Discurso durante a 52ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a falta de recursos para a saúde pública do País, detalhando o montante aplicado pela União, Estados e Municípios, comparando a atuação do Brasil e a de outros países no setor e apresentando sugestões para a solução do problema.

Autor
Paulo Davim (PV - Partido Verde/RN)
Nome completo: Paulo Roberto Davim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Reflexão sobre a falta de recursos para a saúde pública do País, detalhando o montante aplicado pela União, Estados e Municípios, comparando a atuação do Brasil e a de outros países no setor e apresentando sugestões para a solução do problema.
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/2011 - Página 11805
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, PROBLEMA, SAUDE PUBLICA, BRASIL, INSUFICIENCIA, RECURSOS, COMPARAÇÃO, DIVERSIDADE, PAIS ESTRANGEIRO, NECESSIDADE, AUMENTO, PERCENTAGEM, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), INVESTIMENTO, SETOR.
  • SUGESTÃO, CAPTAÇÃO DE RECURSOS, LOTERIA, SOLENIDADE, INCENTIVO, EMPRESA, OFERECIMENTO, ASSISTENCIA MEDICA, FUNCIONARIOS, URGENCIA, REGULAMENTAÇÃO, NORMAS, ORÇAMENTO DE INVESTIMENTO, SAUDE, UNIÃO FEDERAL, ESTADOS, MUNICIPIOS.
  • DEFESA, INDICAÇÃO, CARGO PUBLICO, COMPROVAÇÃO, CAPACIDADE TECNICA, GESTÃO, SAUDE, ESTABELECIMENTO, CARGO DE CARREIRA, MEDICO, INICIO, TRABALHO, INTERIOR, BRASIL, IMPORTANCIA, AUMENTO, RENDIMENTO, AGENTE DE SAUDE PUBLICA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PAULO DAVIM (Bloco/PV - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Ana Amelia, Srªs e Srs. Senadores, todos que aqui nos assistem pela TV Senado, hoje, eu gostaria de fazer uma reflexão sobre a saúde pública do Brasil.

            Todos nós sabemos, não é novidade para ninguém, que a saúde pública do Brasil atravessa um momento difícil. Não é de agora e já faz algum tempo. Sabemos do subfinanciamento do sistema, sabemos das dificuldades de gestão, sabemos também da carência de uma política de recursos humanos que possa incrementar o sistema público de saúde deste País.

            Há quem questione sobre o financiamento do sistema de saúde brasileiro. Há quem diga que não adianta muito aumentar os recursos destinados à saúde porque o problema é de gestão. Há outros até que acham que não temos nenhum problema, mas o que é fato é que existe, sim, um subfinanciamento da saúde no Brasil.

            Vou me ater neste problema, fazer, como disse há pouco, uma reflexão, mostrar que realmente existe falta de recursos na saúde. Vejamos: existe, ou houve, em 2009, um investimento de R$58 bilhões por parte da União na saúde; dos Estados, R$34 bilhões; e dos Municípios, R$35 bilhões; perfazendo R$127 bilhões, o que corresponde a algo em torno de 4% do PIB.

            A iniciativa privada investiu R$64 bilhões, correspondentes a planos e seguros de saúde; R$24 bilhões são os gastos diversos dos pacientes com exames, consultas e internações - ou seja, aquele paciente particular, que pagou exame, pagou consulta, pagou internação ou alguma coisa, e isso redundou em R$24 bilhões -; e R$55 bilhões correspondentes à compra de remédios, ou seja, o gasto daqueles pacientes que compraram diretamente na farmácia o seu tratamento veio a perfazer o total de R$55 bilhões, fechando-se R$143 bilhões de recursos privados, contabilizando-se 4,5% do PIB. Portanto, está comprovado que os recursos públicos são insuficientes, porque chegamos sofrivelmente à casa dos 4% do PIB. Isso é muito baixo em se tratando de um sistema de assistência à saúde universalizado, como é o do Brasil.

            Para se ter uma ideia, levantei 16 países, para saber o gasto médio do PIB. Pesquisei a Austrália, a Áustria, a Bélgica, o Canadá, a Dinamarca, a Finlândia, a França, a Alemanha, a Irlanda, a Itália, o México, a Holanda, a Noruega, a Espanha, a Suécia e a Inglaterra, e o gasto médio do PIB desses países é de 9,7%.

            Mas fiz outra avaliação: o gasto per capita/ano. Os Estados Unidos, o Canadá e a Suécia gastam mais de US$2 mil per capita/ano, US$2,5 mil, US$2,3 mil; a Argentina, mais de US$500; o Uruguai, mais de US$400; o Brasil, próximo a US$400.

            Então, acho que está comprovado sobejamente que existe um investimento aquém para a saúde pública, para as demandas da saúde pública. É aquela história: se não há recursos, os problemas se agravam; se não há gestão, pior ainda. É mais ou menos esse dilema que vivemos.

            Todas as vezes em que se fala de melhorar o aporte de recursos para a saúde, vem sempre o fantasma da CPMF; cria-se um novo imposto, aumenta-se a tributação no Brasil, que já é o campeão mundial de impostos.

            Mas, Srª Presidente, não trago só esses números, nem trago o que todos já sabem, um discurso apontando as falhas do sistema e o sofrimento de todos que pensam o Sistema de Saúde no Brasil. Eu me atrevo a trazer sugestões para o problema. Acho que precisamos aumentar o aporte de recursos, sem necessariamente aumentar a tributação.

            Vejamos: o Governo, preocupado com a dívida dos clubes de futebol do Brasil com a Previdência, criou a Timemania, iniciativa que acho muito louvável, criativa. Precisamos usar a mesma criatividade para a saúde.

            Uma primeira proposta desse rol que citei foi criar um percentual das loterias destinado à saúde. E vou dizer por quê. A premiação das loterias corresponde a 46% da renda bruta: 30% são rateados entre os acertadores das seis dezenas - estou pegando o exemplo da Mega-Sena -, das cinco e por aí se vai, mas 22% são acumulado para integrar a primeira faixa de premiação da Sena nos concursos de final zero. Por exemplo, nos concursos de número dez, vinte, trinta, 22% são acumulados.

            Acho que poderíamos extrair daí 5%, por exemplo, para destinar à saúde. Não vejo nada de mais nisso, até porque a destinação social dos recursos das loterias, Srª Presidente, vou dizer quais são: 1% para o Fundo Nacional de Cultura; 22,4% para a Seguridade Social; 9,6% para o Programa de Crédito Educativo; 3% para o Fundo Penitenciário Nacional; 4,5% para o Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto. Ótimo, mas não há 1% para a saúde.

            O meu discurso e a minha luta por onde passei é para fazer com que a saúde seja prioridade. Não estou tirando percentual de ninguém com essa proposta. Estou apenas diminuindo o acumulado que integra a primeira faixa de premiação nos concursos de final zero. Dos 22%, estou propondo 5% como percentual destinado à saúde. Acho que é viável. É a primeira proposta.

            A segunda proposta diz respeito às multas de trânsito. Nem um centavo das multas de acidentes de trânsito é destinado à saúde. E dados de 2008 demonstram que o Governo gastou, Srª Presidente, R$9,8 bilhões com assistência médica aos acidentados de trânsito. Repito: foram R$9,8 bilhões só com os acidentados de trânsito. O acidente de trânsito mata mais do que a violência urbana.

            Acidentes de moto. Aliás, isso está sendo um problema grave no interior do Brasil, sobretudo no Nordeste, onde as motos estão substituindo o cavalo.

E, para cada 100 mil motocicletas vendidas no Brasil, 88 mortes por ano, enquanto que, para cada 100 mil veículos, 32 mortes por ano. A mortalidade no Brasil, mortes oriundas de acidente de trânsito, chega a 40 mil óbitos/ano. Entretanto, das multas dos infratores, nenhum centavo vai para a saúde. Eu proponho que seja destinado um percentual para a saúde, porque a saúde gasta com os acidentes de trânsito.

            O terceiro item, dentro desse pacote: eventos públicos. O que acontece no Brasil? Os grandes eventos públicos - as micaretas, os grandes festivais etc., etc. - deixam uma quantia enorme de lucro para os seus promotores e uma herança de dívidas enorme para o Estado, porque não há contribuição para a saúde, e esses grandes eventos, invariavelmente, são permeados por violência; neles acontecem exageros da bebida, exaltação de ânimos, o que resulta em mais atendimento de urgência nos hospitais dos Municípios e do Estado.

            Portanto, proponho que sobre os eventos públicos que não sejam eventos culturais ou religiosos incida uma contribuição para a saúde. E não é difícil fazer isso.

            Proponho o estímulo a empresas. Que o Governo estimule as empresas que tenham número maior que cem funcionários a oferecer a esses funcionários acesso à medicina suplementar, numa forma de desafogar os hospitais públicos e a assistência médica pública. O Governo criaria algum tipo de incentivo para que essas empresas promovam isso. Interessante que essa ideia também foi pensada pelo Presidente dos Estados Unidos Barack Obama logo que assumiu, que se deparou com uma assistência médica americana em grave crise, que persiste até hoje.

            Proponho também a imediata regulamentação da Emenda 29. A Emenda 29 não só corresponde a um aporte de recursos para a saúde, mas também estabelece obrigações orçamentárias com a saúde entre União, Estados e Municípios. É importante que essa emenda seja regulamentada.

            E a longo prazo, Srª Presidente, proponho que se estabeleça um percentual destinado à saúde no pré-sal. Eu sei que vai demorar um pouco, mas precisamos amarrar esse compromisso agora. Entendo que a necessidade premente, a necessidade de agora, com a saúde, essas sugestões acima, enumeradas por mim, eu acredito que darão um aporte necessário. Agora, para o futuro, não vejo outra saída a não ser amarrarmos um percentual no pré-sal para a saúde.

             Falo isso por que todas as vezes que se discute financiamento de saúde surge o fantasma, como falei há pouco, do imposto da saúde. E as pessoas sempre dizem: “Mas eu não consigo enxergar outra saída. Qual seria a solução?“

            Fiz questão, depois de uma pesquisa detalhada, juntamente com a assessoria, de trazer esses pontos que, seguramente, vão garantir um aporte de recursos de imediato, a curto e médio prazo, para a saúde, e, com isso, tenhamos uma saúde com recursos necessários para atender a sua demanda.

            Evidentemente que nós não vamos ter uma saúde de primeiro mundo dessa forma, porque a saúde é cara - todos nós sabemos disso; e precisa também de uma gestão profissionalizada. Sempre defendi isso. Não acredito nas nomeações meramente políticas, com interesses meramente políticos, e que os indicados para ocupar cargos estratégicos na saúde não sejam capacitados, não sejam preparados para a gestão da saúde propriamente dita.

            Defendo a profissionalização da gestão, um gestor que saiba o que está fazendo. Sou contra a nomeação de apaniguados políticos. Acho que a saúde é prioridade; a saúde é, sim, estratégica para qualquer governo.

            Duvido que se nomeie para o Banco Central alguém que não conheça a temática, alguém que não saiba o que está fazendo no Banco Central, porque a política econômica para o Brasil, e para todos os países do mundo, é uma política de estratégia. Não podemos brincar com política econômica, da mesma forma que não podemos brincar com a saúde da população.

            Portanto, deveremos lutar incessantemente pela gestão profissionalizada na saúde. Colocar um diretor que tenha conhecimento em administração hospitalar; colocar um gestor que tenha conhecimento de saúde pública; colocar pessoas capazes nos pontos estratégicos da administração pública de saúde, para que a gente possa ter uma saúde verdadeiramente eficaz, resolutiva e universalizada, conforme prega o SUS.

            Acho também, para concluir, Srª Presidente, que a assistência de saúde do Brasil carece de uma política de recursos humanos séria, que leve estímulo ao servidor. Precisamos de uma carreira de Estado. Falo isso não como Senador, mas sobretudo como médico. Precisamos de uma carreira de Estado. Tudo que é prioritário neste País, rapidamente se transforma em carreira de Estado. É assim com a tributação; é assim com a magistratura; é assim com o Ministério Público. Enfim, várias áreas deste País e nos Estados da Federação existem carreiras estabelecidas para determinados segmentos.

            Por que não estabelecermos uma carreira de Estado para a saúde, para acabar definitivamente com essa história de faltar médico no interior do Brasil? Não é que falte médico no Brasil, não. O Brasil é campeão em escolas médicas do mundo. Nós temos mais escolas médicas do que os Estados Unidos da América; nós temos mais escolas médicas do que a China; nós temos escolas médicas demais! O que temos é concentração de médicos em centros urbanos.

             Precisamos de uma política de interiorização do médico, mas dando ao médico condições de se interiorizar, levar o seu trabalho para a população do interior do Brasil, dando-lhe condições de trabalho e salário justo e digno. Por isso, precisamos de uma política de recursos humanos estabelecendo uma carreira de Estado para a saúde. Que o médico faça concurso, comece no interior e depois possa ascender a um grande centro, onde a porta de entrada seja no interior, onde o médico saiba que vai para o interior mas vai ganhando bem, tendo condições de garantir, com dignidade, o sustento de sua família, sabendo que vai ser avaliado anualmente ou de dois em dois anos e que com sua performance poderá galgar outros espaços.

            É isso que tem que ser garantido, assim como acontece com a carreira da magistratura, como acontece com o juiz de Direito, juiz de Primeira e de Segunda Instância. Então, queremos isso também para a saúde. Aí nós vamos, de uma vez por todas, ter uma saúde digna para a população.

            Não acredito que a saúde do Brasil melhore se não melhorarmos, primeiro, o aporte de recursos; segundo, uma gestão profissionalizada; e, terceiro, uma carreira de Estado para os servidores da saúde. Só temos esse caminho. Não existe milagre. De outra forma não teremos uma assistência à saúde pública dos nossos sonhos.

            Portanto, defendo peremptoriamente a carreira de Estado para o servidor da saúde; defendo peremptoriamente uma gestão profissionalizada e, definitivamente, um aporte de recursos necessários para a saúde pública do Brasil funcionar a contento.

            Era só Srª Presidente. Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/2011 - Página 11805