andanças pelas universidades brasileiras. Os jovens têm, a partir de agora, que tomar as rédeas da história. Não se contentar, tão somente, com a ciência, enquanto conhecimento do que é. A crise existencial da juventude de hoje leva a que todos vocês busquem, lá no íntimo, a sensibilidade do filósofo. É preciso idealizar o dever ser. É preciso que os jovens juntem, numa mesma alquimia política, a ciência e a filosofia. O ser e o dever ser. E a ponte entre a ciência e a filosofia, o ser e o dever ser, deverá ser construída com a argamassa do Direito.

            Os futuros dirigentes desta Nação estão, hoje, nas salas de aula. E não digo de um futuro longínquo, porque a velocidade das transformações aproxima, cada vez mais, o porvir e o presente. É que eu também não tenho dúvida de que o Direito será o passaporte e o “visto de entrada” para a ocupação de espaços, nos três poderes da gestão pública.

            Temos, nas universidades, portanto, futuros parlamentares e executivos públicos, em todos os níveis e em todos os escalões. Mas, o que mais encanta, e o que mais me enche de esperança, quando converso com estudantes de Direito, é, principalmente, que eles serão, proximamente, integrantes do Poder Judiciário.

            É que eu tenho certeza de que o maior de todos os problemas brasileiros, responsável, inclusive, pela corrupção que campeia todos os poderes, inclusive o próprio Judiciário, é a impunidade. O país não tem falta de leis. Ao contrário: em muitas questões, ostentamos um aparato legal melhor que o de outros países ditos desenvolvidos. Mas, que de nada vale, se não colocado em prática. Se não cumprido. Se não se revogarem, muitas vezes nos bastidores, as disposições em contrário.

            De nada adiantará fazer leis, os professores obterem sucesso no ensinamento dessas mesmas leis, se elas permanecerem letras-mortas nas prateleiras do Judiciário. Terá sido em vão tamanho esforço, no Congresso, onde eu milito, e na Universidade, onde estão os jovens. 

            A impunidade no Brasil, ou o não cumprimento das leis, não é uma herança histórica, como alguns querem nos fazer crer. Muito menos uma herança maldita, repassada ao longo de gerações, desde os tempos coloniais. Afinal, já se vão quase dois séculos a nossa independência.

            Vivemos, na verdade, um déficit de cultura democrática. A democracia, na nossa história, sempre viveu de soluços. O que temos que lutar, agora, é para que o período atual de liberdades democráticas seja eterno. E, para que isso aconteça, de nada adianta fazer e aprender leis. É preciso que elas sejam praticadas. É um perigo a chamada “anomia social”, quando a população, de tanto ver a impunidade, entende que há um afrouxamento das normas sociais. Daí, até um esgarçamento do tecido social, pode ser, de novo, um passo não tão longo. 

            Mais do que isso: a lei tem que ser aplicada não somente para quem não tem recursos para contratar o melhor advogado. E, no contraponto, que o jurista não atribua um preço para que a lei seja cumprida. Para que ela seja interpretada de acordo com o tamanho do seu honorário. Pior do que isso, a custo de qualquer tipo de desvio de conduta.

            Busco em “Oração aos Moços”, do mestre Rui Barbosa:

... o direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a justiça, que o do mais alto dos poderes. Antes, com os mais miseráveis é que a justiça deve ser mais atenta, e redobrar de escrúpulo; porque são os mais mal defendidos, os que suscitam menos interesse, e os contra cujo direito conspiram a inferioridade na condição com a míngua dos recursos.

            Portanto, se a impunidade é o maior dos nossos males, e se ela ocorre pela má prática do Direito, aí está o grande espaço político dos nossos estudantes de Direito: a luta contra essa mesma impunidade. Utilizar os conhecimentos adquiridos nos bancos das universidades, para mudar o País. Não há dúvida de que se trata de um movimento coletivo. E, nesse sentido, contra a impunidade, a OAB tem capitaneado uma luta das mais louváveis. Mas, isso não impede a participação individual, de cada um, como advogados, como promotores ou como juízes. Fazer cumprir as leis, indiscriminadamente, para que a impunidade não alimente seus descendentes diretos, como a corrupção, a dor nas filas dos hospitais e a escuridão do analfabetismo.

            Eu disse, anteriormente, que é uma enorme responsabilidade falar aos jovens, nos dias atuais, pela velocidade das mudanças, difíceis de serem acompanhadas pelas gerações que vêm de mais longe. Mas, por essas minhas reflexões, se válidas, a grande responsabilidade está é com a juventude.

            Como já disse, o que já é percebido por muitos, é que a velocidade das transformações do mundo é tamanha que, em menos de uma década, quase tudo o que hoje é moderno, tornar-se-á obsoleto. É esse o mundo que será dirigido pelos jovens de agora. E terá que ser um mundo em Estado de Direito. Tarefa cada vez mais árdua, porque um mundo com distâncias cada vez maiores entre as pessoas e entre as nações. Um novo e mais cruel muro a nos separar. De um lado, os incluídos, os que conseguirão se adaptar a essas transformações e, do outro, a cada vez maior massa de excluídos.

            Entre as nações, quem sabe na imposição de um novo colonialismo que, como também dizem alguns, é o principal motivo das guerras e ocupações recentes, como no Afeganistão, no Iraque, na Líbia, e nos países do Norte da África e do Oriente Médio. Entre as pessoas, no recrudescimento de uma apartheid social em escala crescente.

            Talvez em nenhum outro momento da história mundial, o Direito tenha sido tão importante. O Direito como ciência jurídica, ciência social, ciência política. Mais que uma nova história, talvez estejamos construindo uma nova geografia. Quem sabe, então, tenhamos também que desenhar uma nova filosofia. Uma nova sociologia. Uma nova economia. Uma nova política.

            São essas as grandes preocupações demonstradas pela Universidade de Caxias do Sul, desde a sua criação. Uma história que eu tive a honra de viver. Neste nosso tempo, me emociona o convite para uma “Aula Magna”. Não posso fugir, entretanto, à lembrança, embora há tantos anos, a igual honraria do chamado para a aula inaugural daquela mesma faculdade, como primeiro professor de Economia Política. Depois, Sociologia, na Faculdade de Filosofia, conduzido pelo Bispo de Caxias do Sul, Dom Benedito Zorzi.

            Pois é, Economia, Sociologia, Filosofia, Política, Direito. Ainda bem que, embora tantas, tamanhas e tão rápidas mudanças, a Faculdade de Direito e a Universidade de Caxias não tenham mudado, na essência. Daí, o orgulho de ter voltado àquela minha casa. Daí, a minha esperança, sempre renovada, na juventude. Daí, a minha certeza de um país que não é mais do futuro. É de aqui e do agora. Um país de todos os jovens. De todos nós. De todos!

            Foi este o teor da minha aula magna, na Faculdade de Direito de Caxias do Sul. Teria sido este o mesmo conteúdo, se estivesse em qualquer faculdade, de todas as universidades do país. De todas as escolas. De todos os lugares onde eu possa dialogar com os jovens. Aprendendo sempre, muito mais que ensinando.

            Era o que eu tinha a dizer.

            Muito obrigado.


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