Discurso durante a 52ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários acerca das declarações do Senador José Sarney, em sua biografia, sobre o ex-Deputado Ulysses Guimarães.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comentários acerca das declarações do Senador José Sarney, em sua biografia, sobre o ex-Deputado Ulysses Guimarães.
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/2011 - Página 11796
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • LEITURA, CARTA, AUTORIA, FILHO, ULYSSES GUIMARÃES, EX-DEPUTADO, PEDIDO, DEFESA, ORADOR, PERSONAGEM ILUSTRE, RELAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DECLARAÇÃO, JOSE SARNEY, SENADOR, CRITICA, VULTO HISTORICO.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, ULYSSES GUIMARÃES, EX-DEPUTADO, PARTICIPAÇÃO, REDEMOCRATIZAÇÃO, BRASIL, GARANTIA, POSSE, JOSE SARNEY, VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que me traz à tribuna é um assunto sobre o qual meditei muito e pensei, inclusive, em não falar sobre ele, deixar passar.

            A história, a vida julgará, de forma positiva ou não, muitos assuntos, independentemente de falar-se ou não sobre ele em determinado momento.

            Eis que recebi uma manifestação da minha querida amiga Celina Campello, a filha de D. Mora, a filha e enteada de Dr. Ulysses.

            Ela diz assim:

Prezado Pedro, não sei você leu a declaração do Senador José Sarney em sua última biografia sobre Ulysses e que foi publicada no jornal O Estado de S. Paulo, na semana passada. Sabendo de sua grande admiração e amizade por ele, gostaria que, com a sua inteligência e capacidade de comunicação, lembrasse, mais uma vez, seu legado político, fazendo um comentário sobre a matéria. Um abraço muito grato. Celina Campello (filha de D. Mora e Dr. Ulysses).

            Ao receber essa mensagem da Celina, que todos nós, os mais antigos, conhecemos profundamente, lembrei-me que ela e seu irmão participavam não só aqui, no gabinete da Presidência do MDB, ou na Presidência da Câmara, mas lá em São Paulo, na residência do Dr. Ulysses, quando tantas e tantas vezes, no auge do rigor da ditadura, quando alguns imaginavam que a saída era quase impossível, pelo menos por vias pacíficas, quando Ulysses reunia os técnicos, professores, jovens, lá também estava a jovem Celina, ouvindo, analisando e dando a solidariedade do carinho da sua presença.

            Diante da carta da Celina, fui olhar no Estado de S. Paulo a frase a que ela se referia. Sarney e Ulysses. Ulysses não tem grandeza nem espírito público. É um político menor, que tem o gosto da arte política, puro gosto do jogo sem mais nada.

            Olha, quando li essa frase, pedi a um jornalista, meu colega do gabinete, que me emprestasse o livro e fui conferir, porque achei que era um exagero do jornal. Nunca me passou pela cabeça que era isso. E lá estava no livro: “Ulysses não tem nem grandeza nem espírito público. É um político menor que tem o gosto da arte política, puro gosto do jogo, sem mais nada”.

            Até em relação à história de Cristo há muitos comentários a favor e muitos contra. Eu mesmo, às vezes, me pergunto se até Jesus errou, pois, na hora de escolher os doze apóstolos, foi entregar a Secretaria da Fazenda para Judas! Todos podem errar.

            Se essa frase estivesse em um livro biográfico, tudo valeria. O jornalista faz a biografia de Fulano, de Beltrano e conta coisas a favor e coisas contrárias ao biografado. Isso faz parte. Esta biografia faz questão de registrar que foi uma biografia autorizada. O biografado leu e autorizou frase por frase. Se está ali, foi porque ele concordou. Não dá para dizer que é como em muitas biografias em que o autor escreve o que pensa o biografado e o que não pensa, pois escreve o que ele, autor, pensa, sendo que, às vezes, escreve duramente contra o próprio biografado.

            Eu já tive casos assim, em que jornalistas escreveram sobre mim uma biografia, que se imaginava elogiosa, mas em que, no entanto, eu levava um pau danado por parte do cidadão que fazia a biografia. Era um direito dele. Eu não tinha de dar palpite.

            Eu, que acompanhei, nos meus 81 anos, toda essa fase, fico a me perguntar o porquê dessa frase. Qual a razão que iria levar o biografado a concordar que um jornalista escrevesse uma frase dessa, que talvez seja a frase mais marcante em todo o seu livro?

            Aí, eu fui ler. Realmente, o biografado, que fez longos depoimentos para o autor, é uma pessoa de pensamento muito duro, muito rígido. O que ele acha de seu Ministro Marco Maciel é algo com o qual eu também não concordo. Considero Marco uma das criaturas mais dignas e mais competentes, e não me parece que seja um dos responsáveis pelos erros do governo do Presidente Sarney.

            É verdade que estamos vivendo uma época de esquecimento, inclusive dentro do PMDB. Figuras como Ulysses, o próprio Tancredo, Teotônio. Meu amigo Requião, as figuras que fizeram a história do MDB, de ontem, estão sendo colocadas no livro.

            Quando vejo o jornalzinho que o partido publica, quando vejo as manifestações, Ulysses, Tancredo, Teotônio e outros tantos são figuras do esquecimento. Por isso, faço questão de vir aqui. Venho aqui, minha querida Celina, para dizer que, perante a história do Brasil, a figura do Dr. Ulysses continua notavelmente respeitada. É uma dessas biografias que a história, com o tempo, vai aprofundar.

            Diz-se que a história escreve a biografia dos vitoriosos. Pergunta-se como seria a história escrita, se Hitler tivesse ganho a guerra. Ulysses foi um vitorioso, mas a grande verdade é que, na fase áurea da vitória, ele teve a grandeza de renunciar. Doente Tancredo, dez horas antes de sua posse, não podendo assumir, operado em um hospital, quem tinha de assumir era o Dr. Ulysses.

            Qualquer estudante de 1º ano que abra a Constituição vai ler que compete ao Vice-Presidente substituir o Presidente nos seus impedimentos, na sua doença, na sua vaga, nas suas viagens, nas suas férias e substituí-lo na sua morte. Isso estava lá.

            Mas Tancredo não era Presidente, não tinha assumido a Presidência. Se Tancredo não tinha assumido a Presidência, como é que o Vice ia assumir no lugar daquele que não era Presidente? Quem deveria assumir ali era o Dr. Ulysses, Presidente da Câmara, até o Dr. Tancredo voltar e assumir a Presidência e, na morte, convocar outra eleição. Isso é claro.

            Mas, quando chegou a hora, o Dr. Sarney e o General Leônidas, fardado, com a Constituição na mão... Quando Ulysses perguntou “o que faremos?”, ele abriu a Constituição e leu o artigo a que me referi. Eu pedi para falar, mas o Dr. Ulysses pediu-me para eu calar a boca. Atropelou-me e disse: “É claro, General. É o Sarney que assume. És tu que assumes!” Eu levei um susto. Mas como? Mas como?

            Quando se decidiu que o Sarney - não, mentira -, que o Dr. Ulysses, que o Presidente do Senado e mais o Líder do MDB iriam ao Chefe da Casa Civil, Dr. Leitão de Abreu, comunicar, antes de sair, o Dr. Ulysses virou para mim - o Sarney já havia saído, e o Leônidas também - e disse o seguinte: “Ô Pedro, o que tu achas? Nós estamos aqui agora, a dez horas da posse, com todo o nosso esquema preparado. Nós já temos o substituto para o 1º, 2º, 3º e 4º Exércitos, regiões militares, distritos navais, polos aeronáuticos, Chefe da Casa Militar. Está tudo preparado”. E quem coordenou esse esquema? O General Leônidas. Foi ele quem preparou todo esse esquema para nós, porque a gente não sabia, naquela altura, se o General Figueiredo ia dar posse ou não ia, ia sair ou não ia, o que ia fazer, o que não ia fazer. Então, a gente estava preparado para tudo, inclusive para o pior. Se nós estávamos todos preparados, se havia um esquema preparado e se quem comandava esse esquema era o General Leônidas, ele, com a Constituição na mão, disse que quem devia assumir era o Sarney. Se eu digo que “não, sou eu!”, o que poderia terminar acontecendo era o Leônidas assumir. O que poderia acabar acontecendo era imprevisível.

            Eu achei que a grande saída ali era o homem que tinha todo o esquema na mão, o General Leônidas, e ele disse que era o Sarney que assumiria.

            Não são muitas as pessoas da história da humanidade que têm esse gesto que o Dr. Ulysses teve. Ele teve. Era para assumir a Presidência, mas não teve nenhuma preocupação. E ele orientou, coordenou todas as forças para que o Sarney assumisse, inclusive o MDB. Desde aqueles que já tinham resistência ao nome de Sarney para vice, todos o Dr. Ulysses coordenou para garantir a posse do Sarney. E, se o General Leônidas foi o militar que, com a sua espada, garantiu, e orientou, e impôs, e tinha todo o processo de coordenação militar na sua mão, o Dr. Ulysses, Presidente do MDB, Presidente da Assembleia Nacional Constituinte e Presidente da Câmara dos Deputados, tinha todo o esquema político para garantir - como garantiu - a posse do Sarney.

            Isso não é ato daquilo que está na biografia: “Ulysses não tem grandeza nem espírito público. É um político menor, que tem o gosto da arte da política, puro gosto de jogo, nada mais.” Não! A atitude de Ulysses foi uma atitude de grandeza. Foi um gesto de grandeza. E o Dr. Sarney deveria ser grato.

            Mas não foi só esse gesto que caracteriza a vida do Dr. Ulysses. Antes de chegar a esse gesto, um gesto da vitória, foram muitos os gestos na hora da luta contra a ditadura. Na época em que o Dr. Sarney era Presidente do PDS, era Presidente da Arena, foi o líder que liderou a campanha para derrubar as Diretas Já - ele coordenou e derrubou. Foi o líder da campanha para extinguir a Arena e o MDB, e foi o Presidente do PDS - naquela altura, o Dr. Ulysses estava do lado de cá, não de receber as benesses do governo, mas de ser apontado, permanentemente, como o chamado inimigo da revolução.

            Não fora o Dr. Ulysses justamente chamado o Dr. Diretas Já...

(Interrupção do som.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) -... aquela comunidade não teria saído. E, se aquela comunidade não tivesse saído (fora do microfone), o Colégio Eleitoral não seria democrata, com a coragem de derrotar o candidato do governo. Ali foi também o Dr. Ulysses.

            Candidato natural do MDB a Presidente da República se a eleição fosse direta, não precisou ninguém lhe dizer que, havendo a chance da indireta no Colégio Eleitoral... Ele, que no início era contra porque achava que seria uma humilhação participar do Colégio Eleitoral, que o MDB tinha combatido ao longo do tempo, aceitou. Aceitou a coordenação da campanha de Tancredo e, na última hora, o candidato de Tancredo a Vice-Presidente era Marchezan e era Marco Maciel, mas os dois não aceitaram, porque, naquela época, Presidente, estava na legislação que perdia o mandato o Parlamentar que se candidatasse por partido diferente daquele pelo qual ele foi eleito. O Marchezan tinha sido reeleito Deputado pela Arena no Rio Grande do Sul - perdão, Deputado pelo PDS no Rio Grande do Sul. E Marco Maciel tinha sido eleito pelo PDS de Pernambuco. Se eles fossem candidatos, havia o risco de não valer e de eles perderem o mandato. O Sarney tinha sido eleito Senador pela antiga Arena, que tinha sido extinta com a criação do PDS. E ele não fora eleito pelo PDS, fora eleito pela Arena. Por isso, ele tinha condição de ser candidato. Por essa razão, seu nome foi indicado. E o Dr. Ulysses concordou.

            Quando nós do Rio Grande do Sul, o MDB do Rio Grande do Sul disse que não aceitava, em hipótese nenhuma, o Sarney para Vice-Presidente, em hipótese nenhuma, e dizia: “Se o MDB tem um candidato, que é o Dr. Ulysses, e abre mão da candidatura do Dr. Ulysses para fazer a unidade, porque acha que o Dr. Ulysses, pela sua biografia, não vai ser aceito, como vamos aceitar, de início, o Dr. Sarney, que foi nosso adversário, o chefe dos nossos adversários até ontem?”, foi o Dr. Ulysses que dobrou o Rio Grande do Sul, que dobrou o MDB e que deu a fiança para que o Dr. Sarney fosse o Vice de Tancredo.

            Quando morreu Tancredo, havia um movimento no sentido de o MDB renunciar em conjunto aos seus mandatos e deixar que o Sarney fizesse o governo dele. Àquela altura, com a dor e a mágoa pela morte do Dr. Tancredo, eu não sei o que teria acontecido. Foi o Dr. Ulysses que, em conjunto com o Dr. Sarney, estabeleceu o entendimento de dar um prazo para que todos ficassem, para garantir nomes, todos escolhidos ministros pelo Tancredo - nenhum pelo Sarney, todos pelo Tancredo -, que ficassem ali para dar solidariedade ao Presidente Sarney até o momento em que ele tivesse condições de fazer o seu Ministério, o que aconteceu meses depois. Esse é o Dr. Sarney!

            O Dr. Ulysses, Sr. Presidente, casou com D. Mora, viúva com dois filhos. Não o estou fazendo em confidência, porque todos sabem: Dona Mora ficou uma viúva muito rica, com apartamentos e prédios deixados pelo seu marido. Uma vez, tempos depois, D. Mora falou para os mais íntimos: “Vocês têm de fazer alguma coisa”. Dos imóveis da D. Mora - o Ulysses era o administrador -, um estava alugado por R$200,00, outro por 500,00. O Dr. Ulysses não tinha conhecimento do que era dinheiro. Teve de se encontrar alguém, um terceiro que fizesse a atualização normal, porque ele não sabia o que era.

            Olha, quando eu recebi essa mensagem da Celina, eu voltei a me lembrar de que, até hoje, não se descobriu o corpo do Dr. Ulysses Guimarães. Tudo daquele acidente foi encontrado: toda a parte aérea, os destroços, todos os cadáveres, de todas as pessoas,...

(Interrupção do som.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - ... menos do Dr. Ulysses.

            Já contei aqui e conto de novo: meses depois da morte, passei um dia caminhando ali, na beira do mar, onde os destroços tinham caído. Falando com os marinheiros, eles já tinham histórias até românticas. Eles diziam: “De madrugada, quando o sol está dando as primícias dos seus raios iniciais, a gente vê, lá onde as ondas iniciam, um vulto magro, magro e alto, alto, caminhando. Ele olha para nós e faz um sinal de abraço”.

            Eu me aprofundei na análise dessa matéria. Falando com psicólogos e médicos, entendi por que, até hoje, não mais as mães, mas as viúvas da Praça de Maio querem porque querem encontrar os restos mortais de seus filhos e netos: é que faz parte do nosso ritual enterrar os nossos mortos. A gente vive, a gente convive, a gente tem amor, a gente tem afeto. Eles morrem, e a gente chora. A gente vai ao cemitério e enterra. De certa forma, a gente diz: “Ele está descansando”. Nesses casos em que não se consegue fazer isso, nos casos como os das torturas que aconteceram na Argentina, onde os mortos desapareceram e deles, até hoje, não se tem notícia, fica um vazio na alma dos parentes.

            Eu mesmo fico a me perguntar, com relação ao Dr. Ulysses: o que terá acontecido? Era um lugar tão curto ali, não era nem alto mar, nem eram as profundezas do mar! Ali se encontra tudo, menos o corpo do Dr. Ulysses.

            Eu entendo a mágoa da Celina.

            Olha, Celina, eu acho que o Dr. Sarney vai telefonar para ti.

            Eu me lembro da amizade e de como foi bonito aquele tempo da caminhada da Aliança Democrática e do início do governo.

            Eu tenho certeza, Celina, de que o Dr. Sarney vai telefonar para ti. Vai lamentar e vai dizer que, num livro de 600 páginas, isso escapou. Ele vai dizer o que já disse muitas vezes. Quantos foram os discursos! Quantos! Quantos os discursos em que o Dr. Sarney elogiou ao máximo a figura do Dr. Ulysses.

            Isso vai acontecer. O Dr. Sarney, Presidente quase vitalício do Senado, membro perpétuo da Academia Brasileira de Letras, ex-Presidente, eu tenho convicção de que ele vai telefonar. Ele não vai deixar, dentro da sua biografia, permanecer uma frase como essa, uma frase menor, porque essa frase - e ninguém mais sabe o que o Dr. Sarney, muito mais do que eu, sabe - não atinge a figura do Dr. Ulysses. Em nenhum momento, o Dr. Ulysses será analisado, será credenciado, será julgado por causa dessa frase. Essa frase deixa mal a sua figura.

            Ele não pode usar uma frase como essa e atingir uma pessoa que morta está, que não pode se defender, se, durante os tantos anos em que vivos estavam os dois, eles poderiam ter debatido um com o outro.

            A saída é essa, e não é humilhante. O Dr. Sarney voltará a ter o respeito de todos nós se disser: “Houve um equívoco, houve um erro, houve um vazio, e eu peço desculpas”.

            Obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/2011 - Página 11796