Discurso durante a 52ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre barreiras comerciais impostas pela Argentina, que prejudica as negociações para assinatura de acordo de comércio entre a União Européia e o Mercosul.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).:
  • Considerações sobre barreiras comerciais impostas pela Argentina, que prejudica as negociações para assinatura de acordo de comércio entre a União Européia e o Mercosul.
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/2011 - Página 11802
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
Indexação
  • RECLAMAÇÃO, PROTECIONISMO, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, PREJUIZO, NEGOCIAÇÃO, ACORDO, COMERCIO, UNIÃO EUROPEIA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
  • CRITICA, DIFICULDADE, EXPORTAÇÃO, BRASIL, PRODUTO AGRICOLA, PRODUTO INDUSTRIALIZADO, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, DESRESPEITO, NORMAS, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), NECESSIDADE, CORPO DIPLOMATICO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO DA INDUSTRIA E DO COMERCIO EXTERIOR (MDIC), COBRANÇA, GOVERNO ESTRANGEIRO, COMPROMISSO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), EQUIDADE, ATIVIDADE COMERCIAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª ANA AMELIA (Bloco/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, audiência da TV Senado, os exportadores brasileiros, em particular os do meu Estado, os gaúchos, no combate às barreiras comerciais impostas pela Argentina, agora já não estão mais sozinhos, Sr. Presidente, porque conseguiram um aliado de peso e de grande expressão econômica, nada menos do que a União Europeia.

            Em maio do ano passado, foram retomadas as negociações, sempre difíceis, para a assinatura de um acordo de comércio entre a União Europeia e o Mercosul. Os diálogos têm o objetivo de criar um mercado comum, que seria, na verdade, uma zona de livre comércio, a maior do mundo, porque contaria com 750 milhões de pessoas e US$82 bilhões em produtos comercializados entre os dois blocos.

            Porém, em meio a essas negociações - Mercosul e União Europeia -, na semana passada, o bloco comercial europeu ameaçou entrar com uma denúncia contra a Argentina junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), que pode prejudicar o avanço dessas negociações. Aliás, mais um pretexto para não firmar esse acordo entre os dois blocos. Sabem V. Exªs, Sr. Presidente, e os demais Senadores, das resistências que têm os produtores agrícolas europeus ao entendimento dessa natureza, pelo fato de que a produção regional, especialmente do Brasil, da Argentina, do Uruguai e até do Paraguai, em certa medida, são altamente competitivas, pela produtividade, o que não acontece em relação aos produtos da União Europeia.

            Aliás, muito interessante a declaração feita pelo ministro da agricultura francês à revista IstoÉ Dinheiro, Sr. Bruno Le Maire, que declarou que a França não é protecionista. Vamos convir que a realidade é muito diferente disso. Não fosse assim, produtos brasileiros do agronegócio estariam chegando, mesmo que, claro, se entenda que a União Europeia é um grande centro absorvedor de boa parte da produção agrícola brasileira.

            O Comissário de Comércio da União Europeia, a propósito dessas restrições argentinas, Karel de Gucht, disse que o organismo questionará a aplicação de barreiras às importações, chamadas de licenças não automáticas, que, desde fevereiro, afetam mais de 200 produtos europeus do setor industrial, vendidos para a Argentina.

            O Brasil já sentiu esse problema, essa barreira há bastante tempo.

            Aliás, aqui em nosso País, as entidades representantes dos principais segmentos exportadores também estão questionando fortemente as barreiras comerciais argentinas. Empresas do meu Estado do setor de máquinas agrícolas, por exemplo, já estão inclusive demitindo funcionários por conta dessas restrições, que têm limitado a produção desses equipamentos.

            Os impasses são atualmente, Sr. Presidente, os principais entraves à consolidação do Mercosul, que há 20 anos foi criado sob a égide de um mercado comum de comércio entre os países membros, no caso o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, através da liberalização econômica e da coordenação comum de políticas macroeconômicas entre seus signatários.

            Exemplo desse tipo de assimetria nas relações entre os países do Mercosul faz parte do cotidiano das empresas brasileiras exportadoras de calçados. A propósito disso e por meu requerimento, na última sexta-feira, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, durante três horas, debateu, com representantes do MDIC, do Ministério das Relações Exteriores, da Federação dos Produtores Rurais do Mercosul, e também com representantes da Câmara Federal, exatamente o impacto dessas assimetrias, especialmente sobre o setor agrícola e mais também sobre a área industrial. E aí se viram realmente os prejuízos provocados para os produtos brasileiros.

            Mas não é só no setor de máquinas agrícolas e de produtos agrícolas que temos essas barreiras. No caso do setor calçadista, a situação é muito dramática. Segundo a Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados) e também a Associação Comercial de Novo Hamburgo, no mês de março havia mais de 1,2 milhão de pares de calçados brasileiros parados nas alfândegas devido à demora da liberação das licenças não automáticas. Em que pese boa parte da entrada desses calçados tenha sido liberada na última semana, alguns protocolos, Sr. Presidente, estavam demorando mais de 130 dias para serem autorizados, quando o prazo máximo, conforme determinam as regras de comércio internacional da OMC (Organização Mundial do Comércio) e o acordo com o Governo argentino, seria de 60 dias. Portanto, o Governo argentino hoje demora o dobro de tempo para a liberação, o que é inaceitável do ponto de vista da agilidade nas transações comerciais.

            As alegações diplomáticas de parte do Governo argentino recaem, Sr. Presidente, principalmente sobre o argumento das dificuldades com a transição do sistema de emissão de licenças, ou seja, de sistema manual para informatizado. No entanto, exigências burocráticas recentemente registradas merecem novas críticas das autoridades brasileiras e deste Parlamento devido ao excesso evidente e à óbvia busca da criação de novas barreiras, ainda que de forma indireta.

            Ocorre que as empresas brasileiras, ao buscarem a liberação de seus produtos através da aduana argentina - pasmem, senhores telespectadores, Srs. Senadores -, têm de recorrer a cartórios, aos tabelionatos argentinos para a autenticação individual de cada carga alfandegada através de documentos específicos para cada operação. Ou seja, no século XXI, estamos, em matéria de comércio e de relações comerciais bilaterais, andando de carroça.

            Nesse contexto, são necessárias políticas continuadas pela diplomacia brasileira e pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, com propostas e soluções permanentes para esse relacionamento bilateral, Sr. Presidente, estabelecendo regras de longo prazo que impeçam a sucessão de incógnitas, surpresas, inseguranças e dúvidas, que prejudicam reiteradamente o setor exportador brasileiro, claro, provocando muita insegurança jurídica nessas relações com prejuízos diretos sobre o setor exportador brasileiro, provocando, como eu disse, no caso de uma indústria de máquinas, a necessidade de redução de custos e de demissão de funcionários.

            O Governo brasileiro precisa e deve marcar posição firme para que os objetivos traçados no Tratado de Assunção sejam alcançados. Para isso, precisa cobrar dos demais países deste bloco atitudes coerentes com esses objetivos, de uma integração, no mínimo, solidária. O Governo brasileiro tem-se destacado exatamente pela compreensão dos problemas que viveram a Argentina, o Uruguai e o Paraguai; no entanto, não tem havido, aparentemente, reciprocidade na hora em que a exportação dos produtos manufaturados brasileiros sofre essas restrições.

            O Brasil precisa exercer sua preponderância econômica dentro do Mercosul, para impedir que decisões comerciais unilaterais sejam tomadas pelos demais membros em prejuízo dos interesses legítimos brasileiros.

            Sr. Presidente, 75% do Produto Interno Bruto do Mercosul é brasileiro. De acordo com os dados do Ipea, nosso País contribui com 70% dos recursos que compõem o Fundo para Convergência Estrutural do Mercosul - Focem, e o Brasil só se beneficia de apenas 10% do montante desse fundo.

            A corrente de comércio brasileira com os países do Mercosul movimentou US$39, 2 bilhões no ano passado. O bloco econômico sul-americano é destino de 11,6% de nossas exportações, o que é extremamente alvissareiro, positivo e consolidador do processo de integração econômica. Mas não pode haver um tratamento diferenciado que crie essas barreiras com tanta frequência, como vem fazendo o Governo argentino, o que agora provoca até uma reação mais enérgica da União Europeia, não ficando apenas a crítica e as posições dos exportadores brasileiros, não só no setor calçadista, mas também no setor de máquinas e de outros setores que sofrem essas atitudes.

            Dos US$22 bilhões que o Brasil exportou para os países do bloco, no ano passado, Sr. Presidente, 82% são resultados da exportação de produtos manufaturados para a Argentina. Aliás, esse país adquire maior relevância entre nossos parceiros comerciais, quando observamos o tipo de produto que é exportado aos portenhos, nuestros hermanos, como costumamos dizer: 91% de nossa pauta de exportações para o país vizinho são compostos de produtos manufaturados.

            Tenho a certeza e a convicção, Sr. Presidente, de que neste momento não existem mais passagens aéreas disponíveis para brasileiros que queiram passar a Páscoa em Buenos Aires ou em outras cidades argentinas. De novo, nós, o Brasil, estamos financiando o turismo na Argentina. É ótimo que isso aconteça, até porque, por conta do câmbio, veja só, Sr. Presidente, para um gaúcho que mora em Porto Alegre ou na região, é mais barato ir para Buenos Aires que ir para o seu Estado, para Natal, para a belíssima Natal, uma cidade maravilhosa, e para outras cidades do Nordeste, exatamente por conta do câmbio. E essa situação é que realmente faz haver uma distorção nesse processo de solidariedade comercial e de interesses do Bloco do Mercosul, particularmente entre a Argentina e o Brasil.

            Nós temos que ampliar a nossa pauta de exportações desses produtos, e também de serviços, pois produtos manufaturados têm o chamado valor agregado, que é importante porque gera impostos e empregos e tem um peso maior para o nosso País.

            A indústria calçadista, que tanto sofre com as barreiras impostas pelos argentinos... Depois do massacre que aconteceu com a concorrência dos calçados da China, quando a própria Organização Mundial do Comércio apoiou denúncia do Brasil de dumping e aplicou uma sobretaxa muito pesada a cada par de sapato importado de lá, a China acabou encontrando uma terceira via, terceiros mercados, para mandar os mesmos sapatos feitos na China via Vietnã, via Tailândia, via Indonésia. E seria conveniente que o Governo brasileiro também adotasse o mesmo processo contra esses países que tanto prejuízo têm causado às nossas exportações de calçados.

            Ainda em relação à Argentina, Sr. Presidente, aquele país é o terceiro principal destino de nossos calçados, gerando, em 2010, 1,5 bilhão de dólares em divisas com exportações. O parque calçadista brasileiro - é importante que se ressalte - é formado por cerca de oito mil fábricas e emprega diretamente 340 mil pessoas. São empregos formais, que ainda impulsionam a indústria do maquinário para a produção de calçados, os serviços, a logística, o mercado de design, da moda, e tantos outros setores da economia que estão ligados diretamente a essa importante cadeia produtiva.

            Portanto, fortalecer a equidade comercial entre os países membros do Mercosul é, além do cumprimento de um objetivo firmado há 20 anos entre essas nações, fundamental para que mantenhamos em nosso continente os postos de trabalho e a tecnologia produtiva, gerando benefícios sociais para toda a população brasileira e, por que não, a população da América Latina - da América do Sul, em especial - e do Cone Sul, que formam esses blocos tão importantes.

            Tenham certeza, Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, Sr. Presidente, que se os países do Mercosul não fortalecerem suas relações diplomáticas e não fornecerem segurança jurídica para as relações comerciais, com o cumprimento dos objetivos comuns estabelecidos no Tratado de Assunção, nosso continente perderá mercado para os asiáticos em um curto espaço de tempo.

            É exatamente por isso que tenho abordado com insistência este tema, Sr. Presidente. Quero informar que fui designada pelo Presidente da Comissão de Relações Exteriores desta Casa, Senador Fernando Collor, para relatar um acordo de fronteira entre Brasil e Argentina, que será um marco, tal qual já aconteceu em relação ao Uruguai, e que viabiliza facilidades para os moradores dos dois lados da fronteira, trazendo grande interesse para o meu Estado, o Rio Grande do Sul. No caso da Argentina, uma ou duas pontes e tantas outras que queremos que sejam construídas, mas duas principais e emblemáticas: a ponte que liga Uruguaiana a Paso de los Libres e a que liga São Borja a São Tomé. Essa relação será intensificada com esse acordo bilateral, que trata exatamente dos direitos e da harmonização de políticas públicas na relação de vizinhança com os moradores dessas regiões. Será um passo muito importante no estreitamento das relações. Portanto, é preciso que também nas relações comerciais haja entendimento e mais solidariedade.

            Muito obrigada, Sr. Presidente. Muito obrigada, Srs. Senadores que deram atenção a este pronunciamento.


Modelo1 12/28/241:15



Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/2011 - Página 11802